7 minute read

V. MAIAKÓVSKI – POR ANDRÉ NOGUEIRA

Next Article
AUGUSTO MENEGHIN

AUGUSTO MENEGHIN

ANDRÉ NOGUEIRA

Nascido em 1987 na cidade de Herdecke, Alemanha Ocidental. Registrado cidadão brasileiro no Consulado em Munique. No Brasil desde 1991. Vive atualmente na cidade de Campinas. Formado em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas e em Literatura e Cultura Russa pela Universidade de São Paulo. Tradutor, poeta, ensaísta. Autor de O presidente me quer morto (Urutau, 2019).

Advertisement

[apresentação, tradução e comentários dos poemas inéditos por André Nogueira]

V. maiakóVski

Vladímir Vladímirovitch Maiakóvski (1893–1930). Aclamado “o poeta da Revolução”, principal expoente do futurismo russo. Ainda adolescente, participou do movimento revolucionário, o que lhe rendeu 11 meses de confinamento na prisão de Butirka em 1909. Em 1912 ingressou para a Escola de Belas Artes de Moscou, de onde foi expulso, com seu amigo David Burliúk, no ano seguinte; ambos assinaram o manifesto futurista “Bofetada no gosto público”, em que saíram as primeiras publicações poéticas de Maiakóvski, ao lado de Velimir Khliébnikov, Aleksei Krutchiónikh e outros. Após a Revolução de 1917, trabalhou ativamente em matéria de poesia e dramaturgia, atuou como roteirista e ator de cinema, projetou cartazes propagandísticos, etc. Em 1922 fundou, com Óssip Brik, a LEF (Frente de Esquerda das Artes) e editou a revista homônima, que encabeçou publicações das vanguardas soviéticas na década de 1920. Apresentou-se constantemente ao público, nos auditórios e fábricas russas e, viajando também à Europa e América, tornou-se prestigioso embaixador da cultura soviética. Não obstante, nos últimos anos de sua vida, sob um cenário político cada vez mais repressivo, Maiakóvski foi vítima de diversos ataques na imprensa. Viveu também grandes amores e desilusões amorosas. Suicidou-se em 14 de abril de 1930 em Moscou com um disparo no coração.

assistÊnCia ao ministério dos artistas insaluBres soBre o inCÔmodo mistério, o mistério de seu CluBe.

“A federação dos escritores soviéticos obteve uma casa e organizará em Moscou o primeiro clube dos escritores” 1 (Notícia de jornal)

Não sei — se canto, se danço, o sorriso do rosto não sai. Eis que enfim também terão os escritores o seu clube! Boa nova… Organizai! Que desabroche e não broche vossa trupe. Escolher bela mobília, porém sem exacerbar: o gasto veludo de preço modesto. Sentar e com todo conforto por horas ouvir do camarada Averbakh a palestra.

A seguir, em paixões imersos os olhinhos se reviram para dimensões outras: simplório e ingênuo, Moltchánov lê versos sob aplausos das garotas. Cada qual se sinta bem e à vontade. E se levante — no momento crucial — Vsiévolod Ivánov: com seus contos nos agrade. O século em casinhas de estorninho não sentemos como sentam os poetas nos saraus. Quereis ter com Tolstói e Oriéchin, conversar entre garrafas de cerveja? Simplória bebida, a comida — igual, como servida na bandeja. Entreguemos a cantina à Narpit —2 nada há para o jantar!

Que não haja esses foxtrot e o jazz com seus pandeiros não estorve nossa obra…

E com vocês conversará o camarada Rodóv, que ao tédio não se dobra. Que não haja esses jogos de bilhares, nem ouçamos as bobagens dos inatos menestréis, esses bardos vermelhos decorados de lauréis. Tudo isso derrubem! Ou deixem que desabe como os sábios escritores no sofá. Eis que vocês organizaram o tal clube… E eis que eu não tenho pernas para os ver filosofar.

1928

“Noite sem luz, velas acessas” Nankin sobre caderno A5. 2015.

