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A atitude diante de Deus e de Nossa Senhora

Razão pela qual poucas vezes peço tal coisa ou tal outra coisa. Quando peço é mais uma expansão do que propriamente um pedido. Porque o pedido está na minha necessidade e no meu desejo patente aos olhos deles. Mas, como a alma humana é muito sociável, então, em certas ocasiões é natural que eu diga alguma coisa, mas é como expansão, não é porque ache que é necessário dizer para Ela saber.

Não censuro nem um pouco quem proceda de outra maneira. Mas a essência de minha oração é: “Minha Mãe, eis-me aqui. Sei bem, ou ao menos julgo saber, quais são os meus defeitos. Receio, por outro lado, ter uma noção hipertrofiada de minhas qualidades. Vós sabeis objetivamente como é uma coisa e como é outra. Vós vedes tudo isto e Vós rezais por mim com o empenho de Mãe de misericórdia. Por outro lado, Vós quereis a oração de vossos filhos. Olhai para as minhas necessidades. Elas são um bramido que se levanta a Vós, pedindo-vos aquilo de que preciso. Tende pena de mim, ponde em mim os olhos de Vossa piedade e atendei-me” 486 .

A atitude diante de Deus e de Nossa Senhora

Um modo de rezar muito próprio ao meu feitio de espírito consiste em observar todas as coisas continuamente, analisando-as com calma, com tranquilidade, mas sobretudo com muita precisão, com muita exatidão, o que é conforme a Deus e o que é contra Deus; o que é que está nos levando à maior santidade, o que nos está afastando de uma santidade maior. De maneira tal que, nas mais ínfimas coisas, se possa perceber que efeito essas coisas estão produzindo em nossas almas.

Ter continuamente presente o panorama da batalha da Revolução e da Contra-Revolução, e a cada momento, se virmos uma coisa revolucionária, detestá-la; e se virmos alguma coisa contra-revolucionária, amá-la – isto é evidentemente uma forma de oração, por estar pensando continuamente em função de Nossa Senhora, dos interesses d’Ela e da causa d’Ela. Isso não é árduo, é muito deleitável, muito interessante, muito atraente, desde que a pessoa tenha energia de ir adquirindo esse hábito487 . *

486 Chá SRM 22/11/88 487 Chá SRM 12/5/94

Em essência, a minha oração é esta. Não estou preocupado em saber se esta é a melhor oração, se ela é sublime, ou se é corriqueira ou banal. É onde está a minha alma.

Se se pode fazer uma oração melhor, está muito bem: faça-se. E peço a Nossa Senhora que me ensine a rezar melhor. Mas se esta é plenamente a oração que Ela quer de mim, dou graças a Ela e a apresento, pois sei que Ela se contenta com pouco.

Há fotos que correm pelo Grupo em que apareço rezando. Elas expressam uma impressão de placidez, de tranquilidade, pela qual compreendo que uma pessoa diga: “Ele tem consciência de que está falando com Deus, que está falando com Nossa Senhora? Se ele fosse recebido por um magnata da terra, ele estaria tão tranquilo assim?”

A resposta é simples. Com o magnata da terra eu seria obrigado a me débrouiller para conseguir convencer esse magnata do que eu preciso. Já com Deus e com Nossa Senhora é diferente. Deus sabe, Nossa Senhora sabe. Por que então estar com explicações sem fim?

Alguém objetará: “Mas não foi o modo de rezar que Nosso Senhor ensinou. Ele, no Pater Noster, pediu várias coisas. Por que você também não pede várias coisas?”

Respondo: peço muitas coisas, peço mil coisas. O problema é saber se, no caso concreto da oração, sou obrigado a especificá-las. Elas são tantas, tão matizadas e tão imensas, que a mim parece um trabalho irrealizável. Então julgo melhor dizer: “Minha Mãe, olhai para mim, como para o mendigo que estende a mão para um transeunte que passa”.

Há mendigos que, ao pedir esmola, dizem uma porção de coisas: “Estou com a perna ferida, dê-me um dinheiro”. Há outros que simplesmente estendem a mão. Sou da categoria do mendigo que estende a mão. A minha mão vazia indica tudo: tenho a mão vazia e orante para apresentar a Ele ou a Ela.

Na hora de comungar não digo: “Estou recebendo em mim meu Deus e Senhor. Meus Deus, não sou digno etc.” Se há quem saiba que não sou digno, sou eu. Mas isto Ele sabe totalmente, e Ele está vendo que acho isto.

Talvez seja menos digno do que estou imaginando. Neste caso peço a Ele que me faça ver a minha indignidade ainda mais objetivamente. Mas peço na calma, porque sei que Nossa Senhora está pedindo por mim. Se Ela não pedisse por mim, eu desanimaria, porque seria uma coisa que não teria jeito.

Como é que vou dar um jeito nisto? Não vai. Entretanto, Ela pedindo por mim, fico tranquilo.

