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joão pedro azul

Vila do Conde, 1972. Criador e editor da revista Flanzine e coeditor da editora Flan de Tal, responsável pela obra conjunta: POEMANIFESTO — a partir de Cesariny; formado em Teatro — Interpretação (ESMAE), começou por se dedicar à escrita de cena, como complemento das suas encenações; em 2018, assinou a dramaturgia do espectáculo (IN)CERTAIDADE dirigido por Carlota Lagido e Dolores de Matos, para o FIAR; é um dos responsáveis pela dramaturgia da Queima do Judas de Vila do Conde. No âmbito da Flanzine, foi criador das performances MURO e 4EUROPE, com Telma João Santos, e ÓDIO, criada a solo para o REALIZAR:poesia 2017; publicou, em conjunto com o ilustrador João Concha, o Livro do Amo, em 2015 (Plano Nacional de Leitura); autor do projecto literário, em curso: Trabalho de Casa; pós-graduado em Gestão de Actividades Artísticas, Culturais e Educativas e frequentou o Mestrado Multimédia da UP, onde desenvolveu trabalhos de fotografia, cinema e documentário; escreveu com Alexandre Sá, em 2016, o argumento do filme VAZA; é membro fundador da Cabe Cave — Associação Cultural.

I

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jamais poderia ser um patinho feio não tenho habilidade para flutuar é um número demasiado pesado para mim falta-me escola e alguma presunção para a queda da pena por outro lado poderia ser lago sou tanta água que me afogo na saliva do meu pensar esse onde me vejo luz irreflectida e mordo o quotidiano como quem finge o amor não há dor senão a última a de setembro ou dezembro que lá vem às quartas limpar a casa onde morro

II

todas as terças trazias contigo aquele terço de plástico que a tua avó te trouxe de Fátima tu que nunca tiveste fé (afeição talvez) e gostavas de foder em silêncio: a vida é demasiado ruidosa — dizias — há que morrer respeitosamente a cada orgasmo sofrido

nunca te perguntei o porquê do terço estranhei foi não o reencontrar

quando te fui visitar ao hospital já o teu silêncio era-me demasiado familiar

não não morreste a uma terça foste apenas a enterrar

III

gosto de lamber a dor que se acumula nas articulações como um gato viciado em creme de corpo hidratante sei que acabarei por vomitar todo este pêlo que não pára de me crescer na boca mas enfim é a natureza mordida pela escuridão

IV

vem soldado levanta-me o cadáver eu não sou capaz perdi os joelhos numa outra história onde era aprendiz de talhante e noivo recente o sangue esse nunca me assustou vi meus dentes partir em menino era meu pai comunista minha mãe puta

— diziam dava carne à fome

nesse tempo que crescia em dor já era eu fraco das articulações a noiva chamava-se Júlia os joelhos morreram-me na espera levaram-ma da vida que lhe sonhara no fio dos dias sem luz era judia

— diziam antes puta como a mulher que me pariu sempre me confortaram suas sopas fartei-me da espera Júlia vem soldado acaba com esta história inacabada

V

plantar a palavra na ponta da língua à espera de ver florescer uma casa e uma mesa e um copo sobre a mesa e o teu braço a estender-me uma ilha

vou tirar os sapatos

entre nadar e dançar avisto um mar de possibilidades

é bom estar pronto para o primeiro passo e deixar que os seguintes aconteçam não há qualquer fatalidade na esperança os crocodilos moram todos no meu peito

URUTAU editoraurutau.com.br

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