1 No título original em língua russa, Maiakóvski se refere às instituições soviéticas Narkompros e Glaviskusstvo, abreviações respectivamente de Narodni Komissariat Prosvechtchenia (Comissariado Popular da Educação) e Glavnoie Upravliénie po Diélam Khudójestvennoi Literaturi i Iskusstvo (Diretoria Geral para Assuntos de Literatura e Arte). A Glaviskusstvo, enquanto órgão governamental, consistia em um segmento da Narkompros. Já na epígrafe do poema, o recorte de jornal menciona uma associação literária, a Federação dos Escritores Soviéticos (FOSP). Criada em 1926 pela fusão da Associação dos Escritores Proletários de Toda a Rússia (VAPP) com a Sociedade dos Escritores Camponeses de Toda a Rússia (VOKP) e a União dos Escritores de Toda a Rússia (VSP), a “federação” centralizava uma série de organizações literárias que existiam na época e que, mais alinhadas com o governo, começavam a dar seus passos para trás. Maiakóvski então organizava-se na LEF, Assotsiatsia Rabotnikov Liévovo Fronta Iskusstva (Associação dos Trabalhadores da Frente de Esquerda da Arte). Máximo representante do futurismo russo, forjado nos dias gloriosos da Revolução, Maiakóvski assumiu uma postura radical de denúncia contra a estagnação em que caíam as instituíções artísticas, prenúncio da guinada conservadora nos órgãos estatais que, não demoraria muito, imporiam uma ferrenha perseguição aos artistas de espírito livre. Nesse momento de recrudescimento da esfera política as disputas de Maiakóvski com seus rivais na vida artística se acirraram. Os escritores e críticos de visão mais estreita, muitos deles invejosos de seu sucesso com as massas, dirigiam ataques a Maiakóvski nos jornais, infiltravam provocadores em suas apresentações, para o insultar. O poeta também era provocador, respondia brilhantemente aos bilhetinhos do público durante os debates em auditórios e golpeava seus adversários com toda a fúria de seus versos. Maiakóvski satirizou a burocratização da arte soviética e seu gradativo aburguesamento, do qual o “Clube” de escritores seria, em sua opinião, um sintoma. Nomeou neste poema alguns de seus adversários: Leopold Averbakh, Ivan Moltchánov, Vsiévolod Ivánov, Aleksei Tolstói, Piótr Oriéchin. Sua rivalidade com Moltchánov, por exemplo, rendeu os poemas, publicados nos jornais da época, Carta à amada de Moltchánov e Reflexões sobre Ivan Moltchánov e a poesia. Já o camarada (Semion Abramovitch) Rodov formou um bloco à esquerda da RAPP (Associação Russa dos Escritores Proletários), quando esta se dividiu em 1926; por isso ganhou o apoio de Maiakóvski, que tinha muitos inimigos na RAPP. Em 1929 o Comissário do Povo para a Educação, Anatoli Lunatchárski, sob cuja proteção Maiakóvski escrevia e a quem se devia a permanência de certas liberdades de expressão, foi substituído. Após as dissidências no seu próprio grupo e sentindo o cerco se fechar, Maiakóvski dissolveu a LEF e ingressou na RAPP. Isso não o impediu de ser ainda mais hostilizado pelos seus companheiros de ofício. A exposição organizada por Maiakóvski em comemoração aos vinte anos de sua carreira literária, montada nas salas do Clube dos Escritores em Moscou, recebeu um duro boicote em fevereiro de 1930. Um mês e meio depois, seria também em uma dessas salas onde, ao longo de três dias ininterruptamente, as multidões passariam para se despedir do poeta que, de uma vez por todas, fechou seus ouvidos para os insultos. No livro Maiakóvski, o Poeta da Revolução (Record, 2008, pág. 506), Aleksandr Mikhailov registra um detalhe hilário da exposição, em que o poeta ridiculariza o ambiente almofadinha do Clube: “Maiakóvski introduziu um elemento de humor na organização e, em cada cupido modelado sobre as portas da segunda sala, colocou um lenço de pioneiro* de papel vermelho brilhoso”. * Pioneiros, organizações de comunistasmirins nas escolas primárias da União Soviética. 2 Narpit, abreviatura de Narodnoie Pitanie (Alimentação Popular), projeto para a criação de cantinas populares com refeições a preços acessíveis para os trabalhadores (o “bandejão” soviético).

JÚBilo das artes

Pobre, pobre Púchkin! Nas rosadas orelhinhas de uma dama os seus versos se derramam. Que à alta e restrita sociedade, aos salões de visita ele brade. Tenho pena desses lábios que entre alfombras e almofadas se consomem. Para eles eu daria um microfone.

Mússorgski? Pobre, pobre dele! Esse som de pianola de que vai adiantar? Que rodopia no aperto e nas cortinas se enrola dessas salas de concerto ou de jantar.

Pobre, pobre Herzen! Como sino na campana, seu vibrante miocárdio.1 À toda a Rússia vibraria, se houvesse então o rádio.

Pois jubilem de alegria, escritores, musicistas, artesãos do pensamento! Hoje o rádio os ressuscita do mortal esquecimento! As palavras de ordem e canções hoje correm pela inteira extensão do mapa mundi.2 Próximos estamos das orelhas de milhões — o brasileiro, o esquimó, o espanhol, o urdmurti. Abaixo os estofados dos salões! Que murmure solitário o bacharel… Estou contente por vivermos neste tempo em que se canta pelos céus.

1928

1 O sobrenome do escritor russo e pensador libertário Aleksandr Herzen (1812-1870), criado pelos seus pais para a ocasião de seu nascimento, deriva do alemão Herz, que significa “coração”. São mencionados por Maiakóvski neste poema ainda o grande poeta canônico da literatura russa Aleksandr Púchkin (1799-1837) e o compositor Modest Mússorgski (1839-1881). 2 Aleksandr Mikhailov em Maiakóvski, o Poeta da Revolução (Record, 2008, pág. 476) relata o seguinte episódio:

“Vladímir Vladímirovitch [Maiakóvski] se apresentava com a leitura de poemas no rádio. Tal possibilidade de se comunicar com um público grande ainda o seduzia. Perguntou ao diretor da rádio se muita gente iria ouvi-lo. A resposta foi solene: ‘O mundo inteiro!’ Maiakóvski respondeu: ‘Não preciso de mais’”.

Os títulos originais em língua russa: “Помощь Наркомпросу,/ Главискусству в кубе,/ по жгучему вопросу,/ вопросу о клубе” & “Счастье искусств” (Fonte: MAIAKÓVSKI, Vladímir. Облако в штанах. Во весь голос. Люблю. Стихотворения. Поэмы. Пьесы. CанктПетербург: Азбука-Аттикус, 2014/ Referências: MIKHAILOV, Aleksandr. Maiakóvski, o Poeta da Revolução. Rio de Janeiro: Record, 2008. Trad. Zoia Prestes).

p.87 “Diário: Aranha encontrada no deserto” Óleo e aranha (encontrada morta em casa) colada sobre caderno A6. 2014.

p.88 “Diário: caminhando no desenho” Óleo sobre caderno A6. 2014.

This article is from: