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andré caramuru teixeira aubert

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joão pedro azul

joão pedro azul

Bacharel e mestre em História pela USP, é colaborador do jornal Rascunho, para o qual seleciona e traduz, todos os meses, os poemas de algum poeta estrangeiro. Publicou três livros de poemas: Outubro / Dezembro, As cores refletidas nas lentes dos seus óculos escuros e Se / o que eu vi, todos pela Editora Patuá; e cinco romances, entre os quais A cultura dos Sambaquis, pela Descaminhos, e Poesia Chinesa, pela SESI-SP editora. Traduziu diversas obras, das quais a que mais gostou foi o livro de contos Areias Movediças, de Octavio Paz. Atualmente trabalha em seu novo romance, Estevão, além de coordenar as edições brasileiras do inventor dos quadrinhos, seu tio-tataravô Rodolphe Töpffer, dos quais os cinco primeiros, Monsieur Jabot (1833), História de Monsieur Cryptogame (1845), Monsieur Trictrac (1830), Monsieur Vieux Bois (1837) e Monsieur Crépin (1837) já saíram pela SESI-SP editora.

bahia

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a ruy espinheira filho, depois de a chuva, uma história

a bahia, todo mundo sabe, é tanta coisa, tanta, que para mim podia bem ser a sossegada navegação do benjamin guimarães batendo plac plac plac as pás nas águas barrentas do são francisco (e eu ali, olhando as margens, entre a rede e a amurada). a bahia podia ser as paredes, repletas de gravuras, da casa de hansen bahia, em cachoeira, do lado de lá do paraguaçu, ah, o recôncavo. a bahia podia ser o sul cacaueiro sensual dos livros de jorge amado, e também aquela grande canoa chamada onça, que adernada quase virou, e nos matou, meu amor e eu, na barra de caraíva. podia ainda a bahia ser, para mim, a mui heroica vila de itaparica de mar verde e céu azul de joão ubaldo, podia ser aquele dia, há tantos anos, perdido na estrada, com fome, numa vila da qual não me lembro o nome, no sertão, no caminho, só que longe ainda, de feira de santana. e a bahia podia ser também, é claro, as fotografias do fatumbi verger, além das jangadas de traço fino daquele genial caribé argentino. tudo bahia por mim vista, lida ou vivida.

mas a bahia, mesmo, para mim, será sempre aquele poema, aquele da chuva, dos pingos caindo, molhando, contando uma história, nas telhas, no chão de ardósia.

paisagem

eu já te mostrei a vista que tem daquela curva da estrada lá no alto? fica bem no lugar onde um rapaz foi atropelado. quer dizer, eu acho que foi atropelado, porque fincada no barranco junto à estrada tem uma cruz de madeira, e sempre que eu paro para olhar a vista, tem flores novas depositadas ali, de modo que concluí — por minha conta, claro, posso estar errado — que o rapaz morava aqui por perto e morreu atropelado. chegando lá, te mostro. o nome dele eu já sei de cor, é joão antônio, nascido em 1977 e morto em 1998. vinte e um anos. não sei se era alto ou baixo, a cor da pele, do cabelo, dos olhos, nada. não sei se namorava, se estudava. só sei que alguém o amava, e que segue deixando flores e cuidando da cruz — a pintura, azul, está sempre nova. quando chegarmos lá eu te mostro, você vai ver. e é ao lado, junto da cruz, que começa a picada que vai até o barranco. a vista de lá do alto é linda, você vai ver.

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