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capítulo iV – A Igreja não tem dúvidas

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capÍtulo iV

A Igreja não tem dúvidas

Como já foi recordado, em 1993 o Papa João Paulo II definiu a Santa Casa de Loreto como “o primeiro Santuário de alcance internacional dedicado à Virgem e, por vários séculos, o verdadeiro coração mariano da cristandade”, lembrando também como o mesmo “desfrutava sempre da especial atenção dos Romanos Pontífices, que o tornaram fizeram um frequente destino de peregrinação e objeto de seu cuidado apostólico”.

Com efeito, ao longo dos séculos o Papado atestou a importância e o caráter extraordinário da basílica lauretana e do milagre ali ocorrido com vários pronunciamentos e, sobretudo, com a lirturgia, através da qual tiveram reconhecimento oficial tanto a autenticidade da Santa Casa quanto suas trasladações milagrosas.

4.1 A festa da trasladação da Santa Casa

Antes de tudo, cumpre sublinhar que em 10 de dezembro ocorre liturgicamente a festa da “Trasladação Milagrosa” da Santa Casa de Nazaré para Loreto, e não a festa de Nossa Senhora de Loreto, que há vários anos vem sendo estampada erroneamente em calendários ou afirmada por simplicidade e ignorância1. Embora seja certamente também uma festa mariana, é importante lembrar que no calendário

1 Cfr. G. Nicolini, La veridicità della miracolosa traslazione della Santa Casa di

Nazareth a Loreto, cit., p. 36.

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litúrgico tradicional, isto é, antes das reformas promovidas pelo Vaticano II, as fórmulas da Missa para aquele dia eram as mesmas da dedicação de uma igreja, precisamente porque no centro da celebração estava (e ainda deveria estar) a Santa Casa.

Ao estabelecer essa festa, a Igreja assumiu um forte compromisso: o princípio lex orandi, lex credendi é sempre válido. E embora o acontecimento de Loreto não seja um dogma infalível, é verdade que os pronunciamentos da Igreja têm sido da mais alta autoridade e merecem respeito e obediência.

A instituição dessa festividade – sempre realizada em nível local – ocorreu sob o pontificado de Urbano VIII, através de um decreto da Congregação de Ritos de 29 de novembro de 1632, que a aprovava de forma limitada à região das Marcas.

Em 30 de agosto de 1669 ela foi inserida por Clemente IX no Martirológio Romano, onde estava escrito: “Em Loreto, no Piceno, trasladação da Santa Casa de Maria, Mãe de Deus, na qual o Verbo se fez carne”2 . O mesmo Pontífice autorizou para os povos da Croácia um Ofício e uma Missa próprios, para a trasladação da Santa Casa a Tersatto. Em 16 de setembro de 1699, Inocêncio XII aprovou o Ofício e a Missa3 próprios e fez juntar à VI Lição do Breviário Romano a história do prodígio, que dizia o seguinte: “A casa natal da Bem-aventurada Virgem Maria, consagrada por mistérios divinos, foi transportada pelo ministério dos anjos do terra dos pagãos, sob o pontificado de São Celestino V, primeiro para a Dalmácia, depois para o território de

2 Cit. In G. Niconili, La veridicità della miracolosa traslazione della Santa Casa di

Nazareth a Loreto, cit., p. 38. 3 Eis a tradução da oração da Missa de então: “Ó Senhor, que na vossa misericórdia, com o mistério da vossa Encarnação santificastes a casa da Bem-aventurada

Virgem Maria e a transportastes milagrosamente ao seio de vossa Igreja, fazei com que, afastados da casa dos pecadores, nós nos tornemos habitantes de vossos santos tabernáculos”. Cit. in G. Gorel, La Santa Casa di Loreto, cit., p. 182.

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Loreto, da província picena. Que se trata da verdadeira casa na qual oVerbo se fez carne e habitou entre nós, é provado seja pelas cartas e bulas papais e pela veneração conhecida em todo o mundo, seja pelos milagres contínuos que são obtidos aqui”4 . O Papa Bento XIV afirmou a esse respeito que “querer demonstrar a verdade dos fatos mencionados nesta Lição, seria querer refazer o que os historiadores da Santa Casa fizeram com tanto zelo e doutrina”5 .

Bento XIII e seus sucessores estenderam a festa à Toscana, a Roma, à República de Veneza, e depois a toda a península italiana e a todas as nações, dioceses e ordens religiosas que a solicitaram.

A Sagrada Congregação de Ritos, em um decreto de 16 de abril de 1916, confirmou de uma vez por todas: “Trata-se realmente do local de nascimento da Bem-aventurada Virgem Maria, onde se realizaram muitos divinos mistérios. Esta casa tão venerada, outrora transportada por anjos da Palestina para a Dalmácia e depois para Loreto, no Piceno, manifesta-se a todos com o brilho contínuo de seus milagres e o constante favor dos dons celestiais: verdadeiramente aqui o Verbo se fez carne”6 .

A festa passou por várias vicissitudes, tendo sido algumas vezes obrigatória para toda a Igreja e outras vezes apenas em nível local. Até 1956 celebrava-se o dia 10 de dezembro em toda a Itália com um rito duplo de primeira classe com oitava (assim organizado pelo Papa Leão XIII num breve de 23 de julho de 1894). Depois de 1956, no contexto de uma simplificação do Missal, a oitava desapareceu. Em 14 de fevereiro de 1961, a Sagrada Congregação de Ritos emitiu uma instrução na qual a trasladação da Casa da Bem-aventurada Virgem Maria voltaria a ser comemorada apenas nas Marcas, como acontece ainda hoje.

4 Cit. in ibidem 5 Cit. in G. Gorel, La Santa Casa di Loreto, cit., p. 182. 6 Cit. in ibidem, p. 186.

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4.2 As ladainhas lauretanas

Ao lado da liturgia, não podem ser neglicenciadas as ladainhas lauretanas, cuja difusão destaca muito bem a importância que sempre teve o santuário de Loreto. Elas se constituíam das invocações que os peregrinos recitavam na Santa Casa e se baseavam em textos pré-existentes. No entanto, a forma mais antiga que as recolhe remonta ao século XVI e, assim, as ladainhas logo foram solenemente reconhecidas pela Santa Sé. O primeiro Papa a aprová-las e concedê-las foi Sisto V, natural da região das Marcas e franciscano, com a bula Reddituri de 11 de julho de 1587.

