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Entrevista: David Carvalhão

Disruptive Tech Expert, Startup Mentor & Founder, Public Speaker

Para não pensar em empreendedorismo, mesmo que por poucos dias, atravessa desertos e escala montanhas. O telemóvel, durante esses momentos de paz e sossego, fica desligado e a sua cabeça também. De volta a normalidade, vê problemas em todo o lado e, de forma genial, arranja-lhes soluções quase imediatas. Avalia a sua execução e garante que em cada 10 ideias que tem, uma ou duas valem a pena. David Carvalhão, empreendedor, Business Angel, public speaker internacional, criou até hoje mais de duas dezenas de startups, três associações e outras tantas patentes. Gosta de projetos exóticos e difíceis de concretizar. Conversámos com o perito de inovação e tecnologias disruptivas da Agência Europeia de Investigação da Comissão Europeia e ficámos a entender que onde mais gosta de intervir é em Portugal.

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To avoid thinking about entrepreneurship, even for a few days, he crosses deserts and climbs mountains. His cell phone, during these moments of peace, stays off, and so does his head. Back to normality, he sees problems everywhere and, in a brilliant way, he finds solutions to solve them almost immediately. He evaluates their execution and guarantees that for every 10 ideas he has, one or two are worth it. David Carvalhão, entrepreneur, Business Angel, international public speaker, has created over two dozen startups, three associations, and as many patents. He likes exotic and challenging projects. We talked to the innovation and disruptive technologies expert at the European Commission’s European Research Agency and understood that where he most likes to be involved is in Portugal.

O David conta já com a criação de 24 startups, três associações e várias patentes. Existem dias em que não pensa em nada disto ou a sua cabeça está sempre a trabalhar em direção a novas ideias e novas coisas para desenvolver?

Depende das circunstâncias. Por norma, passo uma grande parte do meu tempo a pensar sobre as ideias que tenho. Quando estou a viver a minha vida do dia-a-dia, tenho este defeito de personalidade, que é um pouco irritante para as pessoas à minha volta, de estar sempre a ver o que é que na minha opinião está mal, o que pode ser melhorado. E a ver como poderia ser criado um negócio à volta disso. Muitas das minhas ideias, mesmo de patentes, advêm daí: verificar algo que não faz sentido, que pode ser melhorado. Acabo sempre por pegar nelas mais tarde, ver se têm pernas para andar ou ver se são más ideias, o que é frequente. Há uma exceção, que é o meu ponto de equilíbrio, até porque isto torna-se incomodativo até para mim: quando faço viagens. Gosto muito de fazer viagens estranhas e invulgares, de atravessar desertos, de escalar montanhas e coisas do género. Geralmente, quando estou no modo viagem-desafio, consigo desligar completamente. E faço questão disso, de não levar telemóvel, ou levar um o mais simples possível para não haver nem redes sociais, nem Messengers, nem email. Aí consigo desligar, mas só nessas situações (risos).

David has already created 24 startups, three associations, and several patents. Are there days when you don’t think about any of this, or is your head always working toward new ideas and new things to develop?

It depends on the circumstances. As a rule, I spend a lot of my time thinking about the ideas I have. When I’m living my everyday life, I have this personality shortcoming, which is a bit annoying for the people around me, of always looking at what in my opinion is wrong, what could be improved. And seeing how a business could be created around it. Many of my ideas, even for patents, come from that: checking something that doesn’t make sense, that can be improved. I always end up returning to them, to see if they have a chance, or to see if they are bad ideas, which is often the case. There is one exception, which is my balancing point, because it gets annoying even for me: when I travel. I really enjoy making strange and unusual trips, crossing deserts, climbing mountains, and the like. Usually, when I’m in the travel-challenge mode, I can completely switch off. And I make it a point not to take a cell phone, or to take the simplest one possible so that there are no social networks, no messengers, no email. Then I can turn it off, but only in those situations (laughs).

No fundo, tenta resolver problemas, não é?

Sim, literalmente. Olho para a minha vida e tento perceber, talvez porque tenho mau feitio (risos), se há alguma coisa que me incomoda, que me irrita, que eu acho que poderia ser diferente. E depois disso, tento criar soluções ou, pelo menos, alternativas. Por vezes são coisas que já estão resolvidas, mas não da melhor forma… por exemplo, a última patente, que está agora em registo, foi precisamente ao observar o padrão de uso do meu frigorífico (risos), percebi que usava bastante energia que não precisava. Por isso, depois de alguma pesquisa e umas experiências que atrapalharam a dinâmica de cozinha da minha família, criei um dispositivo que reduz o consumo dos frigoríficos em cerca de 20%.

Basically, you try to solve problems, right?

