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Futebol é orgulho Krenak e aliado na defesa da etnia
Além das 4 linhas. No Vale do Rio Doce, indígenas se organizam em times feminino e masculino
¬ BRUNO MATEUS
ENVIADO AO TERRITÓRIO KRENAK
RESPLENDOR E CONSELHEIRO PENA
Viviane Damaceno Krenak, 42, é a orgulhosa zagueira do Dhukunãn Krenak Futebol Clube, time feminino da aldeia Krenak, situada entre Resplendor e Conselheiro Pena, na região do Rio Doce. Toda segunda, quarta e sexta-feira, ela e suas companheiras só saem do treino no campinho do território indígena quando a noite começa a colorir o céu e as estrelas brilham com mais nitidez. Cansadas e felizes na mesma intensidade, elas se reúnem aos pés de uma árvore para tomar água, descansar e falar amenidades. Em seguida, cada uma vai para sua respectiva casa com o mesmo sentimento daqueles garotos do saudoso Eduardo Galeano, que um dia acabaram de jogar uma pelada e voltaram para casa cantando: “Ganamos, perdimos, igual nos divertimos”.
Já é noite na Aldeia Krenak quando Carlinhos Ita, 27, deixa o gramado após mais um treino do Krenak Futebol Clube, time masculino da etnia. O defensor e os outros jogadores só param a bola ao perceberem que a escuridão tomou conta do campo e tornou o jogo tão confuso que alguém teve de gritar: “Chega, parei!”. No fim das contas, o empate em 4 a 4 deixou a todos satisfeitos.
Viviane Krenak e Carlinhos Ita têm consciência da importância de vestir o uniforme verde. Verde da esperança, cor que também representa a história, a cultura e a memória de uma etnia que por diversas vezes foi forçada a deixar sua terra, mas resistiu bravamente, voltou a Minas Gerais e desde meados dos anos
1990 ocupa o solo que lhes pertence.
ORGULHO EM VESTIR A CAMISA. “Orgulho demais por jogar no time da aldeia, da minha cultura. Quando visto aquela camisa escrito Krenak, rapaz, eu me sinto bem. Com meus parentes, a gente luta pelo time. Quando vestimos a camisa, ficamos com mais força e vontade. Nossa ideia é levar o time para fora, para todo mundo conhecer quem é o time Krenak”, diz Carlinhos Ita.
O Krenak Futebol Clube, fundado há mais de 30 anos, se prepara para disputar a etapa regional dos Jogos Indígenas neste semestre. Se conseguir a classificação, participará da fase final em Brasília, no mês seguinte. Antes do campeonato, porém, o zagueiro já se concentra num só objetivo: “Queremos muito levar o nome Krenak. Antes dos jogos, a gente canta e dança para ter mais força, fala na nossa língua (Itchok
Território Xakriabá tem mais de 25 equipes
G No território Xakriabá, o futebol começou a ser inserido em 2005, principalmente como um trabalho social com os mais jovens. “Fomos organizando aos poucos, e esse esporte passou a ajudar no combate às drogas, ao uso excessivo de álcool. Faz muita diferença”, conta um dos fundadores do projeto, João Fiuza Xakriabá.
Atualmente, a comunidade conta com mais de 25 equipes, entre masculinas e femininas.
“Das oito olimpíadas estaduais que participamos, ganhamos cinco com os meninos. As mulheres venceram todas”, acrescenta.
Segundo Fiuza, indígenas já chegaram a se destacar em equipes profissionais, mas a falta de apoio financeiro foi um empecilho. “Temos muito talento aqui, vamos mostrar isso nos jogos, e tenho certeza de que estamos muito bem representados”.
Agora, a comunidade se prepara para o Campeonato Nacional de Futebol Indígena, que acontece entre as etnias das cinco regiões do país. As datas ainda não foram divulgadas. “Focamos todas as idades, temos também os veteranos, que não deixamos de dar suporte. Ainda disputamos com não indígenas, principalmente da região”, finalizou.
(Lucas Morais)
Krenak Futebol Clube, fundado há mais de 30 anos, está se preparando para disputar a etapa regional dos Jogos Indígenas borum) e vamos pra cima”.
O futebol pode ser só um esporte de 11 contra 11 para quem não enxerga o caráter social, poético, político e histórico desse jogo milenar. No ludopédio Krenak, esse aspecto, que transborda as quatro linhas, corre junto à bola lado a lado no gramado
“Eu me sinto honrada quando entro em campo para defender nosso time Krenak e muito orgulhosa por saber que estou ao lado das meninas da minha aldeia, das mulheres do meu povo, da nossa comunidade”, sublinha Viviane, que tem nora, filhas, primas e amigas como companheiras de equipe.
As meninas do Dhukunãn Krenak Futebol Clube, time em atividade desde a década de 1990, também vão participar dos Jogos Indígenas. O resultado é importante, claro, porque todas querem vencer quando a bola rola, mas há algo que transcende os números do placar da partida: “Sempre falo com elas que é importante saber perder e ganhar, faz parte do esporte. Temos que respeitar todas as mulheres, mostrar que somos indígenas e capazes de termos nosso futebol”.
Viviane Krenak
Zagueira