Durante o pontificado de Clemente VIII, com o decreto Quoniam multi de 6 de setembro de 1601, o Santo Ofício estabeleceu sua forma atual: “Dado que desde esses tempos muitas pessoas privadas também divulgam novas ladainhas todos os dias sob o pretexto de fomentar a devoção; posto que já circula uma grande variedade quase inumerável de ladainhas, e em algumas delas se encontraram expressões inconvenientes e em outras – muito mais grave – até mesmo perigosas, eivadas de erro; desejando suprir a preocupação pastoral pelo incremento da devoção das almas e da invocação de Deus e dos santos sem o perigo desse prejuízo espiritual, [Clemente VIII] estabelece e ordena que sejam mantidas as ladainhas mais antigas e comuns que se encontram nos Breviários, Missais, Pontificais e Rituais, bem como as ladainhas que são geralmente cantadas no santo templo de Loreto. Quem quiser publicar outras ladainhas ou usá-las na Igreja já publicadas – seja nos oratórios, seja nas procissões –, deverá apresentá-las à Congregação dos Ritos Sagrados para que sejam aprovadas e corrigidas, se necessário. Não presumam divulgá-las em público ou recitá-las publicamente sem a permissão e a aprovação da referida Congregação, sob a pena (além daquela do pecado cometido) que será severamente infligida a critério do Ordi-

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nário e do Inquisidor”7. Por isso, a partir de agora, qualquer modificação e acréscimo às ladainhas lauretanas deverá ser aprovado pela Santa Sé.

É interessante lembrar que durante sua viagem a Loreto no verão de 1770, o jovem Wolfgang Amadeus Mozart ficou tão impressionado e encantado com a Santa Casa que, no ano seguinte, compôs sua Litaniae lauretanae Beatae Mariae Virginis.

4.3 A voz dos Sumos Pontífices

São de fato muitos os pronunciamentos dos Papas sobre Loreto. Embora brevemente, é oportuno fornecer um quadro o mais completo possível.

Antes de tudo, parece – segundo relatado por São Pedro Canísio8 – que Nicolau IV, natural da região das Marcas, soube da trasladação milagrosa para Tersatto. Bonifácio VIII, por sua vez, foi informado da chegada da preciosa relíquia à Itália. E a esse respeito alguns argumentam que o anúncio do primeiro Jubileu, feito por ele em 1300, apenas quatro anos após a última trasladação da Santa Casa, também foi motivado pelo desejo de permitir que os peregrinos que se dirigissem a Roma fossem a Loreto9 .

Areferência indireta, mas primeira, explícita ao “milagre da Santa Casa” está contida na bula de Clemente V, de 18 de julho de 1310, na qual ele ratificou o voto de alguns peregrinos alemães a Loreto e escreveu sobre a “milagrosa divina Virgem lauretana”. Outras referências à Santa Casa foram feitas por João XXII em 1320. Bento XII concedeu privilégios e indulgências àqueles que fossem rezar em Loreto, decisão que posteriormente foi reiterada e confirmada

7 Cit. in A.M. Appolonio, Le Litanie Lauretane, Casa Mariana Editrice, Frigento (AV), 2013, p. 7. 8 Cfr. G. Santarelli, La Santa Casa di Loreto, cit., p. 17. 9 Cfr. P.V. Martorelli, Teatro storico della Santa Casa, cit., cap. III, p. 50.

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por Urbano VI, Bonifacio IX, Martinho V e Eugênio IV. O Papa Nicolau V foi duas vezes em peregrinação à Santa Casa e ordenou que os presentes oferecidos a ela fossem conservados para constituir o tesouro.

Para confirmar a tradição das traladações milagrosas, é importante relatar o gesto do Papa Urbano V, que em 1367 enviou uma imagem da Virgem lauretana aos fiéis de Tersatto, para consolá-los pela dor de terem perdido a Santa Casa. De fato, os tersatenses sempre acreditaram que a aparição da casa havia sido um verdadeiro milagre e, uma vez que souberam de sua mudança para Loreto, começaram a fazer peregrinações àquela localidade da região das Marcas, rezando para que a Virgem voltasse a habitar entre eles. Ainda hoje, essa imagem da Virgem lauretana de Urbano V é altamente venerada em Tersatto e entre os eslovenos.

Pio II e Paulo II tinham um relacionamento particular com Loreto. Pio II pôde visitar o santuário apesar de estar no final de sua vida, devido a uma graça especial da Virgo lauretana: ele morreu de fato pouco depois, em 1464, em Ancona, de cujo porto estava saindo a cruzada que ele promoveu contra os turcos. Paulo II convocou em 1470 um jubileu extraordinário limitado à visita à basílica, e nas bulas a ela dedicadas falou de um santuário “milagrosamente fundado” e da imagem de Nossa Senhora que chegou por admirável clemência divina no meio de uma escolta celeste. Não apenas isso: quando ele ainda era cardeal (seu nome era Pietro Barbo) e ajudou Pio II em sua doença, ele foi atingido pela praga. Orando entre os muros da Santa Casa, a Madona apareceu para ele, que o curou e anunciou sua iminente eleição para o trono papal: assim aconteceu e no primeiro escrutínio do conclave, em 30 de agosto de 1464. Paulo II, como sinal de gratidão e testemunho explícito do milagre, dedicou sua primeira encíclica à Virgem de Loreto. O resumo do documento foi mandado esculpir pelo governador da Santa Casa, Vincenzo Casali, em uma grande

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laje de mármore conservada ainda hoje na pilastra da nave esquerda do Santuário10 .

