* CONFIRA Versões ampliadas no Blog Fato: www.agenciafatofa7. wordpress.com
Arte Válber/ Foto Iago Alencar
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* EDIÇÃO TRAZ 7 NOMES entrevistados pelos alunos em Fortaleza
No Bar do
CHAGUINHA * UM DOS SETE
ENTREVISTADOS DO PAPIRO
papi papiro ro *EDITORIAL Papiro especial apresenta entrevistas com histórias de vida
A
disciplina Práticas de Jornalismo Impresso 1 realiza desde 2008 entrevistas baseadas no método ¨diálogo possível¨, adotando o debate de temas a partir de trajetórias de vida. Em 2011, as turmas trabalharam com os temas comunicação, no turno manhã, e artes, na turma da noite. Para o tema comunicação foram entrevistados o radialista Almino Menezes e comentarista esportivo Wilton Bezerra. Para o tema artes foram entrevistados o roteirista Thiago Daniel, o músico Waldonys e o ator e diretor teatral Silvero Pereira. Assim como nos semestre anteriores – publicação em www.agenciafatofa7.edu.br Cada entrevista contou com equipe de produção específica, tratando cada uma, após escolha dentro do tema, de pauta, produção, captação, transcrição e edição, mediante supervisão do professor Danilo Patrício, responsável pela disciplina. Confiram. Boa leitura!
Waldonys:
O contador de causos
SANFONEIRO, CANTOR, COMPOSITOR, EMPRESÁRIO, AVIADOR. ENTRE TANTOS TALENTOS, UMA OUTRA FACE GANHA DESTAQUE, A DE CONTADOR DE CAUSOS. O MÚSICO ABRIU AS PORTAS DE SEU ESTÚDIO E RECEBEU A NOSSA EQUIPE PARA NOS FALAR SOBRE A TRAJETÓRIA E A CARREIRA. Mávio - A descoberta de tocar sanfona e a descoberta da música foi mais uma coisa intuitiva de criança, brincando, ou naquela época você já tinha noção que era esse caminho que queria seguir? Waldonys - A música é um dom divino, que vem lá de cima, às vezes você encontra pessoas autodidatas, que nunca frequentaram um conservatório e que é um musico espetacular. Eu vivia entre sanfoneiros, por conta do pai (Seu Eurides), que toca e tal. Então assim, eu comecei por conta de um grupo que meu pai tinha e ele ensaiava todos os dias, era um grupo de brincadeira.
nheceu por conta do Dominguinhos. Ele teve a informação por Dominguinhos, que me conheceu em Mossoró, mas só me conheceu como gente, mas como músico ele veio me conhecer aqui em Fortaleza, tocando. Seu Luiz veio, em uma passagem aqui em Fortaleza, veio aqui em casa. Foi quando eu toquei para ele. Pouco tempo depois ele veio de novo e eu ganhei a sanfona.
Crédito: Divulgação
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Yara - Waldonys, na sua adolescência tinha mais o movimento do rock. Como foi esse teu diferencial, porque um menino que gostava de forró, logo nessa época que era o auge do rock? Waldonys - Eu era um extraterrestre. Nas festas do colégio as pessoas me chamavam. Mas assim, não era normal, por isso que tem a história do Seu Luiz Gonzaga, sobre extinção do forró. Porque era brega! “Que é isso! Você vai tocar forró, sanfona!” Os meus primos e o pessoal do colégio dizia: xiii esse cara num tá com nada. “Vai tocar guitarra, Paralamas do Sucesso, ou qualquer coisa.” Mávio - Daí você foi pro Conservatório (de Música). Você conheceu seu Luiz Gonzaga antes de se aperfeiçoar, adquirir mais técnica, quando foi o encontro e como é que foi esse encontro com Luiz Gonzaga? Waldonys - Seu Luiz (Gonzaga) me co-
Waldonys: capacete e sanfona na vida.
Yara - A Dona Joana (mãe de Waldonys) nos falou que você era um “menino de sorte”. Você disse que teve contato com Dominguinhos e pensava que ia ser difícil, mas na verdade não foi muito. Você acha que hoje é mais difícil esse contato, para as pessoas que estão começando? Waldonys - Hoje estamos em outros tempos. Para o cara começar hoje ele vai ter dificuldade, porque você tem sempre um sonho né, seja de montar uma banda ou ser artista, ser famoso. Mas até tu provar para todo mundo, até tu conseguir juntar um público teu, isso leva tanto tempo, que vocês não têm ideia. O sonho quando vai virando realidade, fica mais difícil de ser encarado. Lylla - Você teve muita influência de Dominguinhos, Luiz Gonzaga, mas quando você começou, esbarrou com alguém por inveja ou por não dar oportunidade para novos artistas, que não queriam te ajudar? Waldonys - Sempre tem né. Mas esse tipo de gente age muito por trás. É o velho” tapinha nas costas”. Ai você tira de letra. Porque existe um outro lado da moeda
papi papiro ro 33 também. Quando você vem com padrinhos como Luiz Gonzaga e Dominguinhos facilita e dificulta. Porque tudo que você conseguir, aonde você conseguir chegar, ainda vai ter alguém falando assim:mas também... Não é porque você tem talento, é porque você é afilhado ou porque é filho de num sei quem.
Estudei com uns professores aqui, mas não desmerecendo todos os professores, o que me ajudou muito foi o estúdio, foi o computador. No apartamento eu tenho um estúdio e isso me ajudou muito. Porque eu comecei a ver com uma fonoaudióloga também o meu ouvido, onde é que a minha voz se encaixa melhor.
Yara – Quando você viajou pela primeira vez para o exterior, você sofreu algum preconceito por ser brasileiro e nordestino lá? Waldonys – Por incrível que pareça isso acontece e rola muito mais por aqui. Quando eu entrei no grupo da Marisa Monte. Tudo carioca. Aí eu cheguei e fui caindo na graça deles. E o que é que aconteceu: A Marisa começou a abrir muito pra mim, sabe? E isso também foi uma “arte” danada. E por que a Marisa tá dando crédito pra esse cara aí? Aí eu tinha que...
Jefferson – O seu repertório: “Quem não dança, dança”( 1º CD,1993), ‘Aprendi com o rei’( 4º CD/2001) e outros dos seus álbuns, se percebe que é um repertório rebuscado. Qual o processo que você faz de selecionar? Waldonys – Eu recebo muitas músicas. Hoje nós temos muito compositores e muita música. E você também tem que ter muito cuidado porque os compositores querem te enganar. Enganar no sentido que a música é um plágio. Então é um trabalho muito difícil, que eu pego as músicas e vou ouvindo e vendo como é que é, o que se encaixa melhor comigo. Porque tem que se encaixar. Por que tem música bonita e tal, mas num casa com a pessoa.
Mávio – Ter jogo de cintura... Waldonys – Total cara. Tiveram alguns shows aqui no Brasil que ela saía do palco e me deixava. ´Oh, agora eu vou tomar uma aguazinha aqui e o Waldonys vai...´ (lembra Marisa falando) Aí eu: pá. (Ela) Levantava a bola e eu chutava. E os caras me acompanhando pô... Eu disse “cara isso vai ficar complicado. Tem uma hora que esses caras vão dizer ‘peraí. Nós estamos sendo pagos pra acompanhar a Marisa.” Yara – Eu vi uma entrevista do Fagner e ele disse uma vez que a Elis Regina, pode-se dizer, é a madrinha dele, que ela ajudou muito na carreira. A Marisa Monte pode-se dizer isso também ou... Waldonys – Não tenha dúvida. Eu devo muito a ela. Tenho uma gratidão muito grande por ela. Nós nos demos muito bem. Jefferson – Sobre a questão do canto foi Fagner que incentivou, deu esse incentivo pra cantar? Waldonys – Não, foi Luis Gonzaga que, visionário como era, vislumbrando já a história da música instrumental que não tem o seu espaço merecido, pegou e disse com essas palavras: ‘É bom você começar a cantar, porque se não você vai morrer de fome’. Lylla – E a questão de adaptar a maneira de cantar? Porque você fala que foi aprendendo a cantar no estúdio, né? Ouvindo a sua voz, ouvindo demo. Waldonys – Tu tava lá também é?(risos). É isso mesmo. Eu fiz impostação de voz.
Mávio - Agora recentemente você lançou uma música em homenagem a Fortaleza, que mostra um pouco dessa sua paixão pela cidade e da escolha de viver e morar aqui, de repente ir pra outro estado, que te desse mais oportunidade. Fala um pouco sobre isso? Waldonys – Eu gravei e é “A mais bela”. E tiveram algumas pessoas que disseram assim “aí num sei que, porque tá falando da Fortaleza bela”. Num tem nada a ver, não é jingle político. Eu viajei muito. Fique um tempo em São Paulo, morei nos Estados Unidos e gosto demais de avião e gosto demais de Fortaleza. Então deu um casamento perfeito. Porque o avião me leva a todo lugar rapidinho e eu não preciso, como antigamente, você tinha que morar no eixo Rio-São Paulo. Era um mal necessário. Fico, viajo, faço temporadas, mas sair de Fortaleza me agrada não. Yara – Sobre a gravação do clipe com a esquadrilha da fumaça, foi ideia sua? Waldonys – Foi total! (risos). A mãe, a família não sabia. Eu disse: rapaz eu te-
“O SONHO quando vai virando realidade, fica mais difícil de ser encarado”.
querem ver a cultura daqui.
“FOI LUÍS GONZAGA, que, visionário como era vislumbrando já a história da música instrumental disse: ‘É bom você começar a cantar, porque se não você vai morrer de fome’.
nho uma música que eu gravei, fiz uma roupagem nova. Mostrei o áudio. “Cara, é meu sonho um videoclipe com vocês” e quando eles viram disse “Waldonys, que massa, só que a esquadrilha não é nossa, a esquadrilha é da Força Aérea. A ordem tem que vir lá do pessoal de Brasília, auto escalão”. Mas conseguimos. Tome gravação e fazendo as manobras. E foi mais de uma semana tocando e voando, tocando e voando, repete a manobra que o céu não tava muito não sei o que, o foco. Lylla - Sobre a sua saúde, a sanfona, sabemos que ela é pesada e o Luiz Gonzaga teve problemas de saúde. Quais são as medidas que você toma, se você cuida da sua saúde. Já está sentindo alguns sintomas? Waldonys - Sinto, eu sempre sinto. No São João então, o bicho pega. Nos últimos três meses estou cuidando um pouquinho em praticar atividade física, porque eu não fazia nada. E eu vou completar 40 anos, e só jogava porrinha. Mas, respondendo, a coluna sente e sofre. Não tem jeito, você vai ter problemas e eu sou acompanhado por um dos melhores médicos daqui. Ele disse que hérnia de disco todo mundo vai ter, mas que cirurgia é o último caso. Yara - Sobre os incentivos do Governo, porque se tem vários projetos, o “Férias no Ceará” é um deles. Você pode falar um pouco sobre isso? Waldonys - Os caras bolam um projeto, “Férias no Ceará”. Trazem Skank, Paralamas do Sucesso, Biquíni Cavadão, que eu não tenho nada contra, são inclusive meus amigos alguns deles, mas junto a isso, poderiam fazer um festival forró, pop rock e tal, e colocar gente daqui também. Porque acho legal que valoriza. Porque os turistas vêm para cá, eles
Mávio - Na nossa pesquisa, a gente acabou descobrindo uma coisa, que muita gente não conhece. Seu lado mágico. Yara - Tem outro lado também, a fama de namorador. Waldonys - Eu? (gargalhada) É que eu tinha uma coleção de aliança. Era uma porrada! Pois é né, a mágica, é o seguinte. O meu avô gostava muito de fazer mágica nos aniversários. Era o show de mágicas do Vovô. Então, eu acho que eu herdei isso dele. Eu comecei a ver e comecei a me encantar, pelo ilusionismo. Mas assim, eu brinco de mágica com os meninos e gosto mais de mágica de salão. Lylla- Você já pensou em colocar essa mágica em algum show? Waldonys - É boa dica. E acho que no próximo DVD né? Colocar alguma coisa. Porque tem a ver. Porque tem a ver comigo. Yara - Falando em teatro. Porque você escolheu o Teatro José de Alencar para ser o palco do seu DVD? Waldonys - O teatro José de Alencar é a maior casa de cultura do estado do Ceará. Então porque gravar no teatro? As pessoas iriam ficar sentadas. Pô, mas forró? No teatro? Mas eu pensei: o forró que eu faço, é um forró mais cultural. Vem dessa escola Gonzaguiana, eu tenho um lado músico, instrumentista. E as pessoas sentadas fica um coisa mais formal. Porque, eles estão ali para te ver, e não para beber, dançar, paquerar.
