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Eduardo de Souza Martins
Nunca o agronegócio brasileiro enfrentou um desafio tão complexo e importante na conjugação da busca por competitividade e desempenho socioambiental. A globalização im- põe não só custos competitivos, mas também processos produtivos capa- zes de atender a requerimentos am- bientais e trabalhistas verificáveis.
Ao mesmo tempo em que ocorre o aumento da demanda por produtos agrícolas no Brasil e no mundo, nos- sas commodities sofrem questiona- mentos socioambientais crescentes.
A dificuldade de adequação para a nova realidade é imensa, sobretudo nas condições brasileiras, onde con- vivem, e muitas vezes integram-se, realidades díspares, em geral deter- minadas por diferenças regionais e de setores produtivos. O desafio pode ser anunciado, utilizando o difundi- do conceito de sustentabilidade: Que sentido e como o agronegócio irá tratar os limites ambientais? Qual é a capacidade do setor de promover e compartilhar prosperidade? Que paisagem a agricultura no Brasil vai deixar de legado para as próximas gerações? O tema da sustentabilidade cres- ceu nos últimos vinte anos, mas veio para fincar raízes e alterar o funciona- mento da vida moderna. Mesmo que o conceito, muitas vezes, seja con- troverso e utilizado em função das conveniências das partes envolvidas, parece inevitável lidar com os limites do uso de recursos e os comprometi- mentos dos bens comuns, em escalas nacional e mundial, como os recursos hídricos e a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera.
Diante da possibilidade de crises e a necessidade de controle, o concei- to de sustentabilidade, que, no início, funcionou como formulação política, 12
Eduardo de Souza Martins Diretor da E.labore Assessoria Estratégica em Meio Ambiente Por uma Agenda Sociambiental para o agronegócio
facilitando entendi- mentos da diplomacia internacional, hoje se torna operacional, por vários caminhos. Os mecanismos de contro- le e comando criaram os licenciamentos e autorizações, os instru- mentos econômicos e de mercado vão desde exigência de avaliações independentes, até classificações diferencia- das por índices, nos principais mercados de ações do mundo.
Para a área agrícola, o tema expressa-se de forma diversa, por exem- plo, a produção orgânica, que antes era tratada com desprezo no Minis- tério da Agricultura, hoje dispõe de estrutura institucional dedicada, está regulamentado, mobiliza uma eco- nomia importante e crescente e seus produtos podem ser encontrados na maioria dos supermercados do país. Mas, o conjunto dos temas que so- mam o ambiental e a produção rural está longe de solução satisfatória.
Dispomos de uma capacidade competitiva nos agronegócios, difícil de ser superada, sobretudo se diminuir- mos internamente nossa dependência por insumos, melhorarmos a logística de transportes e continuarmos inves- tindo em tecnologia. No entanto, estas vantagens, sempre destacadas e come- moradas, são ofuscadas, quando entra em cena a agenda socioambiental.
O alcance do agronegócio sinali- za ainda para um papel estratégico, sobretudo se considerarmos sua im- portância na pauta de exportações, na contribuição para o PIB e no proces- so de integração produtiva de novos espaços econômicos do país. Porém, as dimensões econômica e estratégica não são suficientes para alterar a con- tradição com a agenda socioambien- tal. As explicações podem ser várias, mas uma deve ser considerada com atenção: o ambientalismo brasileiro, diferente dos países desenvolvidos, tem origem e prosperou no contex- to urbano e pouco criou relação com o mundo rural. Não tivemos chance de construir uma matriz de entendi- mento dos problemas ambientais, a partir da perspectiva do campo, co- mo aconteceu na Europa, no início da industrialização. Somente uma di- visão como esta pode explicar nossa incapacidade de gerar entendimentos entre ruralistas e ambientalistas, em temas tão óbvios – por exemplo, em quase todos os biomas do país, os ruralistas são os maiores detentores dos remanescentes de áreas naturais, mesmo assim são raros os esforços conjuntos entre aqueles que querem preservar e os que esperam algum re- torno pela preservação. Na realidade temos, como sociedade, uma profun- da dificuldade recíproca de entender e fazer entender as razões e possibili- dades dos ambientalistas e ruralistas.
O processo tem se agravado nos últimos tempos, com as freqüentes derrotas do setor ruralista, nas tenta- tivas de reverter normas no Congres- so Nacional, consideradas como con- quista dos ambientalistas. E também com a criminalização dos ruralistas, como os responsáveis pelo desmata- mento da Amazônia e com as dispu- tas pela liberação dos transgênicos.
Os ruralistas reclamam, em al- guns casos com razão, que as nor- mas ambientais carecem de razoa- bilidade. Não podia ser diferente se, por exemplo, olharmos para o vai-evem das disputas para a mudança e revisão do Código Florestal. Como resultado das normas sem referên- cia de realidade, da incapacidade de convergência política e da impossi- bilidade do controle pelo Poder Público, o agronegócio é um dos seto- res de menor aderência ao arcabou- ço legal ambiental brasileiro.
Para a reversão da situação, a pri- meira providência é assumirmos que a continuidade do cenário, de am- plos conflitos entre ambientalistas e ruralistas, não é interessante para a sociedade brasileira. Enfraquece um dos setores mais competitivos que dispomos. Depois, é relevante desco- brir que somos capazes de construir soluções, que são favoráveis para os dois lados. Sobram exemplos que de- monstram a possibilidade, como no caso do plantio direto ou da defesa da moratória do desmatamento da Ama- zônia, por parte da cadeia da soja.
Por fim, é necessário construir uma Agenda Socioambiental do Agronegócio e sinalizar, de forma clara, o sentido que daremos ao fu- turo da nossa produção agrícola – o Brasil é um dos poucos países que pode oferecer uma contribuição civi- lizatória, capaz de conciliar produção rural, desenvolvimento e manutenção da integridade ambiental.