Sisto IV declarou Loreto propriedade da Santa Sé e conferiu à Santa Casa o título de Alma Domus. Júlio II – que em 21 de outubro de 1507 publicou uma bula na qual confirmou as indulgências concedidas por seus antecessores e as trasladações milagrosas sucessivamente para a Dalmácia e para a Itália11 – foi miraculado pela Virgem lauretana, que salvou sua vida durante a batalha de Mirandola. O Papa visitou o santuário, onde celebrou a missa no dia da Natividade de Maria de 1510. Também doou como ex voto a bala de canhão da qual se salvou. Referindo-se à famosa relíquia, o Papa Della Rovera escreveu, entre outras coisas, “que não apenas a imagem da Virgem Maria se encontra nesta igreja, mas ut pie creditur et fame est, de acordo com a tradição, aqui também se encontra o quarto onde a Bem-aventurada Virgem Maria foi concebida, criada, anunciada pelo Anjo, onde concebeu o Salvador do mundo pelo poder do Espírito Santo, onde nutriu e criou o divino Filho, onde se arrebatava nas coisas celestes, esteve ali orando, e esse quarto foi transformado pelos apóstolos em uma capela dedicada à Virgem Maria, onde foi celebrada a primeira missa ...”12

Leão X, no breve de 1º de junho de 1515, ao falar da Santa Casa, escreveu literalmente que: “está provado por testemunhas dignas de fé que a Santa Virgem, após transportar pela onipotência divina sua imagem e sua casa de Nazaré para a Dalmácia, em seguida para a floresta de Recanati e ao campo de dois irmãos, mandou depositá-la pelo ministério dos anjos na via pública, onde ainda se

10 Cfr. G. Nicolini, L’approvazione dei Sommi Pontifici delle miracolose traslazioni della Santa Casa di Nazareth a Loreto, in Il Segno del soprennaturale, nº 209, novembro de 2005, p. 19. 11 Cit. in G. Gorel, La Santa Casa di Loreto, cit., pp. 172-173. 12 Cit. in ivi

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encontra e onde o Altíssimo, pelos méritos da Santíssima Virgem, continua a operar milagres”13 .

Clemente VII enviou uma delegação de homens a Nazaré para confirmar a autenticidade da preciosa relíquia e a resposta foi positiva: Júlio III fundou em Loreto o Colégio dos Penitenciários, confiando-o aos jesuítas. Em 1560, Pio IV reiterou que aquele quarto sagrado onde a Virgem Maria nasceu, foi criada e anunciada pelo anjo Gabriel, como atestado por testemunhos dignos de fé, “foi transportado com sua imagem, pelo ministério dos anjos, da cidade de Nazaré para o território de Recanati, onde permanece objeto de profunda veneração de todas as nações cristãs”14 .

São Pio V, que como veremos recorreu à Virgem lauretana contra o perigo islâmico, reproduziu no Agnus Dei a efígie da Santa Casa, sobre cuja autenticidade ele nunca colocou a menor dúvida.

Gregório XIII fundou o Colégio Ilírio e mandou cunhar várias moedas com a efígie das três paredes sagradas.

O Papa Sisto V – originário da região das Marcas e cuja estátua domina o santuário – fez escrever no frontispício da basílica “Deiparae domus in qua Verbum caro factum est” (“Casa da Mãe de Deus em que o Verbo se fez carne”), e – como ele disse – “considerando que Loreto goza de uma extraordinária fama mundial, porque no centro de sua igreja existe o quarto sagrado em que a Virgem Maria nasceu, foi saudada pelo anjo e concebeu do Espírito Santo o Salvador do mundo, que esse quarto foi transportado pelos anjos para este lugar, onde se operam milagres continuamente a favor dos numerosos fiéis de todo o mundo que o visitam”15, deu-lhe o título de cidade e bispado. Foi Sisto V quem deu ímpeto, em 1586, à Ordem de Nossa Senhora de Loreto (Cavaleiros

13 Cit. In G. Nicolini, La veridicità storica della miracolosa traslazione della Santa

Casa di Nazareth a Loreto, cit., p. 32. 14 Cit. in G. Gorel, La Santa Casa di Loreto, cit., p. 174. 15 Cit. in G. Gorel, La Santa Casa di Loreto, cit., p. 174-175.

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Lauretanos), com a tarefa de defender a cidade e proteger a Marca de Ancona dos ataques dos corsários e dos turcos.

Também natural das Marcas, o Papa Clemente VIII fez gravar em 1595 no mármore do revestimento da Santa Casa uma inscrição que recorda sua origem e aparição milagrosa. Transcrevemo-la aqui, traduzida do latim: “Hóspede cristão, que vieste aqui por devoção ou por voto, admira a Santa Casa Lauretana, venerável em todo o mundo pelos mistérios e milagres divinos. Aqui nasceu Maria SS. Mãe de Deus, que foi saudada pelo anjo, aqui se encarnou o eterno Verbo de Deus. É esta que os anjos trasladaram da Palestina, a primeira vez para Dalmacia, para Tersatto no ano de 1291, sob o pontificado de Nicolau IV. Três anos depois, no início do Pontificado de Bonifácio VIII, foi transportada para o Piceno, próxima à cidade de Recanati, em uma floresta, pelo mesmo ministério angélico, onde, no espaço do ano, mudou de lugar três vezes, aqui, por fim, ela se fixou há 300 anos. Desde então, os povos de países vizinhos ficaram comovidos pelas maravilhosas notícias e, mais tarde, pela fama dos milagres amplamente divulgados, esta Santa Casa teve grande veneração entre todas as pessoas, cujas paredes sem fundações, após tantos séculos permanecem estáveis e inteiras, cercadas por mármore adornado por Clemente VI no ano de 1534. Clemente VIII P.M. ordenou que neste mármore fosse descrita uma curta história da admirável trasladação no ano de 1595. Antonio M. Gallo Cardeal, Bispo de Osimo e protetor de Santa Casa, mandou lavrá-la. Piedoso peregrino, venera com dedicado afeto a Rainha dos Anjos e a Mãe das Graças, de modo que, por seus méritos e por suas orações, o Filho dulcíssimo, autor da vida, te obtenha perdão de tuas culpas, a saúde corporal e as alegrias da eternidade”16 .