Imaginem que Dona Lucilia estivesse viva, e que eu doente na cama, precisando de tratamento. Eu iria dizer para ela: “Mamãe, lembrai-vos que

sou vosso filho, e que estou aqui com tal e tal doença. Tende piedade de mim, não me abandoneis, vinde curar-me?” Seria como eu faria quando ela entrasse no quarto?

Ela entraria dizendo: “Filhão, o que é que você tem?”, e eu responderia: “Mãezinha, isso, aquilo, aquilo outro”. E está acabado. O resto está entendido entre nós. Ela até estranharia muito se eu começasse tratá-la com toda essa retórica.

Não pensem que isto signifique que eu tenha a sensação de que Deus Nosso Senhor e Nossa Senhora estejam perto de mim.

Tenho a impressão de que estão perto, no mesmo sentido em que o sol está perto por seus raios chegarem até mim, mas sabendo que a distância que há entre mim e o sol, que distância é!

Mas essa distância é infinitamente menor do que a distância que há entre Nosso Senhor e mim. Ele também é um sol muito mais possante do que esse solzinho de matéria em combustão que temos aqui.

Ele está distantíssimo, superioríssimo, e se não fosse o pedido d’Ela, por desdén, para usar a expressão castelhana, Ele me rechaçaria desde logo. Mas sei que o próprio Deus criou para Si uma Mãe que é minha. E sei o que é ter uma mãe. Então confio.

A superioridade de Deus é tal que, se não fosse a devoção a Nossa Senhora, repito, eu desanimaria. Gosto de senti-los superiores, porque toda a vida gostei de admirar. E gostei de me sentir pequeno em relação aos que me são superiores. O élan de minha alma foi sempre este. E isto não se faz para mim com pânico. Não tenho pânico. É uma situação que reconheço maravilhado.

Em certos apuros, pedi muito alguma coisa concreta. Por exemplo, por ocasião daquela graça que recebi diante da imagem de Nossa Senhora Auxiliadora na igreja do Sagrado Coração de Jesus, estava rachando de pedir. Mas o que me veio foi tão tranquilizante, que fez do meu pedido não um gêiser, mas um curso de água tranquilo e normal. Acho que isto é bom488 . *

Não ousaria nunca me apresentar diante de Deus para fazer uma oração, dizer um Padre Nosso, sem que fosse por meio de Nossa Senhora. Nunca, nunca, nunca faço uma oração a Ele sem ser por meio d’Ela.

Procedo conforme o exemplo dado por São Luís Grignion no “Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem”, do homem pobre que quer oferecer uma maçã ao rei. Não sabendo como oferecer uma coisa tão vil,

488 Chá SRM 22/11/88.

pede à rainha, que é misericordiosa, que é materna, que a ofereça por ele. A rainha sorri, toma a maçã, coloca-a sobre uma bandeja de ouro e depois pega ela mesma essa bandeja de ouro e a oferece ao rei. Por ser oferecido por Nossa Senhora, o rei aceita a maçã com beneplácito, e até não olha, não considera os defeitos da alma do camponês, porque foi a Mãe d’Ele que ofereceu.

A ideia de São Luís é que Nossa Senhora pode cobrir as nossas almas com o manto da virtude d’Ela, e então a nossa presença se torna inteiramente agradável a Deus.

É nesta perspectiva que faço qualquer oração, desde pedido da coisa mais comum, mais corrente, até pedidos maiores, como por exemplo o pedido de que venha logo o Reino de Maria.

E faço isto sabendo que alcançarei muito mais do que o homem na parábola do pedinte insistente e inoportuno489 .

Vemos, pela narração evangélica, que o dono da casa não gostava do homem da parábola, e acabou dando o que ele pedia por ele ter insistido muito. Oferecendo nossas ações por meio de Nossa Senhora, sei que o Divino Dono da casa pega essas miseráveis maçãs e, assim como por ordem d’Ele a água se transformou em vinho, assim também por ordem d’Ele o meu miserável presente, passando pelas mãos de sua Mãe, toma um caráter inteiramente diferente. E isto me faz olhar com calma a minha oração, que sobe e se transfigura, e por isso é recebida por Ele com comiseração e bondade.

Assim rezo. Não me atreveria a rezar de outra maneira490 . *

É curioso como a grandeza d’Ela se põe diante dos meus olhos. É uma grandeza ogival, extremamente abarcativa, que por abarcar tudo, abarca-me a mim também dentro do conjunto que Ela abarca. E, por causa disto, é ao mesmo tempo enormemente grandiosa e enormemente materna.

Há n’Ela uma enorme tendência a querer bem, a reverter-se num outro, a por assim dizer entornar-se inteira dentro de um outro.

Então, deixemo-nos encher na paz, na tranquilidade. E daí uma espécie de reciprocidade muito tranquila, muito reverente, ao mesmo tempo muito carinhosa, e que faz o ambiente em que me coloco para rezar a Ela.

489 Lc, 11, 5-8 490 Chá PS 15/3/95

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