Yes, literally. I look at my life and try to realize, maybe because I have a bad temper (laughs), if there is something that bothers me, that irritates me, that I think could be different. And after that, I try to create solutions or at least alternatives. Sometimes they are things that are already solved, but not in the best way...for example, the last patent, which is now being registered, was precisely by observing the use pattern of my fridge (laughs), I realized that I was using a lot of energy that I didn’t need. So, after some research and some experiments that disrupted my family’s cooking dynamics, I created a device that reduces the consumption of refrigerators by about 20%.

Pois, o frigorífico é se calhar das coisas que mais gasta energia numa casa.

Sim, na nossa casa, a seguir ao aquecimento elétrico e às máquinas de lavar, o frigorífico acaba por ser onde se gasta mais. É este o tipo de coisas que começo a pensar: “isto se calhar não faz muito sentido, então deixa cá ver como é que poderia fazer”. Frequentemente tenho péssimas ideias, se calhar em cada 10 há uma ou duas que valem alguma coisa.

Yeah, the fridge is probably one of the things that use the most energy in a house.

Yes, in our house, after the electric heating and the washing machines, the refrigerator is where we spend the most. This is the kind of thing that I start thinking: “this probably doesn’t make much sense, so let me see how I could do it”. I often have terrible ideas, maybe one or two out of every 10 are worth something.

E depois, como é que faz essa avaliação?

Há dois tipos de avaliação. Primeiro é a avaliação técnica, porque às vezes uma pessoa pensa que consegue fazer alguma coisa e depois começa a pesquisar e, do ponto de vista científico e técnico, vê que não consegue, ou porque a ciência não está lá, ou porque simplesmente as contas não batem certo. Depois, há uma validação de negócio, que é perceber se há pessoas suficientes que sentem essa dificuldade, essa irritação com o problema em particular. Se existem, provavelmente há uma base financeira para a ideia ser um negócio. Basicamente é isto! Já tive muitas ideias que, do ponto de vista técnico, eram perfeitamente exequíveis, mas que do ponto de vista de negócio não o eram.

And then, how do you do that evaluation?

There are two kinds of evaluation. First is the technical evaluation, because sometimes we think we can do something and then we start researching and, from a scientific and technical point of view, we see that we can’t, either because the science isn’t there, or because the math just doesn’t add up. Then there is a business validation, which is we try to figure out if there are enough people who feel that difficulty, that irritation with the particular problem. If there are, there is probably a financial basis for the idea to be a business. That’s it! I’ve had many ideas that, from a technical point of view, were perfectly feasible, but from a business point of view were not.

Com base na experiência que já tem, o que considera ser uma boa startup?

Uma boa startup é toda aquela que resolve um problema social. Uma boa startup gera lucro, porque gera valor na sociedade e captura parte desse valor sob a forma de lucro. O nosso mundo torna-se um sítio melhor de alguma forma, pode não ser para toda a gente, pode ser para um grupo restrito, mas há alguém na sociedade cuja vida melhora de alguma forma pela existência da startup. Na minha experiência, quando não estamos a resolver um problema ou quando não há um grupo suficientemente grande da sociedade que sente a necessidade de que esse problema seja resolvido, não é uma startup. E é aquilo que mais se vê! Faço muitas avaliações a startups associadas a programas de aceleração, e frequentemente os projetos são soluções à procura de problemas. Outras vezes não há pessoas suficientes que sintam esse problema, ou o problema não é suficientemente grande para necessitar de uma solução nova, de uma solução complexa. Em suma, não há mercado. Por isso, uma boa startup é aquela que resolve um problema que já existe, que é sentido por grande parte da população (mesmo que por vezes não o notem) e que, pela existência daquela startup e daquela solução, esse segmento da população fica com a vida simplificada, melhorada e mais feliz.

From your experience, what do you consider to be a successful startup?

A successful startup solves a social problem. A successful startup generates profit because it generates value in society and captures some of that value in the form of profit. Our world becomes a better place somehow, it may not be for everyone, it may be for a small group, but there is someone in a society whose life is improved in some way by the existence of the startup. In my experience, when we are not solving a problem or when there is not a large enough group of society that feels the need for that problem to be solved, it is not a startup. And that’s what you see most! I do a lot of evaluations of startups associated with accelerator programs, and often the projects are solutions looking for problems. Other times there are not enough people who feel that problem, or the problem is not big enough to need a new solution, a complex solution. In short, there is no market. Therefore, a good startup solves a problem that already exists, that is felt by a large part of the population (even if sometimes they don’t notice it) and that, because of the existence of that startup and that solution, that segment of the population’s life is simplified, improved, and happier.

“Uma boa startup é toda aquela que resolve um problema social”

“A successful startup solves a social problem”

O David é também Business Angel. Quais são os projetos empreendedores que lhe despertam maior interesse?