16 Cit. in G. Nicolini, Miracolose Traslazioni della Santa Casa di Nazareth a Loreto, in http:www.vaticano.com/la-traslazione-miracolosa-nella-selva-della-signora-loreta/.

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Em sua obra Das festas de Jesus Cristo, Senhor nosso e da Bem-aventurada Virgem Maria, escrita quando ainda era Cardeal-arcebispo de Bolonha, falando da Santa Casa Saudável e se referindo, entre outros, também a São Pedro Canísio e ao conhecido historiador Cardeal Baronio, Bento XIV a chamou de “Aula onde o Verbo Divino tomou a carne humana, transportada pelo ministério dos Anjos; assim o atestam os documentos antigos, a tradição perpétua e os testemunhos dos Sumos Pontífices, bem como o sentimento comum dos fiéis e os milagres que ocorrem continuamente.” Não é só isso.

O Papa Lambertini, em seu monumenal De Servorum Dei Beatificatione et Beatorum Canonizatione (livro III, cap. X, n. 5), escreveu: “[...] existem aqueles que ousaram inserir entre os contos de fadas a trasladação, da Galiléia para as Marcas, da Santa Casa em que o Verbo se fez carne, devido à falta de autores contemporâneos que narrem a mencionada trasladação. [...] Seja lícito mencionar que, ou não faltaram autores contemporâneos, conforme depoimento do mencionado Guido Grandi – cit. Dissert. 3 capítulo 8, número 12 –, como existem, após alguns anos desde a vinda da Santa Casa para a Itália, documentos indiscutíveis da região em que ela permaneceu por cerca de um século e meio, muito antes do próprio Antonino (de cujo silêncio se utilizam sobretudo os fautores do argumento negativo dessa controvérsia), ao qual nenhum homem prudente terá dito que deveria ter incluído em suas histórias um testemunho expresso de um acontecimento muito conhecido; portanto, é manifesto que alguns autores contrários abusaram intencionalmente de seu silêncio para impugnar a verdade da casa de Loreto; ou bastam os anais Fluminesi, nos quais toda a história é descrita, vista e estudada por Girolamo Angelita, historiador da casa de Loreto, o testemunho de Antonio Salt no livro intitulado Sanctuarium Lauretanum, para que não se diga que faltam documentos contemporâ-

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neos. Também devemos dar fé aos escritores famosos, ou seja, ao já mencionado Angelita e a Orazio Torsellino, que tinham esses escritos em suas mãos quando expuseram a história de Loreto e dela extraíram suas narrativas [...]”.

Mais recentemente, o Papa Pio IX, originário das Marcas e muito dedicado à Virgem Lauretana, que o curou milagrosamente de epilepsia em sua juventude, permitindo-lhe assim abraçar a vida eclesiástica, na bula Inter omnia, de 1852, escreveu que “entre todos os santuários consagrados à Mãe de Deus, a Virgem Imaculada, encontram-se em primeiro lugar e brilham com um esplendor incomparável a venerável e muito augusta Casa de Loreto. Consagrada por mistérios divinos, ilustrada por milagres sem número, honrada pelo concurso e a influência dos povos, estende amplamente a glória de seu nome à Igreja Universal e se torna justamente objeto de culto por todas as nações e todas as estirpes humanas. Em Loreto, de fato, veneramos a Casa de Nazaré, tão cara ao Coração de Deus e que, construída na Galiléia, foi posteriormente arrancada de suas fundações e, pelo poder divino, transportada pelos mares, primeiro para a Dalmácia e depois para a Itália. Precisamente naquela Casa, a Santíssima Virgem, por eterna disposição divina, permaneceu perfeitamente livre da culpa original, foi concebida, nasceu, cresceu, e o mensageiro celeste a saudou cheia de graça e bendita entre as mulheres. Foi naquela Casa que ela, cheia de Deus e sob a frutífera obra do Espírito Santo, sem nada perder de sua inviolável virgindade, tornou-se a Mãe do Filho Unigênito de Deus”17 .

Leão XIII foi um grande devoto do santuário lauretano e por ocasião do VI Centenário da Trasladação Milagrosa publicou o Breve Felix Nazaretana (23 de janeiro de 1894), onde teve palavras de entusiasmo: “Esta casa, como narram

17 Cit. in G. Gorel, La santa Casa di Loreto, cit., p. 188. Ver também G. Nicolini,

La veridicità storica della miracolosa traslazione della Santa Casa di Nazareth a

Loreto, cit., p. 33.

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as glórias da Igreja, tão prodigiosamente transportada para a Itália, ao Piceno, por um ato de suprema benevolência divina, e aberta ao culto nas colinas de Loreto, imediatamente atraiu a si as piedosas aspirações e a fervorosa devoção de todos, e os manteve vivos durante os séculos. [...] Todos compreenderam, e em primeiro lugar os italianos, o dom particular concedido por Deus que, com tanta providência, arrebatou a Casa de um poder indigno18 e, com um significativo ato de amor, ofereceu-a a eles. Na verdade, aquela abençoadíssima morada sancionou o início da salvação humana, com o grande e prodigioso mistério de Deus feito homem, que reconcilia a humanidade perdida com o Pai e renova todas as coisas”19 . Portanto, foi no pontificado do Papa Pecci que se fundou a Congregação Universal da Santa Casa (1883), com o objetivo de promover o culto mariano-lauretano e cuidar da basílica.

