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Mineração acirra luta por território na Grande BH
Busca por direitos. Exploração mineral e rompimento de barragem intensificaram conflitos fundiários
Cacique
“Já passamos pela Bahia, por Caldas e Presidente Olegário, sempre de forma provisória. Queremos um território para preservar o meio ambiente, as águas e o nosso projeto de vida, que é igual a esse cocar: de esperança, luta e garra. E é em cima dele que tenho uma mensagem: os invasores aqui certamente não somos nós.”
Em Brumadinho, indígenas Em Brumadinho, indígenas de etnias diferentes de etnias diferentes lutam pelo direito à terra lutam pelo direito à terra
¬ LUCAS MORAIS BRUMADINHO. Sob o sol forte típico do fim do verão, o canto e a dança milenar si zam a resistência de um povo.
Em cada rosto e no peito, desenhos homenageiam os antepassados mortos por conflitos que insistem em não cessar desde a invasão portuguesa ao Brasil, no século XVI. No território cercado por matas e uma lagoa, em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, a união de quatro povos busca um direito básico: o acesso à terra.
Caciques e cacicas Pataxó, Pataxó Hãhãhãe, Xukuri-Kariri e Kamakã-Mongoió, juntos com outros membros das comunidades, relatam os problemas fundiários que foram ainda mais agravados pela mineração. Enquanto o povo Yanomami briga contra o garimpo ilegal, em Roraima, a mais de 3.000 km de distância, como mostrou o caderno especial de O TEMPO em fevereiro, em Minas um dos embates é com a exploração de minério.
Sem condições de viver na cidade, diante do preconceito e da falta de estrutura para a manutenção das tradições, parte da comunidade Pataxó Hãhãhãe que vivia na região do Barreiro, na capital, segue rumo à esperança de viabilizar um novo território em Esmeraldas, próximo ao rio Paraopeba. Era janeiro de 2017 quando criava-se a aldeia Kamakã, em um terreno da Fundação Caio Martins (Fucam). Dois anos depois, o inimaginável aconteceu: o rompimento da barragem da Vale na mina de Córrego do Feijão, além de matar 272 pessoas, levou 13 milhões de tos para o leito do Paraopeba, inviabilizando a pesca e o uso da água até hoje. Com o crime ambiental, vieram a insegurança alimentar e conflitos internos entre indígenas.
O conflito pela terra gerou dois grupos de indígenas: um deles segue no território; outro ficou provisoriamente em Belo Horizonte e, depois, acabou se estabelecendo em terreno da mineradora, no distrito de Córrego de Areia, em Brumadinho.
“O grande espírito nos levou até lá, pela necessidade de termos uma terra. Estamos em Minas há mais de 40 anos, desde que fomos expulsos da aldeia-mãe, na Bahia. Queremos dar continuidade para nossa etnia, mas sofremos muita opressão, vigiados pela Vale com drones e até pessoas armadas”, conta a cacica Katarã Kamakã, 61. Segundo ela, o novo território viabilizou a formação de uma aldeia multiétnica, que acolheu outros povos, além dos Kamakã Mongoió.
Mais de 50 famílias seguem em esmeraldas
¬ Sem sequer terem sido reconhecidas como atingidas, 52 famílias indígenas seguem em Esmeraldas, na RMBH, lutando por um território, quatro anos após o rompimento da barragem Córrego do Feijão. “Na cidade não tem como viver, não dá para plantar, ter as criações, defender a sustentabilidade”, diz a cacica Pataxó Hãhãhãe, Marinalva Maria de Jesus, 61. Segundo ela, a comunidade ainda precisou enviar as crianças para BH todos os dias para a escola. “Muitas aldeias conseguiram colocar de pé suas escolas; nós não tivemos apoio nenhum.” (LM)
Esperança de recomeço com terra
G
Na língua Xukuri-Kariri, Uaimanã representa a luta e a esperança. E foi esse o nome escolhido para o primeiro indígena que nasceu na Aldeia Arapowã Kakyá, em dezembro. Há pouco mais de um ano, um grupo de Xukuri-Kariri chegou a uma fazenda abandonada da mineradora Vale, em Brumadinho, após meses de promessas por um território provisório cedido pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
“Uaimanã é meu filho, cujo nome simboliza nossa resistência. Enfrentamos uma luta com a Vale, sendo perseguidos e até interditados para a chegada de alimentos, água e energia no território”, aponta o cacique Arapowanã Xukuru Kariri, 32.
CONFLITOS. Ao todo, 17 famílias construíram suas casas e salas de aula para 22 crianças no local e, até o momento, já plantaram mais de 2.500 mudas. A etnia é originária de Palmeira dos Índios (AL), mas parte do grupo deixou a terra natal há décadas por causa de conflitos fundiários e até assassinatos. “Passamos pela Bahia, por Caldas (Sul de MG) e Presidente Olegário (Alto Paranaíba), sempre de forma provisória. Queremos um território fixo, para preservar o meio ambiente, as águas e nossos costumes”, diz. (LM)
Habitação. Etnias que vieram da Bahia para Minas na década de 1950 ainda lutam por território próprio
Cacica Ãngohó. Pataxó luta para que seu povo e outras etnias conquistem seus sonhos