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Gestão de Projetos de Start-Up de Mineradoras Carlos Henrique Bittencourt Morais, PMP – carlos.bittencourt@logoseng.com.br Muriel Danilo de Mello Innocentini, PMP – muriel.innocentini@ferrous.com.br
Resumo:A crise de 2008 acarretou postergações de investimentos em novos projetos que, somadas ao reaquecimento da economia, trarão um desequilíbrio de oferta e demanda ao setor de mineração, com elevação do valor do minério de ferro para patamares atrativos à entrada de novos players neste mercado. O presente trabalho analisa o caso daFerrous Resource do Brasil explorando os desafios que um start-up implica à forma clássica de conceber a gestão de portfólios de projetos e seus riscos.
1. Introdução O gerenciamento de portfólios de projetos, em seu desenvolvimento clássico, pode ser descrito suscintamente como um processo de seleção e autorização de investimentos em recursos para ideias e projetos, pertencentes ou não a programas e sub-portfólios, inéditos ou em andamento, no qual uma empresa, a partir de critérios próprios, inova sua carteira de produtos e serviços. Segundo a matriz de Ansoff, o posicionamento estratégico de cada um dos novos produtos e serviços desenvolvidos pode ser classificado pela combinação de (a) mercado existente ou novo e (b) produto/serviço existente ou novo, conforme ilustrado na Figura 1.
MERCADO
PRODUTO / SERVIÇO EXISTENTE
NOVO
EXISTENTE
Penetração de mercado
Desenvolvimento de produto
NOVO
Desenvolvimento de mercado
Diversificação
Figura 1 – Matriz de Ansoff
No caso específico de novos entrantes em um segmento de mercado, existe o caso particular em que a empresa se encontra em desenvolvimento (start-up). Neste cenário, a complexidade do processo de diversificação cresce significativamente, incorrendo no enfrentamento de decisões de seleção e autorização do portfólio de projetos cujo processo decisório exige uma abordagem particularizada, refletida em uma variação ad hocdos modelos tradicionais. 2. Questão de pesquisa A pergunta-chave do presente trabalho pode ser elaborada segundo a fórmula:
2 Em janelas estratégicasdo segmento de mineração, exploradas por iniciativas do tipo start-up, quais as implicações e riscosà gestão de portfólios de projetos? Nas seções seguintes, apresenta-se o desenvolvimento da questão de pesquisa, compreendendo uma revisão bibliográfica, a descrição de alguns casos representativos deste tipo de empreendimento e as conclusões dos autores sobre os casos apresentados. 3. Revisão bibliográfica As técnicas tradicionais referentes ao estabelecimento de portfólios de projetos remontam às contribuições sobre de Cooper e Kleinschmidt(2001) e Cooper (2004) em seus estudos sobre gerenciamento de portfólios de novos produtos, os quais resultaram no modelo de stage-gates (Figura 2), até as melhores práticas de gestão de portfólios de projetos do PMI (2006), ilustrado na Figura 3.
Fonte: COOPER, Robert G., EDGETT, Scott J. e KLEINSCHMIDT, Elko J. Portfolio Management for New Products
Figura 2 – Modelo de Stage-Gates
No modelo de stage-gates, a ocorrência de mudanças estratégicas não se encontra explicitamente declarada, diferentemente do modelo processual do PMI (Figura 3), o qual admite a retroalimentação do plano estratégico através de informações vindas dos projetos que constituem o conjunto gerenciado. Não obstante, os dois modelos seguirem uma filosofia similar, na qual um determinado montante (budget) é disponibilizado para a realização dos projetos. As iniciativas que estejam mais bem classificadas em termos de alinhamento com as diretrizes determinadas para a escolha do portfólio recebem os recursos requisitados para sua concretização, até o limite do budget estabelecido.