Com Pio X a devoção lauretana teve que enfrentar as críticas racionalistas do cônego francês Ulysses Chevalier, reolhidas no livro Notre-Dame de Lorette - Étude historique sur l’authenticité de la Santa Casa (1906). Nele foram questionadas, em nome da luta contra a “superstição” e a purificação da fé, tanto a autenticidade da Santa Casa quanto as trasladações milagrosas. O livro recebeu o louvor (mas não o imprimatur) do Mestre dos Sacros Palácios, porque em sua opinião isso não afetou a piedade dos fiéis. Mas o então Secretário de Estado, Cardeal Rafael Merry del Val, a uma pergunta feita à Santa Sé sobre o livro, em nome do Sumo Pontífice respondeu que, “no que diz respeito à publicação recente do Côn. Chevalier, a intervenção do Mestre dos Sacros Palácios não agradou em nada a Sua Santidade. A este propósito, Sua Santidade não escondeu a ninguém o descontentamento que teve e confia-me manifestá-lo

18 Dos muçulmanos, que tinham invadido a Terra Santa. 19 Cfr. G. Gorel, La Santa Casa di Loreto, cit., pp. 188-189.

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publicamente; a partir dessa premissa vós deduzireis facilmente que, neste caso, as palavras do de R. P. Mestre não podem colocar nenhum obstáculo a ulteriores pesquisas e trabalhos de refutação”20. Também para desmascarar as mentiras sobre a autenticidade da Santa Casa e sua trasladação milagrosa, a Congregação Universal em 1907 criou um “Colégio perpétuo de defesa da Santa Casa”. O Papa Sarto também concordou em financiar o padre jesuíta Ilario Rinieri (1853-1941) para estudar a questão lauretana e defender a tradição contra os ataques de Chevalier. O que ele fez em sua famosa obra em três volumes, La Santa Casa di Loreto (Turim, 1910-1911).

O pontificado de Pio X correspondeu aos anos do modernismo, “síntese de todas as heresias”, conforme definido por esse grande santo na sua encíclica Pascendi (1907) e, portanto, as críticas racionalistas e céticas à tradição lauretana não são surpreendentes.

Nesse sentido, é útil relatar as palavras proferidas no Congresso Mariano de Le Puy em 1910 pelo Pe. Tomás, OMC, que (com total aprovação de Pio X) observou que, por trás da questão lauretana, “devemos reconhecer o choque de uma mentalidade hipercrítica muito próxima do Modernismo, uma mentalidade da qual até os melhores dificilmente se defendem [...]. A crítica saudável pode julgar: de um lado está uma escola nascida ontem que quer reformar as conclusões tiradas com todo o conhecimento de causa e que por si só não tem nenhum documento, que formula apenas julgamentos a priori; de outro, tudo o que o mundo católico conheceu de mais erudito, os Pontífices romanos, os santos, o povo cristão em sua catolicidade, os documentos reconhecidos como autênticos, as conclusões das Comissões oficiais. A verdade certamente não está em algumas unidades isoladas que distorceram a história. [...]

20 Cfr. G. Gorel, La Santa Casa di Loreto, cit., p. 195.

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Como o protestantismo no século XVII, como o filosofismo no século XVIII, como o racionalismo no século XIX, o hipercriticismo no século XX não conseguirá velar a veracidade do fato histórico. A relíquia é certamente autêntica: a verdadeira ciência se curva e a fé do povo cristão não mudou. Os Pontífices romanos não cessaram de proclamar a verdade, a tradição permanece constante. Santa Casa é precisamente a casa na qual o Verbo se fez carne”21 .

O transporte milagroso das paredes sagradas foi confirmado de maneira ainda mais solene e definitiva por Bento XV, quando declarou a Santíssima Virgem de Loreto “Padroeira dos aviadores e de todos os viajantes de avião” em 24 de março de 1920, e precisamente em razão do reconhecimento da autenticidade histórica do “voo milagroso” da Santa Casa22 .

Pio XI abençoou uma imagem de Nossa Senhora de Loreto que acompanhou a missão de Umberto Nobile23 ao Polo Norte e escolheu a cidade de Loreto para o Congresso Eucarístico Nacional Italiano de 1930. A Santa Sé, em virtude do Tratado de Latrão, também recuperou o controle da basílica e os ativos dela dependentes. Digna de nota é

21 Cit. in G. Gorel, op. cit., pp. 202-204. 22 Como prova da popularidade deste provimento e da difusão da devoção, basta lembrar, a título de exemplo, que o próprio poeta Gabriele D’Annunzio, apesar de suas ideias e de sua conduta não exatamente pró-católicas, tratou várias vezes de Loreto em suas obras literárias. Em 10 de dezembro de 1937, ele escreveu ao general Valle o seguinte: “Hoje, 10 de dezembro, ocorre Trasladação da Santa Casa de Loreto, que no primeiro calor da guerra me foi proposta (!) ao reconhecimento dos Aviadores e declarada Guardiã dos Aviadores, em guerra e em paz. Tenho certeza de que todos os meus fiéis companheiros honram a Virgem Alada, que

‘em Dalmatiam prius, deinde in Agrum Lauretanum translata fuit’ [...] Ouso hoje lembrar-te a data milagrosa, porque tu recomendas aos nossos aviadores de mirar perpetuamente, irradiadas com tanta glória votiva, as águas do nosso Adriático”.

Uma medalha benta contendo a efígie de Nossa Senhora de Loreto foi portada pelo astronauta americano James McDivitt e seus dois companheiros no voo da Appolo de 9, realizado de 3 e 13 de março de 1969. Para esta e outras informações, consulte o 80º Anniversario della proclamazione della Madonna di Loreto a Patrona dell’

Avviazione, extraído de Il Messagio della Santa Casa, nº 7, julho-agosto de 2006. 23 Umberto Nobile (1885-1978), um dos expoentes máximos da aeronáutica italiana, se tornou famoso em todo o mundo por seus dois voos (em 1926 e 1928) no dirigível Polo Norte.

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a alocução que o Cardeal Granito Pignatelli, de Belmonte,dirigiu ao Papa Pio XI por ocasião do ano novo (1935) em nome do Sacro Colégio. O cardeal, entre os tópicos abordados, dirigiu um pensamento também a Loreto: “Não queremos deixar passar em silêncio o grande gesto com o qual aprouve a V. Santidade dar uma nova constituição a um dos mais preciosos tesouros possuídos pelo cristianismo em nossa Itália, eu quero dizer a Santa Casa de Loreto. Pode haver um santuário mariano mais venerável do que a Casa consagrada pela presença pessoal de Maria Santíssima que viveu em sua vida mortal nesse ‘pequeno tesouro’, testemunha da cena inefável da Anunciação, onde Maria com seu ‘Fiat’ aceitou tornar-se a Corredentora do gênero humano, acolhendo em seu seio puríssimo o Verbo divino? Eis por que, Santo Padre, assim como não há um cristão sincero que não ame ternamente a Santíssima Virgem, assim também não há um só cristão que não se rejubile e não exulte ao ver a Santa Casa ser objeto de vosso cuidado e de vossas solicitudes pontifícias”24 .