Aqueles que me despertam maior interesse são os difíceis. E os difíceis normalmente são os projetos que são realmente uma solução nova, que estão a fazer algo que sai do caminho das soluções tentadas. São também os mais arriscados porque, lá está, quando estamos a tentar fazer algo que é realmente novo, muitas vezes surgem dificuldades técnicas. E até posso dizer que, de um ponto de vista de investimento puro, nem sequer costumam ser os melhores, já que por vezes a solução é de tal forma inovadora que os potenciais clientes ainda têm que perceber que têm um problema que precisa daquela solução. O tipo de empresas que eu procuro são as que estão a tentar fazer algo que é realmente diferente, mas dentro de um mercado em que já há outras soluções, só que piores. São mais limitadas, ou não chegam bem lá… Em linguagem de startups: oceanos azuis e oceanos vermelhos – eu gosto de trabalhar em oceanos vermelhos, mas com soluções realmente inovadoras. De certa forma, a existência de concorrência é validação de mercado.

You are also a Business Angel. What are the entrepreneurial projects you are most interested in?

The ones that get me most interested are the difficult ones. And the difficult ones are usually the projects that are a new solution, that is doing something that goes off the beaten path. They’re also the riskiest because, you know, when you’re trying to do something new, there are often technical difficulties. And I can even say that, from a pure investment point of view, they are usually not even the best, since sometimes the solution is so innovative that potential customers still have to realize that they have a problem that needs that solution. The kind of companies I look for are the ones that are trying to do something different, but within a market where there are already other solutions, but they are worse. They are more limited, or they don’t quite get there... In startup language: blue oceans and red oceans - I like to work in red oceans, but with really innovative solutions. In a way, the existence of competition is market validation.

O que o faz decidir, de um ponto de vista menos racional, investir num determinado negócio?

De longe, a equipa. A realidade é que quando se está a tentar fazer algo realmente inovador, a maior probabilidade é que o produto final vá ser muito diferente do que era a ideia inicial do projeto. Para fazer esta transição, do que era a ideia inicial para a que vai vingar, é necessária não só uma grande capacidade de adaptação e conhecimento técnico, mas acima de tudo humildade. É imprescindível ter pessoas que tenham a capacidade de reconhecer que a sua solução não é a melhor e que vão ter de pensar noutra coisa. Muitas vezes as startups acabam por falhar quando não acertam à primeira, porque não têm uma equipa capaz, que é resiliente, que tem força de vontade, que é unida o suficiente e que tem a capacidade de se reinventar e de fazer esta transição. Nos projetos em que investi até hoje, passo uma parte muito substancial do meu tempo a avaliar a equipa, a forma como a equipa interage, como pensa, como reage a um desafio. Quando se encontra uma equipa que está demasiado apaixonada por aquilo que é a sua ideia, que não tem a capacidade de matar o seu bebé… Nos programas de aceleração, uma das minhas alcunhas é o “puppy killer”, o matador de cachorros (risos). As pessoas estão ali, com a sua ideia, que é um cachorrinho bonito, de olhos grandes e tal, e eu chego lá e digo “não, assim não vai lá”. Mas é efetivamente esta capacidade de se readaptar, de refazer o negócio, de refazer a ideia, de estar disposto a assumir que aquilo que foi feito não está a funcionar, que é uma condição para o sucesso de uma startup.

What makes you decide, from a less rational point of view, to invest in a particular business?

By far, the team. The reality is that when you are trying to do something innovative, the greatest probability is that the final product will be very different from what was the initial idea of the project. To make this transition, from what was the initial idea to what will succeed, requires not only a great capacity for adaptation and technical knowledge, but above all it requires humility. It is essential to have people who can recognize that their solution is not the best and that they will have to think of something else. Many times startups end up failing when they don’t get it right the first time, because they don’t have a capable team that is resilient, that has willpower, that is united enough, and that can reinvent itself and make this transition. In the projects I have invested in to date, I spend a very substantial part of my time evaluating the team, how the team interacts, how they think, how they react to a challenge. When you find a team that is too passionate about what their idea is, that they don’t have the ability to kill their baby... In accelerator programs, one of my nicknames is the “puppy killer” (laughs). People are there, with their idea, that it’s a nice puppy, with big eyes and so on, and I get there and say “no, it’s not going there”. But it is effectively this ability to readapt, to remake the business, to remake the idea, to be willing to assume that what was done is not working, that is a condition for the success of a startup.

Nasce-se com o ‘bichinho’ para o negócio ou vamos aprendendo?