* EXPEDIENTE Pesquisa - Yara Barreto, Mávio Braga, Jefferson Oliveira, Lyla Lima Produção - Yara Barreto, Mávio Braga, Jefferson Oliveira, Lyla Lima Pré-entrevista - Yara Barreto, Mávio Braga Captação - Yara Barreto, Mávio Braga, Jefferson Oliveira, Lyla Lima Transcrição - Yara Barreto, Jefferson Oliveira, Lyla Lima Edição - Lylla Lima, Yara Barreto, Mávio Braga, Jefferson Oliveira Revisâo: Danilo Patrício
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Wilton Bezerra O comentarista que joga com a verdade”
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om simplicidade e bom humor. Foi assim que Wilton Bezerra, radialistas e comentarista esportivo dos mais renomados do Ceará, nos recebeu em seu apartamento para um bate papo descontraído sobre carreira, rádio e seu assunto preferido: Futebol. Construiu cedo sua carreira, iniciada com apenas 16 anos, e hoje, com 62 anos e muita bagagem, tanto no rádio como na TV. Foi contratado pelo Sistema Verdes Mares para participar de um programa esportivo, a Grande Jogada, ao lado de outros comentaristas de Fortaleza. Quando perguntamos se esse reconhecimento não veio tarde de mais, ele responde que aconteceu na hora. Leitor de Oscar Wilde, recorre ao escritor para lembrar que “a cada bela impressão que deixamos, conquistamos um inimigo”. Wilton Bezerra, além do profissional, do comentarista esportivo, é um grande pai e avô. Um amigo que ainda frequenta com certa disposição os jogos estaduais. Fã de Nelson Rodrigues e um “contador de estória”, segundo o radialista Messias Alencar, que com ele trabalhou. Gabriela - Em 1958, tem uma memória muito importante que lembra sua infância? Wilton - Foi o acompanhamento da Copa do Mundo, que o Brasil consagrou-se campeão mundial pela primeira vez. Foi a geração de Garrincha, Didi, Vavá, Pelé, Zagalo, Nilton Santos. Essa Copa, ela despertou para a meninada e para a geração nova o interesse por duas coisas: futebol e rádio. No meu caso, futebol e rádio entravam paralelamente um ao lado do outro. E aí foi o pontapé. A gente continuou se aprimorando, escutando rádio, vendo como era que se fazia, até entrar nele profissionalmente. Gabriela - Como é a diferença de fazer rádio antigamente pra hoje? Wilton - Uma enorme diferença em termos de condições técnicas, tecnologicamente
Foto: Iago Alencar
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falando, é uma diferença abissal. Naquela época já se tinha gravadores, mas não se tinha muitos recursos. Os programas ao vivo, as novelas, que eram raras, elas tinham que ser gravadas na hora. Não tinha aquela estrutura. A televisão também passou por isso. A TV Ceará aqui (em Fortaleza) foi pioneira, de todas as suas produções, programas de humor, novela ou ‘o contador de história’, todos eram feitos ao vivo, correndo o risco de errar. E não tinha negócio de ‘pára’, como hoje: ‘começa de novo’, lá não tinha. Era uma coisa realmente muito difícil. Já hoje você grava tudo, você faz e refaz, tem o computador. Era uma coisa muito difícil pelo recurso. O gravador era arcaico, grande, de rolo, uma fita de rolo, que era usado pra transmissões esportivas. Era usado, pra gravar comercial, gravar programação da rádio. Muito poderoso esse gravador, mas era tudo muito na criatividade mesmo, muito diferente de hoje.
Lara: O Senhor considera o profissional de antes mais capacitado do que o de hoje, principalmente por antes ele passar por várias etapas e hoje ele ser mais segmentado? Wilton - Hoje as facilidades são maiores por causa da informação. A informação hoje abunda, os meios são os mais variados possíveis. Mas eu acho essencial dizer que o que alimentou a televisão, e todo mundo sabe disso, foi o rádio. Quem forneceu os artistas, os locutores, os roteiristas, os operadores para a televisão foi o rádio, o essencial da informação radiofônica. Ele foi fundamental e ainda hoje. Grandes comunicadores vieram do
rádio porque o rádio tem essa vantagem sobre a televisão. Ele prepara melhor o profissional. O profissional que começa hoje na televisão tem todo o tipo de amparo. A visão. Rádio num tem nem minuto de silêncio. Se você parar de falar sai do ar. Rádio é você e você, é a sua voz, é a sua conversa, é seu improviso, é sua criatividade. Dentro do estúdio de rádio você não tá vendo nada, tá vendo paisagem nenhuma. E você cria no imaginário do pes-
papi ro soal uma festa como tinha no programa Varadão da Fazenda, um programa de forró do interior. Ele criava aquele papo como se tivesse conversando com várias pessoas. Por isso que eu acho que a passagem pelo rádio foi essencial para a formação de grandes profissionais. Prova que, na televisão de hoje: Edilmar Norões, veio do rádio, um dos grandes nomes da televisão cearense, um dos fundadores da TV Ceará, que foi o João Ramos, também veio do rádio. Wilson Machado veio do rádio. E muitos. João - Nós vimos em uma entrevista que o senhor concedeu, que compartilhou um momento com um ex-atacante da seleção de 1958, o Mazola. Queria saber qual foi a reação que o senhor teve de dividir a mesa de transmissões com ele, já que era o seu começo, a sua ascensão no rádio esportivo, e porque desde criança você já se declarava fã do Mazola, segundo a entrevista. Wilton - Não, há um equívoco. Eu inclusive falei com o rapaz que fez essa matéria. Isso não foi desse jeito. Como eu podia ser fã do Mazola se nunca o vi jogar? Ele perguntou sobre a copa e falou ‘eu vi na televisão que o senhor disse que ouviu o Brasil ganhar da Áustria por 3x0, Mazola fez dois gols’. Eu disse ‘pois é, rapaz, Nilton Santos fez um gol e Mazola fez dois.’ Eu não conhecia Mazola e nem acompanhava direito futebol. Depois, Garrincha, Didi, Vavá, Pelé, Zagalo ficaram nomes familiares a todo brasileiro. Na copa de 1986, na México, no jogo do Itália, a gente fazia uma pré-jornada. Alguns jogos tinham muita significação. Os jogos principais do Brasil, a gente fazia uma pré-jornada, entrevistava, gravava e botava, antes do jogo e no jogo principal botava quem era o dono da rede, que pagava o dinheiro maior, que era a Tupi de São Paulo e outros. No local da imprensa pra jornal, televisão, rádio, tinha um local especial. Tinha internet, você tinha comunicação, tinha cabo, você tinha monitor na sua frente. Se fosse transmitido pro rádio você já tinha tudo pronto na sua frente, era só pegar o microfone. Era toda uma estrutura. Então em 1986 eu fui pra copa. Coisa que em 1958 parecia algo inatingível ir pra fora do país a uma copa. A gente fica até pensando que é mentira. Então aí, em 1986, eu ia sempre para um local onde ficavam João Ubaldo Ribeiro, escritor, Luiz Fernando Veríssimo, que comentava, Armando Nogueira. Ficava ouvindo eles trocando idéia. E eu tava sentado lá quando de repente
chegou o (jogador português) Eusébio, uns dos grandes jogadores de todos os tempos. Sentou lá e chegou transmitindo para uma emissora italiana, o Mazola, que nessa época já era colunista esportivo na Itália e era muito considerado. João - Nós notamos pelas informações, que o senhor tinha relatado que o amor da camisa dos jogadores se perdeu no decorrer desse tempo. Eu queria saber se tem algum jogador na atualidade que o senhor encontra esse referencial de paixão pelo esporte, não só pelo mercantilismo, que existe nesse mundo futebolístico. Wilton - Olhe, esse futebol em que os atletas tinham laços de apreço, amizade e vínculos fortes com os clubes, acabou. Ainda há remanescentes, caras que pararam de jogar: Roberto Dinamite, Zico. Esse pessoal é desse tempo, em que havia uma afinidade entre os profissionais e os clubes. Não era época dos grandes contratos, o futebol não havia sido mercantilizado. Essa fase chamada de romântica desapareceu, porque foi galopante a mercantilização do futebol. Os negócios no futebol subiram de tal maneira que hoje o futebol é um negócio milionário. A FIFA é um dos maiores negócios do mundo, financeiramente falando. Mesmo que haja algum gesto de beijar escudo, que é uma hipocrisia, que é uma cretinice. O futebol evoluiu no mundo, empresarialmente, no reino do entretenimento passou a ser espetáculo, cada vez mais os estádios são estúdios de televisão, e nós estamos caminhando agora para o futebol de torcida virtual. Os estádios diminuindo suas capacidades. Ao número que diminui, aumenta o preço do ingresso. Nos últimos tempos nós acompanhamos que o jogador não tem nem desejo de defender a seleção do seu país. Hoje o negócio deve tá ruim porque eles tão vendendo gato por lebre: jogadores sem a menor condição física, uns verdadeiros pneus velhos, já com um tempo de uso, e vendendo a um público que compra tudo. É a força da grana. Lara - Essa discussão remete também há outra polêmica, que é aquela do ‘Clube dos 13’, da questão das negociações das emissoras com os clubes, e a gente queria saber a tua opinião acerca disso. Wilton - Olha, há uma dificuldade muito grande pra saber quem tem razão nisso, não é? Porque a formação do Clube dos 13 é tudo que a CBF não gostaria de enfrentar. A CBF, ela tem verdadeiro pavor quando os times falam numa liga independente porque assim tirariam poderes
