de o rs ro cu mb do t e os Se un e al 7 d os e l d ad ta ld en c u im Fa er a xp o d ae m s t is vi al R e o rn J 2015.2
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Trata-se de uma proposta para reunir, organizar e incentivar a produção feita pelo corpo discente. Tal como um portfólio, ele deverá ser a plataforma a facilitar a divulgação de produtos que envolvam diferentes meios e linguagens que atravessam a prática profissional. O portal é voltado tanto à comunidade acadêmica quanto para membros externos, interessados na produção dos estudantes.
O nome QUINTO ANDAR é uma referência ao quinto piso da Faculdade 7 de Setembro, pavimento que é associado aos alunos criativos da instituição, os alunos dos cursos de Comunicação Social e Design. Aproveita-se, portanto, esse afeto já construído em torno da expressão a fim de invocar esse pertencimento ao setor criativo da instituição de ensino.
Acompanhe as produções dos alunos e passeie no Portal. Participe. Deixe seu comentário com sugestões para construção do nosso espaço.
DIRETOR ACADÊMICO Ednilo Soárez VICE-DIRETOR Adelmir Jucá COORDENADOR DO CURSO DE JORNALISMO Dilson Alexandre COORDENADORA DO CURSO DE DESIGN Nila Bandeira EDITOR Miguel Macedo PROJETO GRÁFICO Tarcísio Bezerra DIREÇÃO DE ARTE Diego Henrique Tarcísio Bezerra BOLSISTAS DO NÚCLEO DE DESIGN QUE PARTICIPAREM DESTA EDIÇÃO Bruno Sofia | Marlone Melo | Deleón Stu | João Paulo Uchoa EDITORIAL Darlan Araújo Colaboraram nesta edição: Texto Brena Gomes, Bruna Cruz, Darlan Araújo, Evelyn Barreto, Gabriel Antonio, Isabella Vasconcelos, Jessyka Moura, Júnior Tavares, Lara Veras, Lorena Pio, Maiane Almeida Design Adailson Silva, Ana Vitória Peis, Caio Túlio Costa, Hítalo Lobo, Iury Medeiros, Ivna Rocha, João Paulo Uchoa, Jórdan Oliveira, Juliana Rodrigues, Mairla Freitas, Marlone Melo, Natália Catunda, Natiele Maíra, Nayara Oliveira, Paulo Mesquita, Pedro Henrique, Raquel Rodrigues, Weider Gabriel
O fazer e o devir O fazer é necessidade do mundo; o devir, a mudança perene. Tudo se move, dia após dia, para sobreviver – inclusive as profissões. Nas praças, por exemplo, já não se veem mais fotógrafos “lambe-lambe” a registrar tudo enquanto e a lamber sua lente para revelar boa foto. Ele se extinguiu. Assim como outros ofícios inutilizados ao longo da história. Há, todavia, aqueles que, corajosamente, resistem. Está aí [no fruto da persistência] a nossa matéria prima. Já aquele barbeiro, cuja navalha amolada desliza a face sobre o pêlo encoberto de espuma, ainda existe. Costumes preservados, igualmente, pelo calígrafo. O autor da “arte da escrita bela” continua a enfeitar cartazes e convites com a sua tipografia. Outro estilo feito à mão, os chapéus ganham novos moldes, cores e apliques, para embelezar, nesta época, à vaidade anfitriã. Quem, aliás, não abandonou a tradição foi o leiteiro, que permanece a bater porta em porta, na intenção vender leite fresco, ao raiar do dia. Tal cultura é mantida, idem, pelo ourives – que transforma metais preciosos em joias e ornamentos – e pelo sapateiro, cujas mãos convertem couro em sapatos sobre os quais repousam pés cansados. Diferentes, não nego, dos oxfords e derbies refinados da Dolce & Gabbana, mas com a cumplicidade - única - do afeto artesanal. Nesta época - de “culto ao descartável”-, artesanal, sem dúvida, é o trabalho do consertador de brinquedos, que manuseia o plástico, a resina e o tecido, para “curar” brinquedos quebrados, e livrá-los na inutilidade. Similar ao peixeiro, habitué dos cortes precisos, que tornam o peixe quase obra. A bordo dessa viagem ao futuro, navega, junto, o prático (ou piloto) de navio, a controlar os rumos das embarcações mar a dentro - e sempre. E, pra nossa sorte, há quem os prepare à la minuta: o sorveteiro, ofício que caminha no tempo, alimentando a alegria da criançada (e dos adultos, claro!). Nesta edição da Matéria Prima, entramos no ciclo dos ofícios. As profissões, por assim dizer, trocaram de roupa para não sair de moda. Porque o passar das horas transforma tudo, é fato. Daqui a pouco, esse texto não será mais o mesmo. E você, certamente, também não. Boa leitura!
A pele que habito] Nesta edição de Matéria Prima, corpo, textura, pele e suor ocupam seu lugar na vida e no trabalho de personagens em diversas profissões. O laranja, nesta edição, nos remete à cor da pele mestiça, viva, em pleno trabalho. É esse o espírito que queríamos encontrar nesta edição.
EDITORIAL
DIRETOR GERAL Ednilton Soárez
SUMĂ RIO 14 CalĂgrafo 18 Leiteiro 20 Alfaiate 28 Barbeiro 32 Chapeleira 42 Sapateiro
Quando
BRINQUEDOS viram PACIENTES O “doutor” Edinaldo Barreto fez do conserto de brinquedos seu oficio para a vida toda REPORTAGEM Lorena Pio FOTOS Junior Tavares DESIGN Nayara Oliveira | Hitalo Lobo
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Adulto ou criança, todos temos brinquedos que marcaram nossas vidas. Os motivos porque tal brinquedo se tornou especial variam de pessoa para pessoa, sejam por guardar lembranças, ou por serem difíceis de achar, ou até só por serem bonitos. E por significarem tanto para nós, fazemos questão de guardá-los. Tomamos cuidado, tentamos manter o objeto bem conservado, mas não é raro que ele acabe quebrando. Nesses momentos, entram em cena os consertadores. Seja por pequenos defeitos, como a troca de uma bateria, ou grandes, como restaurações quase totais, eles “resgatam” aquele objeto que nos é tão valioso.
“Em Fortaleza eram pouquíssimos lugares para consertar brinquedos. Havia um na rua Liberato Barroso e outra na rua General Sampaio”, lembra o consertador de brinquedos Edinaldo Barreto, 49, sobre a época em que montou o Hospital Geral dos Brinquedos, loja de consertos que existe há 31 anos no Centro de Fortaleza. Foi aos 17 anos, embora na função de contínuo, em uma oficina de consertos de brinquedos, que Edinaldo se descobriu um consertador. “Eu era que nem office-boy, como chamam hoje. E aí fui me interessando. Vi a os meninos consertando, pegava uma coisinha,
pegava outra. E fiz o curso de eletrônica na época”.
O Hospital
O ponta pé inicial para que Edinaldo criasse o próprio negócio veio em 1984. Naquele ano, o chefe dele, Luiz Bezerra, dono da loja Hospital de Brinquedos, realizou um corte no quadro de funcionários e o despediu. Aproveitando a experiência que adquiriu em trabalhos anteriores e a pouca oferta de lojas de conserto de brinquedos em Fortaleza, três meses a após a demissão, Edinaldo fundou o Hospital Geral dos Brinquedos. A oficina continua se mostrando um
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ramo de negócio lucrativo. De acordo com a Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), só em 2015, as empresas lançaram 1,5 mil novos tipos de brinquedos, o que gera uma procura continua por consertadores. O Hospital recebe “pacientes” de diversos tipos e com os mais vários problemas: bonecas de plástico com membros faltando, troca da caixa de voz, carrinhos eletrônicos com problemas no controle remoto, reposição de cabelo, troca de circuitos de brinquedo importados e por aí vai. “Aqui, não existe a palavra ‘difícil’. Tudo a gente desenrola. Todos os brinquedos que aparecem aqui a gente conserta”, conta Edinaldo que, inclusive, concerta brinquedos eletrônicos e não se apavora diante da nova tendência de crianças usando tecnologias muito cedo. E nem deveria. De acordo com o pedagogo Alexandre Santiago, as crianças não estão trocando os brinquedos por tecnologia porque, para elas, tecnologia é brinquedo. “Utilizam a tecnologia a favor da sua cultura lúdica. Se o mundo ao seu redor está cheio de pessoas usando tecnologia claro que a criança vai tentar imitar e tentar descobrir essa tecnologia de forma a entender e usufruir também”, declarou Alexandre. O pedagogo alerta, porém, para a utilização exagerada de objetos tecnológicos em detrimento a outras formas de brincadeira. “A criança precisa de menos tecnologia e mais atividades lúdicas, com movimento, e de forma coletiva. A tecnologia em demasia na infância causa sedentarismo e a falta de outras aprendizagens e interações vitais no desenvolvimento infantil”. No consultório do “doutor” Edinaldo, não aparecem apenas brinquedos novos
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Quando coloquei essa oficina, por sinal é um caso bem interessante, foi em frente aonde eu trabalhava. Abri minha loja em frente a do Seu Luiz para concorrer logo com o ex-patrão Edinaldo Barreto e de última geração. Ele se lembra de uma boneca da década de 1930 da empresa Estrela que chegou a sua oficina. Ela era feita de celuloide, sem mecanismos internos e precisava ser remontada. Celuloide foi um dos diferentes matérias utilizados para fabricação de bonecas ao longo da história da humanidade, deixou de ser utilizado por ser altamente inflamável. As primeiras bonecas de que se tem registro são datadas de 2 mil anos antes de Cristo, no Egito Antigo. Elas eram feitas de barro e madeira e já possuíam cabelo. De acordo com o site G1, a maior parte das bonecas produzidas em grande escala hoje em dia são feitas de vinil.
Parentes dos pacientes
Por ter a palavra “hospital” no nome da oficina, as crianças acreditam mesmo que a loja é um hospital. Já alguns dos clientes adultos de Edinaldo entram na brincadeira e tratam seus brinquedos como pacientes. “Cheguei à loja dizendo que tinha ido deixar um paciente e perguntei se ainda tinha leito”, lembrou a recepcionista Adriana Firmino, 42, quando foi deixar
o boneco Max Steel do sobrinho. Parte da clientela é composta por famílias que há gerações vão ao Hospital para consertar brinquedos. “Temos clientes fiéis. De filho, neto e bisneto virem à loja. Tenho clientes minhas que eram enquanto mães e continuam trazendo os brinquedos agora que são avós”. São os brinquedos antigos, levados por esses avôs e avós que querem presentear os parentes, que tornam a vida de um consertador de brinquedos ainda mais especial. Para Edinaldo, quanto mais antigo melhor. “Conheço todo tipo de brinquedo. Mas, o que marca mesmo é a idade deles”. A rapidez e a qualidade no trabalho são ferramentas fundamentais na fidelização dos clientes. Ao chegar à loja, o paciente é examinado para saber o estado em que está e o que será preciso para cura-lo. Dependo da gravidade da situação, o conserto pode levar de 20 minutos a 4 horas. A entrega fica a critério do cliente, ele pode marcar uma data ou pegar no mesmo dia. “Deixei a boneca da minha filha lá enquanto resolvia alguns assuntos no Centro. A boneca tinha perdido uma perna e estava sem cabelo. Quando acabei, voltei para pegar e já estava pronta. Foi muito rápido e a bonequinha ficou perfeita”, lembra Carlos Henrique, 36, cliente da oficina. Resultados como este, inspiram Edinaldo, que é categórico: “Até hoje ainda gosto do meu trabalho. Amo o que faço”. Sem planos de deixar a vida de médico de brinquedos, Edinaldo segue cuidando de seus pequenos pacientes em sua oficina na rua General Sampaio, no Centro da cidade. Os brinquedos agradecem.
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Terapia do congelado no
PALITO
Em tempos de sabores requintados, o picolé caseiro permanece firme entre consumidores que vivem no Bairro Jardim das Oliveiras REPORTAGEM Bruna Cruz FOTOS Bruna Cruz DESIGN Mairla Freitas | Natiele Maíra
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“Olha o Picolé! Quem vai querer o picolé?”. Quem não se lembra dos bons e saudosos tempos de infância, em que o picolezeiro passava pela rua anunciando sua chegada? Nos dias ensolarados, ele aparecia para trazer alegria à criançada com a oferta de deliciosos gelados no palito. Não importava se o picolé era de marca. Industrial ou caseiro, ambos geravam a correria em casa, para procurar ansiosamente as moedinhas que iriam comprar o picolé. Assim, a delícia estava realizada. Entram-se mesmo em nostalgia ao lembrar esses antigos tempos marcados pelo delicioso sabor do suco de fruta congelado. José Olavo Martins, 75 anos, é uma raridade que ainda vende picolé nas ruas do Bairro Jardim das Oliveiras, em Fortaleza. Todas as tardes ele conduz seu carrinho de gelados, se protegendo dos raios de sol, apenas com uma camisa de mangas compridas e um chapéu de palha. Apesar das dificuldades diárias, seu Olavo, trabalha diariamente para suprir as necessidades do orçamento de casa. Vive-se em tempos de sabores requintados, onde os picolés deixaram de ser apenas fruta no palito. Com o domínio do reino dos gelados, eles começaram a se diversificar. Atualmente, os picolés feitos de chocolates suíços com pedaços de castanha e avelãs, por exemplo, estão à disposição dos clientes em qualquer estabelecimento. A mulher dele, Antônia Martins Veras, também de 75 anos, admira o marido pela força de vontade e coragem que tem de caminhar muitas horas e diariamente sob o sol. Dona Evandi, como é conhecida, percebeu durante a administração de um pequeno comércio que tinham, antes de falir, que não levava o menor
jeito para atender clientes, nem tampouco tinha algum prazer em vender. Decidiu, então, que seu marido teria que cuidar do empreendimento do picolé sozinho. Por isso, nunca o ajudou na produção e nem na venda. Prefere cuidar dos afazeres de casa.
Pai de duas filhas, mora com dois netos, que adoram o gelado que o avô produz, e mulher que convive com ele há 53 anos. Cuidou de gado no interior, trabalhou em serviços gerais e, até mesmo, investiu em um pequeno comércio que não deu certo. Há 32 anos vende picolé e foi
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nessa função, exercida com orgulho, que ele se identificou. Andar na rua para ele funciona até mesmo como uma terapia. A ideia começou quando uma das filhas do seu Olavo recebeu de uma amiga a receita do picolé. A filha entregou ansiosamente a receita para o pai e logo eles começaram a produzir e vender em casa. Poucos, até quatro por dia, porque a geladeira não era grande e a rua também não era movimentada. Decidido a se tornar um bom picolezeiro, seu Olavo comprou um isopor e começou a vender na porta de um colégio. Algum tempo depois a diretora autorizou que ele vendesse dentro da escola. A partir daí começou o sucesso do picolé. Não durou muito. Logo se tornou complicado vender sorvete para os estudantes, pois a secretária do Programa Nacional de Alimentação Escolar, que é o órgão que regula a merenda, disse que só poderia ser oferecido aos alunos alimentos da própria escola. Seu Olavo mudou
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de estratégia. Decidiu vender nas ruas do bairro onde mora. Com o dinheiro que conquistou ele comprou dois freezers e um liquidificador industrial. O picolezeiro diversificou na produção dos gelados: frutas, bate gute e até coalhada, todos vendidos no valor de um real. As opções são bem atraentes. Apesar de ser uma ótima alternativa para se refrescar, podemos encontrar no produto excesso de açúcar. É preciso analisar os nutrientes encontrados no picolé antes de o consumir para escolher a opção mais saudável. no produto excesso de açúcar. É preciso analisar os nutrientes encontrados no picolé antes de o consumir para escolher a opção mais saudável.
O valor nutricional
A nutricionista Kátia Tavares, 53, diz que existem riscos em consumir algo muito gelado em dias de temperatura elevada. “A combinação entre clima seco,
Compro o sorvete há muitos anos, desde minha juventude. Todos os dias a família inteira fica esperando seu Olavo passar pela rua durante a tarde, pra gente comprar os picolés Kátia Tavares ar com umidade baixa e picolé provocam ressecamento na garganta devido à brusca mudança de temperatura. É preciso ter moderação no consumo dos gelados”, alertou. Para ela, é melhor que o sorvete seja ingerido lentamente, para que ele não se torne prejudicial à saúde. Apesar dos malefícios que existem nos gelados, a nutricionista ressalta que eles não se tornam prejudiciais à saúde quando consumidos de modo adequado.
Chupar um picolé é capaz de dissipar o calor e diminuir a sensação de desconforto de dor na garganta, além disso, pode até ser utilizado para hidratar o corpo. “Os picolés de frutas são feitos à base de água, são muito refrescantes e ainda têm vitaminas essenciais para o bom funcionamento do organismo”, disse Kátia. De acordo com a especialista, é mais saudável chupar picolé caseiro do que industrializado. Os picolés industriais contêm ingredientes artificiais, como corantes e aromatizantes, além disso possuem maior porcentagem de glúten que aqueles mais simples, feitos em casa. Estes são menos gordurosos e calóricos. Com ou sem calor, chupar picolé é sempre bom! Com muito respeito e simpatia, seu Olavo conquista seus clientes. Alguns deles de anos, outros recentes, mas, todos, são fiéis ao produto. Ele não precisa de sino para chamar a atenção dos consumidores, simplesmente, porque seus clientes ficam
à espera do picolezeiro mais famoso do bairro na porta de casa.
Relatos comentados
Lembro bem a primeira vez que comprei o picolé do seu Olavo. Eu tinha 6 anos, estava olhando a rua pela janela do quarto na parte de cima da casa e o vi passar. Desci as escadas muito apressado para comprar o gelado de morango, sabor que até hoje adoro e sempre peço – João Yuri, 8 anos. Todos os dias compro picolé para a família toda. Consumo há 4 anos e meu preferido é o de sabor coalhada. Meu menino é louco pelos picolés dele! Quando chega a hora do seu Olavo passar, meu filho vai até o portão e fica esticando o pescoço de um lado para o outro à procura do carrinho de picolé – Marilene Pinto. Compro o sorvete há muitos anos, desde minha juventude. Todos os dias a família inteira fica esperando seu Olavo passar pela rua durante a tarde, pra gente comprar os picolés – Teresa
Compro o sorvete há muitos anos, desde minha juventude. Todos os dias a família inteira fica esperando seu Olavo passar pela rua durante a tarde, pra gente comprar os picolés Teresa Rodrigues Rodrigues, 80 anos. Desde quando vim morar aqui no bairro que compro picolé. Há quase seis anos, se tornou sagrado pedir o meu diariamente. Interessante que quando cheguei aqui, o dono da casa, que já era um senhor idoso indicou, para minha família o picolé, e eu ainda era bem pequena, de colo ainda! Seu Olavo é bem antigo aqui! – Alba Rodrigues, 40 anos.
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Letras rebuscadas, grandes, pequenas, finas e grossas, de todas as formas. Os calígrafos utilizam da liberdade de escrita e da criatividade para criar importância REPORTAGEM Evelyn Barreto FOTOS | DESIGN Weider Gabriel | Pedro Henrique
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João reconhece a letra de Maria ao receber a tão esperada carta de amor. Nela, todas as esperanças, histórias e, claro, expectativas. Na letra, a presença de tudo que representa os dois. A escrita, desde seu início, era tida como a representação de uma cultua, da força de um povo e, principalmente, servia como forma de diferenciação de indivíduos. Mas, nem sempre foi acessível a todos. A caligrafia, do grego cali, significando beleza e grafia, escrita, era, principalmente, sinônimo de inteligência. Ao alcance de poucos, a escrita fazia parte da rotina de pessoas que eram ditas como letradas e, de alguma forma, estavam próximas às autoridades, tais como reis. Com o passar do tempo, a ideia da profissão vai se dissolvendo, como explica o professor de caligrafia, Humberto Araújo: “No começo do século XIX, já se tinha a conhecida ‘escrita formal’, onde cada indivíduo já podia ser capaz de criar sua própria escrita, sem haver necessidade de alguém que fizesse isso. As documentações oficiais passaram, no entanto, a ser datilografadas, e os livros, impresso”. Foi nesse período em que se iniciou a ideia da caligrafia como reflexo de um projeto artístico. Essa prática passou a ser conhecida como o resgate das letras históricas feitas à mão. O primeiro contato da designer, Bianca
Benedicto, com o mundo da caligrafia se deu por meio de uma oficina em um congresso de design em São Paulo. Depois da participação, a designer se apaixonou. Diferentemente de João, e até mesmo Maria, que viram na letra o significado, Bianca viu além. Naquilo existe uma opção de trabalho em que a designer poderia aproveitar a sua formação profissional. Ela diz que a prática caligráfica requer disciplina e muito treino: “todos os dias, seja com trabalhos para ser entregues ou não, eu pratico. O interesse pela área não parou por aí. Bianca acabou criando a “Gambiarra Caligráfica”, uma oficina que tem como objetivo ensinar a arte da caligrafia para diferentes pessoas. “O evento reúne vários perfis de alunos. Não se limita somente a estudantes de design e publicidade. Acho que o objetivo principal do workshop é fazer com que estes alunos “criem gosto” pela arte caligráfica”, explica. Os alunos têm a oportunidade de criar seus próprios materiais, com equipamentos alternativos e aprendem, na prática, o alfabeto fundamental da caligrafia. Bianca fala, ainda, que, mesmo a oficina durando somente um dia, a evolução do trabalho é obtida mediante o empenho e a dedicação de cada aluno. A função principal dos calígrafos, era a de traduzir e reescrever manualmente diferentes tipos de livros como, por
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exemplo, a bíblia. Os livros eram copiados letra por letra e somente as autoridades da época teriam acesso a eles. A partir do século XVI, porém, o calígrafo já não tem mais somente a função de produzir as cópias manuscritas dos livros. Com o surgimento dos tipos móveis e a imprensa, o profissional tem agora sua função restringida à produção de documentos oficiais, tais como os de repartições públicas, explica Humberto. Hoje, porém, tudo mudou. Diferentemente do que se pensa, qualquer pessoa pode ser um calígrafo, mas é necessário interesse. Assim explica o calígrafo Evandro Almeida: “Quando criança, sempre admirei os convites de casamento que chegavam à minha casa, e sempre quis fazer algo parecido. Para mim, há uma beleza incrível numa letra bonita, bem feita”. Só que não basta achar bonito, para se tornar um bom calígrafo, é necessário muito estudo e treino, sempre buscar novos materiais e estar atento às novidades da área. E treino, treino, treino! A caligrafia possui uma infinidade de materiais para trabalhar. Vai de penas metálicas, pinceis de diferentes pontas e materiais, marcadores de ponta de feltro, até objetos mais experimentais, tais como, galhos secos e tira-linhas feitos de chapa offset. Tudo vai depender do resultado que se almeja. “Por exemplo, no caso de diplomas, um bom papel ou pergaminho animal, ou vegetal, e uma boa tinta, trazem um resultado bom e de qualidade”, diz Evandro. Os profissionais reclamam, entretanto, da dificuldade para encontrar o material em Fortaleza. O designer Pedro
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No começo do século XIX, já se tinha a conhecida ‘escrita formal’, onde cada indivíduo já podia ser capaz de criar sua própria escrita, sem haver necessidade de alguém que fizesse isso. As documentações oficiais passaram, no entanto, a ser datilografadas, e os livros, impresso Humberto Araújo Marques explica: “Quase tudo que tenho, comprei em outros países ou, no mínimo, no eixo Sul-Sudeste”. São dificuldades que servem como influência na hora de definir os preços. Os clientes ainda têm que entender que aquele trabalho é a renda de diversos profissionais e, na hora de decidir o preço, eles pesam o que deve ser considerado: prática, material e excelência no trabalho. Bianca fala, ainda, que as pessoas ainda veem a prática como algo “fácil”, dão a impressão de que basta “chegar, sentar e escrever”, mas não se trata disso. A caligrafia é o resultado de noites perdidas praticando, dinheiro investido em materiais caros, além de ser um trabalho único. Cada demanda exige um modo diferente de pensar. Os passos de produção são definidos pelos desejos dos clientes, unidos com sugestões dos profissionais,
destaca Pedro: “ se pudermos colocar numa metodologia, basicamente seria assim: o cliente faz a solicitação do trabalho, eu peço algumas referencias sobre o que ele tem em mente. A partir daí, elaboro alguns rascunhos e vou trocando uma ideia com ele. Juntos, decidimos o melhor caminho, estética e traço. Se for preciso, faço mais alguns estudos e, após a aprovação final, passo para o refinamento do trabalho”. Inicialmente, a caligrafia era tida como a prática de padronização: as palavras eram copiadas e o material permanecia ao alcance de uma minoria. Hoje, ela é significado. João reconhece Maria, não pela sua voz, ou pelo seu cheiro, mas por sua escrita. Se tem a caligrafia como uma forma de diferenciação. Buscar os aspectos antigos e tradicionais dessa prática, faz com que a produção de, por exemplo, convites de casamento, sejam únicos e personalizáveis. A letra tem agora a opção de “se parecer” com alguém. Seja um casal, seja um indivíduo. A publicitária Amanda Carvalho, foi uma das que escolheram essa técnica. “Preferi usar a caligrafia no convite do meu casamento, principalmente por obter a exclusividade. Ninguém teria igual aquilo que eu tive em um dos dias mais importantes da minha vida!”, destaca. A profissão do calígrafo mudou muito desde seu início. Foi de técnica obrigatória a característica de diferenciação. De um grupo geral a um grupo seleto de pessoas, trouxe significados visíveis para cada um. Assim como João reconheceu a letra de Maria, o calígrafo, hoje, tem a função de colocar no papel aquilo que traz significado a cada cliente.
O reflexo do meu trabalho se dá pelo esforço do dia a dia, além de que cada ferramenta utilizada é um aprendizado diferente Bianca Benedicto
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Dos currais
ÀS VIAS PÚBLICAS A profissão de entregador de leite ainda é sustentada pela tradição e por consumidores fieis ao produto e conhecimento do leiteiro das famílias REPORTAGEM Jessyka Moura | FOTOS Jessyka Moura DESIGN Ana Vitória Reis | Caio Túlio Costa
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Apesar de rara, essa é uma profissão que ainda permanece: o leiteiro. Mas, onde estão? Difícil de encontrá-los nos meios urbanos. Eles peregrinam por bairros mais afastados do Centro. Pedalando e cantarolando pelas ruas, é assim que Tiquinho faz as suas entregas bem cedo em sua bicicleta. Exercendo a função há 35 anos, Francisco Braga Fernandes, sai de casa às cinco da manhã, monta na bicicleta e vai pegar o leite no sitio de um amigo, que fica a 10 km de distância da sua casa. Volta ao bairro e a saga continua. A rotina é mesma, todos os dias. “Nasci e cresci no meio do gado. Tive uma vacaria na Paraíba, mas vendi. Fiquei só com umas vacas aqui e acolá, mas vendi também. Hoje sou entregador de leite porque as coisas ficaram difíceis e não arranjei outro meio de vida”, relata Tiquinho, como é conhecido por seus clientes. Com 65 anos de idade, Tiquinho faz a entrega em mais de 30 casas. Hoje, as entregas são feitas em garrafas plásticas retornáveis, que dispensam o uso das garrafas de vidros utilizadas em meados dos anos 70. “Pego 25 garrafas pra vender de manhã. Volto lá à tarde para pegar mais 15. Há dia em que vendo tudo, mas tem dia que o movimento não é bom. Uma garrafa de dois litros, vendo por 5 Reais”, conta Tiquinho, que tira o sustento apenas com esse trabalho, e diz que é o suficiente para ele. Há anos com a clientela fiel, não utiliza o marketing para divulgar seu serviço. É sempre indicado pelos amigos e conhecidos aos novos clientes. No geral, são aquelas pessoas que vivenciaram isso na infância. O avanço tecnológico prejudicou pessoas como Tiquinho. Pelo armazenamento na geladeira, não tem necessidade de comprar leite todos os dias, o que faz o trabalho do leiteiro cada vez mais escasso. Para a nutricionista Soraya Morly, 25, a importância do consumo do leite de vaca está no bom aporte proteico que o soro do leite nos oferece, e também
algumas vitaminas e minerais, porém, contem uma série de bactérias muito nocivas à saúde humana, em algumas pessoas, determinadas proteínas do leite podem causar reações alérgicas, e a lactose pode causar intolerância. “Por isso, a preparação e conscientização dos profissionais que trabalham diretamente com os animais devem ser bem executadas e esclarecidas”, recomenda.
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quantidade e de atividade da enzima lactase, já a alergia ao leite é provocada por má reação química no organismo, e não por uma deficiência enzimática", observa a nutricionista.
Minha relação com o leite Há um ano e meio, descobri por meio de exames que tenho intolerância à lactose. No começo não foi fácil, pois tive que mudar
é a quantidade de casas que Tiquinho faz a entrega de leite
minha dieta radicalmente e
“Leite mesmo a gente só bebia se tivesse alguém que vendesse acabado de espremer da leiteira. Essas coisas de leite desnatado, integral, são as modernidades de hoje. Bom é o puro mesmo”, disse Fátima, 62, dona de casa e vizinha de Tiquinho. A intolerância a lactose e a alergia ao leite são diferentes, mas algumas pessoas ainda confundem. "A intolerância é provocada por uma diminuição de
lidar melhor com a doença.
aprender a viver sem o leite e seus derivados, já que estava me fazendo muito mal. Hoje consigo Quando vou a qualquer lugar, ando sempre com meus remédios, que devo tomar meia hora antes de consumir algo que tenha leite ou derivado na composição. Mas, não posso exagerar na alimentação e nem no remédio.
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Na linha do
REQUINTE
Glamour e personalidade em cortes exclusivos são alguns dos atributos dos alfaiates. Seriam mestres do estilo? REPORTAGEM Gabriel Antonio FOTOS Gabriel Antonio DESIGN Raquel Rodrigues | Jórdan Oliveira
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“Qual terno você quer? Sugiro um entre os cortes inglês, americano ou italiano. O terno inglês possui uma fenda de cada lado das costas enquanto no estilo americano existe uma fenda no centro, o que traz conforto ao sentar e liberdade de movimento ao andar. Já o italiano lhe permite um caimento mais justo no peito, com ombros bem estruturados, valorizando sua silhueta. Poderão ser incluídos ainda desenhos com abotoamento simples ou duplo com três botões”. Todos os dias o garoto presenciava o atendimento do seu pai, na função de alfaiate, aos homens que o procuravam para confeccionar uma peça tão singular e idealizada antes mesmo dos seus primeiros cortes. O que ele talvez não imaginasse é que palavras que a princípio eram estranhas como lapela, fendas e feltro se tornariam cada vez mais comuns. Assim, passada de pai para filho, começou a carreira do cearense Hélio Brígido na alfaiataria. Hoje, dono de uma aconchegante loja no bairro Luciano Cavalcante, em Fortaleza, o alfaiate é considerado por amigos, clientes e profissionais da moda como um dos melhores do Ceará. Tal reconhecimento, porém, veio tarde, mais precisamente aos 19 anos. Filho de um alfaiate e uma costureira, Hélio conta que, apesar de total apoio e predisposição familiar, o amor pela costura demorou a despertar. O preconceito e a busca incessante pela segurança e independência financeira, o fizeram cambalear por profissões que nada combinavam com a realidade que vivia desde a infância. O insucesso na peregrinação por áreas avulsas ao tino costureiro do pai e da mãe fez Hélio, ainda jovem, duvidar que o seu talento, ainda incubado, fosse hereditário. Tratava-se de algo nato. “Até tentei fugir muitas vezes
da profissão, mas percebi que tinha um dom divino. E, quando temos um dom, não adianta. Procurar outros ofícios só me dava mais certeza que era na alfaiataria que deveria estar”, confirma. A baixa estatura e o jeito meio tímido do alfaiate escondem o profissionalismo latente e o vasto conhecimento na ponta da tesoura. Mesmo assim, não basta só ser perito nos cortes e na atuação como um consultor para ser indispensável. “A alfaiataria é um trabalho muito antigo, mas por incrível que pareça, o público masculino sempre precisou de orientação”.
Estou em fase de estudo junto a outros profissionais para implementar na Capital, um curso de formação para alfaiates. Isso é mais um passo na consolidação dessa profissão tão antiga Hélio Brígido Muitos dos clientes que frequentam a sua loja, apesar de preocupados com a aparência, desconhecem a melhor forma e a melhor peça. Cabe ao profissional se debruçar sobre a função de conselheiro, aliando conforto e beleza ao desejo da clientela, cada vez mais orientada pelo glamour e pela exclusividade. O público é seleto, mas, ao mesmo tempo, diversificado. Entram homens das mais diferentes idades, fascinados pelo status desenhado num paletó sob medida. O vai e vem da linha métrica pelo corpo de
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Enquanto existir a vaidade, vai existir a alfaiataria [...] Hoje não vendemos mais ternos sob medida. Vendemos status Hélio Brígido cada cliente e as agulhadas que definem o tamanho ideal são feitos com orgulho por Hélio. Cada novo terno concebido é como um novo passo na sua carreira. Tamanho amor à profissão impede que ele admita que se trata de um serviço raro atualmente. O alfaiate prefere associar a sua “arte” ao caráter exclusivo do mercado da moda. “Enquanto existir a vaidade, vai existir a alfaiataria. Antigamente, um homem precisava de um terno porque todos tinham que vestir um. Hoje, ele precisa de um terno pra trazer credibilidade no fechamento de um grande contrato. A profissão mudou o foco. Hoje não vendemos mais ternos sob medida. Vendemos status”. É o que pensa também a design de moda Mariana Benevides. Quando indagada acerca da profissão, é categórica. “Sempre existirão pessoas que preferem o que é exclusivo. Isso não está restrito à moda”. Marina não esconde a identificação com o ofício, que também prefere chamar de “arte”. Em poucos minutos de conversa, a profissional ressalta que a produção em larga escala de roupa é incapaz de “fazer morrer” a alfaiataria.
O administrador de empresas, Maurício dos Santos, é outro que defende o serviço. Inserido quase que diariamente na esfera corporativa, ele garante que um bom terno faz toda diferença. “Imagine um carro na revisão. Se é necessário trocar as peças, temos a opção de escolher um item mais barato. Mas, podemos pagar o preço por essa escolha, tanto em performance quanto em longo prazo. Não é diferente com um terno. Na performance, ficamos mais bonitos com uma peça ajustada e em longo prazo, eu lhe garanto, um terno de alfaiate dura muito tempo”. Além de especialista, Hélio é ambicioso. Basta falar sobre a raridade da profissão, que ele não perde tempo em defender o que lhe toma a rotina desde os 19 anos de idade. A defesa vai muito mais além de uma simples réplica, a um discurso de que os alfaiates estão com os dias contados. É resultado do pensamento empreendedor: trazer a Fortaleza um curso inédito para futuros “artistas do corte”. “Estou em fase de estudo junto a outros profissionais para implementar na Capital, um curso de formação para alfaiates. Isso é mais um passo na consolidação dessa profissão tão antiga”, diz. Esse pensamento nasceu da observação que perdura no tempo. A alfaiataria é hereditária e, segundo Hélio, quando for ensinada pelas mãos de profissionais, a chance de expansão do mercado é muito maior. De volta ao passado, vemos que a profissão de alfaiate surgiu entre os séculos XII e XIV na Europa, paralelamente ao conceito de moda. O ofício conquistou
grande importância na medida em que as cidades se tornavam centros de poder, riqueza e influência. No presente, a profissão se sujeita aos mimos da alta sociedade. Assim como Hélio, os alfaiates estarão sempre às ordens, confiantes em sua “arte”, voltada para um público especial que valoriza a qualidade em detrimento do preço e espera receber um atendimento diferenciado, além de uma peça única.
A arte em
PIXELS Os avanços na tecnologia trouxeram novos ares, também, às artes plásticas. Por meio dos softwares e matizes digitais, o erudito Sérgio Helle “modernizou” suas formas de expressão REPORTAGEM Darlan Araújo FOTOS Darlan Araújo | DESIGN Iury Medeiros | Juliana Rodrigues
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Pouco a pouco, o "pincel" digital de cerdas ocultas, ao tocar a tela touch do computador, transforma pequenas partículas de imagem em arte. Frente a máquina, Sérgio Helle, que antes embebia de tinta à óleo as cerdas do pincel para marcar a tela em algodão, agora recria a manifestação de sua poesia estética - em pixels. Apaixonado pelas artes desde os dez anos de idade, e concebido artista plástico a partir dos 18, quando lançou a sua primeira exposição individual (“Abraços”, 1988), ele viu de perto as mudanças que a profissão sofreu ao longo do tempo. Helle é, por assim dizer, um habitué nas descobertas artísticas. Sempre buscou “novas experiências que pudessem vir a dialogar com o seu trabalho”. O cearense foi pioneiro no desenvolvimento de técnicas próprias no uso do computador como ferramenta de criação. Ele relata que, no início, os tudo era muito primário: os softwares tinham poucos recursos e as impressões desbotavam rapidamente. Ainda assim, continuou sua incursão por esse caminho aparentemente promissor. O tempo trouxe equipamentos mais modernos, programas mais arrojados e modos de replicação mais resistentes. E foi a partir dessas facilidades que as mãos de Sérgio Helle deram vida às inforgravuras – pinturas que exploram elementos da arte tradicional, mas de maneira informatizada. “Quando comecei a fazer infogravura, eu não conhecia ninguém que fizesse. Pra mim, foi
extremamente difícil, porque as galerias não aceitavam, as imagens apagavam… jamais pensei que fosse dar certo”, disse. Não demorou muito para que as amenidades da pixel art atraíssem o olhar de Isabel Pires, 35. Ela, que enfeita as paredes do lar com duas infogravuras e um retrato pintado (todos de Helle) defende que “é muito melhor ter uma gravura de um bom artista que uma pintura de má qualidade”. E os critérios de escolha dos quadros, segundo a cliente, são “totalmente intuitivos e passionais”. Todavia, apesar dessas gravuras terem caído no gosto de Isabel, nem sempre foi assim. As imagens desenhadas a caneta digital, logo que lançadas, precisaram legitimar o seu valor artístico, pois havia quem, a priori, as julgassem “menos arte”, por não nascerem dos pigmentos em trama de tecido. "As pessoas pensavam que a máquina [sozinha] fazia a obra. Só com o tempo viram que o computadoWWr era apenas mais uma ferramenta, e que não há arte sem o artista", justifica Sérgio Helle. Pintura e infogravura se cruzam nos pormenores. Essa última, vista de perto, revela traços similares às marcas do pincel sobre tinta, embora, segundo Helle, a intenção não seja imitar pinceladas, mas conferir textura à tela, feita artesanalmente, depois vestida de massa acrílica. E que, em seguida, recebe a impressão do desenho. Preconceitos à parte, a verdade é que a própria inforgravura se reafirmou – pela qualidade, e, ainda, pelo valor de compra
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A inforgravura abriu espaços. Se fosse só a pintura, seria mais difícil conquistar outros territórios Sérgio Helle
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atrativo (um quadro custa, em média, um terço de uma obra exclusiva). Tais razões, entre outras, motivaram o marchand e consultor de arte, Newton Whitehurst, a incluir essas obras nas exposições que promove. “A demanda tem se tornado ainda maior já que, atualmente, os decoradores e arquitetos compreendem a infogravura como arte e as utilizam cada vez mais em seus projetos”, afirma. O especialista defende que o mais importante das artes plásticas "é mostrar para o mundo algo ainda não visto ou imaginado", independentemente das ferramentas, estilo e materiais utilizados. De olho nas oportunidades desse novo nicho, marcado, também, pelo crescente interesse dos aspirantes em tornarem "artistas multitécnica", as escolas começam a adaptar seus currículos às novas demandas. Segundo a Coordenadora dos Cursos Básicos de Artes Visuais e Multimídias, Carolina Viera, do Porto Iracema das Artes, por exemplo, a pintura e o desenho digitais "já ocupam espaço importante
nas escolas de arte, e a incorporação dessas mídias acontece de acordo com o objetivo e o foco de cada instituição”. A profissional é favorável a essas mudanças e acredita que o diálogo entre a arte e a tecnologia "dá ao artista muitas possibilidades de lidar com imagens cada vez mais complexas". Nos cursos que coordena, por exemplo, Carolina diz que é comum os alunos começarem seus desenhos e pinturas em papel e depois digitalizarem e finalizarem em suas mesas digitais. O que confirma a tendência à atualização do modus operandi nas artes. Enquanto isso, em seu ateliê colorido e cheio de significados, Sérgio Helle se apropria das cores, sombras e texturas pixeladas para representar vividamente, e com rigor à sua forma mais orgânica, objetos do dia a dia. Foi assim na série "Dobras Moles", inspirada nos refolhos de uma camisa repousada no chão; depois em "Acqua", ao mergulhar nos matizes e reflexos da água sobre o corpo da mulher submersa; também em
"Fragmenta", quando une "pedaços" de obras numa composição toda subjetiva; e, por fim, em "Paradisus", o trabalho mais recente, em que enche de cor às formas já mortas da folha seca de embaúba. Para Helle, "toda experiência é motivo de inspiração". Suas obras são expostas, hoje em dia, em duas galerias da Capital e noutros salões em Curitiba, Salvador, São Paulo e Vitória. Parte dessa expansão se deve, diz ele, aos produtos da arte digitalizada. “Essa coisa de você ter um trabalho que é múltiplo, também tem essa facilidade. A inforgravura abriu espaços. Se fosse só a pintura, seria mais difícil conquistar outros territórios”, afirma o artista natural do Crato, região do Cariri. Seja com as mãos sujas de tinta, ou mesmo cansadas de manusear a caneta digital, a poesia da imagem é a grande herança de Helle. Sobre o artista se assenta, entretanto, a necessidade de perseguir o tempo e suas imposições. Eis o segredo para tornar o seu ofício atemporal: adaptar-se.
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barba cabelo, bigode e uma boa prosa Embelezar os homens é único objetivo dos barbeiros. E é assim que seu Sapiroco, barbeiro há 46 anos procura manter viva a profissão, mesmo em meio às barbearias modernas REPORTAGEM Brena Gomes FOTOS Brena Gomes DESIGN Ivina Rocha | Paulo Mesquita
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Um espaço de encontro social, assim pode ser definida a barbearia, principalmente a tradicional oriunda do século XVIII, que era em seu aspecto físico, composta por uma cadeira, pente, navalha e aquele velho e único pano usado em todos os clientes na hora do atendimento. O local guardava também segredos confidenciados pelos homens, enquanto suas barbas e cabelos eram trabalhados. Quem permanece com os traços dessa prática é o barbeiro Luís Sapiroco, 68, dono de uma barbearia que leva seu nome, no bairro São João do Tauape, em Fortaleza. Há 46 anos na profissão, aprendeu o ofício ainda novo, aos 18, no interior de Russas, sua cidade natal. Meses depois veio investir na área em Fortaleza. O tempo passou e ele ali firme, fazendo clientes e se dando bem na atividade que escolheu, pagou a faculdade dos quatro filhos com o dinheiro adquirido como barbeiro. O sorriso contido, a cantoria e a vasta experiência com que recebe os clientes, fazem dele um barbeiro respeitado no bairro em que trabalha. Mas o grande diferencial é a essência da profissão que
ele mantém viva. "Tenho clientes que estão comigo desde quando montei minha barbearia. Hoje dei uma investida no local. Coloquei televisão e ar condicionado. Mas, faço questão de permanecer do jeito que comecei, com o mesmo estilo do corte de cabelo e da barba. É isso que faz com que minha barbearia esteja sempre com clientes", comenta ao pontuar que os novos espaços que oferecem os mesmos serviços estão fugindo à tradição. Entre as características das barbearias mais antigas estão à clientela fiel e a amizade formada por ambos. O aposentado Luiz Gonzaga Bonfim Araújo, 68, é exemplo disso. Ele corta cabelo e faz barba com Sapiroco há sete anos, mas não vai ao local somente utilizar os serviços. Horas de prosa podem ser presenciadas entre eles, por quem passa pelo local. "O Sapiroco já sabe o estilo de barba e cabelo que gosto. Não preciso nem falar. É só eu chegar aqui, e pronto, está feito. São anos sendo atendido por ele", diz. Gonzaga também é adepto da mesma linha de pensamento de seu
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barbeiro, quando questionado sobre os novos conceitos de barbearias, principalmente em Fortaleza, cidade em que mora. "Teve uma vez que precisei usar os serviços dessas barbearias modernas quando estava viajando, e não foi do meu agrado. Eles têm um estilo de fazer barba e cortar cabelo diferente do que sou acostumado. Por isso, prefiro as mais antigas, fico mais a vontade", finaliza.
Queremos cultivar os valores das barbearias antigas, mas trazendo um conceito mais moderno Roberta Miranda As barbearias modernas, citadas por Sapiroco, são espaços que propõem um novo conceito no ramo. Não é simplesmente cortar cabelo e fazer a barba do cliente. O investimento feito oferece uma gama de serviços, incluindo tratamentos faciais, corporais, além de áreas reservadas para jogos e bar. E em Fortaleza, por exemplo, este mercado vem crescendo, ganhando espaço e adeptos.
É o caso da Fígaro Barbearia, presente na cidade de Fortaleza, no Shopping Rio Mar e no bairro Aldeota. O local oferece ambientes climatizados, com áreas para lazer e a oportunidade de usar os serviços para cabelo, massagem, depilação, podologia e reunir amigos. São mais de cem opções ofertadas em estética e mais de trezentos produtos exclusivos para homens. A gerente comercial da Fígaro, Roberta Miranda observa que o público masculino está cada vez mais exigente, por isso que tantos espaços com estes atendimentos surgem no mercado. "Queremos cultivar os valores das barbearias antigas, mas trazendo um conceito mais moderno, até mesmo pelo perfil de clientes que atendemos. Nosso foco é proporcionar um ambiente mais confortável e diferenciado", externa. Tradicionais ou modernas, as barbearias resistem ao tempo. Há opções para todos os gostos, estilos e poder aquisitivo. O certo é que a profissão tem passado por grandes transformações, mas sem perder a essência. Em suas características, o ofício cria laços de amizade e confiança entre barbeiro e cliente. O que ambos procuram, tanto novos como velhos profissionais é manter viva a essência da atividade no interior ou em grandes centros.
Faço questão de permanecer do jeito que comecei, com o mesmo estilo do corte de cabelo e da barba. É isso que faz com que minha barbearia esteja sempre com clientes Sapiroco
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O estilo feito à mão QUE VAI ALÉM DA MODA
Com origem na Idade Média, o chapéu é o acessório preferido da cearense Jomara Cid, que cria os seus produtos a partir do perfil de cada cliente. REPORTAGEM Isabella Vasconcelos FOTOS Lígia Duarte | MorgueFile Free DESIGN J.P. Uchôa
Proteção contra o sol nos dias quentes ou contra o vento e temperaturas baixas, no clima frio. O fato é que, nos dias de hoje, o uso do chapéu vai muito além dessas funções. Segundo especialistas no assunto, o acessório pode ser uma representação da personalidade de quem usa. Tanto é que, ao receber uma encomenda no atelier Jomara Cid Chapelaria, a chapeleira milliner - profissional
dedicada a criação manual de chapéus e adornos para cabeça - procura entender o perfil da cliente, seja ela romântica, delicada, ousada ou tradicional. "Entender a cliente é o primeiro passo", garante. Além do chapéu, a artesã também confecciona diferent es tipos de acessórios para cabeça, mas todos os produtos têm a mesma finalidade: esta r de acordo com a personalidade da pessoa que vai usar.
No atelier, Jomara produz os adereços personalizados e sob medida. "Tudo vai depender do perfil de cada cliente". A artesã pontua que o perfil de clientes é bem diversificado. "Temos clientes bem minimalistas, outras românticas, as ousadas, e as fashion’s, enfim, tem de tudo". Além de falar muito sobre a
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personalidade de quem usa, o chapéu também representa o estado de espírito em que a pessoa se encontra. É o que salienta Jomara, sobre as diversas formas de representação do acessório. Para ela, a moda em si também é uma forma de expressão. “Da sandália ao chapéu. Todos esses elementos dirão muito sobre você, ou sobre o seu estado de espírito naquele momento”. E, para não dizer que isso é papo de profissional, a jornalista Caroliny Braga, cliente do atelier Jomara Cid chapelaria, ressalta que sua relação com os chapéus está para além de proteger-se do sol, apesar de ser o que o clima de Fortaleza pede. Com tom conotativo, a jornalista diz que o chapéu “traz o afeto da noite, a sombra, a quietude. Guarda-me, quase”. Além do chapéu, Caroliny diz que é adepta de inúmeros acessórios como faixas, flores, casquetes - um pequeno chapéu preso por grampos ou tiaras. E, em todos os casos, a jornalista afirma: “esses acessórios mostram o que eu sou, me compõem. Falam muito sobre
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mim, sobre o meu estado espiritual daquele instante”. Caroliny se tornou cliente de Jomara há quase cinco anos, quando procurava uma solução para uma inquietude de sua filha Luiza, com 2 anos, na época. A jornalista conta que Luiza teve queda de
“Há cinco anos que a poesia de Jomara entende a minha cabeça” Caroliny Braga cabelo até os 3 anos de idade. “Comecei a elaborar peças para decorar a cabeça dela, pois as pessoas começaram a hostilizá-la na rua, até a confundiam com menino, por ter cabelo curto”, conta. Mediante a felicidade que Luiza sentiu, usando os acessórios, Caroliny começou a procurar na internet novos modelos de adereços. Foi nessa busca que
encontrou o atelier de Jomara, e se tornou cliente. “Há cinco anos que a poesia de Jomara entende a minha cabeça”, brinca Caroliny Braga. Feltro, pedraria, penas, plumas, palhas, renda e uma infinidade de outros elementos. Estas são algumas das ferramentas que a chapeleira Jomara Cid usa para enfrentar os desafios de se reinventar e tornar moderna uma profissão antiga e tradicional. Segundo ela, um dos desafios é usar a criatividade para trabalhar com os materiais encontrados no Brasil, pois muitos materiais só podem ser encontrados fora do país. Jomara afirma que se “apaixonou” pela chapelaria, pelo desafio que é exercer a profissão nos dias de hoje. “Acho isso o máximo (risos). Quando entrei na moda, sabia que não queria fazer roupa, pois é um ramo que todos seguem. A chapelaria me faz pesquisar muito e me recriar para trabalhar com pouco material, às vezes. Gosto disso”. O designer de moda e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC),
Ricardo Bessa, afirma que, no Brasil, o uso do chapéu é incomum ao cotidiano das pessoas. Segundo ele, a maioria das mulheres brasileiras usa o adereço em ocasiões distintas como festas de casamento, festas de rodeio e corrida de cavalos, por exemplo. O estilista aponta que o desafio da chapelaria é tornar o uso do chapéu uma moda constante, uma vez que é um acessório pouco adotado no país. A baixa adesão ao uso do chapéu é atrelada por Ricardo, aos poucos profissionais que dominam as técnicas de fabricação e moldes de chapéu. Segundo o professor universitário, no Brasil não há escolas e tão pouco cursos que oferecem formação em chapelaria. “A grande referência em chapelaria ainda são os ingleses. As mulheres inglesas ainda
veem o chapéu como acessório importante, sendo o seu uso símbolo da figura da rainha Elizabeth II e das realezas europeias”, aponta. Ricardo conta que o chapéu surgiu como acessório de proteção contra o sol, e com a evolução das civilizações tornou-se um adorno principalmente para as mulheres. Segundo ele, as primeiras chapelarias surgiram no final do século XVIII, e utilizavam em seus chapéus materiais como a palha, o feltro, tecidos, enfeites variados e elaborados de forma a combinar com os penteados sofisticados da época. A época de destaque do chapéu no universo da moda foi o século XIX, que trouxe transformações amplas e velozes em termos de tecnologia têxtil, uma vez que o ato de cobrir a cabeça ainda estava
ligado às relações de poder e à religião. “As mudanças ocasionadas pelo uso do chapéu fizeram com que o universo da moda ficasse cada vez mais vibrante”, destaca Ricardo.
Símbolo de elegância
requinte
e
Em 1850, os chapéus passaram a ser símbolos de requinte e elegância. Foi uma época em que o casal, ao sair de casa, devia usar um chapéu adequado ao horário, tanto as mulheres, quanto os homens. As mulheres, como usavam os cabelos sempre presos em diversos penteados, por cima, colocavam um chapéu. No caso dos homens, sempre eram usados chapéus de modelos altos, os mais preferidos da época.
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Mãos que transformam
O BRUTO EM ARTE
Sutil, delicada e detalhista. Uma atividade artesanal que pode ser considerada uma das mais antigas do mundo - alguns registros apontam que ela existe há cerca de 4.500 anos REPORTAGEM Lara Veras FOTOS Lara Veras | DESIGN Natália Catunda | Adailson Silva
A ourivesaria trabalha com materiais preciosos, na fabricação de joias. Os egípcios antigos eram mestres na produção de ornamentos feitos com ouro; objetos que possuem uma riqueza enorme de detalhes e que são considerados valiosas relíquias nos dias de hoje. Durante a Idade Moderna os ourives eram considerados profissionais de renome e prestígio entre a realeza, mas atualmente a profissão não possui o mesmo destaque. Segundo a artesã e ourives Bárbara Brasil, 30, ela ficou na
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vida apenas de quem tem verdadeiro amor pelo que faz. Foi exatamente pela admiração ao trabalho manual que Bárbara, se rendeu ao minimalismo desta atividade. Aos 9 anos, ela acompanhava a mãe, na época vendedora de joias, que levava até um ourives de sua confiança, as peças que precisavam de ajuste ou conserto. A artesã lembra que o primeiro encontro com a oficina já chamou sua atenção e ela ficava observando atentamente o trabalho. Ainda assim, não
foi sua primeira profissão. Ela trabalhou durante cinco anos, na área de Comércio Exterior, em uma indústria de eletrodomésticos. Bárbara teve uma filha aos 20 anos e achava que já tinha se encontrado profissionalmente, até o dia em que percebeu que passava pouco tempo com a filha. Decidiu pedir demissão, “para não deixar a educação da criança na mão da babá”. A artesã conta que sentiu o chamado para a arte de trabalhar na produção de joias. Ela destinou todo o dinheiro que
recebeu, ao sair do emprego, na compra dos primeiros equipamentos: uma bancada, um motor de cravação, um maçarico e um arco de serra. Entrou em contato com o ourives que trabalhava com a mãe dela e pediu para que ele a deixasse observar o trabalho feito, em troca de dividir o aluguel do ateliê. E foi assim que, em 2009, começou a dar os primeiros passos na ourivesaria, observando cada movimento do profissional que foi um grande professor. “Depois fui para o ateliê de outro profissional, onde também aprendi muito. Cada ourives tem sua especialidade, né? Então, eu aprendia mais serra com um, aprendia mais joias clássicas com outro...Depois fui para outro ateliê, que foi o último, de um superamigo. Ele trabalhava com cordões, pulseiras, alianças, aí eu já aprendi a fazer coisas mais pesadas”. Depois de aprender um pouco de cada técnica, há um ano criou a marca Bárbara Brasil Joias Artesanais. Antes disso, trabalhava apenas com encomendas de modelos já existentes. No conceito da sua própria marca, transformou desenhos que havia feito no decorrer da vida em produtos de ouro e prata, feitos à mão. E, quando atende o desejo de alguém, tem o cuidado de tentar passar para a produção, os sentimentos do cliente. “É muito importante quando vejo a satisfação deles. Saber que fiz a joia que uma pessoa viu num sonho que teve. É muito gratificante fazer o sonho de uma pessoa se tornar realidade”. Também foi esse o resultado de uma encomenda que a jornalista Aline de
Farias Pedrosa fez. A cliente, que já era casada há sete anos e usava, com o marido, um modelo de aliança de prata, comprado sem ter sido idealizado pelo casal, decidiu encomendar um novo par, dessa vez com ouro e prata. “Ela, com certeza, captou a nossa mensagem e fez o modelo que a gente queria. Antes, as alianças tinham os nossos nomes, agora têm os nomes dos nossos filhos (um casal de gêmeos). Essa aliança, agora, marca não só a união do casal, mas também o fato que não existe ex pai e ex mãe. É a eternidade do criar e do educar”.
Coleção A.MAR A primeira coleção de Bárbara Brasil, intitulada “A.MAR”, faz referência ao sereísmo, tendência da temporada, cujas referências são o fundo do mar. A artesã explica que as peças retratam o amor dela pelo mar e suas belezas, especialmente o que é visto nas praias do Ceará. Não foi à toa que a inspiração veio durante uma viagem para Icapuí. “Na mesma
Essa aliança, agora, marca não só a união do casal, mas também o fato que não existe ex pai e ex mãe. É a eternidade do criar e do educar Aline de Farias Pedrosa É entre as técnicas de derretimento, martelagem, modelagem, soldagem e refinamento que, apesar de não ter a mesma visibilidade de antes, uma das profissões mais antigas sobrevive no tempo. Uma atividade naturalmente artesanal, que atua como uma maneira de esculpir desejos. É por causa do valor artístico que ourivesaria toca no sentimento das pessoas, que não conseguem ficar indiferentes às suas peculiaridades.
hora percebi que tanta beleza tinha que virar joia. ‘A.MAR’ vai ser um verdadeiro mar em terra firme, com muitas conchas, estrelas do mar e sereias.” Bárbara conta que tem clientes em outras cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. Mas, suas peças já chegaram até a Inglaterra. Serviço: Contato através do telefone (85) 99630- 1035 Instagram: @barbarabrasiljoias Facebook: facebook.com/ barbarabrasiljoias
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Mesmo com a preocupação com o cardápio do dia a dia, muitas pessoas se descuidam na hora de fazer dietas sem orientações médicas REPORTAGEM | FOTO Júnior Tavares DESIGN Marlone Melo
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Ter coragem significa sair da zona de conforto e ir buscar aquilo que se deseja, mesmo que, para isso, muitos sacrifícios tenham que ser feitos. Para José de Sousa, de 51 anos, ou como prefere ser chamado “Zeca”, a rotina começa bem cedo, às 2 horas, quando pega o carro que aluga para ir buscar os peixes, uma perua Currie de um amigo, no Mercado São Sebastião e no Mercado do Carlito Pamplona, dois equipamentos municipais com maior oferta de pescado. O bom peixeiro, no entendimento de Zeca, tem que ter determinação para conseguir o seu sustento, mesmo com as possíveis adversidades que vida pode trazer. “Não é qualquer um que aguenta ser peixeiro não. Apesar de ser um trabalho simples, ele tem que ter coragem para acordar cedo e enfrentar a mesma rotina pelo menos três vezes na semana”, assegura, com a experiência de quem já enfrentou muitas situações difíceis na vida. O bom peixeiro, no entendimento de
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Zeca, tem que ter determinação para conseguir o seu sustento, mesmo com as possíveis adversidades que vida pode trazer. “Não é qualquer um que aguenta ser peixeiro não. Apesar de ser um trabalho simples, ele tem que ter coragem para acordar cedo e enfrentar a mesma rotina pelo menos três vezes na semana”, assegura, com a experiência de quem já enfrentou muitas situações difíceis na vida. Natural de Maranguape, mas morador do Bom Jardim, bairro no âmbito da Secretaria Regional V, em Fortaleza, há 47 anos, Zeca é peixeiro há cerca de oito anos e já teve as mais diferentes profissões que se possa imaginar: de pedreiro a pintor, de açougueiro a peixeiro. Uma das suas principais virtudes, segundo ele mesmo, é que nunca gostou de estar parado. Trabalhar sempre foi algo prazeroso e a profissão de peixeiro foi onde ele mais se encontrou. “É bom ser peixeiro porque é um trabalho tranquilo, apesar
de ter muita responsabilidade, pois é comida, né? E, com comida, ninguém brinca”. Depois de residir em muitos estados brasileiros como Minas Gerais, Alagoas, Maranhão e Pará, Zeca voltou à sua terra natal para morar com a mãe, de quem toma conta. Já em Fortaleza, trabalhando há cerca de dois anos no mesmo local, ele conta por qual motivo a profissão de peixeiro começou a se tornar cada vez menos encontrada nas cidades. “As pessoas hoje, só querem moleza. Ser peixeiro é uma profissão até fácil, mas tem seu lado difícil e trabalhoso. Acordar de madrugada e perder o melhor sono da noite são apenas alguns dos desafios da profissão. O cara tem que ser corajoso e ter sangue nos olhos”, conta seu José, de maneira bem-humorada. Separado e pai de dois filhos com quem mantém pouco contato, Zeca é uma figura trabalhadora e sem medo das adversidades que a vida pode trazer. Apesar de ter uma profissão pouco encontrada, seus planos futuros são bastante promissores. “Bom, para o futuro pretendo conseguir um lugar melhor para me instalar, porque só assim evito o desgaste de montar e desmontar essa barraca todo dia, dessa forma vou parar de depender da ajuda dos outros”. A ajuda a que Zeca se refere é a do seu Geraldo dono da lanchonete que
Como nada para é impossível, vou levando minha vida aqui mesmo, mas com mesmus planos para o futuro Zeca fica em frente ao seu local de trabalho, e que permite que Zeca guarde os equipamentos da barraca de vendas em seu estabelecimento todos os dias. Geraldo Sousa, 54, se tornou amigo de José desde quando ele começou a vender peixes no atual local de trabalho, que fica numa calçada da Rua Oscar Araripe, no bairro do Bom Jardim, e conta que não é incômodo algum ajudar o amigo peixeiro. “Eu já disse a ele que sempre que for preciso, pode contar comigo. O Zeca é gente boa demais. Deixo ele guardar as coisas.
