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Para além da aldeia

Riqueza. Povos indígenas levam para o mundo a beleza e a profundidade dos seus territórios

Cineasta premiado mostra quem são os Maxakali

ENVIADA AO TERRITÓRIO MAXAKALI

Arte como instrumento de contar história

¬ QUEILA ARIADNE

ENVIADA AO TERRITÓRIO XAKRIABÁ

SÃO JOÃO DAS MISSÕES. É a fase da lua que d etermina o melhor momento para pegar o barro que vai ser moldado e transformado em peças de cerâmica. “Tem que saber a hora da coleta para evitar trincas”, explica o ceramista Nei Leite Xakriabá, 42. Ele, que incorporou a etnia no nome para transmitir a história do seu povo, aprendeu a modelar observando a mãe fazendo bichinhos do Cerrado e conversando com os mais velhos sobre as técnicas que estavam guardadas na memória. Hoje, Nei repassa tudo que aprendeu aos alunos da Aldeia Barreiro Preto, em São

João das Missões, no Norte de Minas, e expõe seu trabalho pelo Brasil e pelo mundo.

No início, quando começou a participar de feiras, Nei relutava em assinar suas peças. “Aqui, no território, todo mundo é artista. Eu sei fazer cerâmica, mas outra pessoa sabe lançar arco e flecha, outra faz um trançado, um cesto. Não é um conhecimento meu, é um conhecimento coletivo. Então passei a assinar Nei Leite Xakriabá, para trazer essa coletividade”, destaca o artista.

Para ele, a arte assume um papel muito importante para transmitir as tradições às gerações mais novas, mas também para contar a história do povo indígena além da aldeia. “Nas feiras, con-

“Não é um conhecimento meu. É um conhecimento coletivo.”

Nei Leite Xakriabá Ceramista verso com muita gente desinformada sobre a cultura indígena, que acaba tendo uma visão genérica e ultrapassada do passado, porque foi o que aprenderam. Eu começo a explicar que o Brasil tem mais de 300 etnias diferentes, que falam diversas línguas e têm costumes distintos”, explica.

“Eu conto que os Xakriabá têm mais de 400 anos, estão aqui desde a chegada dos bandeirantes, que passamos por violências e perda de território, que fomos expulsos das margens do rio São Francisco. Com essas conversas, muita gente passou a trocar os equívocos por alianças. Fico feliz quando eles me falam que vão embora com uma visão diferente. A arte indígena tem esse papel, de levar a nossa realidade para as pessoas”, destaca Nei.

Formado em educação indígena pela UFMG, Nei foi escolhido pela aldeia para ser o professor de cultura na Barreiro Preto. “Precisei adaptar a aula, porque o modelo de 50 minutos não era suficiente. Trocamos a hora do relógio pela hora do barro. Os alunos saem com a gente para coletar o barro. Depois aprendem a produzir a tinta com a raspagem da pedra toá e a fazer o polimento com a semente de mucunã. E, por último, a oficina da queima. Aprendem todo o processo e, no final, levam as peças. Além de fortalecer a cultura, que é o objetivo principal, tem o lado da geração de renda com o artesanato”, observa.

“Se eu fico conhecido, eles ficam também. Se eu ganho um prêmio, eles ganham também.”

Isael Maxakali Cineasta

TEÓFILO OTONI. Luz, câmera e a história ancestral de um povo para ser contada – e preservada. Com mais de 20 filmes produzidos, o cineasta Isael Maxakali, 46, encontrou na sétima arte o caminho para realizar seu maior sonho: mostrar ao mundo a cultura e a língua Maxakali. “Queria clarear o povo Maxakali, mostrar quem somos. Sempre estivemos debaixo da coberta, na escuridão”, conta o indígena. A empreitada não foi fácil. Pegou uma câmera, pela primeira vez, no início dos anos 2000, na Aldeia Água Boa, em Santa Helena de Minas, no Vale do Mucuri. Os primeiros vídeos saíram com enquadramentos tortos e imagens tremidas. Deixou a aldeia e foi para Belo Horizonte fazer oficinas de vídeo para aprimorar a técnica. Uma delas foi ministrada pelo cineasta indígena Divino Tserewahú no festival forumdoc.bh, em 2004. “No começo foi difícil. Tinha medo de estragar a câmera, e a tecnologia era novidade”, lembra Isael em entrevista a O TEMPO, na Aldeia Escola Floresta, em Teófilo Otoni. Ele e mais 36 famílias se mudaram para lá depois de uma ruptura na Aldeia Verde, em Ladainha, em setembro de 2021.

A primeira produção como cineasta veio em 2007. “Meu primeiro filme foi ‘Fim de Resguardo’. É sobre resguardo de casal indígena.Quando nasce a criança, as mulheres não podem comer carne, e os maridos, também não. Não podem coçar com a unha. Contei um pouco da cultura Maxakali”, conta. Nos anos seguintes, o indígena intensificou as produções, ao lado da mulher e também cineasta, Sueli Maxakali. Entre longas e curtas-metragens, animações e desenhos, alguns títulos receberam especial atenção da crítica e do público. Um deles é “Konãgxeka: O Dilúvio Maxakali”, um curta exibido em festivais nacionais e internacionais. Outra obra de destaque é “Grin”, dirigido por Isael e pelo cineasta, roteirista e diretor Roney Freitas – exibido e premiado na 21ª Bienal Sesc_Videobrasil.

O trabalho como cineasta é também uma forma que o ativista indígena encontrou para conscientizar o público sobre a importância da preservação da diversidade cultural e da proteção dos direitos dos povos indígenas. Em 2020, Isael Maxakali venceu o prêmio Pipa Online – um dos mais importantes de artes visuais do país. “Com o meu trabalho, eu cresço e fortaleço os Tikmu’un - Maxakali na língua deles. Se eu fico conhecido, eles ficam também. Se eu ganho um prêmio, eles ganham também!”, escreveu em sua bio, na página do prêmio Pipa. Em 2020, Isael ganhou o mundo. Foi premiado no Festival Sheffield, na Inglaterra, com “Nuhu yãg mu yõg hãm: Essa Terra É Nossa!” –em parceria com os cineastas Carolina Canguçu e Roberto Romero. O documentário foi exibido em festivais de cinema em Portugal e no Canadá. No Brasil, venceu a 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes.

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