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Boi China” estimula redução na
from DBO Junho de 2020
by portaldbo
Chineses compram apenas animais de até 30 meses, escassos no mercado. Frigoríficos pagam ágio e estimulam investimentos de produtores em tecnologia.
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Boiada jovem e bem acabada recebe até R$ 15/@ de ágio atualmente.
Denis Cardoso
Enquanto o Brasil reforça sua posição de líder mundial nas exportações de carne bovina, vê-se uma corrida das fazendas brasileiras para produzir o chamado “boi-China”, que tem recebido ágios de R$ 10-R$ 15/@. Mas, afinal, que animal é esse? Segundo analistas e frigoríficos ouvidos por DBO, para ter “passaporte chinês”, machos e fêmeas devem cumprir uma série de requisitos sanitários (veja quatro), mas principalmente precisam ser jovens: máximo de quatro dentes incisivos permanentes (cerca de 30 meses), com Guia de Trânsito Animal (GTA) especificando a idade compatível. Não há exigências de raça, sexo e acabamento. Aliás, os chineses preferem carcaças mais magras.
É fácil produzir boi-China? Nem tanto, porque a oferta de bovinos para abate com até 30 meses ainda é baixa no Brasil, daí o pagamnto de ágios. “Tudo o que é escasso e tem alta demanda naturalmente se valoriza pela lei da oferta e procura”, justifica Lygia Pimentel, diretora da consultoria paulista Agriffato. Ela discorda da tese – defendida por alguns pecuaristas – de que os frigorificos não estão bonificando o boi-China, mas “desageando” o animal fora desse padrão. “Se a maioria do gado abatido no Brasil fosse ‘padrão China’, aí, sim, poderíamos dizer que o animal comum estava sendo penalizado”, diz Lygia.
A dificuldade dos frigoríficos de encontrar boiada jovem para abate deve-se ao sistema de produção extensiva, exclusivamente a pasto, adotado pela maioria das fazendas brasileiras. A JBS, líder de mercado, confirmou à DBO, em nota, que está pagando ágio de “R$ 10 a R$ 15 por arroba para o boi-China”, dependendo da região, sobretudo no primeiro semestre do ano, período em que a oferta é predominantemente de gado terminado a pasto. Na visão da JBS, o atual bônus pago a esse tipo de animal tem contribuído para a aceleração do ciclo de produção nas fazendas pecuárias, por meio de melhorias na genética e uso de suplementação na seca, visando compensar a baixa oferta de capim nesse período do ano.
Ainda segundo a empresa, em São Paulo, mais de 70% dos abates sob Inspeção Federal englobam plantas habilitadas para China e o preço base já incorpora boa parte da premiação oferecida aos lotes de animais com padrão exigido pelo gigante asiático. Fabiano Tito Rosa, diretor de compras da Minerva Foods, diz que, atualmente, “a diferença de preço entre um animal jovem, padrão China, e um erado varia de R$ 5 a R$ 10/@ nas praças pecuárias. “Esse prêmio é significativo e tem incentivado os produtores a acelerar a engorda”, destaca.
Impacto na pecuária
Neste sentido, indiretamente a demanda chinesa tem ocasionado mudanças no perfil da pecuária de corte nacional – tanto na esfera comercial quanto na produtiva, porteira adentro. “Hoje os pecuaristas buscam
Quem paga mais?
*Valor médio da tonelada da carne bovina brasileira exportada em 2020 (em US$/t)
EUA Itália China Israel Arábia Saudita Chile Rússia Emirados Árabes Unidos Hong Kong
Egito Mercado interno brasileiro
8.400 7.100 5.400 5.000 4.400 4.400 3.900 3.500 3.400 3.200 2.300
Fonte: Agrifatto. *Preço médio em março de 2020
produzir animais que atendam ao padrão exigido pelo mercado chinês, acelerando o giro de produção e, consequentemente, a produtividade e o ganho financeiro da propriedade”, reforça Lygia Pimental, da Agrifatto. Segundo o médico veterinário Hyberville Neto, analista da Scot Consultoria, o gado oriundo de confinamento normalmente atende os requisitos impostos pela China, assim como as novilhas, categoria que tem despertado grande interesse dos importadores chineses. “A pecuária brasileira tem evoluído”, afirma Neto, destacando a redução na idade de abate como “um dos benefícios do atual processo de intensificação nas propriedades”.
O analista da Scot ressalta ainda que, embora o foco do boi-China seja a idade, a indústria frigorífica procura comprar animais que atendam o maior número possível de quesitos técnicos e demandas de clientes. “Um boi com bom acabamento atende o mercado de cortes especiais e de exportação mais exigentes; se ele for pesado, permite diluir custos fixos e ter melhor rendimento industrial”, ilustra Neto. Segundo a JBS, a busca por precocidade não é nova no Brasil. Há 20 anos, o Mato Grosso do Sul, por exemplo, tem um programa de incentivo à produção de novilho precoce. “Não se trata exatamente de um ‘boi-China’, mas de um padrão cada vez mais comum entre mercados”, ressalta a empresa, em nota.
