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A escultura e o privilégio
A escultura e o privilégio de intervir no espaço público onde vive
Trabalhos de Luísa Perienes, maioritariamente em pedra, embelezam vários locais da cidade de Setúbal
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Inês Antunes Malta (texto)
Nasceu em Setúbal mas foi em Lisboa que se licenciou em Artes Plásticas - Escultura na então Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Corria o ano de 1979. Logo nesse ano Luísa Perienes começou a sua actividade enquanto escultora, que mantém até aos dias de hoje.
“Gostava de desenhar, decidi concorrer e entrei na então Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, que ainda não era faculdade. Tirei várias especialidades, entre as quais pedra e metais, ainda a implementação das máquinas para talhe directo”, recorda Luísa Perienes, escultora e professora na Faculdade de Belas Artes de Lisboa.
“Até ao século XIX, e ainda em parte do século XX, no caso da escultura em pedra, o escultor modelava a obra em barro, que era de seguida passada para gesso. Finalmente, um grupo de canteiros, homens especializados na escultura em pedra, copiava literalmente o modelo de gesso para a pedra”, continua esclarecendo que este era um processo que assim envolvia um elevado número de pessoas, o que acabava por se reflectir no preço da obra.
Depois de um curso intensivo de escultura em pedra com João Cutileiro, “que na altura introduziu em Portugal outro tipo de escultura, nada académica, com máquinas de corte a seco”, Luísa percebeu que “se tivesse as máquinas e acesso a uma série de rochas podia, com maior autonomia, desenvolver o seu trabalho”. A implementação destas máquinas veio revolucionar a escultura, também autonomizando o trabalho do escultor e foi assim que Luísa deu início ao seu percurso.
Sobre a inspiração que a motiva a realizar as suas obras, Luísa conta que certo dia “ao falar com um dos meus mestres da Escola Superior de Belas Artes, o mestre Euclides Vaz, perguntei-lhe pela inspiração. Ele respondeu-me: olha, filha, trabalha, trabalha!”. Estas são palavras que guarda consigo desde esse momento e que fazem para si todo o sentido: “É isto mesmo. Nós podemos ter ideias. Os escultores, os pintores, os artistas podem ter ideias. Essas ideias têm de ser trabalhadas”.
Sardinhas saltam do mar para a Rotunda das Fontainhas O trabalho de Luísa Perienes é maioritariamente realizado em pedra e em Setúbal existem vários locais onde o mesmo pode ser apreciado, a começar pela rotunda das Fontainhas.
Inaugurada a 15 de Setembro de 2014, “Sardinhas” é uma obra que consiste em três sardinhas
Viagem artística
A história da cidade pode ser contada através da escultura
em pedra, a sair do mar, apontadas ao céu, e que presta homenagem àquela que foi a principal indústria sadina desde os finais do século XIX e ao longo de boa parte do século XX e àquele que é hoje um dos principais símbolos da cidade. “Este tem sido um trabalho muito polémico. A questão da escultura ao ar livre prende-se sobretudo com o lugar onde ela está inserida, com o imaginário e com a temática que é pedida. Neste caso o tema pedido foi exactamente sardinhas”, explica a escultora setubalense. Na execução do trabalho, uma das dúvidas existentes teve a ver com a escala. “A sardinha é um peixe pequeno. Depois de vários desenhos que realizei, percebi que a haver uma representação da sardinha no seu tamanho natural, como é que isso seria perceptível? De que maneira seria visível, numa rotunda em movimento onde não é suposto as pessoas passearem?”, conta,
Nas palavras de Luísa Perienes, “a escultura tem a particularidade de ser bastante visível, dada a sua tridimensionalidade. Tem esse privilégio, intervém no espaço, seja em pequena ou em grande dimensão”.
A escultora, que considera sempre bem-vinda a ideia de que “este tipo de obras de arte possa existir na cidade”, diz ainda que “é mais interessante percorrer uma cidade e ver várias esculturas de várias épocas, que também contam um pouco da história da cidade e das pessoas que lá viveram”. Dá como exemplo o caso das representações escultóricas de Bocage e de Luísa Todi, do pintor João Vaz, de Olavo Bilac, do Calafate e de tantos outros que alindam vários espaços setubalenses. “Penso que é sempre importante haver representações, quer de personalidades, quer de outras temáticas, que contam a
Perguntei a um dos meus mestres, Euclides Vaz, pela inspiração. Ele respondeu-me: olha, filha, trabalha, trabalha!
Luísa Perienes
história da cidade”, remata.
Foto à esquerda direitos resevados, foto em cima à direita Pedro Soares e foto em baixo à direita Carlos Dutra
adiantando que a decisão acabou por ser “ampliar à escala o elemento sardinha”.
Às três sardinhas, feitas e esculpidas por Luísa, com mármores de cores diferentes, foi ainda adicionado o seu brilho. “As sardinhas têm um brilho, que decidi que seria representado por uma linha de calotes de cristal presente na escultura. Amarelos, verdes e azuis, que são as cores que encontro no lombo da sardinha”, partilha.
Para além de “Sardinhas”, ao rol de escultura pública de Luísa Perienes na cidade juntam-se Abraço, escultura pertencente ao acervo de obras de arte da autarquia setubalense que pode ser admirada na Casa da Cultura, e um relevo na Igreja de São Paulo. Também a escultura que marca presença na Fortaleza de Santa Maria da Arrábida, na parte exterior do Museu Oceanográfico, e que representa uma mulher com um búzio, conta com a sua assinatura.