da CBF, é ela é a dona do futebol. Então é uma guerra de poder. Ela que negocia, ou negociava quase que totalmente, os valores que os clubes foram descobrindo que eram irrisórios. O futebol valia muito mais. Eu acho que cada clube tem seu departamento jurídico, promocional, especial pra tratar desse assunto. Porque deixar que a CBF desenhe o destino deles, se eles podem fazer isso? Então, essa questão do ‘Clube dos 13’ é uma briga política, é uma briga de poder, entendeu. Então infelizmente o futebol caminha para esse tipo de situação que para os românticos e para os mais puristas não é bem o que a gente gostaria de ver. Dayanne - A gente fez uma entrevista com o radiallista Messias Alencar, e ele até comentou também que não sabe até hoje, ele trabalhou durante 30 anos com o senhor, e não sabe até hoje qual time que o senhor torce. Wilton - É porque eu nunca fui de demonstrações demagógicas, pra aferir audiência. Eu acho isso desonesto. Não adianta a gente descer a maiores comentários porque se não eu vou esculhambar até com quem eu trabalho, aí não dá certo. Eu num tô mais pra brigar com nada não. Aí eu num gosto não. O rádio daqui tem muita deficiência e essa história de abraçar uma bandeira... Quando eu cheguei aqui, me disseram: ‘Escolha um time e vista uma camisa, se não você vai morrer de fome’. E eu digo: ‘Como?’, ‘Ou você é Fortaleza, ou você é Ceará. Aqui não tem meio termo’, aí eu digo: ‘É mesmo?’ Pois eu vou ficar na coluna do meio, eu num sou nem um nem outro. E me procuraram pra trabalhar... Eu sou comentarista de futebol. Foi essa a posição da qual não me arrependo nunca. E não perdi não, ganhei e muito. Gabriela - Tem programas, que o senhor tem que dar boletins que são coisas mais curtas, programas já na TV, que são comentários mais extensos, como é que o senhor se adequa a essa linguagem editorial de cada empresa? Wilton - Não, no esporte, não tem.Pelo menos comigo isso nunca aconteceu ,“Linha Editorial” .Eu sempre fui, dentro do modelo de se fazer rádio aqui, um cara a apreciar os fatos do dia, as notícias que vão chegando, ou os acontecimentos que a gente toma, passa a saber. E aí a gente vai analisando ao sabor, ou melhor, de acordo com o desenrolar, vai dando opiniões sobre o
jogo, sobre os acontecimentos, sobre a estrutura dos dirigentes. E muito sobre as partidas, porque no rádio e na televisão, afora transmissão, você tem durante toda semana agora tem futebol quarta, terça... aquilo que a gente chama de subproduto. Subproduto é tudo que aquele jogo gerou, digamos assim. O desenvolvimento dos assuntos: o que aquela partida gerou, o que o resultado gerou, quem jogou bem, quem jogou mal, e assim vai. Gabriela - Sobre esse novo jornalismo esportivo que tá acontecendo agora, que veio através do Tiago Leifet ano passado (copa de 2010), essa coisa mais animada, o que é o senhor tá achando disso? Wilton - Eu acho que a descontração dele é boa. É uma coisa nova. Eu acho que os programas não precisam ser sisudos. Mas tem que ser uma coisa divertida, mais inteligente, sem exageros. Sem excessos, por que um programa levado na brincadeira de mais pode ter reflexos negativos. Há quem goste e há quem desgoste. Então acho que deve manter um certo controle,um certo cuidado só. Um certo equilíbrio,pra também num tornar a coisa muito vulgarizada. Mas eu vejo, o nosso radio esportivo e a nossa televisão, ela é peculiar. Nós temos um radio, nós fazemos uma comunicação esportiva diferente do resto do Brasil. As coisas aqui são mais espontâneas. São mais alegres, nós não temos aquela rigidez editorial. Eu sempre vi essa grande diferença, muito grande. Aqui a gente é mais aberto. Diz coisas até impensáveis em outras praças. Porque se a gente chegar fazendo no Rio de Janeiro comentário do jeito da gente, os caras ficam besta,doidos ,por que é o espírito deles. O cronista do sul ele tem mais solenidade e eu acho que nós tamo certo aqui. Precisa de mais um pouco de humor, um pouco mais de alegria na comunicação.
* EXPEDIENTE Captação: Dayanne Feitosa, Gabriela Farias, João Bosco, Lara Costa, Liane Braga, Virgínia Farias, Laís Souza Transcrição: Dayanne Feitosa, Gabriela Farias, João Bosco Perfil: Gabriela Farias Edição/Ventilações: João Bosco Revisão: Danilo Patrício
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Almino Menezes “Onde há um rádio ligado não há solidão”
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sse vai ser um “falador” quando ficar grande – dizia a avó do menino, que, já faladorzinho, lia em voz alta e brincava de celebrar missa. O menino, hoje com 70 anos, é uma das vozes mais conhecidas do rádio cearense. O comunicador, político, torcedor (....) – homem de muitas falas - Almino Menezes abriu as portas do seu escritório e de sua intimidade. Abaixo você encontra descontração, seriedade, empolgação e serenidade, além de surpresas que escaparam à pauta. Pode entrar... Lara - O senhor morou no bairro São João do Tauape. Nasceu lá e passou parte da infância lá. Hoje ainda existe alguma relação com o bairro e com os moradores? Almino Menezes - Existe do ponto de vista de comunicação. Eu recebo telefonemas, reivindicações, através dos meus programas de rádio. Ainda tenho esse laço. E vou aqui, acolá matar a saudade. Gosto de passar lá. Por curiosidade, pra ver como está o progresso. Se evoluiu... Problemas de segurança, de saneamento. Eu sempre procurei ajudar essa parte aí de lixo, de limpeza do bairro. Eu sempre fiz isso através do rádio. Então, eu procuro ver como está a administração, que infelizmente não está nada boa, a administração pública, municipal, estadual, e também a federal. Então eu gosto de procurar ver isso aí pra comentar inclusive nos meus programas o que está faltando. Mesmo quando as pessoas não ligam, não interferem... Eu procuro interagir, procuro ouvir as opiniões das pessoas. Liane - Seu Almino, a gente sabe que o pai do senhor era bodegueiro, e que o senhor ajudava-o muito. Como foi que surgiu o seu interesse pelo rádio? Almino - O rádio foi depois da bodega, eu não era bodegueiro, quem era bodegueiro era meu pai. Eu ajudava como minha mãe ajudava. Nós todos ajudávamos e a gente sempre tinha um “horariozinho” pra ficar
locutor, ela dizia que eu ia ser um falador. Porque eu gostava de ler em voz alta, de fazer discurso, ler manchete de jornais. E eu acabei entrando no rádio nos anos 1950, em 1959, por aí.
Fotos: Arquivo Pessoal
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“O MEU NOME foi indicado pelo Executivo Estadual e eu fiquei fora do rádio por incompatibilidade de horários”. “ELE MERECEU, mas do que justa essa singela homenagem que eu prestei ao Chanceler Edson Queiroz”.
lá quando ele não podia. Mas aí passou pela minha mente que eu sempre gostei, eu nasci com esse fascínio. O rádio é um fascínio!(com entusiasmo). Existe ainda hoje. Continua sendo um fascínio. Eu sempre fui fascinado pelo rádio. Então é uma paixão que eu tenho na minha vida. E eu gostava de falar alto, gostava de fazer brincadeiras como todo menino. De elaborar sermões, de celebrar uma missa. Minha mãe levava muito a gente pra igreja, nós éramos católicos, somos católicos ainda. E eu sempre gostei de ouvir sermões. Eu falava e lia em voz alta. Ouvia os locutores de rádio naquele tempo. Ouvia emissoras da Bahia, Pernambuco, do Rio, de São Paulo, Ceará, daqui de Fortaleza. E eu achava bonito, e me deu aquela vocação, por isso que até minha avó paterna dizia na frente de todo mundo: “Esse menino ainda vai ser um falador quando crescer”. Ela já achava que eu ia ser um
Laís - O senhor tinha objetivos quando começou no rádio? Almino - Ter uma profissão como todos nós queremos, que vocês estão querendo ter a profissão de vocês, é um direito. Então, como o rádio estava surgindo, era uma força naquele tempo, existiam sindicatos... E nós tínhamos certa segurança. O radialista já tinha uma força, já era muito respeitado. E eu queria ter uma profissão para poder sobreviver. O meu objetivo era servir a comunidade, servir as pessoas, como eu sempre fiz. Ter a minha parte de divulgar as coisas, de querer ajudar sempre, informando as coisas certas e erradas, criticando, fazendo as denúncias das coisas erradas, da administração pública estadual, federal ou municipal. E também, claro, que o objetivo principal era esse: de fazer aquilo que a gente gosta, que era a comunicação. Informar os ouvintes, ajudar as famílias, através do receptor que é o rádio. Nós, como emissores das mensagens, eu era um emissor e sou ainda emissor, nós somos emissores das mensagens. E quem capta essas mensagens? São os ouvintes, que são os receptores, são aqueles que ligam o radinho ou a televisão. Então, eu procurei ser objetivo nesse sentido, mas também ter a minha profissão, ter a minha segurança profissional e econômica, para poder tocar a vida para frente como fiz até hoje. Liane - Como foi conciliar a faculdade, o rádio, e o amor pelo futebol com a família? Almino - E a política? (risos). Não foi fácil não viu (enigmático). Muita estrada. Muitas horas de perseguições para con-
papi ro * BASTIDORES Almino é membro do Conselho Deliberativo do Ceará Sporting Clube. No fim da pré- entrevista, realizada no dia seis de abril de 2011, Almino nos convidou para tomar um café na praça de alimentação do Shopping Del Paseo. Almino nos recebeu em sua sala comercial, localizada na Torre do Shopping Del Paseo. Almino é casado com Lêda e juntos tem três filhos: Almino Jr, Eugênio e Juliana. O escritório de Almino possui vários objetos do seu time do coração: o Ceará Sporting Clube. Almino se formou em Direito pela Unifor em 1985, já casado e com filhos. Almino procurou em várias pastas a cópia do seu Projeto de Lei. No seu escritório há uma rede. Almino começou no rádio aos 19 anos. Suas paixões, segundo ele, estão nesta ordem: família, Ceará Sporting Clube, rádio e política. Almino é o mais velho de cinco irmãos. Almino gosta de frequentar o cinema do Dragão do Mar, e seus gêneros preferidos são: ação, clássicos, drama, antigos, suspense, máfia, guerra e comédias. Quando criança, Almino gostava muito de jogar bola e cuidar do balcão da bodega do seu pai. Vai a quase todos os jogos do Ceará Sporting Clube, dentro e fora do estado. A primeira Rádio em que trabalhou foi a Rádio Uirapuru. Almino, de acordo com sua avó, sempre foi um “falador”. No fim da entrevista, a equipe de produção presenteou Almino com um ovo de páscoa para Almino. E as cores da embalagem não poderiam ser outras: preto e branco. Dona Lêda, esposa de Almino, serviu água e auxiliou a equipe durante a captação da entrevista. Almino, na pré-entrevista, deu um convite dos seus 70 anos à equipe de produção. Almino tem um gosto especial por fotografias.
