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Sem falar português, MAXAKALI SÃO enganados

CRIME. Indígenas pagam mais caro no comércio e ainda têm cartões de benefícios sociais roubados

CRIME. Indígenas pagam mais caro no comércio e ainda têm cartões de benefícios sociais roubados

¬ MARIA IRENILDA

ENVIADA AO TERRITÓRIO MAXAKALI

SANTA HELENA DE MINAS E BERTÓPOLIS.

“Aqui, o nosso povo sempre foi enganado pelo não indígena. Alguns comerciantes não vendem no preço certo. Fazem o preço da cabeça deles, roubando. O carro custa R$ 20 mil, eles vendem por R$ 40 mil. Celular de R$ 500, eles vendem por R$ 2.000. Tem refrigerante de R$ 8, e vendem por R$ 15”. O desabafo, em tom de denúncia, é do professor Marilton Maxakali, que recebeu a equipe de O TEMPO na Aldeia Pradinho, onde vive com cerca de 1.100 indígenas, em Bertópolis. Formado em ciências sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Marilton conseguiu vencer a barreira do idioma, mas vê com frequência seus parentes serem enganados quando precisam ir às compras

O fato de a maioria dos Maxakali não falar português, ou mesmo os que falam não dominarem o idioma, torna-os presas fáceis para golpistas e comerciantes desonestos das cidades vizinhas às aldeias, no Vale do Mucuri. Segundo Marilton, um primo, vereador em Bertópolis, levou um prejuízo de mais de R$ 17 mil com um falso vendedor de carros. “Ele pegou o dinheiro da entrada, mas não passou o documento. Depois, veio aqui e le- vou o carro de volta”, conta.

O procurador Francisco de Paula Vitor, titular do segundo ofício da Procuradoria da República de Teófilo Otoni, explica que comerciantes e golpistas se apropriam de cartões de benefícios dos indígenas. “Na prática, são bandidos. Retêm o cartão, sacam valores e fazem empréstimos de benefícios previdenciários dos indígenas e devolvem uma porcentagem menor a eles”, explica.

“Até os cartões do Bolsa Família vão parar em mãos de estelionatários que sequer têm comércio na cidade”, acrescenta Rodrigo Horta, coordenador da Procuradoria da República de Teófilo Otoni, que atua há mais de dez anos combatendo crimes contra os Maxakali.

Em novembro passado, a Polícia Federal, junto do Ministério Público Federal (MPF), cumpriu sete mandados de busca e apreensão por estelionato, ameaça, apropriação indébita e extorsão a indígenas. Em 2020, mais de cem cartões bancários e de benefícios sociais dos Maxakali foram tomados dos criminosos e devolvidos. “A lida com dinheiro para eles é complexa porque a cultura é diferente. Essa coisa do guardar, do economizar, é uma dimensão diferente. O consumo para eles é imediato. Na problemática dos cartões, é um ponto que dificulta”, diz o procurador Francisco de Paula.

Na Carta Régia de 13 de maio de 1808, o príncipe regente de Portugal, dom João VI, declara as chamadas

“Guerras Justas” aos botocudos e aos Puri, residentes nas regiões mineiras Central e Zona da Mata para “defender os colonos e proteger as propriedades das incursões indígenas”. A medida foi o ponto culminante de uma longa disputa por territórios férteis ocupados pelos povos originários, que ganharam importância com a decadência da atividade minerária e a busca de canais de escoamento de produtos para o Espírito Santo, desde meados de 1760. A guerra provocou a diáspora dos povos indígenas, que fugiram para a região do Rio Doce, o Vale do Mucuri e a divisa com o Espírito Santo. Os que permaneceram foram mortos ou aculturados.

Conflito por terra é recorrente

Aldeias ficam em quatro municípios; a distância entre algumas delas chega a 100 km

¬ As primeiras demarcações de território foram na década de 1950, quando a Fundação dos Povos Indígenas (Funai) comprou duas fazendas e as doou aos Maxakali. Ainda assim, as áreas são alvo de conflito com fazendeiros, que ignoram a delimitação e colocam gado no pasto vizinho. Para o professor Marilton Maxakali, não adianta chamar a polícia, pois a prática criminosa sempre volta. A PF, atendendo ao MPF, instaurou inquérito para apurar as invasões. No fim de 2022, quatro fazendeiros foram intimados. (MI)

Fevereiro de 1987. Território só foi homologado pela Funai após massacre que matou três lideranças

Os 15 pistoleiros envolvidos no massacre foram julgados e condenados, mas estão livres. O julgamento foi realizado pela Justiça Federal em BH em setembro de 1988. O grileiro Francisco de Assis Amaro recebeu a maior pena: 27 anos. Germano Gonçalves foi condenado a 20 anos e seis meses; Roberto Freire Alkimim e Sebastião Vidoca a 12 anos; Claudomiro Vidoca a dois anos e seis meses. Eles foram condenados por genocídio, lesões corporais, invasão de domicílio e formação de quadrilha. Após cumprirem um terço da pena em regime fechado, foram soltos.

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