Pio XII concedeu o privilégio de poder celebrar o Santo Sacrifício da Missa no altar da Santa Casa por 24 horas consecutivas no dia 25 de março, festa da Anunciação.

Em 23 de março de 1958, dirigindo-se aos residentes das Marcas em Roma, o Papa Pacelli não deixou de mencionar o santuário lauretano, já definido em outro discurso de 1956 como “insigne e caro”25: “Quanto aos seus valores espirituais característicos, basta pensar na Santa Casa de Loreto, para ver ali uma bênção muito especial de Maria, que a fez e faz ser visitada por inúmeras almas, que vêm com uma atitude de piedade sincera, de fé ardente, de profunda

24 Cit. in G. Gorel, La Santa Casa di Loreto, cit., p. 210. 25 Cfr. Radiomensagem de Sua Santidade Pio XII aos peregrinos participantes da peregrinação nacional ao santuário da Santíssima Virgem de Loreto, in htpps://w2.vatican.va/content/pius-xii/it/speeches/1956/document/hf_p-xii sp_ spe_19561014_pellegrinaggio-loreto.html.

João XXIII foi em peregrinação ao santuário no dia 4 de outubro de 1962, para pedir proteção para a Igreja em vista da iminente abertura do Concílio Vaticano II.

João Paulo II foi cinco vezes ao santuário e Bento XVI em duas ocasiões.

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humildade, além de um espírito de mortificação característico de toda peregrinação verdadeiramente devota”26 .

João XXIII fez uma peregrinação ao Santuário em 4 de outubro de 1962, a fim de pedir proteção para a Igreja, tendo em vista a iminente abertura do Concílio Vaticano II. Naquela ocasião, além de lembrar as visitas realizadas antes de se tornar Sumo Pontífice, o Papa Roncalli refez a devoção secular de muitas almas e de muitos de seus predecessores: “Motivos de piedade religiosa levaram Papas e personagens ilustres de todos os séculos a fazer uma pausa de oração na Basílica de Loreto, que se destaca na encosta das colinas de Piceno em direção ao Mar Adriático. Animados por fervorosa fé em Deus e veneração à Mãe de Jesus e nossa, eles aqui vieram em peregrinação, às vezes em tempos difíceis e de grave ansiedade para a Igreja (basta recordar, entre outros, os Papas Pio II, Paulo III, iniciador do Concílio de Trento, Pio VI e Pio VII, Gregório XVI e Pio IX, e também São Carlos Borromeo, São Francisco de Sales e outros Santos e Bem-aventurados), a fim de receber um edificante encorajamento”27 .

As viagens a Loreto pelos últimos Papas são uma história recente. Já falamos de João Paulo II, que foi ao santuário cinco vezes. No momento, o último a visitá-lo foi, em duas ocasiões, Bento XVI. Em 2 de setembro de 2007, falando aos habitantes de Loreto, ele os aconselhou a nunca esquecer o “grande privilégio de viver à sombra da Santa Casa”28. Em 4 de outubro de 2012, no entanto, referindo-se à Santa Casa durante a homilia, ele quis enfatizar que “este humilde lar é um testemunho concreto e tangível do

26 Discurso aos marquesianos residentes em Roma, 23 de março 1958, in htpps:// w2.va/content/pius-xii/it/speeches/1958/documents/hf_p-xii_spe_19580323_ marchigiani.html. 27 Cit. in G. Gorel, La santa Casa di Loreto, cit., p. 216b. 28 Bento XVI, Encontro com os fiéis de Loreto, 2 de setembro de 2007, in htpps:// w2.vatican.va/content/benedict-xvi/it/speeches/2007/september/documents/hf_ ben-xvii_spe_20070902_fedeli-loreto.html.

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maior evento de nossa história: a Encarnação; o Verbo se fez carne e Maria, a serva do Senhor, é o canal privilegiado pelo qual Deus veio viver entre nós”. E depois destacou que “ela está colocada sobre uma estrada. Isso pode parecer um tanto estranho: em nossa opinião, de fato, a casa e a estrada parecem excluir-se. Na realidade, nesse aspecto particular, existe uma mensagem desta Casa. Não é uma casa privada, não pertence a uma pessoa ou a uma família, mas é uma casa aberta a todos, que está, por assim dizer, na estrada de todos nós. Então, aqui em Loreto, encontramos uma casa que nos faz ficar, viver e, ao mesmo tempo, nos faz caminhar, nos recorda que somos todos peregrinos, que devemos estar sempre a caminho de outro lar, para o lar final, para a Cidade Eterna, a habitação de Deus com a humanidade redimida”29 .

Quanto à estrutura jurídica do Santuário da Santa Casa, desde 1507 ela está diretamente sujeita à Sé Apostólica. Até 1698, era governada por um cardeal protetor e depois pela Congregação Lauretana, presidida pelo cardeal Secretário de Estado, mas representado em Loreto por um prelado-governador. Mesmo durante as várias revoltas políticas que ocorreram desde a invasão francesa em 1797 até a ocupação da Savóia em 1860, o santuário de Loreto sempre gozou de um status jurídico especial. Após a Concordata entre a Santa Sé e a Itália em 1929, seu governo foi confiado à Administração da Pontifícia Basílica da Santa Casa, chefiada por um Administrador Pontifício nomeado diretamente pela Santa Sé e representado em Loreto por um vigário com dignidade episcopal (ver bula Lauretanae Basilicae de 15 de setembro de 1934).

Em 24 de junho de 1965, com a Constituição Lauretanae Almae Domus, Paulo VI suprimiu a Pontifícia Administração da Basílica e estabeleceu a Delegação Pontifícia

29 Bento XVI, Homilia por ocasião da Visita Pastoral a Loreto, 4 de outubro de 2012, in https://w2.va/content/benedict-xvi/it/homilies/2012/documents/hf_benxvi_hom_20121004_loreto.html.