“EU GRAÇAS A DEUS não preciso do rádio pra sobreviver. Eu sou aposentado, sou advogado, posso até ganhar meus honorários como advogado porque eu sou inscrito na Ordem do Advogados do Brasil (OAB)”. “EU NÃO SOU CONTRA a rede CBN (Central Brasileira de Notícia), rede Globo... Eu sou a favor, acho bacana. Hoje é a globalização”. “EU SEMPRE fui fascinado pelo rádio”.
seguir os objetivos. Perseguição no bom sentido viu! Então eu tive que dividir meu tempo pra poder somar tudo isso. Dividir pra somar, tá certo? (risos) Quem é que é matemático ai? (risos) Laís - Quando o senhor foi deputado, fez algo em prol do esporte? Almino - Eu aprovei. Têm comissões da Assembleia ligadas ao esporte, eu fui membro. Sempre participei, sempre votei. Sempre apoiei. Os projetos de lei, o deputado vota os projetos, a favor ou contra. Sempre apoiei pedindo mais dinamismo, mais condições para os clubes locais, para o futebol cearense, mais segurança para o torcedor. Lara - Como foi ser recebido na política pelos torcedores do Ceará e pelos torcedores do Fortaleza? Almino - Bom, primeiramente eu nunca liguei futebol com a política pra chegar aonde eu cheguei. Eu nunca usei, explorei o voto de futebol com a política. Eu tinha voto dos ouvintes de rádio, isso aí eu sempre tive. Inclusive dos torcedores do Fortaleza, Ceará, Ferroviário. Têm amigos meus que votaram em mim sendo torcedores do Fortaleza. Eu nunca explorei, nunca liguei diretamente isso.
Liane - Em 1983, por um projeto de lei do senhor, foi inaugurado um monumento em homenagem ao Edson Queiroz (industrial e empresário da comunicação), lá na praça da imprensa. Ele foi importante na sua vida de radialista? Almino - Foi (entusiasmo), como foi pra toda economia do Ceará. Ele tá sempre citado, tem uma homenagem a ele lá num museu no Rio de Janeiro. Um dos grandes empresários, o Edson tá sendo sempre homenageado, não só aqui no Brasil, como em outros países, pelo empreendedor que ele sempre foi, pois sempre teve muito arrocho, dinamismo empresarial, sempre se preocupou com a economia do Ceará. Virginia - No rádio o senhor foi muito prestativo, e defensor das pessoas mais necessitadas. Teve até uma época que o senhor começou a distribuir cestas básicas do lado de fora da rádio. Como foi a reação dos colegas de trabalho e do seu chefe a partir disso? Almino - Eu comecei distribuindo bolsas que eu recebia de colégios e de cursinhos. Como o meu programa era campeão de audiência, eu sempre fui um dos campeões da época do ibope, de toda pesquisa de rádio, e então os cursinhos me davam bolsas, me autorizavam. Eu distribuía bolsa integral, meia-bolsa, 50% de abatimento ou 30%, tinha até bolsa integral, como eu já falei. E então as pessoas iam lá buscar, ligavam, davam o nome, moças e rapazes de Fortaleza, e também do interior do Estado. Inclusive tem uma senhora que foi, não sei se ainda é diretora da Universidade de Fortaleza (Unifor), e ela chegou em um determinado local, em um restaurante, estava com o seu marido e me chamaram. E ela disse que ganhou uma bolsa de estudos que eu dei. Ela formou-se, fez o cursinho com esta bolsa. Hoje ela é, se não me engano, Promotora de Justiça, promotora ou é juíza, não me lembro bem. Sei que essa bolsa foi concedida na Rádio Verdes Mares, na praça da imprensa, de frente ali hoje o Canal 10. Liane - Tem em um capítulo falando sobre o Senhor, o livro da Márcia Vidal Nunes (professora da UFC - Comunicação). O título é Rádio e Política: do Microfone ao Palanque. Nesse livro ela fala que o senhor participou da comissão de aprovação do transporte gratuito aos deficientes físicos, e que foi autor da lei da gratuidade do transporte coletivo para os idosos. Porém, no final do capitulo,
ela fala que o senhor apoiou a lei dos idosos, e que foi iniciativa de outro deputado (César Neto). Eu gostaria que o senhor esclarecesse essa questão. O professor Danilo lê o primeiro trecho do livro: “O idoso de 65 anos não paga mais transporte coletivo. E hoje está em todo o Brasil este projeto, implantado na constituição federal pelo deputado federal César Neto, que pediu a Almino o projeto, recebendo toda a sua assistência. Para Almino, “foi uma grande alegria ter conseguido essa grande vitória para todos os idosos brasileiros.” Almino - Foi, isso é verdade. Ele (César Neto) era deputado federal e eu era estadual. O César Neto levou e inseriu na constituição (Federal de 1988). Ele era constituinte naquele ano. Isso aí é verdade. Liane - No final ela (Professora Márcia Vidal Nunes) fala: “O desempenho de Almino Menezes na Assembléia Legislativa foi dos mais fracos. Praticamente não conseguiu aprovar nenhum projeto, limitando-se a apoiar o passe livre dos idosos nos transportes coletivos, iniciativa de outro deputado.” Eu queria que o senhor esclarecesse. Almino - Não, a iniciativa foi minha. Tem a lei. Vou ver se eu tenho a cópia da lei para dar pra vocês. Aí ela está sendo injusta comigo. Não está sendo correta não. Eu apresentei esse projeto em 1984. Projeto de lei. É um comentário, mas ela está mal informada. Ela está sendo injusta comigo aí, porque não é desse jeito não. Vou ver se eu acho a cópia para dar pra vocês aqui (a cópia do projeto foi apresentada ao final da entrevista).
* EXPEDIENTE Entrevista com Almino Menezes dia 18/04/2011. Produção, redação, edição e texto final: Laís Brasil, Lara Costa, Liane Braga e Virgínia Farias. Texto de Abertura: Lara Costa. Participação: Gabriela Farias, João Bosco, Laís Brasil, Lara Costa, Liane Braga, Rafael Siqueira e Virgínia Farias. Fotos: Danilo Patrício, Liane Braga e acervo pessoal. Revisão: Danilo Patrício. Veja mais no Blog fotos e entrevista ampliada.
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Carlos Tursi intensidade de ações e palavras para verter o mundo
Thiago - A sua vinda para o Brasil teve como principal intuito aprofundar-se na Teologia da Libertação? Como se deu esse processo? Carlos - Eu vim ao Brasil sensibilizado por um trabalho de um grupo de jovens da
Fotógrafo: Humberto
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mpaciente. Tranquilo. Inteligente. Carlos Tursi, teólogo alemão que veio ao Brasil pela primeira vez em 1983, é um filósofo inquieto. Em sua vasta produção intelectual, é notória a presença de elementos da Teologia da Libertação. O contato com grandes pensadores e o diálogo constante com o passado, ora revisto e reanalisado, ora criticado. Quando “todo mundo já fez o que tinha que fazer”, Tursi demonstra-se um homem de esperança. Não a de um ingênuo final feliz, mas esperança no sentido daquilo que faz, constrói no mundo. Preparativos da fala: São 18 horas. Nos corredores da Faculdade 7 de Setembro, o inquieto convidado da turma de Práticas de Jornalismo Impresso I veste chapéu de palha e sandália de couro. Rumo ao studio de rádio do Curso de Jornalismo, onde concedeu entrevista. Aliados às roupas simples, mas não muito gastas, retratam o homem que desde cedo viu no contato com o próximo a salvação para uma humanidade. Da Alemanha para o Brasil, movimenta-se ativamente na cidade, na práxis social, nas pedaladas de bicicleta e no conhecimento, como nas aulas que ministra no Viva e no Seminário Teológico da Prainha. Na “teologia das cenas cotidianas”, Carlos Tursi constrói e reconstrói a realidade sob a óptica atenta de alguém sensível ao que a maioria não vê. Humanizar antes. Orar depois. Vamos conferir!
minha paróquia. E em 1983, nós assumimos, na Alemanha ainda, um trabalho de arrecadação de recursos para uma aldeia de pescadores em Mundaú, litoral oeste a 150km de Fortaleza-Ceará. Eu vim com uma turma de jovens da Alemanha e com o vigário. Éramos nove. Passamos um mês aqui no Ceará. Em 84, eu retornei nas férias a Mundaú e, em 86, eu tentei uma bolsa de estudo para o Brasil. Em 85, eu tinha conhecido o cardeal Aloísio Lorsheider, ex-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB, em Frankfurt, e ele celebrou uma missa lá, em alemão, e contou coisas aqui do Brasil. Aí me apresentei pra ele e manifestei vontade de estudar teologia no Brasil. E ele possibilitou minha vinda e estadia aqui. Thiago - Por que você não seguiu com o sacerdócio? Carlos - Eu casei! Muito simples. Thiago - Você acha que se pode vivenciar uma espiritualidade ecumênica do coletivo? Carlos - É, eu diria que nós temos que distinguir dois níveis, o nível da prática, e o nível da direção das igrejas, da hierarquia, vamos dizer assim, da cúpula de cada Igreja, não só da católica. O ecumenismo não tem problema, porque atingidos somos todos nós, então há um ecumenismo das lutas sociais, da luta ecológica, estamos compreendendo na prática cada vez mais que estamos sendo todos ocupantes do mesmo barco, se afundar, afundaremos todos, todos juntos. No nível prático dos movimentos, acho que tem um ecumenismo, mas no nível da teoria, na direção das igrejas, o
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1. Tursi trouxe sua própria caneca para beber água. Não utilizou copo descartável, como sempre. Economia de vários copos plásticos por mês. 2. Tursi compartilhou a garrafa de água a ele destinada com os entrevistadores. “A água não é só minha, é de todos”, disse. 3. Sério, Tursi chegou bem antes do horário combinado. Inquieto, ele não disfarçou a impaciência para o início da entrevista. No entanto, após iniciarmos o diálogo, rapidamente a expressão ranzinza se transformou em algo concentrado, revirando a memória pelas lembranças que vieram. 4. Tursi fala fluentemente português. Sua fluência, invejável para qualquer estrangeiro, surpreendeu a todos. Principalmente por sua língua-mãe ser o alemão. 5. Por vezes, Tursi se exaltava nas respostas. Nessas situações, de forma direta, ele respondia na lata. Um exemplo: quando questionado do porque de ter abandonado a batina, uma vez que ele entrou para o Seminário. “Por que casei”, foi a resposta, e não se falou mais nisso.