Isso é uma questão muito profunda (risos). Eu acho que é uma questão de aprendizagem, o que não quer dizer que essa aprendizagem venha do formato académico, de educação formal. Esse ‘bichinho’ vem daquilo que é a construção da personalidade, com experiências que a pessoa tem, e a esmagadora maioria delas diria até que vêm de fora do nosso sistema educativo que, na minha opinião, é completamente anti-empreendedor. Como costumo dizer, quando as crianças entram na escola primária, se não resolvem o problema da maneira que o professor quer, o professor fica chateado, os papás ficam chateados, a criança sente que ninguém gosta dela. A criança começa a sentir que tem de estar dentro da caixa e isto prolonga-se por todo o percurso académico. E depois, finalmente, chega-se à universidade e tem-se uma cadeira de um semestre, de empreendedorismo, e é-nos dito que é agora que vamos tornar-nos empreendedores, depois de passarmos uma vida inteira a levar na cabeça e a castrar a imaginação e o arrojo. Se formos a pensar, nós nascemos de alguma forma empreendedores. Quando aprendemos a andar, como é que é? Aquilo não corre bem à primeira. A pessoa levanta-se, vai de cara ao chão, chora, passa, tenta outra vez, levanta-se, cai de cara ao chão, chora, passa… e, ao fim de várias tentativas a experimentar técnicas diferentes – pôr a perna mais esquerda ou mais à direita -, nós aprendemos a andar. Este sentido de falhar, aprender, tentar, é inato. Agora, a educação que vem a seguir pode totalmente destruir esse sentido inato de empreendedorismo e, na maioria dos casos, infelizmente é o que acontece, ou pode reforçá-lo. E, portanto, eu acho que é maioritariamente aprendido.

Are we born with a taste for business, or do we learn it?

That’s a very deep question (laughs). I think it’s a question of learning, which doesn’t mean that this learning comes from the academic format, from formal education. That taste comes from what is the construction of the personality, with experiences that the person has, and the overwhelming majority of them I would even say come from outside our educational system which, in my opinion, is completely anti-entrepreneurial. As I usually say, when children enter elementary school, if they don’t solve the problem the way the teacher wants, the teacher gets upset, the parents get upset, the child feels that nobody likes him. The child begins to feel that he or she has to be inside the box, and this goes on throughout the entire academic career. And then, finally, you get to university and you have a one-semester course on entrepreneurship, and you are told that this is the time to become an entrepreneur, after spending a lifetime being hit on the head and castrating your imagination and boldness. If you think about it, we are born entrepreneurs in some way. When you learn to walk, how is it? It doesn’t go well the first time. You get up, fall on your face, cry, pass, try again, get up, fall on your face, cry, pass... and, after several attempts to try different techniques - to put your leg to the left or to the right - you learn to walk. This sense of failing, learning, trying, is innate. But, the education that follows can either totally destroy this innate sense of entrepreneurship, and in most cases, unfortunately, this is what happens, or it can reinforce it. And so I think it’s mostly learned.

O David é perito de inovação e tecnologias disruptivas na Agência Europeia de Investigação da Comissão Europeia. Tendo um conhecimento vasto sobre a viabilidade tecnológica e o potencial de mercado, pode dizer-nos como se encontra Portugal neste ramo, atualmente?

Portugal é um caso em desenvolvimento. Nós temos muito potencial no nosso país, mas infelizmente potencial não chega. Temos pessoas muito competentes, muito criativas, mas num ambiente que não é nada conducente ao empreendedorismo, mesmo de um ponto de vista social. Nos Estados Unidos, levar uma empresa à falência é currículo. Se eu chegar a um sítio qualquer e no meu CV mostrar que já tive três startups que falharam, mas que com elas aprendi, isso conta positivamente. Em Portugal, alguém que falha uma empresa é um falhado. Portanto, nós socialmente temos barreiras muito grandes para as pessoas serem empreendedoras. E depois temos uma questão contextual que é o nosso governo, a nossa economia, a nossa lei, que é extremamente adversa ao risco. Para já, é praticamente impossível em Portugal uma pessoa separar as finanças pessoais das finanças da sua empresa, e tipicamente quando uma empresa vai à falência, a pessoa, o empreendedor, fica falida e não consegue levantar a cabeça durante 10 anos. E fica na lista negra do Banco de Portugal, e mais 10 listas negras, e dificilmente consegue criar o próximo projeto. Aquilo que nós vemos em países de cultura empreendedora, como Israel, a China, os Estados Unidos, é que grande parte dos empreendedores bem-sucedidos tiveram três, cinco empresas que correram mal e foi a sexta que, de repente, se tornou num unicórnio. O que em Portugal seria impossível. Do ponto de vista tecnológico, temos condições acima da média. Temos pessoas com muita capacidade, temos pessoas a criar novas tecnologias e a desenvolvê-las e, infelizmente, a esmagadora maioria destas nunca se concretiza num negócio.

You are an expert on innovation and disruptive technologies at the European Commission’s European Research Agency. Having vast knowledge about technological feasibility and market potential, can you tell us how Portugal is doing in this area, currently?

