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patricia laura figueiredo (pat lau

Entre São Paulo, onde nasceu e dedicou-se à poesia e ao teatro desde cedo, e Paris, onde mora desde 1990, amadureceu seus poemas numa vida dedicada a tornar o poema uma experiência essencial. Publicou o seu primeiro livro de poesias, Poemas sem nome pela editora Ibis Libris em 2011 e seu segundo No Ritmo das Agulhas, em março de 2015 pela editora Patuá. Participou de várias antologias, no Brasil e na Alemanha, e também em diversas revistas digitais de literatura e poesia. Seu terceiro livro de poemas foi publicado pela Editora Dash em 2016: Poemas Bebês.

o tempo que a água leva pra me afogar

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crianças e reis

é entre você e eu esse parque ninguém nem você saberá que passamos nossas tardes aqui nem o vento nem as folhas nem os pássaros pouco importa quem você será quando crescer se pobre miserável milionário você estava aqui comigo nessa idade onde todos os homens são reis

lamento

que algumas coisas continuem nos acompanhando em segredo que a água entre nossos dedos que o gesto desamparado que o murmúrio derradeiro que o medo o medo o medo

que a recém-inaugurada livraria da cidade que a ternura do banco que o desbotado do traço que o pacto com o silêncio que a praça a praça a praça

que algumas coisas continuem nos socorrendo caladas que a voz enrouquecida que a vida despreparada que o beijo que desafia a infância abandonada

que a fala a fala a fala que algumas coisas continuem na coragem da viagem no encontro com si mesmo na aliança com o pequeno na certeza do improvável

que algumas coisas permaneçam nos guardando em segredo nos dedos nas águas nas praças nos gestos na entrega na fala no consolo do vento na miséria que apunhala

que a vida que não existia que a neblina na vidraça que o papel preto

ardendo que o lamento o lamento o lamento que o que continua é o efêmero no anseio no quarto desarrumado

circo

no circo dos animais tristes o mar é um cemitério onde esqueletos de índios guerreiros e seus cabelos amarrados em placas de concreto boiam

mais e mais todo dia no burlesco na melancolia os corvos podem agora voar

que a terra volte a ser a terra nas sandálias de um imigrante num punhal num penhasco jazz e surrealismo de novo aos nossos pés

monk e seus 46 baseados tudo é grito dos gregos ao monólogo tudo é cadência dicção (a primeira das delicadezas) se fazer compreender e a mais bela entre elas o silêncio

diabos saem das poltronas como no tempo de don juan moliére e corneille abrem-se as cortinas les filles dans le ciel cavalos como os de forman

se um estrangeiro chega é preciso que ele se venda se

um surdo fala ele tem que calar colagens dadaístas de moisés a dalai lama

topor e suas vacas negras morrer de melancolia partir

porque somos loucos porque somos sós e eles são tão numerosos

criança desarmada

(sinos 1)

ainda existem sinos que sonam nos passos mancos dos mansos ainda os mesmos balanços de acalanto e resistência em braços de sono e sono

ainda o barulho dos trens em ferrovias intensas

ainda as sirenes vermelhas nas ruas urgentes e atentas

ainda os pés dos pequenos antes dos cordões e dos laços

ainda a pele macia na dor dos lábios apertados apertados

ainda essa voz que ousa na lágrima acuada

ainda a alegria insolente no sujo da gargalhada

ainda esses marinheiros em portos de refugiados

ainda o recomeço incansável nos dedos nas pernas nos braços

o peso que se esquece na noite que nunca acaba

no tempo que nunca houve na criança desarmada

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