momento não é propício. Thiago - Se percebe nos jovens sacerdotes um distanciamento cada vez maior das causas sociais. O que causa esse distanciamento? Carlos - O que fazem os novos movimentos devocionais: eles separam o profano do sagrado. Eles levam você para o retiro. Mas os maiores chamados não é lá que você recebe não, esse é um equivoco, os maiores chamados que você recebe é no mundo, através do mundo. Então, a verdadeira espiritualidade cristã, ela percebe no chamado, no encontro com as pessoas e com as realidades. Um bando
de pardais era importante pra Jesus. Os lírios do campo. O sol, a chuva. São grandes temas de uma teologia do mundo. O que nós precisamos é de uma teologia mundana, tá me entendendo? Então, nesse sentido, a separação que se faz hoje entre profano e sagrado, e procurando o chamado de Deus no retiro, num céu, num convento, em Guaramiranga, na serra... Você diz: o carnaval de uns é carnaval profano, é sem Jesus, o dos outros é com Jesus, ali é o carnaval de Deus. Você cria um paralelismo na sociedade e na própria igreja que te impossibilita, te incapacita de sentir o chamado ao seu lado, onde você menos espera, por que você está sempre esperando ocasiões e lugares especiais. Então eu acho essa realmente uma espiritualidade alienante e, literalmente, não é bíblica. Por isso que você vê: as igrejas estão cheias e o mundo tá indo às favas. O mais importante é amar e ser amado. Fazer uma experiência séria e concreta de amor. E não um amor sentimental, um amor relação, compromisso. Construção de algo duradouro. Não só entre pessoas, mas com o mundo. Patrícia - Carlos, além da visão de muitas pessoas que só veem o domingo como momento para lembrarem-se de Deus, quais outros pontos a teologia da libertação deveria influenciar no comportamento da sociedade? Carlos - Eu acho que, em primeiro lugar, o que uma teologia deve fazer, além de reconduzir a espiritualidade devocional que hoje está troando, é reconduzir a base bíblica. O que nós vivemos hoje, que certos pregadores se permitem fazer, não tem mais nada a ver com essa espiritualidade bíblica, que é histórica. O chamado de Deus emerge dentro da história, não num plano metafísico. O problema todo da teologia é esse. De fazerem as pessoas perceberem que quanto mais os pregadores, evangelizadores, se convidam a fechar os olhos, a se afastar do mundo, de esquecer seus compromissos e tudo mais, mais eles te levam para um refúgio espiritual em que você pode fazer tudo, menos ouvir a voz de Deus, ouvir o clamor da realidade. Por exemplo, uma planta: “me regue! Cuide de mim”, isso é chamado de Deus. Então a grande pedida do teólogo é fazer com que as pessoas não sejam apenas levadas pelo clero, a experimentar Deus na hóstia, mas também no pão que come em casa quando é partilhado com a família. Eu chego à noite
em casa, eu tenho três filhos. Os menores já estão na cama, que no outro dia tem colégio cedo, aí me ouvem e correm: “papai! papai!”. Eles já tinham escovado os dentes, a minha mulher fica uma fera: “Volta pra cama! Por que tu fala alto?!” O mais velho senta, a gente abre uma cajuína. Eles começam a contar coisas da escola. Eu pergunto, ele responde. Os dois pequenos vêm, fazem aquela zoada. Daqui a pouco a minha mulher vem também. São 10 e meia da noite, mas é o melhor momento. Isso pra mim é o altar (ênfase!). Aqui eu tenho tempo. O dia já foi, já dei minha aula, todo mundo já fez o que tinha que fazer. Agora é pura graça! Risos, piada, problema também. Isso comendo e bebendo. Os melhores momentos são esses, e não na igreja. Filipe - Qual sua opinião sobre os frequentes casos de homossexualidade e pedofilia na igreja Católica, estourando escândalos recentes? Carlos - São duas coisas diferentes. Homossexualidade no clero e pedofilia. Nem sempre pedofilia é homossexual e não existe só na igreja. Esse conceito de homossexualismo hoje vem mudando um pouco (para homossexualidade), embora a Igreja trate isso como doença. Então muitos jovens hoje que têm tendência homossexual sentem-se atraídos pelo ideal do padre. Como não têm muita clareza sobre o que são ainda, confundem isso com vocação religiosa. Eu não vou me arriscar com números, mas o percentual homossexual no Clero, em Fortaleza, por exemplo, é enorme. Uma das opiniões formadas que eu tenho é que a Igreja sabe disso e é hipócrita ao dizer para a sociedade que está selecionando os candidatos e aconselhando candidatos homossexuais a desistirem do sacerdócio. Isso é com certeza uma mentira! É tapar o sol com a peneira. Eu não tenho nenhum problema com os homossexuais, eu tenho problema é com esse discurso hipócrita! Agora, com relação à pedofilia, é muito mais complicado. Por que a gente não sabe nem as causas dessa tara de se sentir excitado apenas com crianças. O pedófilo é um doente! Se não tem cura, tem tratamento. Agora, a leviandade com que as autoridades religiosas trataram esses casos, transferindo padres para outros postos, isso não se desculpa. Ana Paula - Pra gente finalizar, vendo que discutimos bastante sobre essa questão de ser crítico, de ter um pensamento
político-social, pensar no todo e no indivíduo, você acredita na construção de um mundo novo, na chamada civilização do amor? Carlos - Eu tenho esperança no ser humano. Você disse civilização do amor. Eu não sei se vamos contagiar todo mundo. Eu só sei de uma coisa: de geração em geração, a maioria se deixa impressionar pelo mundo. A grande maioria acha bonito as religiões e o que elas têm a dizer, mas no fundo nunca acreditou que funcionasse. Agora, a minoria sempre existiu. De geração em geração, houve cristãos, budistas, até ateus, que construíram o que Santo Agostinho chamou de cidade do amor, a cidade de Deus. E outros diariamente construindo a cidade do cão. Eu faço teologia das cenas cotidianas. Então eu creio na possibilidade do ser humano ser tocado pela graça. Eu não falo para todos. Você nunca fala para todos, você fala para alguns. E alguns falam pra ti. Eu não sei se algum dia iremos derrotar o capitalismo. Eu sei que o que fazemos de alternativo cotidianamente e coletivamente vai valer à pena. Eu vou fechar dizendo o seguinte: Esperança não é a certeza de que uma coisa terminará bem. Isso é otimismo. O otimista sempre acha que vai terminar bem. O pessimista tem certeza que vai terminar mal, o esperançoso é uma pessoa completamente diferente. Ele não é nem otimista, nem pessimista. Essas são duas opções vulgares. Quem tem esperança é um sujeito que tem certeza de que aquilo que faz tem sentido, independentemente de como vai terminar. Esperança é a certeza do sentido, não a certeza do final feliz.
* EXPEDIENTE Pauta, Produção e transcrição: Filipe Queiroga, Ana Paula Ximenes, Thiago Silveira e Patrícia Montenegro Captação: Rones Maciel, Filipe Queiroga, Ana Paula Ximenes, Thiago Silveira e Patrícia Montenegro Edição: Ana Paula Ximenes Revisão e supervisão: Danilo Patrício
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Silvero Pereira Entre o viver e o interpretar de Silvero Pereira Foto: Reginaldo Duarte
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ilvero Pereira, com apenas 28 anos de idade, já é considerado um dos grandes atores de Fortaleza. O teatro está em sua mente e coração. As inquietudes transformam-se em arte no palco. Vive de polêmica no teatro e polemiza no teatro para viver. Encontra-se a essência de Silvero num recôndito secreto: como nas linhas e entrelinhas escritas por Caio Fernando Abreu, escritor e jornalista. Românticos, dramáticos e entregues. Caio, escreveu sobre sexualidade, solidão, morte e o medo. No conto Dama da Noite, Silvero usou estes sentimentos, para construir sua trilogia: Uma Flor de Dama, Cabaré da Dama e Engenharia Erótica - Fábrica de Travestis. Misturam-se. O efeito é construtivo, polêmico e elucidativo. Mimosa Pessoa - Silvério, quando você decidiu ser artista? [Silvero Pereira]: Quando saí de Mombaça, interior do Ceará, aos 13 anos de idade, para vir pra Fortaleza, ingressei na antiga Escola Técnica, em 1997, para fazer o ensino médio. Foi nesse local e ano que tive o verdadeiro contato com as artes. Era obrigado a participar das aulas de teatro em Mombaça. Era chato. Não havia dedicação dos professores. Uma atividade cansativa. Mas, foi no primeiro dia de aula, na Escola Técnica, que eu me interessei. Fui ao auditório e toda a equipe se apresentou. O diretor apresentou a companhia de teatro da escola, chamada Dionisyos, e aí eu lembro que eu não achei muito bacana a iniciativa e pensei: ‘puxa, lá vem essas coisas chatas que sempre acontecem. ’Mas quando a companhia começou encenar eu fiquei fisgado. Lembro que saí do auditório, para ir à “Casa de Teatro” me inscrever em teatro.
Silvano Pereira durante entrevista na FA7.
Mimosa Pessoa - Como foi você se descobrir homossexual? Isso lhe causou alguns preconceitos por familiares? Silvero Pereira - Desde pequeno sempre soube da minha opção sexual. Por conta da opressão social, escolar, familiar e religião,
prendi isso. Quando resolvi aceitar, eu me senti liberto. Já tinha rompido com a família. Morava só e permiti me aceitar. Sei que eles sabem, porque apareço no jornal ou na televisão travestido. Mas não tenho contato. Foi uma opção de não me relacionar mais com a minha família. Mimosa Pessoa - E sobre suas inspirações? Em quem você se inspira como ator? Silvero Pereira - Eu trabalhei com praticamente todos os diretores de teatro da cidade. Considero o Paulo Ess o meu pai do teatro. É uma figura que está muito presente nas minhas ações. Mas as experiências que tenho são mistas, com as outras relações que eu tive com outros diretores. Então, eu reconheço os outros diretores no meu trabalho. Mimosa Pessoa - Como você elabora seus trabalhos? Silvero Pereira - Sempre faço um trabalho a partir de temas que me inquietam. Na comunidade do Tapuio pude assistir a realidade das meninas que engravidavam e a discriminação aos travestis. Tinham os travestis que se vestiam à noite e homossexuais que não se vestiam de mulher, mas passavam batom e blush pra saírem à noite. Um leque de variedades. Esses rapazes saíam com homens casados, que tinham namoradas. E de dia esses mesmos homens faziam piadas, debochavam dos travestis. Isso começou a me incomodar profundamente. Daí quando tive, mais contato com a obra do escritor Caio Fernando Abreu, chamada “Dama da Noite”, eu estava terminando o ensino médio e tinha uma matéria sobre literatura contemporânea. Eu me encontrei com esse conto e com a minha inquietação. Este foi o motivo para fazer um processo. E agora seriam as travestis que eram marginalizadas. Isso veio para minha formação enquanto artista. Defina o Silvero? Eu diria que o Silvero trabalha com aquilo que o inquieta. Mimosa Pessoa - O Caio Fernando Abreu é
papi ro 11 dramático e se entrega de corpo e alma em tudo o que faz. Você é como ele? Silvero Pereira - Eu não monto Caio. Mas existe a “relação”. Eu não falo de sexo. Eu falo de contato, afeto, carinho. E o Caio sempre toca nisso porque sempre foi uma pessoa que sentia falta nessas relações. A maioria dos problemas decorre dessa falta de amor. Eu estou fazendo três espetáculos depois do ponto chamado relação. Porque esses três trabalhos estão lá? Não estão lá aleatoriamente. Estão porque estes trabalhos falam de pessoas que chegaram num determinado momento das suas vidas, conheceram esse momento, romperam, e seguiram em frente. Eu penso exatamente isso. Porque o Silvero se enxerga assim: alguém que viveu uma infância paupérrima, que comeu clara no almoço e gema no jantar pra poder se sustentar, mas rompeu este período e se superou. É o que Caio fala sobre essas relações. O romper está relacionado com pessoas com quem você viveu, que te apoiaram. Mimosa Pessoa - Em “Engenharia Erótica” os atores são travestis na vida real. Qual foi o critério para escolher o elenco? Por que prevaleceram atores cuja vida real e as personagens se misturavam? Silvero Pereira - Não existem travestis. Eram atores. A peça significava representatividade. Eu havia assistido a várias peças que não eram satisfatórias e nem a classe se sentia representada. A grande preocupação era de grande responsabilidade porque queria causar questionamentos. E que questionamento seriam esses: História e condição de vida. Pra ser fiel e responsável me senti na obrigação de fazer um laboratório. Consistia em pesquisar sobre a condição de vida de um travesti, de um transexual. Mas eu achei muito pouco sobre isso, sobre o movimento gay, lésbica, bissexual e travesti (LGBT). Depois da literatura, eu passei para a parte corpo a corpo, a parte das entrevistas. E a questão é que as travestis já não suportam ser objeto de estudo. Para acontecer esse contato, não queria ser entrevistador, mas amigo. Saía pra beber, pagava a conta para ter mais aproximação com elas, tudo informal. Conversava e questionava. Nada de registro gravado, eram as impressões e observações que eu notava. Como é a paquera, pra onde vão depois da conversa. Aí chegava em casa e fazia o relatório. Passei a sair com elas travestido. Eu passei a ser também abordado pelos rapazes e a ser xingado. Mimosa Pessoa - Você se montou também no interior de travesti ou foi só aqui? [Silvero Pereira] Me montei para encenar em
diversos lugares do Cariri (sul do Ceará). Notei é que os travestis no interior são menos discriminados que em Fortaleza. Não me relaciono, e ainda critico a forma como as travestis falam, como são travestidas. Na boate gay eu sofria preconceito das próprias travestis, mas não sofria dos heterossexuais. Frequentava o banheiro feminino sem problemas. Mas na boate gay eu via muita discriminação. Noto que a capital tem um falso moralismo por sermos da capital. Aqui, sofro agressão verbal quando me monto de Gisele Almodóvar (a personagem que ele encena em Engenharia Erótica – Fábrica de Travestis). Mimosa Pessoa - De acordo com Carri Costa e Ricardo Guilherme (diretores e atores de teatro cearenses), na palestra sobre teatro realizada na semana passada na Livraria Cultura, houve a crítica que os diretores de teatro fazem peças para os próprios artistas, isso é verdade? Silvero Pereira - Fazemos teatro para 0,2% de fortalezenses. É culpa do Governo do Estado e da Prefeitura de Fortaleza. O conhecimento do teatro através da educação não chega de uma forma decente. Fui convidado a dar aula de dança no Liceu de Aquiraz. Ali é uma escola modelo. Um espaço gigantesco, com auditório com capacidade de 350 lugares, poltronas acolchoadas, tapete vermelho. Tudo o que não se vê em Fortaleza. Mimosa Pessoa - Carri Costa também citou que a cidade não tem ídolos, precisamos criar os nossos para que nossas raízes fiquem mais fortes. Você acha mesmo que Fortaleza não tem ídolos? Silvero Pereira - O sul só tem ídolo porque existe TV e aí o ator cai no popular. Muita gente faz TV, como a Fernanda Montenegro e a Marília Pêra, para bancar o teatro que faz. Mas de fato não temos ídolos. A gente teve o Paulo Autran, Bibi Ferreira, que fazia radionovela, mas na TV nunca apareceu muito. O Iuri Yamamoto e a Herê de Aquino (diretores e atores cearenses), para o pessoal do teatro, são ídolos. Dessas pessoas transcendem o pensamento. Eu considero o Carri Costa um dos melhores atores desse estado. É admirável. Mimosa Pessoa - O que você pensa do investimento da verba pública no cenário teatral cearense? Quanto é investido no seu espetáculo? Silvero Pereira - Incomoda muito para mim e para a classe artística, como uma Secretaria de Cultura do Estado se queixa de um edital de um milhão de reais, há duas edições passadas, para as companhias de teatro da-
qui, com muita briga entre classe artística, fóruns, briga na imprensa, panfletagem, greve e, depois de todo esse movimento, o secretário ceder, e, na edição seguinte, fazer um edital de R$370 mil alegando que não tem dinheiro. Meses depois se dá R$600 mil para uma só companhia (Teatro Oficina), que é o dobro de um edital de incentivo para as companhias locais Mimosa Pessoa - Como você enxergou a matéria que saiu no Jornal Hoje sobre o teatro do Ceará, onde se destaca o estereótipo de que o Ceará é a terra de humoristas? Silvero Pereira - Fizeram uma matéria sobre as diversas coisas que acontecem no Nordeste. E o nordeste se resume a Ceará, Bahia e Sergipe. E a Bahia se resume ao grupo de teatro Olodum. Nós já temos o estigma de que todos somos humoristas. Não fazemos outra coisa que não seja humor. Eles pegam imagens de pessoas rindo, comendo pizza dentro de uma casa de show de humor, aí acaba a matéria. Como se estivesse dizendo que no Ceará só existe show de humor. Já é difícil pra gente convencer os sulistas que aqui existe um teatro.Todo mundo acha que o teatro do Ceará é o teatro de terra batida, é o teatro Patativa do Assaré, do agreste que sofre. E quando você vai lá fazer algo diferente, eles ficam apavorados perguntando: ‘Puxa, lá faz teatro? E ainda por cima, aqui mesmo. As pessoas não vão muito ao teatro porque acham que é aquilo. E a matéria deu maior reforço dessa imagem. Eu acho uma culpa da Prefeitura e do Governo da não valorização disso. Mimosa Pessoa - Muitas pessoas dizem que você é “uma explosão de criatividade”. Você se vê dessa forma? Silvero Pereira - Engraçado porque quando era aluno de teatro, meu professor dizia que eu era um ator inteligente, mas um ator sem talento. Dizia que eu resolvia os problemas facilmente, resolvia racionalmente, que isso era valioso porque eu tinha objetivo. O grande valor do teatro é isso: é técnica, porque como você vai repetir várias vezes sem técnica? O talento não define ninguém. Mas depois me tornei uma pessoa intuitiva. Consciente do que faria e passei a ouvir a intuição. Mas acredito que meu trabalho só acontece quando submeto e me permito submergir. A coisa só acontece se você se aprofundar no problema. A intuição só vem por conta da dedicação. Mimosa Pessoa - No palco, você sendo personagem, sempre passa a impressão de ser exuberante, expansivo, dinâmico. Pesso-
almente, é o contrário, de ser uma pessoa contida, um pouco tímida, discreta. Como acontece essa transformação? Silvero Pereira - É exatamente isso. Sou uma pessoa assim, calma. A Gisele já tem uma vida própria. Quando eu me transformo, eu sinto que eu vou dar uma palestra. Simplesmente sai. Já não ensaio mais o papel. Eu chego e faço. Muitas vezes eu digo para os meus alunos, do “Princípios Básico de Teatro”, que não existe ator que entra em transe. Que o ator precisa ficar só para ele se incorporar. A Gisele existe há nove anos. Como se trata de um processo de laboratório, e dentro do processo passei a colocar minhas experiências, acabou se tornando uma peça dramática. Era meio que uma terapia pra mim. Não existe construção de personagem de se emprestar ao personagem. Você enquanto ator, a partir das suas experiências, se coloca na situação. Não existe construção de personagem. E aí gera um nó nas pessoas.
* BASTIDORES Silvero chegou à Faculdade quieto, observando tudo ao redor: alunos, professores, barulhos... Ao encontrar a equipe de produção, abriu um sorriso sincero, de encontro a alguém que transmitia conforto. Seus olhos expressavam traços de insegurança, apesar de uma bem estudada descontração, contrastavam com sua condição de entrevistado da noite. Sem barreiras e preparado para as várias indagações que “invadiriam” sobre sua vida, sobre seu trabalho, abriu as portas e janelas do seu coração.
* EXPEDIENTE Produção: Izolda Ribeiro, Suyanne Rocha, Thicianna Moraes e Mimosa Pessoa Repórteres: Izolda Ribeiro, Suyanne Rocha e Mimosa Pessoa Decupagem: Izolda Ribeiro Edição: Izolda Ribeiro, Thicianna Moraes e Mimosa Pessoa Diagramação: Izolda Ribeiro, Thicianna Moraes e Mimosa Pessoa Revisão: Izolda Ribeiro, Thicianna Moraes, Mimosa Pessoa e Danilo Patrício Fotos: Rinaldo Duarte
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Do bar e da vida com o
Chagas da Gentilândia
Caricatura de Valber: fregueses viram músicos às sextas e sábados.
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eu Chaguinha, como é conhecido por seus amigos e clientes, fundou comércio em Fortaleza, em 1956. Inicialmente, o estabelecimento funcionava como mercadinho, nos moldes dos antigos secos e molhados. Com o passar do tempo, foi ganhando cara de bar, notabilizando-se também pela culinária da família. Consolidou-se como opção de lazer no Benfica, na Gentilândia, coração afetivo do bairro, abrindo ao público nas noites de sexta, até uma hora da manhã, e aos sábados, até 15h. A música, concebida no encontro de amigos, também é uma das atrações do local, que, através do dono, adverte apenas para a ´dosagem´ no uso de palavrões. Nos outros dias da semana, com exceção do domingo, Seu Chagas
está no estabelecimento para afazeres como a leitura do jornal, arrumações da semana e a conversa com os amigos. Foi em um desses dias, em uma manhã de segunda-feira, que ele recebeu os alunos de Práticas de Impresso, concedendo a primeira entrevista da disciplina. Confiram! Sérgio - Vamos começar por sua saída do Piauí? Chaguinha - Eu morava em Batalha, do Piauí. Eu tinha dois cunhados que trabalhavam aqui (em Fortaleza). Trabalhava um deles no Banco dos Proprietários, na (Avenida) João Pessoa. Ele é mais velho do que eu (brinca com o entrevistador Sérgio), alcançou o Banco dos Proprietários? Ali, onde é o hoje o bingo na Barão do Rio
Branco, onde um dos meus cunhados trabalhava. O outro trabalhava na Texaco. O meu sogro adoeceu no Piauí, e eu morava lá, eu era comerciante lá. Meu sogro adoeceu e eu tive que vir com ele aqui pra Fortaleza, pra fazer o tratamento (Pausa emocionada). Cheguei, nós ficamos no apartamento de meus cunhados. Eu, meu sogro e eles dois. O apartamento era grande. Tinha rede, tinha cama, fomos ao médico, que pediu uns exames, pra saber o que ele tinha. Com 30 dias que nós estávamos aqui em Fortaleza, aí o médico deu alta. ´Seu Zé´, o nome dele era Seu Zé, ´se quiser já pode voltar para o seu Piauí´. Rosa - Como foi o crescimento do seu comércio?
Chaguinha - À proporção que o cliente vinha procurando eu ía anotando. Aí meu cunhado vinha, à noite, e vinha para cá, cinco horas da tarde. Quando ele saía do banco, vinha bater aqui, onde eu estava.