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Figura 3 – Gerenciamento de Portfólios de Projetos
No entanto, em um cenário de start-up de empresas, o qual se caracteriza pela necessidade de captação de recursos (Cassar, 2003), ou seja, determinação de investimentos (CAPEX) e busca de financiamento, contra um orçamento aprovado em favor de necessidades da operação já em plena atividade (budget), faz-se mister a adequação do conceitual teórico para a realidade particularizada do start-up. 4. O Caso Ferrous Resource do Brasil (FRB) A FRB é uma empresa de mineração, baseada no Estado de Minas Gerais, cuja visão e missão1 são, parcialmente, reproduzidas a seguir em tradução livre dos autores: Visão Ser um fornecedor global de produtos derivados do minério de ferro; um líder mundial em identificação, desenvolvimento e gerenciamento sustentável de mineração e processamento em aderência às melhores práticas mundiais. Missão Ser um fornecedor global de minério de ferro através da aquisição e desenvolvimento de depósitos de alta qualidade mineral estrategicamente localizados (...) Atualmente, a principal atividade da empresa consiste na implantação de seu portfólio de projetos, o qual consiste na exploração de minas de ferro de baixo teor, construção de usinas de beneficiamento e sistemas de logística (minerodutos e portos, em sua maioria), em uma composição evidentemente alinhada à visão e missão da corporação, conforme exposto anteriormente. 1
THE FERROUS VISION To be a major global supplier of iron ore products; a world leader in identifying, developing and managing sustainable mining and mineral processing operations to world best practice. THE FERROUS MISSION To be a global supplier of iron ore to the steel industry through the acquisition and development of strategically located high quality iron ore deposits into large, long life and efficient operations, capable of sustaining competitive advantage through business cycles In order to deliver superior returns to all stakeholders, FERROUS takes a long term and responsible approach to the Company’s businesses
4 De particular interesse, aprodução de minério de ferro a partir de jazidas de baixo teor passou a ser uma operação economicamente viável em função da valorização do preço de venda da tonelada deste produto, derivada da demanda mundial por este insumo, tendo na economia chinesa seu principal vetor de impulsão. A postergação de investimentos previstos em projetos de expansão de plantas de mineração já operantes, efeito da crise global das bolsas deflagrada em meados de 2008, atraiu novos players ao mercado de mineração. O modelo das 5 Forcas de Porter é uma lente apropriada para visualizar, em termos macro, a dinâmica deste complexo cenário. MINERODUTO
NOVAS TECNOLOGIAS
+ PORTO
PODER DE BARGANHA DOS FORNECEDORES TRADICIONAIS
ARENA COMPETITIVA
PODER DE BARGANHA DOS CLIENTES
NOVOS ENTRANTES
MINERADORAS TRADICIONAIS
ARENA COMPETITIVA
CHINA
FRB
Fonte: adaptação dos autores das 5 Forças de Porter para o caso FRB
Figura 4 – 5 Forças de Porter aplicada à FRB
A demanda da China, associada ao vácuo de investimentos entre 2008 e 2009 de empresas consagradas do setor de minério de ferro, abriu espaço para que novos entrantes, como o exemplo da FRB aqui estudado, encontrassem condições de financiamento favoráveis para o início de suas operações (start-ups). Ao mesmo tempo, para a FRB, as características geológicas das minas em sua posse, onde a concentração de minério fica abaixo de 35% da composição volumétrica da lavra, exigem soluções de logística que barateiem o transporte do minério até seu ponto de expedição ao cliente final. O arranjo clássico logístico baseia-se nos modais ferrovia-porto. Essa configuração não oferece um retorno adequado aos novos entrantes, na medida em que o valor do frete supera em até 60% o custo de produção do minério. O dual mineroduto-porto tem sido a resposta alternativa empregada por todos os novos players para substituição da composição modal com ferrovia. Como será explorado em detalhes na próxima seção, essa proposta, ainda que sine-qua-non para a viabilização econômica dos start-ups, implica em novos riscos à execução do portfólio de projetos. 5. A gestão de portfólios de projetos em janelas estratégicas de mineração O caso escolhido pode ser entendido comoemblemático dos desafios que a corrida que as empresas de mineração têm vivido para se posicionarem, evidentemente da forma mais competitiva possível, na janela estratégica de 2013/2014. A primeira decisão a ser tomada pelos responsáveis da gestão do portfólio diz respeito à flexibilização na adoção de procedimentos consagrados de implantação deste tipo de
5 empreendimento. Indubitavelmente, o padrão mais difundido neste segmento é o Front EndLod (FEL) I, II e III, ilustrado naFigura 5.
Fonte: Saputelli; Hull; Alfonzo. Front End Loading Provides Foundation for Smarter Project Execution. Oil&Gas Financial Journal, 2008.
Figura 5 – FELL I, II e III
O conceito guia do modelo FEL2 pode ser resumido no planejamento exaustivo de cada uma de suas fases, de tal sorte que a passagem de uma fase para outra ocorra sem que se incorra em retrabalhos e revisões. Assim, busca-se garantir que as etapas de execução (implantação) e operação igualmente evoluam segundo uma lógica que favoreça uma progressão controlada ou, em outras palavras, sob uma configuração de gestão de risco baseada no conhecimento crescente das exigências particulares do empreendimento.
JANELA ESTRATÉGICA
ADEQUAÇÕES DA ORGANIZAÇÃO FLEXIBILIDADE? RIGIDEZ?
GESTÃO DE PORTFÓLIOS, PROGRAMAS E PROJETOS
Fonte: os autores
Figura 6 – Modelo decisório para atingimento da janela estratégica 2013/2014
Para que seja possível alcançar as metas de prazo que viabilizem o aproveitamento da janela estratégica de 2013/2014, adotou-se uma variação do modelo tradicional. A quebra de paradigma diz respeito, principalmente, à evolução do entendimento dos riscos implicados, que ocorre tanto ao longo de períodos de desenvolvimento específicos das engenharias básica, conceitual e detalhada quanto de épocas de superposição das mesmas (Figura 6). 2
Aqui, vale ressaltar que o presente trabalho não pretende discutir a validade ou aplicabilidade do sistema FEL. O mesmo foi mencionado apenas e tão somente como exemplo de um modelo processual clássica para a gestão dos componentes de portfólios de projetos de mineração.
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Dividindo o conceito de risco em duas esferas, técnica e negócio, a abordagem sugerida não implica em que se incorra em riscos de engenharia maiores daqueles enfrentados no modelo clássico. O mesmo não se aplica aos riscos do negócio, pois, a conjuntura da empresa durante o período de transição do vetor conceitual visão-missão para o de concretização estratégica operação-ampliação transcorre segundo uma lógica não linear. Quinn (in Mintzberget al, 2006) em seu estudo sobre a implementação estratégica empresarial, sugere um modelo batizado deIncrementalismo Lógico, o qual consiste nas 12 etapas seguintes: 1. Liderar o sistema formal de informação 2. Criar atenção organizacional 3. Gerar credibilidade, mudar símbolos 4. Legitimar novos pontos de vista 5. Buscar mudanças táticas e soluções parciais 6. Ampliar o apoio político 7. Superar a oposição
8. Estruturar conscientemente a flexibilidade 9. Desenvolver balões de ensaio e bolsões de comprometimento 10. Cristalizar o foco e formalizar o comprometimento 11. Empenhar-se em mudanças constantes 12. Reconhecer que a estratégia não é um processo linear
No que tange a gestão do portfólio de projetos, o frame que compõe o Incrementalismo Lógico foi traduzido para a realidade específica de projetos, à luz das interfaces entre projetos, obras e equipamentos, de cujas intersecções surgem âmbitos determinados de integração de planejamento em graus crescentes de complexidade (Figura 7).
Fonte: Biezus; Prospero; Rocha. O Papel do Planejamento e do Controle Físico-Financeiro na Implantação de Empreendimentos.
Figura 7 – Integração estratégia, projetos, obras e equipamentos
A revisão executada resultou no seguinte modelo operativo quadri-dimensional: 1. Estrutura única e particularizada da EAP (WBS) 1.1. Uniformização da linguagem, maior agilidade na comunicação. 1.2. Caminho crítico segundo cronograma do empreendimento total 2. Harmonização de informações 2.1. Entendimento comum dos aspectos críticos do empreendimento
7 2.2. Particular atenção a suprimentos 3. Análise de stakeholders 3.1. Agências governamentais 3.2. Fiduciários 3.3. Mão de obra especializada 4. Definições estratégicas ↔ Licenças ambientais Processualmente, as dimensões trabalhadas conjugam-se e interagem entre si dinamicamente (Figura 8). .