Portugal is a developing case. We have a lot of potential in our country, but unfortunately potential is not enough. We have very competent, very creative people, but in an environment that is not at all conducive to entrepreneurship, even from a social point of view. In the United States, taking a company to bankruptcy is a CV. If I go somewhere and show on my CV that I have had three startups that failed, but that I learned from them, that counts positively. In Portugal, someone who fails a company is a loser. So, socially we have very big barriers for people to be entrepreneurs. And then we have a contextual issue that is our government, our economy, our law, which is extremely averse to risk. It is practically impossible in Portugal for a person to separate his finances from his company’s finances, and typically when a company goes bankrupt, the person, the entrepreneur, goes broke and can’t get his head up for 10 years. And he is blacklisted by the Bank of Portugal, and in 10 other black lists, and he can hardly create the next project. What we see in countries with an entrepreneurial culture, like Israel, China, the United States, is that most successful entrepreneurs had three or five companies that went wrong, and it was the sixth that suddenly became a unicorn. What would be impossible in Portugal. From the technological point of view, we have above average conditions. We have people with a lot of capacity, we have people creating new technologies and developing them and, unfortunately, the overwhelming majority of these never materialize into a business.

Não há impacto…

Nem sequer há uma tentativa de criar startups com base na ciência e tecnologia. As universidades portuguesas estão cheias de patentes (isto não é um problema só português), cheias de investigadores com projetos fabulosos, com tecnologias disruptivas, que no final, o resultado daquilo é uma tese de doutoramento e ficam por aí. Portanto, essa é uma pergunta cuja resposta é “nim”. De um ponto de vista tecnológico e científico, temos condições excecionais, temos condições péssimas para o empreendedorismo e, portanto, a transição do laboratório, da tecnologia, da ciência e do conhecimento para uma aplicação prática em Portugal é muito limitada. As coisas estão a melhorar, mas ainda há um grande caminho a fazer.

There is no effect...

There isn’t even an attempt to create startups based on science and technology. Portuguese universities are full of patents (this is not just a Portuguese problem), full of researchers with fabulous projects, with disruptive technologies, that in the end, the result is a doctoral thesis and that’s it. So, this is a question whose answer is “nim”. From a technological and scientific point of view, we have exceptional conditions, we have terrible conditions for entrepreneurship and, therefore, the transition from the laboratory, technology, science, and knowledge to a practical application in Portugal is very limited. Things are improving, but there is still a long way to go.

E no espaço europeu, qual é a sua visão em relação ao impacto das tecnologias?

Essa é uma pergunta que pode ser interpretada de duas maneiras. Podemos falar do impacto da tecnologia do ponto de vista económico, do ponto de vista da criação de projetos, startups, de empreendedorismo e, desse ponto de vista, na Europa Central é que estão criadas as estruturas que, de uma forma longe de perfeita - porque não vamos aqui fingir que este é um problema só português - , permitem uma maior saída da tecnologia e da ciência, do campo académico e do campo teórico para as implementações práticas. Nós temos uma Europa a várias velocidades e a Europa Central e a Europa do Norte têm claramente uma ligação muito mais forte entre aquilo que é a Academia e o que é o mercado das startups. Se olharmos para o impacto da tecnologia naquilo que é a sociedade, estamos neste momento, não só na Europa, mas no mundo, num período de transição, em que a tecnologia está a redefinir completamente a forma como as economias vão funcionar. Estamos a dar os primeiros passos em relação a isso no mercado, se olharmos para a Academia, onde está a ser feita a nova ciência, a nova tecnologia, aquilo que vai sair durante os próximos anos vai ter impactos dramáticos, nomeadamente a nível do emprego. O Banco Mundial prevê que até 2030, 53% de todos os empregos na Europa estejam postos em causa por via da automação - robótica, inteligência artificial, e outras. Portanto, no grande campo da automação, vamos presenciar aqui uma disrupção muito significativa naquilo que é o nosso tecido social, na maneira como nos organizamos enquanto sociedade, porque vamos ter muitos desempregados.

And in the European area, what is your vision regarding the impact of technologies?

This is a question that can be interpreted in two ways. We can talk about the impact of technology from the economic point of view, from the point of view of the creation of projects, startups, entrepreneurship and, from this point of view, Central Europe is where the structures are created that, in a far from perfect way - because we are not going to pretend that this is just a Portuguese problem - , allow a greater output of technology and science, from the academic and theoretical field to practical implementations. We have a multi-speed Europe, and Central Europe and Northern Europe have a much stronger connection between the academic field and the startup market. If you look at the impact of technology on what society is, we are in a transition period right now, not only in Europe but in the world, where technology is completely redefining how economies are going to work. We are taking the first steps about this in the marketplace, if we look at the academic world, where the new science, the new technology is being made, what is coming out over the next few years is going to have dramatic impacts, namely on the employment level. The World Bank predicts that by 2030, 53% of all jobs in Europe will be jeopardized by automation - robotics, artificial intelligence, and others. So, in the big field of automation, we’re going to see a very significant disruption in what is our social fabric, in the way we organize ourselves as a society, because we’re going to have a lot of unemployed people.

