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Povo Pataxó busca por reparação secular

¬ LUCAS MORAIS BRUMADINHO “Na memória do nosso povo tem histórias tristes, de medo, de alegria, de sofrimento, de fracasso, de êxito e coragem”. Retirado do livro “Cada Dia É uma História”, de autoria dos professores Kanátyo, Poniohom e Jassanã Pataxó e publicado pela Secretaria de Estado de Educação em 2001, o trecho resume parte do sofrimento de toda uma etnia que já perdura séculos. Era 1951, quando a demarcação do território indígena Pataxó em Barra Velha, distrito de Porto Seguro, no litoral Sul da Bahia, se transformou em um conflito com derramamento de sangue: policiais chegaram atirando, e parte da comunidade precisou sair às pressas. Um dos destinos de quem escapou foi Minas Gerais, principalmente a região metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

SONHO DE RECONSTRUÇÃO. “Parte dessas famílias veio para Minas Gerais e passou a viver sobretudo na capital, mas também em Sarzedo e Ibirité. Desde então, esses grupos vêm se organizando para reaver um território próprio, já que perderam os vínculos com seu território tradicional”, diz o gerente de Reparação Socioeconômica do Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab), Luciano Marcos da Silva. Passados quase 70 anos, mais uma vez esse povo convive com a divisão entre as famílias, mas desta vez a mineração é a principal causa.

Assim como ocorreu décadas antes na Bahia, as aldeias criadas em Brumadinho, São Joaquim de Bicas e Esmeraldas dois anos antes do rompimento da barragem da Vale, que dizimou o leito do rio Paraopeba, vi- ram o sonho de reconstruir toda uma cultura se perder em poucas horas. “Eles viviam em territórios amplos, onde as famílias organizavam seus clãs. É claro que, com a situação de insegurança alimentar, as indefinições, sem nenhum tipo de apoio por parte da empresa nem o reconhecimento dos danos, aumentam e tensionam ainda mais as questões”, argumenta Silva.

ÁGUA COM LAMA. Sobre a aldeia NaôXohã, o gerente da Nacab pontua que a situação é mais grave, já que a população vivia a menos de 200 m do rio. “Com o rompimento, eles foram uma das primeiras vítimas, onde a lama chegou com muito mais intensidade. Houve uma dispersão das famílias, entre núcleos na periferia da região metropolitana, no Taquaril (bairro de BH) e também na aldeia Katurãma (criada em São Joaquim de Bicas). Outros seguiram na comunidade, que teve boa parte da estrutura inundada e destruída pelas cheias de 2021”, acrescenta Luciano da Silva.

MANUTENÇÃO DA CULTURA. Para ele, o problema fundiário, intensificado pela Vale nos últimos anos, é o maior desafio da população indígena que vive na RMBH. “Eles querem permanecer enquanto povo, querem manter suas culturas, ter uma educação e os meios necessários para ter renda. Para eles, a reivindicação número um é ter as terras reconhecidas, porque isso permite que se reorganizem de novo além de políticas públicas efetivas”.

Conforme o último Censo do IBGE, divulgado em 2010, na Grande BH vivem 7.979 indígenas, de 18 etnias diferentes, sendo 3.477 só na capital mineira.

Enquanto o imbróglio das reparações se arrasta, uma família Pataxó Hãhãhãe chegou a viver de forma improvisada em curral de uma fazenda em Brumadinho. Sem alternativa, outra parte do núcleo se abrigou embaixo de uma caixa-d’água na mesma localidade.

“Fizemos denúncia ao Ministério Público Federal, que visitou o local. Assim que a Vale descobriu, imediatamente tirou esse pessoal e o levou para uma pousada. Só assim que fizeram algo”, conta o cacique Arakuã Pataxó. Em nota, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) disse que tem acompanhado as comunidades da RMBH e solicitou apuração das denúncias de violações de direitos na aldeia Katurãma.

AGRÍCOLAREFORMATÓRIOINDÍGENA(1969)AGRÍCOLAINDÍGENA

Sob a inspiração do Ato Institucional nº 5 (AI-5), entre o fim dos anos 1960 e o fim dos anos 1970, a Funai administrou dois centros para detenção de “infratores”. O primeiro deles, o Reformatório Agrícola Indígena Krenak, em Resplendor, em 1968, e o segundo, a Fazenda Guarani, em Carmésia, em 1972. Ambos foram chamados de “campos de concentração” no relatório da Comissão da Verdade. Os indígenas eram obrigados a uma rotina de oito horas diárias de trabalho forçado, vivendo em celas isoladas, sob espancamentos e torturas. O reformatório Krenak recebeu mais de 150 pessoas de quase duas dezenas de povos, com o objetivo também de dividir os indígenas e facilitar a ocupação de territórios por posseiros. Em 1973 foram transferidos para a Fazenda Guarani, em condições igualmente precárias.

Procurador Aponta Falhas Em Acordo

Empresa diz que mantém diálogo

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Passados mais de quatro anos do crime da Vale em Brumadinho, a empresa não contratou consultoria independente para avaliar os impactos causados à população indígena na bacia do Paraopeba. Ainda assim, foi aceito pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) o acordo de reparação, que, entre outras medidas, prevê fundo de R$ 22,5 milhões para ações diversas. Em março, o órgão decidiu que a mineradora contrate assessoria técnica para os indígenas.

O procurador da República Helder Magno da Silva aponta falhas no acordo, como a quitação inte- gral pelos danos passados, presentes e futuros – com isso, as comunidades nada mais poderiam contestar. “Aleatoriamente, a Vale ditou um valor e não se sabe se equivale ao que é devido aos indígenas”, diz. Magno alega que a mineradora se aproveita da condição dos indígenas, inclusive pressionando lideranças. “Na relação de direitos humanos e empresas, temos princípios chamados orientadores, criados pela ONU, que são proteger e reparar. E a Vale não tem observado essas obrigações, produzindo, constantemente, violações aos direitos humanos”. (LM)

¬ A Vale informou, por nota, que busca manter diálogo com os indígenas de Brumadinho e Bicas, respeitando suas tradições: “Os acordos celebrados com os Pataxó e os Pataxó Hãhãhãe foram construídos respeitando sua organização interna. Eles foram assistidos por advogados escolhidos por eles, e antecipamos parte dos pagamentos pelos danos”. Com relação aos indígenas que ocupam terreno da empresa, informou que “as propriedades são particulares e não se trata de territórios indígenas tradicionais, motivo pelo qual a ocupação configura uma invasão ilegal, cuja análise é feita pelo Judiciário”. (LM)

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