Fonte: Inocentinni, Muriel; Morais, Carlos. Janelas Estratégicas: Desafios atuais à Gestão de Programas e Portfólios
Figura 8 – Modelo operativo da gestão de portfólios no start-upFRB
A integração buscada visa, eminentemente, reduzir o risco do negócio através de esforços distintos de (a) integração da equipe dos projetos através do emprego de técnicas de equalização de informações, buscando assim um entendimento comum das necessidades enfrentadas pelo projeto dentro das equipes de planejamento, engenharia e suprimentos e (b) produzir entregas consistentes com a evolução estratégica do negócio, a qual é determinada, principalmente, pelos marcos de licenciamento ambiental, os quais funcionam como elementos de cristalização estratégica. Por fim, para o sucesso do empreendimento, faz-se necessário o diálogo intenso com o grupo de operações, na medida em que qualquer ganho de tempo no período de ramp-up resulta em um melhor aproveitamento da janela de oportunidades de 2013/2014. 6. Conclusão Os start-ups de empresas de mineração, ilustrados pelo caso da empresaFerrous Resource do Brasil (FRB), trazem à tona a necessidade do enfrentamento de paradigmas e premissas da gestão de portfólios de projetos diante do desafio de empreender um novo negócio aproveitando uma janela estratégica de oportunidade temporalmente determinada. Através da releitura de referências consagradas tanto na esfera dagestão de portfólios propriamente dita quanto do planejamento de grandes empreendimentos e do pensamento estratégico contemporâneo, foi possível delimitar um modus operandi processual, ainda que teórico, adequado às necessidades deste tipo de empreendimento.
8 Mais detalhadamente, o estudo identificou que o caso particular dos riscos do projeto devem ser entendidosà luz de duas esferas de implicação: técnica e negócio. O modo processual explorado favorece, em termos de assertividade, a minimização de exposição ao risco técnico, mantendo-o nos mesmos patamares esperados para uma implantação tradicional de expansão de operações. Por sua vez, os riscos ao negócio foram tratados dentro dos limites inerentes a um novo empreendimento com emprego de capital inicial massivo e de retorno a médio/longo prazo, oferecendo uma proposição analítica capaz de identificar claramente as definições exteriores ao âmbito do projeto que irão cristalizar seu escopo. Evidentemente, os aspectos discutidos não exaurem a complexidade do problema abordado. Os autores entendem que pesquisas futuras em desenvolvimento do time do projeto, ambiente de comunicação e interfaces intra-organizacionais terão grande valia no aporte de conhecimento sobre a temática de start-ups de empresas mineradoras. 7. Referências Biezus; Prospero; Rocha. O Papel do Planejamento e do Controle Físico-Financeiro na Implantação de Empreendimentos. Rev. Adm. Empr., Rio de Janeiro, 26 (2): 13-28, abr/jun 1986. CASSAR, Gavin. The Financing of Business Start-Ups. CEVINE, Harvey A. Project Portfolio Management: a practical guide to selecting, projects, managing portfolios, and maximizing benefits. Xxx: Jessey Bass, 2004. COOPER, Robert G. Product Leadership: pathways to profitable innovation. 2. ed. USA: Basic Books, 2004. ISBN 0-7382-0514-1. COOPER, Robert G., EDGETT, Scott J. e KLEINSCHMIDT, Elko J. Management for New Products.2. ed. Basic Books, 2001.
Portfolio
Inocentinni, Muriel; Morais, Carlos. Janelas Estratégicas: Desafios atuais à Gestão de Programas e Portfólios. 13º Seminário Nacional de Gerenciamento de Projetos. Palestra. IETEC, 2010. MINTZBERG, Henry; AHLSTRAND, Bruce e LAMPEL, Joseph.Safári de Estratégia. Bookman, 2006. PMI - Project Management Institute. The Standard for Portfolio Management.Pennsylvania: PMI Global Standard, 2006. ISBN 193069990-5. PMI - Project Management Institute. The Standard for Program Management.Pennsylvania: PMI Global Standard, 2006. ISBN 193069954-9. Saputelli; Hull; Alfonzo. Front End Loading Provides Foundation for Smarter Project Execution. Oil&Gas Financial Journal, 2008.
9 YIN, Robert K. Estudo de Caso: Planejamento e MĂŠtodos. 3. ed. GRAZI, Daniel (Trad.). Porto Alegre: Bookman, 2005. p.80-100. ISBN 85-363-0462-6. KENDRICK, Tom. Identifying and Managing Project Risk: essential tools for failureproofing your project. New York. AMACOM, 2003. ISBN-13: 978-0-8144-0761-5. ISBN-10: 0-8144-0761-7.