E Portugal não está preparado, pois não? Ou a Europa em geral?

Eu diria que ninguém no mundo realmente está. A Europa, provavelmente, teria mais obrigação de se estar a preparar para isso, porque tipicamente nós temos maiores preocupações sociais com a nossa população do que outras sociedades, que se estão a “marimbar” para o desemprego e para a forma como as pessoas vivem. Mas efetivamente estamos numa fase de transição em que vamos ter muitas pessoas desempregadas, muita concentração de poder económico e político, como acontece com qualquer revolução tecnológica – aconteceu com a Revolução Agrícola, onde houve uma concentração de poder, em as pessoas que tinham terra passaram a ter mais poder do que aquelas que não tinham; aconteceu na Revolução Industrial, quem tinha dinheiro para comprar as máquinas ganhava mais poder porque passaram a precisar de menos trabalhadores; tivemos isso na Revolução da Tecnologia de Informação; e vamos ver isso na revolução que está agora a acontecer: quem tem dinheiro para ter os autómatos, a inteligência artificial, os modelos, os data centers, os dados para treinar os modelos, vai concentrar poder, como já se está a observar desde os meados da década de 80. Com cada vez menos empregos na indústria, produz-se mais. E isto tem sido um dos motores do desemprego nos Estados Unidos e Europa, que muitas vezes é usado depois por demagogos e por políticos menos bem-intencionados para apontar o dedo à imigração e a outras coisas que não têm nada que ver com as causas desse desemprego. Estamos neste momento numa aceleração desse processo. E creio que vamos ter uma grande remodelação do que é o nosso tecido social e económico em todo o mundo, motivada por estas tecnologias e para a qual não estamos minimamente preparados. Não há nenhum trabalho a fundo no mundo Ocidental sobre o que é que vai ser a nossa sociedade em 2030. O que acho curioso, porque, por exemplo, na China, e não é que eu tenha grande amor ao regime político chinês, existem comités de planeamento governamentais que planeiam a 100 anos e estão a tomar medidas com base nisso. Por isso, sim, nós vamos ter uma grande mudança socioeconómica na Europa e que vai acontecer durante os próximos 10 anos e não estamos preparados.

And Portugal is not ready, right? Or Europe in general?

I would say that nobody in the world is prepared. Europe probably has a greater obligation to be preparing for it, because typically we have greater social concerns about our population than other societies, which don’t care about unemployment and the way people live. But we are actually in a transition phase where we are going to have a lot of unemployed people, a lot of concentration of economic and political power, as happens with any technological revolution - it happened with the Agricultural Revolution, where there was a concentration of power, where people who had land had more power than those who didn’t; it happened in the Industrial Revolution, where those who had the money to buy the machines gained more power because they needed fewer workers; we had that in the Information Technology Revolution; and we will see this in the revolution that is happening now: whoever has the money to have the automatons, the artificial intelligence, the models, the data centers, the data to train the models, will concentrate power, as we have seen since the mid-1980s. With fewer and fewer jobs in the industry, more is being produced. And this has been one of the drivers of unemployment in the United States and Europe, which is often then used by demagogues and less well-meaning politicians to point the finger at immigration and other things that have nothing to do with the causes of that unemployment. We are currently in an acceleration of this process. And I believe that we are going to have a great remodeling of what our social and economic fabric is all over the world, motivated by these technologies and for which we are not at all prepared. There is no in-depth work in the Western world on what our society is going to be like in 2030. Which I find curious, because, for example, in China, and it’s not that I have any great love for the Chinese political regime, there are government planning committees that plan 100 years out and they’re taking action based on that. So yes, we are going to have a major socio-economic change in Europe and that is going to happen over the next 10 years and we are not prepared.

O que é que nos traz o novo quadro europeu de investimento para estas áreas?

O novo quadro de investimento assenta em alguns conceitos interessantes. Há um grande enfoque da Comissão Europeia na saúde e na sustentabilidade. Uma sustentabilidade energética e relacionada com as questões do aquecimento global, mas também relacionada com um ponto de vista social, ecológico, de continuidade de funcionamento da sociedade em situações catastróficas, como foi agora com a questão do Covid – aquilo a que eles chamam resiliência - e de alterações do tecido social, como por exemplo relacionadas com o envelhecimento da população. Vai haver muito dinheiro a ser investido nestas áreas, durante os próximos sete anos em particular, do qual Portugal poderá beneficiar. Apesar de recebermos uma fatia relativamente pequena, para a dimensão da economia portuguesa vai ser muito dinheiro que vai ser investido e vai ter espaço para projetos que endereçam estas temáticas. A sustentabilidade económica, a sustentabilidade a nível ambiental, a produção e gestão energética, a gestão de saúde, de envelhecimento ativo, portanto, tudo o que passe pela sustentabilidade na sociedade como um todo, vai ser bastante promovido pela Comissão Europeia. E, eu diria que nós enquanto país, se formos espertos, devemos começar a focar-nos nos projetos técnico-científicos e empreendedores, que abordam estas temáticas, proativamente, e não reativamente, como costumamos fazer.