Alta estação do peixe
Como o peixe é um produto que possui “épocas” do ano em que é mais consumido, José pretende mudar o seu ponto de venda para um local onde o peixe seja melhor “visto” pelos clientes. Revela que mesmo com algumas dificuldades nas vendas, sua animação, coragem e fé continuam inabaláveis, “Aqui só é difícil porque o movimento
não é tão bom, mas como nada pra Deus é impossível, vou levando minha vida aqui mesmo, mas com meus planos pro futuro’’. Economicamente o período do ano em que a profissão de peixeiro recebe mais destaque é durante a Semana Santa. Por costumes religiosos, boa parte dos consumidores evita a compra da carne bovina, suína e de aves, tornando o peixe, um dos produtos alimentícios mais procurados nos mercados. “A Semana Santa é o melhor período do ano. Enquanto nos outros meses, vendo 30 ou 40 quilos mensalmente, nos cinco dias de Semana Santa chego a vender entre 180 e 200 quilos dos mais variados peixes”. O peixe que Zeca compra vem, em sua maior parte, de dois grandes mercados públicos de Fortaleza. O Mercado Público São Sebastião, localizado no Centro da cidade, tem como especialidade a venda de peixes de água salgada. Já o Mercado Público do bairro Carlito Pamplona tem como diferencial a venda de peixes, tanto de água salgada, quanto de água doce e é o mais procurado por quem vende o produto, em Fortaleza. Um dos motivos para o número maior de vendas é que o local oferece uma gama maior de pescados.
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O universo de um
ARTISTA DOS PÉS
No interior de uma antiga oficina de sapatos, Francisco Almir da Costa, é o responsável por manter viva uma atividade que está caindo no esquecimento REPORTAGEM Maiane Almeida FOTOS Maiane Almeida | DESIGN Caio Túlio Costa | Ana Vitória Reis
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Eles nos acompanham todos os dias, seja para o trabalho, escola, uma festa, ao realizar uma atividade física ou apenas em um passeio. Os sapatos estão presentes na história do homem desde muito tempo. Registros antigos da existência dos calçados são datados de 10.000 a.C. no período Paleolítico, quando peles de animais já eram utilizadas para revestir os pés. No contexto da história do sapato é importante lembrar-se da figura do sapateiro, profissional responsável pela confecção de calçados. Por muito tempo as pessoas procuravam um sapateiro quando precisavam comprar um sapato. Porém, após a industrialização e com o surgimento da fabricação em série, essa realidade mudou bastante. Uma grande variedade de calçados começou a ser produzida fazendo uso de diferentes materiais como borracha, couro sintético e plástico. A fabricação em larga escala favoreceu também a uma baixa nos preços, tornando mais acessível para as pessoas a aquisição de um par de sapatos. O lado ruim é que já não existia mais aquele calçado único, feito sob medida, de acordo com o gosto e o pé do cliente. Além de perder bastante em qualidade, o que se associa aos preços mais baixos. Com o passar dos anos a profissão de sapateiro só tem desaparecido. Atualmente, está bastante associada a consertos e ajustes, apenas. Não é comum ver alguém encomendar seus sapatos, direto com um profissional sapateiro.
ajudar sua mãe no sustento familiar. Seus dois irmãos também entraram na profissão junto com ele, mas acabaram seguindo outro caminho. Sua primeira experiência foi numa pequena fábrica de tamancos perto da vila onde vivia, em Fortaleza, com a família. “Não deu pra aprender muito, pois se tratava de uma produção muito simples. Nos anos 80 passei a trabalhar numa pequena oficina, que também ficava bem perto de onde morava e lá está até hoje,” lembra. Foi lá onde aprendeu tudo o que sabe. Ele chegou jovem, tinha muita curiosidade e vontade de aprender. E olha que ele parece ter aprendido muito bem, pois até hoje antigos clientes o procuram para encomendar sapatos. Não é fácil encontrar um sapateiro que tenha resistido à grande pressão da produção que existe hoje, mas o seu
Almir faz questão de continuar firme e forte com sua profissão. A oficina já não atua como antes, o antigo dono faleceu e o seu Almir, sozinho faz questão de manter viva a atividade que lhe dá prazer e sustento. Prefere não discorrer muito sobre o passado. O que ele gosta mesmo é de falar de sapato.
Tudo que tem de teoria nesses livros, ele sabe na prática João Camargo O dia vai passando e sendo preenchido por muitas atividades. O sapateiro Almir não fica um minuto parado. Sempre está lixando, cortando sola,
Firme no ofício
Com os óculos apoiados na metade do nariz, as mãos firmes e habilidosas, alguns pedaços de couro se transformam em sapatos, sandálias, botas e cintos. Francisco Almir da Costa é sapateiro, e o autor desta transformação. De seus 54 anos de idade, ele já dedicou 46 à profissão que o acompanha desde menino. Questionado se já teve outra atividade na vida, seu Almir, como prefere ser chamado, rapidamente responde que não. Ele começou aos oito anos, quando precisou
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colando solado, cortando couro ou fazendo algum conserto. Embalado pelo que vai tocando em seu rádio, ele se envolve completamente em seu trabalho. Com passos rápidos, longos e um pouco arrastados, ele vai de um extremo ao outro da casa onde habita a antiga oficina, a fim de entregar com agilidade as suas encomendas. Além do seu Almir, as máquinas também resistiram ao tempo e até hoje ele garante que todas funcionam muito bem. Ao redor do ambiente, é possível ver os rastros da história do lugar com várias formas e muitos moldes de sapatos pendurados próximo ao teto. Questionado sobre o que mais gosta em sua profissão, ele confessa que lhe agrada muito o contato com as pessoas e as amizades que conquista com o tempo. Na hora de fazer um sapato, o que mais gosta de fazer é a parte da montagem, quando tudo cria uma forma.
Nos anos 80 passei a trabalhar numa pequena oficina, que também ficava bem perto de onde morava e lá está até hoje Almir da Costa O sapateiro tem sempre a visita de amigos, clientes ou amigos clientes. João Camargo é um deles. Mora em frente à oficina e nos finais de semana aproveita para passar algumas horas conversado com o amigo. Ele não esconde a admiração que sente pela profissão de sapateiro. Diz achar muito bonita e tradicional. Lamenta que geração atual não valorize essa atividade. Camargo salienta que hoje, as pessoas não estão preocupadas com a qualidade dos sapatos e são levadas a comprar pelo que veem em publicidades. Na oficina, ele já conhece algumas ferramentas e faz questão de ajudar na organização do lugar. Revela que gostaria
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muito de aprender a fazer sapatos com o seu Almir, mas não tem tempo. Por alguns minutos se ausenta e quando retorna traz um sorriso de satisfação e um livro nas mãos. Ele confessa que a convivência com o profissional fez com que ele se apaixonasse pelo universo da sapataria. Aproxima-se e mostra um livro sobre sapatos, que comprova toda a sua declaração positiva ao ofício. Ele não tem apenas um livro sobre o assunto. Passados mais alguns minutos, aparece com outro livro, esse em inglês e com muitas fotos de ferramentas e modelos de sapatos. “Tudo que tem de teoria nesses livros, ele sabe na prática”, disse orgulhosamente. Quem também sempre aparece pelo cantinho do sapateiro é o amigo e cliente Francisco de Assis, que também acha a profissão do seu Almir muito importante e sente muito por ela não ser reconhecida. Comenta que a concorrência entre sapateiros e fábricas causa essa grande desvalorização da profissão. Para reforçar sua valorização pela atividade ele diz, “já faz 15 ou 20 anos que sou cliente do Almir”. Ananias Silveira também é um amigo que gosta de passar alguns momentos na oficina de sapatos. Como os demais, ele respeita e valoriza o trabalho de sapateiro, mas diz, com vigor, que é muito desvalorizada e caminha para o completo anonimato. Procurando prestar atenção no que os amigos falam sobre a atividade, Almir dá uma olhadinha por cima dos óculos e retribui os elogios com um sorriso de satisfação. Vira-se e continua concentrado a montar os seus sapatos.
Oficina de Sapatos Rua Rocha Lima, 949 Centro - Fortaleza (próximo ao Ginásio Paulo Sarasate) Contato: (85) 98547-8321
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