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currículo nacional tem uma lacuna de 508 anos

¬ CRISTIANA ANDRADE

Foram necessários 508 anos para o ensino da história dos mais de 265 povos originários se tornar obrigatório por lei no currículo escolar. E, 15 anos depois de a Lei 11.645/2008 entrar em vigor, ela ainda não surtiu efeito em sala de aula. “Nossa realidade é completamente distorcida nos livros didáticos. Eles retratam muito os indígenas do passado, não representam a realidade do indígena contemporâneo”, diz Nei Leite Xakriabá, mestre em artes pela UFMG e professor indígena formado pela FAE/UFMG na primeira turma voltada para professores indígenas. “Além de nos deixar tristes, isso tem contribuído com o preconceito que existe contra nós”, afirma o professor Nei Leite Xakriabá.

ORIGEM. Nas salas de aula do ensino fundamental, 28,3% dos docentes afirmam abordar o tema somente em datas comemorativas (citando textualmente o 19 de Abril), e 14,1% não tratam dele no cotidiano, de acordo com levantamento realizado em 2018 por Adriano Toledo Paiva, doutor em história pela UFMG e autor do livro “História dos Povos Indígenas em Sala de Aula”.

Para Toledo Paiva, a pesquisa reflete uma grande parte do pensamento nacional que não correlaciona a origem do brasileiro aos povos indígenas. “A questão indíge- na foi relegada a um papel secundário e se limitou a lembrá-la só no antigo Dia do Índio, ao vestir crianças e jovens com saias de palha, cocar e pinturas no rosto”, diz.

CULTURA VIVA. “É possível falarmos na escola sobre essa grande diversidade: há grupos em territórios demarcados, outros em áreas não demarcadas; uns mais urbanos, outros mais isolados”, observa. “É uma cultura viva, pois, antes mesmo de os conquistadores chegarem, os originários já tinham redes de trocas e comércio entre eles. Sempre estiveram em transformação e inter-relação. Nunca foi uma cultura ultrapassada, fora do seu tempo, anacrônica, como muitos não indígenas pensam”, pontua.

Na visão de Toledo, para melhor tratar o tema indígena no cotidiano escolar são necessários cursos de aperfeiçoamento e especialização para a formação de professores não indígenas; produção de literatura feita por indígenas para escolas não indígenas; e maior divulgação das pesquisas acadêmicas do que professores indígenas produzem nas universidades.

“Tem-se produzido muito conhecimento sobre isso, mas a sociedade brasileira ainda não tem acesso ao conteúdo”, esclarece. Cursos

Pioneirismo ao formar educadores indígenas

propostos pela Secretaria Nacional da Diversidade, Promoção e Igualdade Racial deixaram de existir nos últimos quatro anos, relata.

UNIVERSIDADE. E apesar de liderarem o crescimento de 233% no percentual do total de matrículas entre beneficiários das cotas universitárias, entre os anos de 2013 e 2020, os indígenas são minoria em sala de aula: eram 2.903 matriculados em 2013 (0,25% do total), ano em que as cotas passaram a valer, e 9.685 em 2020 (0,77%), último dado do Censo da Educação Superior. Faltam também políticas públicas que ajudem a manter os indígenas nas universidades na graduação.

GOs povos originários em Minas já frequentavam a Faculdade de Educação da UFMG (FAE/UFMG), quando, em 1996, foi oficializada a Lei de Diretrizes e Bases da educação (LDB). Naquela época, as professoras Márcia Spyer, Maria Inês Almeida, Lucinha Alvarez Leite, em parceria com outros professores, como Macaé Evaristo e Kleber Gesteira, conduziam o Programa de Implantação das Escolas Indígenas (Piei), para formação em magistério para educadores indígenas, em parceria com a Secretaria de Estado de Educação (SEE). Em 1997, todas as escolas em Minas foram estadualizadas.

CONCURSO. A professora da FAE Ana Maria Rabelo Gomes explica que hoje todos os professores das escolas indígenas em Minas são indígenas, e cada um atua dentro das comunidades da própria etnia, mas não são servidores públicos efetivos. “Não há normativa jurídica administrativa até hoje para que o Estado faça um con- curso. Eles são contratados. Esta é, inclusive, uma luta atual deles, a carreira do professor indígena”, acrescenta. Segundo a assessora da Subsecretaria de Educação Básica da SEE, Iara Viana, há um grupo de trabalho debruçado sobre o tema concurso indígena. GRADUAÇÃO. “Outro pioneirismo no Estado foi quando em 2006 o Ministério da Educação criou o Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas (Prolind) com a oportunidade de cursos de graduação para professores”, diz Ana. A UFMG largou na frente e ofereceu o curso ‘Formação intercultural para educadores indígenas’ - a primeira turma formou, em 2011, 140 indígenas. Hoje, outras 26 instituições federais tem Prolind.

O projeto Saberes Indígenas na Escola, de 2013, gerou a produção de material didático e paradidático feitos pelos próprios indígenas para seus povos, a partir de seus saberes. À época, foram produzidos livros Pataxó, Maxakali e Xakriabá, em Minas, e, na Amazônia, para Yanomami e Ye’kuana. (CA)

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