Segundo Lygia, o ágio pago aos bovinos jovens tem sido sustentato pelo boa cotação da carne brasileira na China (US$ 5.400/t), terceira maior do mercado, perdendo apenas para EUA e Itália (veja tabela). Enquanto isso, o valor médio no mercado interno é de US$ 2.300/t. “A disparada do dólar frente ao real também dá sustentação às vendas externas, que têm sido nossa tábua de salvação neste momento tão complexo (marcado pelas incertezas geradas pela pandemia Covid-19), tornando a carne brasileira ainda mais competitiva do que já era”, ressalta Lygia.
Oferta pulverizada
Há frigoríficos habilitados para exportar para o mercado chinês em vários Estados brasileiros, portanto, a produção do boi-China está pulverizada. “Obviamente que regiões de pecuária mais intensiva têm mais oferta desse tipo de animal”, observa Tito Rosa, da Minerva. Hoje, o País tem 37 unidades frigoríficas habilitadas para vender para a China: nove em São Paulo, oito no Mato Grosso, quatro no Pará, quatro em Minas Gerais, três em Goiás, três no Mato Grosso do Sul, três no Rio Grande do Sul, duas em Tocantins e um em Rondônia. O boi-China vem principalmente de SP, MT, GO e MG. Em 2019, as plantas paulistas enviaram 176.000 toneladas de carne bovina para a China, seguidas pelas mineiras (107.000 t), goianas (94.000 t) e mato-grossenses (73.000 t). Nos primeiros quatro meses de 2020, o ranking está um pouco diferente: São Paulo continua na liderança, porém Mato Grosso já ocupa o segundo lugar, ultrapassando GO e MG.
Hyberville Neto, da Scot, lembra que as novilhas destinadas ao mercado chinês são oriundas, sobretudo, das
Quadro de exigências para exportar à China
✔ Animais nascidos e criados em território brasileiro, que possam ser rastreados até a fazenda em que nasceram; ✔ Provenientes de fazendas que estejam em conformidade com as seguintes condições: (a) Não tenham tido casos de BSE (Encefalopatia
Espongiforme Bovina). (b) Estejam em locais onde, nos últimos seis meses, não tenha havido ocorrência de estomatite vesicular, antraz, diarreia viral, febre Q, doença de Aujeszky, pericardite e paratuberculose. (c) Não esteja sob restrições veterinárias de quarentena por conta de doenças animais durante um período de 12 meses. ✔ Nunca tenham sido alimentados com substâncias originadas de um ruminante (exceto leite e produtos lácteos, gelatina e colágeno exclusivamente preparados do couro e da pele) e nunca tenham consumido remédios veterinários e suplementos alimentares proibidos na
China ou no Brasil; ✔ Tenha menos de 30 meses de idade ao ser abatido; ✔ Não tenha apresentado nenhum sintoma ou lesão compatível com tuberculose ou brucelose durante as inspeções ante-mortem e post-mortem; ✔ Estejam sujeitos ao Plano de Controle de Resíduos e
Contaminantes do Brasil.
regiões tradicionais de cria. “No segundo semestre, ganha espaço o gado de confinamento”, acrescenta Neto. A China tem sido o destino de aproximadamente 50% das exportações brasileiras de carne bovina, segundo analisa Tito Rosa. “Se considerarmos o percentual histórico de exportação de carne bovina do País (20%-25%), chegamos à conclusão de que o equivalente a 10% do consumo mensal do produto tem como destino a China”, calcula. Os clientes chineses compram quase todos os cortes e valorizam, especialmente, os do dianteiro. “O que será ou não exportado para a China é uma decisão econômica; apenas não podemos exportar carne com osso e recortes para a China”, diz o executivo da Minerva.
Segundo Lygia Pimentel, neste ano de 2020 o Brasil se tornou o principal fornecedor de carne bovina à China, “uma vez que hoje possui preço e volume que favorecem a operação”. Em abril, o Brasil foi responsável por 42% dos desembarques de carne bovina para aquele país. “Essa é uma tendência que veio para ficar, juntamente com o gosto do chinês pela proteína vermelha”, destaca a diretora da Agrifatto. Além da natural competitividade da carne nacional, alguns concorrentes do Brasil têm apresentado dificuldades de produção e/ou exportação, sejam por questões climáticas (no caso da Austrália) ou por problemas no enfretamento da Covid-19, caso dos Estados Unidos, que tiveram uma avalanche de unidades frigoríficas fechadas devido à proliferação da doença entre os funcionários. “Isso abre ainda mais espaço para o produto brasileiro”, destaca Lygia. n
Saiba mais sobre o boi-China, conferindo o webinar “Desafios da pecuária pós 2020 - Visão da Indústria Frigorífica”