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JÚLIA DE CARVALHO HANSEN

(São Paulo, 1984) É poeta, astróloga e uma das editoras das Edições Chão da Feira. Formada em Letras pela Universidade de São Paulo, é mestre em Estudos Portugueses pela Universidade Nova de Lisboa. Autora de cantos de estima (São Paulo, edição da autora, 2009 - Lisboa, Douda Correria, 2015); alforria blues ou Poemas do Destino do Mar (Chão da Feira, Belo Horizonte, 2013); O túnel e o acordeom (Lisboa, Não Edições, 2013); Seiva veneno ou fruto (Belo Horizonte, Chão da Feira, 2016).

*Senhora soberana da escarpa rochosa em declive quando for a minha vez talvez eu sinta medo talvez eu vire assombração. Quem sabe num raio, num muro ou encolhendo passo a passo trincarei a mandíbula tentando barrar na boca o pastoso da paz. Não se impede o anoitecer. Serei o animal que pelo peito morre no mesmo peito em que viveu coberta por pedras aprenderei a ser ninguém? Talvez não, eu seja o clarão que vi.

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*Estou sempre à espera de ver. Vou na frutaria de olhos muito abertos quando muito chama a ver. Temem o fogo que se alastra entre estalos nas estruturas.

Preciso dissolver um pouco dos vigiantes olhos para encontrar todos os olhares que tenho por onde. É assim que vejo também a confusão. A confusão tem algumas coisas para me ensinar. Essa pouca relação é a nossa. Meu esteio é claro quando estou pisando meu chão diamantado de dentes de cada animal que comi para me tornar humana. E assim poder dizer.

Mas eu sei sou tão pontual nasci para esperar os deuses não. Dia desses ganharei outra velocidade. Serei planta. E hei de continuar iluminada pela água.

“Diário: Espada de São Jorge” Grafite sobre caderno A6. 2014.

*O futuro? Tem orelhas, mas é surdo. E é manco. Se arrasta, sem espanto mais alheio do que lúcido com o nosso despreparo.

Se fosse um deus amava o humano, mas como não existe o futuro tem de amansar seus ventos, marcando as peles, as montanhas. Sendo um gênio, não é um exército de cronogramas, nem de antecipações.

Tem firmeza de flor. E é invisível, reconhecido por seus efeitos de brisa furacão. Nunca adiado.

Não tem nada a ensinar no entanto é um mestre dizem os esgrimistas os observadores de saltos os gatos também aprendem certos truques com ele.

E se ama os despreparados lhe sabem tanto os que fazem quanto os que esperam. Os otimistas valem mais valem quanto? Cem bifurcações, sucessivas gerações de bem-aventurados que topam em pedras cicatrizam e correm bem alimentados com fome de mais alimento.

São seus sinais os imprevistos, os cavalos os pontos cardeais os cinco sentidos e os sete buracos da cabeça.

*O amor gasta ilharga, rumo porque inventa de novo, amor. Suor, fruto rosto nítido paira um ritmo na gruta, silêncio.

Mas se o amor gasta temerosos, teus receios e se o amor cria o dia de chegarmos numa praça em que fumo feito o amor desfolhe nicotina amarelando os batentes das portas o outono também pode entrar, amor. Amor pode pôr altifalantes não adianta, não avisam o caminho, a enxurrada. Bicicleta.

Mas se bem amadurece água com açúcar, dá papaia e o amor no máximo gasta cáries nos dentes dos miúdos.

p.24 “Diário: buquê de sombras” Técnica mista sobre caderno A6. 2014.

Sabe bem, alisar demais nunca fez gastar o viço nem dos pelos do gato que te oferto no Natal e em seu salto matutino sobre nossos corpos desconhece o puído da vida.

O amor nos lambe áspero constrói-nos olhos, digo para ver pontes o amor abre as portas. Cria. O imaginário é meu armário. Onde encontro os potes de massa ao redor das pilhas enferrujando na caixa de sapatos junto das fotografias enrolado numa manta o amor, raro. O amor tira o cavalo da naftalina gira e grita grita e guia.

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