¨SEXTA-FEIRA CHEGOU/ VOU LEVAR MEU AMOR/ LÁ NO BAR DO CHAGUINHA¨ CANÇÃO DE MANOEL NOBRE, ENTOADA POR ELE NO BAR E NO BAIRRO
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Sérgio - O senhor pegou um empréstimo para abrir sua mercearia? Chaguinha - Foi lá (no Banco) onde ele (o cunhado) arranjou o empréstimo pra mim. E ele não foi o fiador não, porque não podia, teve que ser o fiador um colega dele, pra validar tudo pra mim… E aí a vida continuou… Trabalhamos mais um ano e cresceu a clientela. E nós passamos a fazer um tira gosto, passamos a assar um carazinho (peixe cará), um negócio… Todo dia era um tira-gosto diferente. (Quando ) eu comecei, a mesa era a calçada: eu botava uma caixa de cerveja ali em cima da calçada e a cadeira aqui na coxia. Então a mesa era uma caixa de cerveja lá. Essa turma da escola industrial, que hoje é uma faculdade né? (Instituto Federal Tecnológico, na Av. 13 de Maio). Sérgio - Seu Chagas, a sua esposa é cearense?
lugar de encontro, esse lugar de diversão, esse lugar onde os amigos se encontram, né, claro que eles querem que permaneça durante muito tempo. Chaguinha - Eles ficaram com raiva porque eu mudei o piso (risos), tirei um balcão que tinha ali, que a turma, os mais antigos se sentavam aqui (apontando)…
Foto: Iago Alencar
Ele passou a fazer refeição comigo. Deixou o hotel onde ele morava, onde ele morava não, onde ele fazia refeição, e veio fazer refeição comigo aqui. Isso aí… essa…. Isso eu devo a ele. (conta emocionado). Aí ele levava de volta, quando ele saía do banco, ele ía bater na (Rua) Governador Sampaio (Centro de Fortaleza). Aí fazia as compras, tudo que tava anotado ele trazia. Nesse tempo o transporte era feito em jipe, ou então em carroça, ele preferia de jipe (pigarreia). A gente comprava três vezes por semana, por incrível que pareça, que aí a venda começou a aumentar, a freguesia começou a aumentar, as cadernetinhas chegando: ´Seu Chagas, eu moro aqui´..., Por que isso aqui tudo (Gentilândia) era funcionário. Olhe, quando não era da estrada de ferro, era do correio, era funcionário da prefeitura. Quando nós iniciamos, em (19)56, já foi bairro feito pela família Gentil, pelo João Gentil. Isso aqui foi a primeira vila, construída aqui no Estado do Ceará (bate na mesa), pela família Gentil, em 1931. No ano que eu nasci, eles estavam construindo isso aqui, tá certo? (entusiasmo). A casa deles de veraneio era ali onde hoje é a Universidade (UFC), ali era quando era final de semana, a família toda vinha de lá, pra li, pra passar o fim de semana. Isso era um quarteirão quadrado, a casa do meio, não sei quantas suítes. E aí o pessoal diz, não sou eu não, tô só informando o que eu ouvi dos mais antigos aqui, que aí a turma gostava de jogar um baralhinho (ri, em alusão à estória difundida que a família Gentil entrara em decadência pelos insucessos de alguns no jogo de cartas).
Sérgio - Seu Chaguinha, sobre o cliente ideal, o senhor tem? Chaguinha - É, só tenho o ideal, porque eu selecionei, só ficou o ideal, porque os que não servem não ficam não, só tem ideal… Sérgio - Seu Chaguinha, como é que o senhor considera seus clientes. Eu queria saber o que o senhor pensa dos seus clientes? Chaguinha - Olhe… Com raras as exceções, por que no meio de trigo nasce joio, o senhor sabe disso né… Chaguinha - Não, é piauiense… Lacerda - Seu Chagas, como o senhor mesmo relata, o comércio sempre vinha dando lucro né... Chaguinha - (interrompe) Rapaz, pra mim foi… Olhe, se fosse hoje, se fosse hoje eu jamais tinha condição de ter conseguido o que eu consegui na vida. Rapaz, eu pagava aluguel da bodega, pagava aluguel da casa que eu morava, e tinha que dar educação aos meninos. Meus filhos sempre estudaram em colégio particular. Mônica - Seu Chaguinha, pelo senhor ter perdido seu pai muito cedo, o senhor procurou estar mais presente na vida dos seus filhos? Chaquinha - Eles sempre viveram comigo, eles só saíram do nosso convívio, depois que se casaram. O Chico foi simbora pra São Paulo por necessidade, ele se formou-se em computação. Apareceu uma oportunidade lá e ele foi pra lá, e até hoje ele trabalha lá. O Chico… o Chico hoje trabalha numa empresa que é prestadora de serviços, que tem mais de 50 mil funcionários (ênfase)… A empresa precisa de 10, 15, 20, 30 funcionários, telefona pra lá (gesticula telefonando): “Nós tamo precisando de…”, Porque hoje o pessoal é tudo terceirizado, inclusive você sabe que o Governo aqui, a maioria dos funcionários é terceirizado né? Sérgio - Seu Chagas, e me diga uma coisa, como é a sua vida fora do bar? Chaguinha - Rapaz, minha vida fora do bar
é uma vida… Muito calma viu. Eu não gosto de beber, só bebo se for em casa. Num sou desses camaradas que dia de folga sai de casa pra ir beber nos bares, não, eu gosto de ficar em casa… Eu tenho lá minha cervejinha na geladeira, tenho meu aperitivo, tenho meu whisk, no dia que eu quero beber whisk eu bebo whisk, no dia que eu quero beber uma cachacinha com uma coca-cola, minha mulher prepara o tira gosto, bota ali na mesa, aí eu fico tomando. Também só é três. Começo 11 horas (e) vou até a hora do almoço, geralmente o almoço lá em casa é uma hora da tarde. Depois que eu acabo de almoçar cumpade, eu só bebo água, não tem quem faça… Pra sair pra fora de casa, como eu já lhe disse, só vou se for aniversário, só vou se for pra praia, se for pra um convite de um aniversário na sua casa, na casa de qualquer pessoa, eu vou… A gente… Lá eu bebo o que tiver. Eu bebo rum montila, eu bebo cerveja… Rosa - Sempre tem seresta aqui? Termina que horas? Chaguinha - Logo começam a dançar, fica animado aí (apontando para as mesas), até um hora da manha (às sextas). Começa oito horas (da noite e vai) até uma hora da manha, aí na maior tranquilidade. Chico Lira (fotógrafo presente com a equipe): A seresta que o senhor fala é um pagodinho de mesa né? Lacerda - É (na verdade roda musical de ritmos diversos), agora esse ponto, esse
Sérgio - Quer dizer que seus clientes, assim, são todos amigos? Chaguinha - Exatamente! Meus clientes hoje, hoje são todos… Mais é na amizade. Quando aparece algum cliente aqui diferente, quando aparece algum cliente aqui diferente… que eu não conheço… Sérgio - O senhor acha que trabalhar aqui é perigoso? Chaguinha - Todos nós temos que ter experiência na vida no dia-a-dia, principalmente numa violência que nós temos hoje. Chega um sujeito aqui que eu nunca vi, diz ´o senhor me vende um gole de cachaça´. Rapaz, me desculpa, tô saindo para casa, tô saindo para almoçar, tal. Eu não fico porque eu não conheço a pessoa, viu Sérgio, e eu não vou enfrentar um batente sem necessidade. E a gente é que tem que ativar estas coisas viu, sei lá se esse cara num é assaltante, pensa que eu tenho dinheiro aqui e tal, num vai me assaltar por 10 reais que eu tenho no bolso?
* EXPEDIENTE Produção, captação e transcrição: Mônica Andrade, Janaina Arruda, Vanessa Freitas, Sérgio Alencar, Cícero Lacerda e Rosa Nascimento Edição: Tiago Fernandes Editoração da versão e Supervisão: Danilo Patrício.
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Equipe do premiado “Romualdo de Aluguel”
Thiago Daniel Construindo outros olhares com o audiovisual
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ideomakers. Uma palavra estranha para algumas pessoas. Estes indivíduos fazem vídeos! Aqui no Ceará, já temos algumas pessoas que se destacam no meio. Thiago Daniel é um destes, que acumula prêmios com os trabalhos desenvolvidos. Com apenas 19 anos, ele dava início à carreira. Tudo começou quando Thiago fez um curso para estudar cinema em uma ONG, proposto pela escola. Surgia ali uma paixão pelo audiovisual. O jovem mostrava talento desde cedo. Logo ganhou o prêmio Ceará Cinema e Vídeo, com o curta metragem “Romualdo de Aluguel”. Foi ganhando credibilidade e participou do roteiro do curta “Cine Holiúdy – O Artista Contra O Caba do Mal”, que ganhou muitos prêmios, tanto na-
cionais quanto internacionais. Foi premiado no festival do Ministério da Cultura, o Minc. Neste curta, Thiago fez parceria com Halder Gomes, diretor já conhecido e premiado no meio. Por intermédio também de ONGs, participou do programa Megafone, exibido na TVC. Atuava como redator e diretor do programa. Thiago Daniel nos conta que é um verdadeiro amante de cinema, que faz seu trabalho ¨por prazer¨. Ele foi picado pelo vermezinho do cinema e quando isso acontece, como ele nos conta, você não larga mais essa paixão. José Augustiano - O que você fazia antes do audiovisual? Thiago Daniel - Bem, antes de entrar no au-
diovisual eu era estudante do ensino médio e não tinha nenhuma outra formação, apenas ideías que eu ia fazer para o vestibular, mas nada profissional. José Augustiano - Aos 19 anos, você entra para esse meio participando de um projeto de uma ONG, “Fábrica de Imagens”. Conte um pouco sobre as experiências dessa época. Thiago Daniel - Na época eu fazia o segundo ano do ensino médio e estudava pela manhã. Veio a proposta na escola de estudar cinema, fazer um curso técnico oferecido por uma ONG, de um ano. José Augustiano - Depois que você iniciou
na Fábrica de Imagens, logo na sequência você já estava em outra ONG, já na posição de assistente de direção. Como você avalia isso? Thiago Daniel - Nesse ano que eu passei de formação nessa primeira ONG, “Fábrica de Imagens”, eu consegui conquistar o meu primeiro prêmio, de Ceará de Cinema e Vídeo. Assim eu conquistei uma credibilidade junto aos professores que davam aula pra mim na instituição. Logo depois de encerrado o curso, uma professora minha chamada Michelline Helena, fez um convite para eu ir para outra ONG, “Encine”, que trabalha com o programa “Megafone”. Lá eu auxiliava na assistência de direção e na criação de roteiros para o programa. Eu passei um ano e
papi ro 15 José Augustiano – Logo após ter passado por todo esse processo de formação nessas ONGs, de que forma essa sua experiência contribuiu para a realização de seus trabalhos? Seus prêmios têm relação com essas mudanças? Thiago Daniel - Não tem uma ligação tão direta com a mudança de uma instituição pra outra com os prêmios. Foi mais pra mim mesmo, eu compreender que eu já não era mais apenas um aluno, já estava começando a tratar como algo profissional. Estava começando a pagar as minhas contas. Eu estava assumindo uma responsabilidade de dirigir e roteirizar um programa que era veiculado pela TVC. Eu estava inserido num programa que era exibido semanalmente. Era outra dinâmica de trabalho e isso me ajudou a como dinamizar o meu tempo nas direções, na feitura de roteiros. José Augustiano - As pessoas acabam rotulando os jovens que passaram um processo de formação em ONGs como “meninos de projeto”. Como você encarou essa questão? Thiago Daniel - Esse termo foi muito usado na época. Eu cheguei a fazer um projeto de documentário com esse título. Na época (2002), tinham três instituições aqui em Fortaleza que focavam na formação unicamente de jovens realizadores. Quando esses meninos saiam dessas instituições, eram rotulados “meninos de projeto”, por que só se mantinham pelos projetos. Então pra gente era uma grande dificuldade, por que a gente não era apenas meninos de projeto. A gente era formado para ir para o mercado de trabalho. Guilherme Paiva - Você foi convidado por Halder Gomes, que já é um diretor veterano e com vários prêmios, para participar do roteiro de “Cine Hóliudy”. Como foi feito esse convite? Thiago Daniel - “Cine Hóliudy” foi um dos primeiros roteiros que eu escrevi. Foi em 2003. O Halder já era conhecido aqui em Fortaleza e tem uma parceria muito forte com a Michelline Helena, que era minha professora na época. Quando a Michelline viu que eu já tinha conquistado o meu primeiro prêmio, que eu já estava investindo em ser um roteirista, ela já foi me convidando a participar dessas realizações. Um desses convites foi pra participar do “Cine Hóliudy”, onde participou com a gente o Halder, o dono da ideia. Num dia só a gente conseguiu roteirizar o curta. Ali foi uma experiência legal porque logo em seguida ele já colocou esse roteiro no festival do Ministério da Cultura, o Minc de 2004,
cendo como um membro. Como eu já tô há muito tempo na vivência, e livremente opto por isso, então eu caminhei num caminho de consagração divina. [Ao falar de sua religião e do Shalom, Thiago segura seu crucifixo].