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para o Santuário da Santa Casa de Loreto. Instituiu também a Prelazia da Santa Casa, com jurisdição canônica sobre o território municipal de Loreto, e ergueu a Basílica da Santa Casa como uma catedral, designando o mesmo Delegado Pontifício para mantê-la na qualidade de Prelado.

4.4 A presença dos santos

Fornecer um elenco de todos os santos que visitaram a Santa Casa e se pronunciaram sobre ela exigiria um trabalho à parte30 .

Cingimo-nos a apresentar aqui somente alguns exemplos especialmente significativos, úteis para se compreender que os santos sempre acreditaram sem hesitação, tanto na autenticidade da Santa Casa quanto na sua trasladação milagrosa.

São Francisco de Assis31 teria profetizado em 1215 a chegada a Santa Casa à região das Marcas, quando ganhou do município de Sirolo um convento para seus irmãos. Visitando o edifício, o grande santo teria olhado de longe o vale e a floresta, predizendo a vinda milagrosa da preciosa relíquia (o artista Cesare Maccari representou o episódio em um de seus quatro segmentos murados dos pequenos arcos da cúpula do santuário).

Como já foi aludido, em seguida outro santo – São Nicolau de Tolentino32 –, enquanto rezava tomou conhecimento por meio sobrenatural do voo da Santa Casa às 3 da madrugada entre os dias 9 e 10 de dezembro de 1294. Segundo os relatos, na chegada da Santa Casa em solo italia-

30 Para uma visão de conjunto, consultar M. Montanai–A Schiarolli, Santi e beati a

Loreto, Congregazione Universale Santa Casa, Loreto, 2005. 31 Cfr. G. Santarelli, Tradizioni e Leggende Lauretane, cit., pp. 144 e ss. 32 Cfr. ibidem, pp. 147 e ss.

Enquanto rezava, São Nicolau de Tolentino tomou sobrenaturalmente conhecimento do voo da Santa Casa às três da manhã entre 9 e 10 de dezembro de 1294. Segundo os relatos, quando a Santa Casa chegou ao solo italiano, os sinos começaram a tocar sozinhos e muitas árvores se curvaram em direção a ela, em sinal de homenagem.

no, os sinos começaram a tocar sozinhos33 e muitas árvores se curvaram para ela em sinal de homenagem, mesmo na direção oposta ao vento. Também esse episódio é pintado por Maccari em um dos segmentos já mencionados.

Santa Catarina de Bolonha, cujo corpo se conserva incorrupto e milagrosamente sentado (quando de sua exumação, para responder a uma ordem da superiora, moveu-se sozinha e se colocou nessa posição, completamente inexplicável do ponto de vista científico), contou uma revelação recebida de Jesus sobre a trasladação da Santa Casa. Em 25 de março de 1440, Jesus lhe falou as seguintes palavras: “Por causa da idolatria daquela gente [dos turcos, que tinham ocupado a Palestina], ela foi transportada para a Croácia por uma multidão de anjos. Em seguida, pelos mesmos e por outras

33 Um fenômeno similar, com músicas celestes ouvidas pelos habitantes, ocorreu em

Genazzano, próximo de Roma, em 1467, por ocasião da milagrosa chegada do afresco de Nossa Senhora do Bom Conselho, transportado de Scutari (Albânia) para a Itália, a fim de fugir da invasão islâmica.

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razões, essa digníssima igreja foi levada para vários lugares. Por fim, conduzida pelos santos anjos, foi colocada permanentemente em Loreto, na província da Itália e nas terras da Santa Igreja”34. Santa Catarina de Bolonha era uma religiosa de clausura que nunca esteve em Loreto e, portanto, não teria podido ler o relato contido na tabuleta colocada no santuário. Finalmente, o detalhe da trasladação milagrosa “para vários lugares”, conforme transmitido por várias tradições locais, na época não era encontrado em nenhum documento conhecido. É claro que os fenômenos místicos devem sempre ser tomados com cautela, porém não se pode considerá-los meras invenções ou fantasias.

O caso da Beata Anna Catherine Emmerich é igualmente significativo. Seja porque graças às suas experiências místicas foi possível identificar em Éfeso a casa onde Maria Santíssima provavelmente viveu os últimos anos de sua existência terrena, seja porque sua vida foi um milagre contínuo: imobilizada na cama por uma doença e, além disso, estigmatizada, nos últimos 11 anos se alimentou exclusivamente da Eucaristia. Sem jamais ter visto a Santa Casa, ela foi capaz de descrevê-la exatamente, declarando que a Anunciação havia ocorrido ali e que suas paredes eram absolutamente as mesmas de Nazaré. Ela também teve a visão da trasladação milagrosa: “Tenho visto com frequência, em visão, a trasladação da Santa Casa de Loreto. [...] Eu vi a Santa Casa sendo transportada sobre o mar por sete anjos. Não tinha qualquer fundação [...] Três anjos a seguravam de um lado e três do outro; o sétimo pairava diante dela: um longo facho de luz acima dele [...]”35 .

Não podemos negligenciar a famosa visão de São José de Cupertino ao chegar a Osimo, uma cidade a poucos quilô-

34 Cit. in G. Nicolini, La veridicità storica della miracolosa traslazione della Santa

Casa di Nazareth a Loreto, cit., p 18. 35 Cit. in G. Nicolini, La veridicità storica della miracolosa traslazione della Santa

Casa di Nazareth a Loreto, cit., p 21.

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metros de Loreto onde transcorreu a última parte de sua vida. Ele viu incontáveis fileiras de anjos subirem e descerem da Santa Casa, testemunhando a sacralidade daquele lugar e da relíquia ali guardada, e a tal vista também ele se elevou em um voo extático, como lhe aconteceu inúmeras vezes diante de milhares de testemunhas, pelo qual ele foi chamado “o santo dos voos”. Esse voo místico no qual viu a Basílica da Santa Casa, testemunhado por muitos presentes ao evento, tornou-se uma “confirmação” direta também da autenticidade do “voo milagroso” da Santa Casa, pela onipotência divina.