What does the new European framework for investment bring to these areas?

The new investment framework is based on some interesting concepts. There is a strong focus from the European Commission on health and sustainability. Sustainability in terms of energy and global warming issues, but also from a social, ecological point of view, the continuity of society’s functioning in catastrophic situations, as it was now with the Covid issue - what they call resilience - and changes in the social fabric, for example, related to the aging population. There will be a lot of money to be invested in these areas, during the next seven years in particular, from which Portugal can benefit. Although we will receive a relatively small amount, for the size of the Portuguese economy there will be a lot of money that will be invested and there will be room for projects that address these themes. Economic sustainability, environmental sustainability, energy production and management, health management, active aging, therefore, everything that involves sustainability in society as a whole will be heavily promoted by the European Commission. And, I would say that we as a country, if we are smart, should start focusing on technical-scientific and entrepreneurial projects, which address these issues, proactively and not reactively, as we usually do.

O David é public speaker internacional, mas não esconde a sua preferência por fazer as suas intervenções em Portugal. Por alguma razão especial?

Porque acho que muito do que eu tenho para dizer na Europa e por esse mundo fora tem muita aplicabilidade em Portugal. E Portugal tem uma vantagem: somos um país pequenino. Somos suficientemente pequenos para sermos ágeis. Uma das recomendações que dou quase sempre às startups quando estou a ‘mentorá-las’ é que utilizem Portugal como um mercado de teste, porque é um mercado limitado, é um mercado onde se chega rapidamente às pessoas, que está habituado a lidar com mudanças tecnológicas e sociais bastante grandes. Se recordarmos, Portugal foi um país onde as comunicações móveis entraram muito rapidamente, onde os smartphones entraram muito rapidamente, onde o uso de internet entrou muito rapidamente e, portanto, Portugal tem o potencial de ser um laboratório para a Europa e, quem sabe, para o resto do mundo. E nós, creio, não aproveitamos o suficiente esta característica, porque acho que acabamos por nos focar mais nas limitações de sermos pequenos (risos). Acredito que muitas das ideias que eu defendo em sessões de public speaking que faço, que são relacionadas com impacto social do empreendedorismo e da tecnologia, Portugal podia estar na fila da frente das experiências de novas soluções e ser líder mundial. Como português, gostaria de ver Portugal a aproveitar esse potencial e tento berrar isso aos portugueses sempre que posso (risos), o que não quer dizer que seja muito ouvido, mas pelo menos faço a minha parte.

You are an international public speaker, but you don’t hide your preference for speaking in Portugal. Is there a special reason?

Because I think that much of what I have to say in Europe and around the world has a lot of applicability in Portugal. And Portugal has an advantage: we are a small country. We are small enough to be agile. One of the recommendations I almost always give to startups when I’m ‘mentoring’ them is to use Portugal as a test market because it’s a limited market, a market where people can be reached quickly, which is used to dealing with quite big technological and social changes. If we remember, Portugal was a country where mobile communications entered very quickly, where smartphones entered very quickly, where internet use entered very quickly, and therefore Portugal has the potential to be a laboratory for Europe and, who knows, for the rest of the world. And we, I think, don’t take enough advantage of this characteristic, because I think we end up focusing more on the limitations of being small (laughs). I believe that many of the ideas that I defend in public speaking sessions that I do, which are related to the social impact of entrepreneurship and technology, Portugal could be in the front row of experimenting with new solutions and be a world leader. As a Portuguese, I would like to see Portugal take advantage of that potential, and I try to scream that to the Portuguese whenever I can (laughs), which doesn’t mean they listened to me too much, but at least I do my part.