Arquivo Pessoal
Arquivo Pessoal/Divulgação
meio exercendo essas duas atividades.
Thiago Daniel e equipe na gravação do programa “Megafone”
“ÀS VEZES quando o roteirista escreve, tem um vício que a gente tenta se livrar que é se apegar a nossas estórias.”
que foi premiado. Foi extremamente legal por que foi meu primeiro roteiro em 35 mm, em película. Foi um salto por que eu já não estava mais escrevendo roteiro apenas para vídeo, como eu tinha sido premiado, mas já escrevia roteiro em 35mm. Pra um currículo de um roteirista, isso é bem legal. Guilherme Paiva - O “Cine Hóliudy” virou um longa e estreará nos cinemas no segundo semestre deste ano. Você teve algum tipo de participação nesse projeto? Thiago Daniel - Não, e essa é uma história bem engraçada. Na época que teve o sucesso do “Cine Hóliudy”, foram muitas premiações, o Halder já fez o convite pra gente roteirizar o longa. Mas como a gente já estava envolvido com outros projetos, a gente foi adiando. Aí o Halder acabou chamando outro roteirista, que tomou conta do projeto e acabou fazendo o longa. Guilherme Paiva - Em “Romualdo de Aluguel” você tem participação como roteirista e diretor. Que pontos positivos você agrega a essa junção? Thiago Daniel - Às vezes quando o roteirista escreve, tem um vício que a gente tenta se livrar que é se apegar a nossas estórias. Por exemplo: a gente escreve uma estória,
ela fica bela pra nossa vista e quando a gente entrega para o diretor, ele faz o que ele quiser dela. Então, eu tava muito apegado. Era extremamente importante eu dirigir o meu próprio roteiro. O benefício em você escrever e dirigir é por que você pode idealizar aquilo que você tem na cabeça. É colocar a ideia e tentar o movimento de câmera, conduzir a equipe, pensar na montagem de fazer esse vídeo. Guilherme Paiva - Quando você estava escrevendo o roteiro de Romualdo, você já almejava fazer faculdade de jornalismo. Como o curso tem contribuído para o seu trabalho de videomaker? Thiago Daniel - Eu não só almejava fazer jornalismo como também desejava fazer várias outras faculdades. Pretendia fazer geografia, pretendia fazer química. Mas eu pensei no jornalismo principalmente na questão da escrita, de estar ligado ao documental, retratar a verdade. Existe o experimental, a ficção, o documentário e o documentário ficcional, e foi uma das coisas que me fez optar por estudar jornalismo: a questão de ser muito parecido com a pesquisa do documentário. [Thiago é apaixonado pelo experimentalismo. Segundo ele, esse gênero foge dos clichês, não segue regras. Apresenta inovações, experimentos. É você começar a assistir e não saber o final.] Amanda Rodrigues - Em uma visita ao Shalom, um companheiro seu disse que você é um “consagrado”. Você pode explicar melhor o que é isso? [Pelo que pudemos perceber na comunidade, Thiago é conhecido e bem popular no local] Thiago Daniel - Eu sou consagrado a partir da vivência dentro da comunidade Shalom. Lá tem toda uma regra de vida a se cumprir, de obediência, de pobreza, de castidade. Pelo tempo de vivência, você vai se identificando com aquilo, e a comunidade vai te conhe-
Amanda Rodrigues - No final do semestre passado, você se recusou a participar de um debate sobre a legalização no aborto na Faculdade 7 de Setembro, por conta da sua religião. No cinema acontece o mesmo? A religião interfere no seu trabalho? [Durante a pergunta, Thiago se mostra surpreso com a lembrança do fato] Thiago Daniel - Eu tenho que fazer sempre um filtro sobre como é que eu vou retratar. Não é que minhas estórias não vão ter cenas de violência, de sexo. Mas a minha forma de retratar já se modifica. Eu não banalizo violência, não banalizo sexo. Eu tento mostrar com um novo olhar. Com a religião eu tento conduzir melhor a forma como eu mostro as minhas ideias. Por exemplo, se eu for fazer um documentário ou uma ficção retratando a exploração sexual, ou fazer retratando o uso de drogas, eu já vou dando um olhar mais contido. Não é que eu vou omitir, mas eu não preciso escrachar. Eu posso causar esse mesmo impacto sugerindo. [Thiago tenta lembrar de um cena para exemplificar, mas o toque de um celular o interrompe]. Amanda Rodrigues – Atualmente, acho que 80% dos filmes têm cenas de sexo, de violência, de drogas. Alguns roteiristas e diretores dizem que é por que dá audiência. Você acha que precisa disso para um filme se dar bem? Thiago Daniel – Infelizmente, hoje em dia existem duas formas de se produzir filme. Existe a forma comercial, que você vai apelar para todos os detalhes que vai fazer audiência, e existe a forma autoral. O autor faz do jeito que ele quer. Mas a realidade é que hoje em dia o filme é do produtor. São raros os filmes realmente do diretor. E o problema é que o produtor está ligado à venda, ele quer vender o produto. É uma coisa muito comercializada. É um grande problema por que, vamos dizer que 70% das obras hoje em dia são assim, querem prender seu espectador não pelo conteúdo, mas pela forma como ele já está automaticamente ligado àquela cena. [Ao debater sobre o fato de as obras estarem diretamente influenciadas pela lei do lucro, Thiago se mostra bem apreensivo com relação às futuras obras perderem totalmente sua essência.]. Guilherme Paiva - Como você caracteriza a situação do cinema cearense atualmen-
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te? Essa denominação “cinema cearense” surge como um ato de orgulho ou apenas para despertar pena? Thiago Daniel – Não é bem o cinema cearense, é o cinema nordestino. O cinema nordestino ele foi tratado há muito tempo como o cinema da estética da fome, da pobreza, e ficou marcado no Brasil e no exterior. “Ah, cinema nordestino tá falando do que?” Tá falando disso. Sendo que há um tempinho tenta-se fazer algo diferente, mostrar essas realidades com outro viés. Hoje, posso dizer que já há uma desmistificação muito grande em relação a isso, não que esteja 100%, mas já tem assim. José Augustiano - A gente sabe que fazer produções cinematográficas requer um custo muito alto e aqui no Ceará não é diferente. Você enfrentou essa dificuldade? Thiago Daniel - Temos que fazer uma diferença: existe vídeo e existe cinema. São duas linguagens que financeiramente são completamente diferentes. Quando eu escrevo um roteiro, ele pode ser usado tanto pro vídeo quanto pro cinema, mas quando você vai dirigir, é uma outra forma, uma outra linguagem. Com o vídeo você pode pegar uma fita de TV e pode gravar 60 minutos. E ela custa R$15,00. Com o cinema não. Com o cinema você vai trabalhar com uma lata de negativo que custa R$200,00, R$250,00, que grava só quatro minutos, e ali você não pode gravar por cima. Você queimou aquele negativo ali, pronto, você tem que comprar outra lata. Com o vídeo, você pode passar por cima. Para cinema, você tem que ensaiar pra gravar um ou dois takes valendo, por que você não vai ter dinheiro pra custear um negativo. José Augustiano - Qual a diferença de trabalhar com vídeos e trabalhar com produções cinematográficas? Thiago Daniel - No cinema é um pouco complicado por que você ou vai depender de editais de financiamento ou conhece pessoas, ter amigos que podem ceder um negativo pra você gravar, tudo bem. Pra vídeo não. Pra vídeo você pega um celular e faz um vídeo. Você instala um programa básico no seu computador de edição e está lá, seu vídeo editadinho. Então o custo é bem mais simples. O problema é que o vídeo vicia a pessoa que está fazendo, vicia no erro. Você tem que trabalhar vídeo com o mesmo olhar de cinema, e não errar tanto. O grande problema é esse, que fazer vídeo é fácil? É barato? É, mas vicia a pessoa que tá fazendo a sempre querer
Equipe gravando o curta “Romualdo de Aluguel” fazer mais, repetir determinada cena, errar quantas vezes quiser. José Augustiano - Você acha que sem a ajuda dos editais você teria conseguido realizar os seus trabalhos? Thiago Daniel - Bom, por exemplo, o “Cine Hóliudy”, que foi feito em 35 mm, era inviável fazer sem recurso, por que tem um elenco muito grande, tem cenas em locais muito diferentes. Agora tem histórias mais simples que dá para fazer sem recurso nenhum. Agora o importante é a mensagem que você está passando, a ideia que você está passando com o seu roteiro. O que importa é a história que você está fazendo, por que pode ser uma porcaria e eu tenho o dinheiro pra fazer em 35 mm, em cinema, em película. Vai continuar sendo a mesma porcaria, só vai ter uma imagenzinha boa. Então a grande diferença é essa, você ter uma história realmente boa. José Augustiano - Atualmente a tecnologia tem permitido que várias pessoas tenham acesso a ferramentas que possibilite a produção de peças audiovisuais. Você acha que isso interfere na qualidade das produções? Thiago Daniel - É, têm esses dois problemas. É positivo por que qualquer um agora pode ter uma ideia e fazer. Você pode pegar o seu celular e fazer o que quiser, principalmente
“O PROBLEMA é que o vídeo vicia a pessoa que está fazendo, vicia no erro. Você tem que trabalhar vídeo com o mesmo olhar de cinema, e não errar tanto.” agora, que tem celulares de 10 megapixels como câmera. Agora o problema é de viciar a pessoa em não prezar pela perfeição. José Augustiano - Como você lida com a questão do reconhecimento? Thiago Daniel - O reconhecimento é meio complicado por que eu tenho o reconhecimento das pessoas que trabalham comigo, eu tenho reconhecimento das pessoas que viram o vídeo, mas não é aquele reconhecimento assim: “ah, o cara é um cineasta”, por que eu não sou. Eu sou um videomaker, eu trabalho com vídeos. Isso no estado do Ceará tá engatinhando ainda. Só agora você tem a graduação em cinema, em audiovisual. Mas o reconhecimento fica muito restrito ainda, tá engatinhando.
Guilherme Paiva - E por que você ficou nesse ramo? Thiago Daniel - Eu me esforço por que eu faço o que eu gosto. Se eu não gostasse, eu tinha saído fora, tinha continuado tentando fazer geografia, química. Como diz uma professora minha: “cara, a pessoa que estuda cinema ela tem que ser picada pelo vermezinho do cinema, por que se não, ela não fica, vai seguir outras áreas”. Eu acho que eu fui, por que até hoje estou, desde 2002, e não pretendo deixar.
* EXPEDIENTE Pesquisa: Amanda Rodrigues, José Augustiano, Guilherme Paiva e Lucas Mota Fotografia: Amanda Rodrigues Transcrição: Guilherme Paiva Edição: José Augustiano e Guilherme Paiva Captação: Amanda Rodrigues, José Augustiano, Guilherme Paiva, Thicianna Moraes, Mimosa Pessoa e Mávio Braga Revisão: Danilo Patrício