A estigmatizada Santa Veronica Giuliani também recebeu uma graça extraordinária ao fazer duas peregrinações místicas à Santa Casa de Loreto em 10 de dezembro de 1714 e 10 de dezembro de 1715, por ocasião da festa da trasladação milagrosa. Seu confessor, o padre jesuíta Mario Cursoni, deu-lhe esta ordem intrigante: “Depois do que comunicaste, tu e eu iremos a Loreto visitar Maria Santíssima”. E assim, recebida a comunhão eucarística, após um arrebatamento do espírito, ele iniciou sua peregrinação mística a Loreto. A santa observou no seu diário: “Como num voo, encontrei-me em Loreto, na Igreja de Maria Santíssima. Era uma Igreja grande e dentro dela havia, depois do altar-mor, uma Igreja menor. Assim me pareceu”. No processo de beatificação e canonização, o padre Cursoni afirmou que Verônica, a quem ele havia questionado sobre o assunto, descreveu tão bem e detalhadamente o Santuário, que não poderia tê-lo feito melhor se tivesse estado lá várias vezes. Por esse motivo, perguntou-lhe se já havia estado em Loreto antes de entrar no claustro; e ela garantiu que não. A santa escreveu em 10 de dezembro de 1714: “Permanecei totalmente doados em tudo a Maria”. E a Virgem que apareceu na Santa Casa lhe assegurou que era “a medianeira entre Deus e as criaturas” e que todas as graças passam por suas mãos.

Entre outros santos, estiveram em Loreto São Carlos Borromeu, São Francisco de Sales (em sua juventude) e São

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Francisco Xavier, que recebeu ali a inspiração de partir para a Índia e o Japão, onde curou vários orientais simplesmente tocando-lhes as ladainhas lauretanas escritas do próprio punho. São Francisco Borgia foi curado em Loreto; São Luís Maria Grignion de Montfort permaneceu duas semanas inteiras em Loreto, onde recebeu a inspiração de escrever o famoso Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem. Montfort foi um grande devoto da Santa Casa de Loreto. E precisamente pelo extraordinário acontecimento ocorrido ali – a Encarnação de Deus no seio puríssimo da Bem-Aventurada Virgem Maria – pode-se dizer que o santuário lauretano é o lugar ideal para todos aqueles que praticam a escravidão mariana. Sim, Loreto também é a casa dos escravos de Maria, de acordo com o método ensinado pelo grande santo francês em seu referido Tratado. Não é por acaso que ele recomendou celebrar com particular solenidade o dia 25 de março, festa da Anunciação, por ser o dia em que o próprio Senhor Jesus Cristo se fez escravo de Nossa Senhora.

São Benedito José Labre esteve todos os anos em Loreto, de 1775 a 1783. Santo Afonso Maria de Liguori falou de Loreto em seu livro Glórias de Maria, defendendo a veracidade das trasladações milagrosas e a autenticidade da Santa Casa36 .

36 Em sua Novena de Natal, o santo escreveu: “Ó afortunada casinha em Nazaré, eu te saúdo e adoro. Chegará um tempo em que serás visitada pelos primeiros grandes nomes da terra; encontrando-se os peregrinos dentro de ti, não se satisfarão em chorar de ternura, pensando que dentro de suas pobres paredes o Rei do paraíso passou quase toda a sua vida. Nesta casa, portanto, o Verbo encarnado viveu de resto sua infância e juventude. E como viveu? Viveu pobre e desprezado pelos homens, fazendo o ofício de um simples jovem e obedecendo a Maria e José. Ó

Deus, quanta ternura pensar que nesta pobre casa o Filho de Deus vive como um servo! Ora vai buscar água, ora abre ou fecha a carpintaria, ora varre a sala, ora recolhe a madeira cortada para o fogo, ora está lutando para ajudar José em suas obras. - Ó Espanto! Ver um Deus que varre, um Deus que serve como menino! Oh, pensava que isso deveria fazer com que todos nós ardêssemos de santo amor por um Redentor que se reduziu a tal baixeza para se fazer amado por nós! Acima de tudo, adoramos a vida oculta e negligenciada de Jesus Cristo na casa de Nazaré.

Ó homens soberbos, como podeis aspirar a aparecer e ser honrado vendo o vosso

Deus passar trinta anos de vida vivendo pobre, oculto e desconhecido, para nos ensinar o recolhimento e a vida humilde e oculta?”. Cit. in T. Rey-Mermet, Il santo del secolo dei lumi, Città Nuova Florença, 1983, pp. 634-635.

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Por sua vez, Santo Estanislau Kostka, São Luís Gonzaga e São João Berchmans também se fizeram peregrinos no santuário mariano.

E como podemos nos esquecer da emoção sentida por Santa Teresa do Menino Jesus quando, ainda jovem, visitou o santuário com sua família? E assim, novamente, muitos outros santos e bem-aventurados peregrinaram em Loreto e receberam graças extraordinárias na Santa Casa, também para a inspiração da fundação de Ordens e Congregações religiosas.

Concluímos com algumas palavras de São Pedro Canísio, que lutou tenazmente contra as mentiras dos luteranos – os primeiros a questionar sistematicamente a autenticidade da Santa Casa. Em sua obra De Maria Virgine Libri quinque (1577), na seção dedicada a Nossa Senhora de Loreto, ele escreve: “Em Loreto o milagre se manifestou com tanto poder, tanta notoriedade, tanta constância, tanta evidência, tanta prodigalidade que toda a Europa ficou impressionada e ninguém pode escapar – a menos que seja um temerário – da mão todo-poderosa do Altíssimo, da qual todos esses sinais manifestos constituem outros tantos testemunhos públicos demonstrando ao mundo inteiro, além de todas as demais provas, a verdade do fato maravilhoso da trasladação da Santa Casa de Nazaré”37 .

37 Cit. in G. Gorel, La santa Casa di Loreto, cit., p. 161.

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