Relativamente ao investimento em startups…

Nós em Portugal não temos uma cultura de investimento em ideias e startups. Se olharmos para o capital de risco em Portugal, vemos que este é quase incipiente quando comparado, por exemplo, com os EUA. Existe uma mão cheia de players que, apesar de investirem bem (temos algumas pessoas de muita qualidade a trabalhar neste espaço), as quantias que investem são na maioria dos casos baixas. Na minha opinião, tentou-se promover o empreendedorismo em Portugal começando da maneira errada. Aquilo que temos observado ao longo dos anos é que há um grande “drive” para os municípios e para as entidades governamentais promoverem aceleradoras e escritórios de cowork, e muitas outras coisas que não vamos dizer que não fazem falta, porque efetivamente cumprem o objetivo de proporcionar um espaço e infraestrutura básica. Mas, se eu pegar num vaso e lhe puser terra e uma semente e depois não a regar, não importa o quão bonito é o meu vaso, nem quão grande é o meu vaso, ou quantos vasos eu tenho. Portugal, por via de não ter capital de risco a funcionar de uma forma eficaz, não tem água para regar as empresas e a grande maioria delas, quando estão a tentar fazer coisas realmente novas e disruptivas, acabam por se apoiar em fundos comunitários e fundos estatais, que não estavam minimamente preparados e desenhados para apoiar uma startup em crescimento rápido, ainda que tenham melhorado com o novo quadro Horizonte Europa. Nós podemos criar programas de aceleração, mas aquilo que vai acontecer é que as startups vão ser aceleradas e depois não encontram um ambiente para crescer e florescer.

Regarding investment in startups...

In Portugal, we don’t have a culture of investing in ideas and startups. If we look at venture capital in Portugal, we see that it is almost incipient when compared, for example, to the US. There are a handful of players that, despite investing well (we have some talented people working in this space), the amounts they invest are mostly low. In my opinion, we tried to promote entrepreneurship in Portugal starting in the wrong way. What we have observed over the years is that there is a big “drive” for the municipalities and government entities to promote accelerators and coworking offices, and many other things that we won’t say are not necessary, because they effectively fulfill the goal of providing space and basic infrastructure. But if I take a pot and put soil and a seed in it and then don’t water it, it doesn’t matter how pretty my pot is, or how big my pot is, or how many pots I have. Portugal, for not having venture capital working in an effective way, has no water to water the companies and the vast majority of them, when they are trying to do really new and disruptive things, end up relying on community funds and state funds, which were not at all prepared and designed to support a startup in rapid growth, even though they have improved with the new Horizon Europe framework. We can create acceleration programs, but what will happen is that startups will be accelerated and then not find an environment to grow and flourish.

E qual é que seria a melhor solução para inverter esta situação?

A mais importante seria começar a haver investimento de capital de risco em Portugal, haver um maior esforço do Governo português, em promover a entrada de investidores para investir em startups e em apoiar os investidores já a operar no nosso país. Os nossos Governos adoram ir buscar investidores para construir fábricas, mas investidores em startups, investidores em novos projetos de tecnologia nova, continuam a ser poucos. Depois, o Governo português devia mudar a lei. Grande parte das ferramentas legais de investimento, daquilo que são as opções, os equity deals, as stock options, as ferramentas de criação de contratos de investimento, não têm suporte na lei portuguesa, ou têm um suporte que obriga uma pessoa a contorcer-se para conseguir fazer um acordo de investimento, o que acaba por afastar muitos investidores internacionais. E já nem me atrevo a falar das barreiras burocráticas… Se falar com a maioria dos empreendedores no nosso país, eles olham, e com razão, para a Administração Central como um obstáculo ao progresso dos seus negócios, não como um parceiro. Uma vez mais, as coisas estão melhores, mas mesmo assim a nossa sociedade no geral está mal preparada para estas coisas. E o que é que acontece? As pessoas ficam muito surpreendidas com o facto de os empreendedores e empresários portugueses, que criam cá as suas empresas, porque é o seu país e é onde vivem, irem para fora, para o Reino Unido e para a Holanda. Nós, portugueses, que somos um povo que gosta muito de modas, era importante criarmos uma cultura de empreendedorismo e não apenas mais uma moda passageira.

And what would be the best solution to reverse this situation?

The most important would be to start having venture capital investment in Portugal, to have a greater effort by the Portuguese government to promote the entry of investors to invest in startups and to support investors already operating in our country. Our governments love to go get investors to build factories, but investors in startups, investors in new technology projects, are still few and far between. Then, the Portuguese government should change the law. Most of the legal tools for investment, such as options, equity deals, stock options, and tools for creating investment contracts, are not supported by Portuguese law or are supported in a way that forces a person to bend over backward to make an investment agreement, which ends up keeping many international investors away. And I don’t even dare to talk about the bureaucratic barriers anymore... If you talk to most entrepreneurs in our country, they rightly look at the Central Administration as an obstacle to the progress of their business, not as a partner. Again, things are better, but still, our society, in general, is ill-prepared for these things. And what happens? People are very surprised that Portuguese entrepreneurs and businessmen, who set up their companies here, because this is their country and this is where they live, go abroad, to the United Kingdom and to Holland. We Portuguese, who are a people who love trends, it was important to create a culture of entrepreneurship and not just another passing trend.

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