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Uma rotina de discriminação na cidade grande
¬ LUCAS MORAIS
No coração de Belo Horizonte, mais conhecido como “praça Sete”, no hipercentro, mais de 2 milhões de pessoas circulam todos os dias entre os quatro quarteirões fechados batizados como Maxakali, Xakriabá, Krenak e Pataxó. Da Tamoios à Tupis, da Carijós à Timbiras, da Guajajaras à Aimorés, as ruas abrigam prédios imponentes, comércio e repartições públicas que passaram a fazer parte do cotidiano belo-horizontino. Os nomes carregam algo em comum: de povos indígenas tradicionais que ajudaram a construir o país. Mas a homenagem, que mais parece “póstuma”, fica apenas nas placas, e a cultura indígena real é praticamente ignorada no corre-corre da capital mineira.
“Muitas ruas e espaços têm nomes indígenas – o Edifício Acaiaca, os shoppings Oiapoque e Xavantes –, mas não temos o direito de expor nosso artesanato nesse território urbano. E ainda nos chamam de ‘aproveitadores’”, resume a cacica Ãngohó Pataxó.
Do mesmo sentimento compartilha a pataxó Elísia Nascimento, 64, que vive no bairro Taquaril, na região Leste da capital, há mais de 30 anos. “Se você for para a Amazônia afora ou algum outro território tradicional, vê indígena sem roupa, mas eles estão na sua cultura, na natureza. Eu estou na cidade e não deixo de ser indígena Pataxó por estar vestida como as brancas”, diz.
De volta à cidade
Depois de décadas na cidade, o sonho de ter um território para viver a cultura e as tradições Pataxó estava se concretizando, em 2017. Com outros indígenas, Elísia e a família fundaram a Aldeia Naô-Xohã, às margens do Paraopeba, em São Joaquim de Bicas. “Retomamos costumes, tinha o rio para banhar, a terra para plantar. Mas a barragem rompeu, e tudo veio abaixo”. Sem escolha, voltou para a cidade. “Assim ficou nossa vida, entre quatro paredes. Mas o indígena não quer viver assim –quer sua liberdade, quer mostrar sua cultura para netos e bisnetos”.
Os episódios de preconceito são sentidos na pele até no espaço que deveria ser de acolhimento e aprendizado: a escola. O caso ocorreu com a sobrinha de Elísia. “A professora falou que índio é bicho, que vivemos só por conta da Funai e que somos burros. Ela foi discriminada na frente dos colegas, chegou chorando, mas pediu que a gente não fizesse nada. Ela ficou chateada com tudo aquilo”, conta a tia.
DIREITO ROUBADO. Adereços típicos do povo Pataxó também viram alvo de discriminação na cidade grande, como conta Tahhão Pataxó, 57.
“Não posso usar cocar, colar nem meu maracá para cantar cânticos sagrados. Não podemos vivenciar nossa cultura, esse direito foi tomado de nós”, diz. A cacica Ãngohó, que também viveu no Taquaril por mais de um ano após o crime da Vale em Brumadinho, acrescenta que relatos como esses são comuns. “Há omissão em relação ao massacre indígena. Já temos casos de tortura, discriminação racial, expulsão de lideranças indígenas de restaurantes.
Nossa presença dentro dos ônibus sequer pode ser notada”.
Criado na cidade, Junio Nascimento, 32, diz que sempre teve vínculo com a aldeia por causa da mãe e dos avós. Mesmo assim, alega sofrer com o desprezo dos não indígenas.
“Aqui, no bairro, sofremos muito preconceito no posto de saúde, quando vamos consultar”, conta.
A Pataxó Elísia Nascimento e a família: sonho de ter um território permanece vivo
Aos 57 anos, Tahhão
Pataxó desafaba: “Não posso usar meu cocar, meu colar, não posso vivenciar minha cultura”
Venezuelanos Warao buscam refúgio em Belo Horizonte
¬ Inflação nas alturas, violência e vulnerabilidade social. Apesar da riqueza natural presente em todo o território dos indígenas Warao, oriundos do nordeste da Venezuela, a forte crise que atravessa o país já fez quase 90% da população buscar refúgio em outras localidades. E uma das escolhidas foi Belo Horizonte. Segundo a antropóloga do Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR), Isabel Campos, os primeiros núcleos familiares chegaram em fevereiro de 2020.
Atualmente, são atendidas mais de 120 pessoas, que vivem em residências mantidas pela entidade, com recursos da prefeitura da capital, no bairro Tupi, na região Norte. Porém, no último mês, a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, em parceria com o Ministério Público Federal, emitiu ofício recomendando melhorias no acolhimento. “Inspeções realizadas em fevereiro e março indicaram inúmeros problemas, como a estrutura dos imóveis, que são pequenos para o número de famílias; falta de acesso regular a serviços de saúde, educação, emprego e renda; situação de pobreza”, resume a defensora Rachel Passos. A antropóloga do SJMR garante dialogar com entidades. “Nenhum abrigo é solução duradoura, são muitos os desafios. É preciso pensar talvez um local onde possam viver em comunidade”, diz. (LM)