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De Paragominas, PA, o entusiasmo de

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Sabor da Carne

Sabor da Carne

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Um cowboy diferente

Mauro Lúcio Costa luta pela regularização fundiária no Pará como forma de frear o desmatamento e defende a convivência harmônica do boi com a floresta.

Tenho de preservar a floresta, porque a cobertura vegetal tem impacto sobre o clima e isso afeta diretamente minha produção, meu negócio”

Quem vê Mauro Lúcio de Castro Costa, camisa sempre alinhada por dentro da calça, cinto, fivela lustrada, com seu inseparável chapéu de cowboy, que se tornou sua marca registrada, pensa estar diante de um fazendeiro tradicional. Ledo engano. O mineiro Mauro Lúcio, como é conhecido, natural de Governador Valadares, MG, entende, como poucos, a importância do meio ambiente para a prosperidade do seu negócio. A atenção que confere à fertilidade do solo e ao manejo da pastagem é a mesma que dedica à manutenção da biodiversidade e à preservação de nascentes e rios. O sindicalista, que defendeu com afinco os interesses da classe produtiva nos seis anos à frente do Sindicato Rural de Paragominas, PA, é o mesmo que cedeu uma sala dentro do sindicato para trabalhar lado a lado com uma ONG de preservação ambiental. Visões – e atitudes – nem sempre compreendidas por seus pares.

A relação com a terra vem do avô, um tropeiro que ganhou a vida negociando sacas de café transportadas no lombo de mulas, de Minas Gerais até o Rio de Janeiro. “As terras em Governador Valadares eram tão baratas que meu avô dizia que se dava uma espingarda em troca de um pedaço de terra”, conta. Quando se mudou com os pais e o irmão para Paragominas, em 1982, Mauro Lúcio viu o mesmo se repetir no Pará. “Meu pai dizia que as terras eram baratas porque ainda não tinham chegado seus donos, mas que um dia isso aconteceria. Eu não acreditava”. O pai, Itagiba Quirino da Costa, havia comprado uma fazenda em Paragominas e era um entusiasta do Pará. Aconselhava os filhos a trabalhar duro, pois a região os impulsionaria na vida. Mas Mauro Lúcio, que começara na lida adolescente, chegou à idade adulta disposto a recuperar o tempo perdido e desfrutar dos prazeres da vida.

“Lembro do meu pai dizendo: filho, tô pelejando para te ensinar de graça e você tá querendo pagar para aprender. Foi o que aconteceu. Quebrei e perdi tudo”. Sem terra, sem dinheiro e desacreditado, viveu tempos difíceis. “A pior coisa que você sente quando quebra é a falta de crédito das pessoas nas suas palavras”, diz. A volta por cima não ocorreu antes que se revelasse outra faceta de sua personalidade. “Pessoas próximas a mim diziam: não venda nada do que você tem. Trabalhe e me pague. Essa confiança aumentava minha responsabilidade. Vendi tudo, paguei o que devia e fui trabalhar como empregado”.

A chance do recomeço veio do empresário paulista Simon Bolívar da Silveira Bueno que o contratou para administrar três fazendas no Pará. Ficou por 12 anos, de 1995 até 2007. Saiu para assumir a presidência do Sindicato de Paragominas. A cidade, que chegou a ser conhecida como “Paragobalas”, em referência aos conflitos de terra e sofreu embargos do Ministério Público Federal após a Operação Arco de Fogo, deflagrada em 2008, rompeu com o ciclo do extrativismo graças ao trabalho da prefeitura em parceria com o sindicato e as ONGs Imazon e TNC que criaram juntos o projeto “Município Verde”. A “Parisgominas”, como a denomina carinhosamente, tornou-se uma referência no combate ao desmatamento. Atualmente Mauro Lúcio comanda a Fazenda Marupiara, localizada no município de Tailândia, PA, comprada em 1997. A propriedade se dedica à recria e engorda. São 4.356 ha, dos quais 523 ha são reservados à pecuária e 357 ha à agricultura, num total de 880 ha de área aberta. A produtividade é de 33,64 @/ha/ano.

Nessa entrevista para o Prosa Quente, concedida à editora Maristela Franco e ao repórter Renato Villela, o produtor fala sobre o desmatamento, que voltou a crescer na região Norte, os esforços para regularização fundiária no Pará e sobre a dificuldade identificar os chamados “fornecedores indiretos”, que têm pendências ambientais ou trabalhistas, mas que escapam dos olhos do Ministério Público e da indústria frigorífica, vendendo seus animais para produtores regularizados, numa comercialização triangulada. Mauro Lúcio também comenta, com entusiasmo sobressalente, sobre a nova etapa do Projeto “Pecuária Verde”, previsto para começar em janeiro de 2021, com foco nos pequenos produtores do Estado. “Acredito muito nesses caras. Eles farão uma revolução no Pará”. Confira!

DBO – Você tem um histórico familiar ligado à pecuária. Sua relação com a terra é diferente da que seu pai e avô tiveram?

Mauro Lúcio – Eu costumo dizer que meu avô desmatou a Mata Atlântica. Meu pai, a Floresta Amazônica. E eu tenho o maior orgulho dos dois. Fizeram o que era comum naquela época. Hoje tenho um modelo de trabalhar bem diferente do que eles faziam. O mundo caminha e eu procuro evoluir, buscar novas tecnologias e processos produtivos. O que invejo no meu pai e no meu avô é a eficiência, fazer um negócio lucrativo, que gere renda e emprego. Acho que é minha obrigação, melhorar a qualidade de vida da minha família e quem trabalha comigo.

Também temos que evoluir na questão ambiental. Hoje, toda empresa se preocupa em fazer um produto que cause o menor impacto possível no meio ambiente. A minha fazenda não é diferente. Tem de estar atenta a isso. É o que os consumidores querem, então é o que temos que fazer. Além do mercado, minha atividade, mais do que qualquer outra, depende do meio ambiente. Preciso cuidar da conservação do solo, do contrário a enxurrada leva os nutrientes e eu corro o risco de soterrar nascentes e assorear os rios. Tenho de preservar a floresta, porque a cobertura vegetal tem impacto relevante no clima e isso afeta diretamente minha produção. É uma obrigação minha e o futuro do meu negócio.

DBO – Em 2019, o número de alertas de desmatamento na Amazônia Legal aumentou 85% em relação a 2018. Em abril deste ano, tivemos o maior índice para o mês já registrado em 10 anos e o Pará voltou a liderar o ranking do desmatamento. A que você atribui esses números?

Mauro Lúcio – Falam que a pecuária é responsável pelo desmatamento. Na verdade a atividade é uma laranja. Quando se derruba a floresta, é preciso colocar algo para que a vegetação não volte. O mais barato é jogar capim. Daí colocam bois e chamam isso de pecuária. Na verdade o maior incentivador do desmatamento é a questão imobiliária. As florestas não têm valor. Conheço regiões onde compram o hectare de floresta por R$ 200. Depois que você desmata e joga capim, passa a valer R$ 5.000. A valorização é muito grande. O problema é que não temos regularização fundiária nessas áreas, então fica difícil saber quem está desmatando. O desmatamento está muito mais voltado para a especulação imobiliária do que para a produção. O discurso de quem desmata é que quer produzir mais, gerar emprego, renda, mas não é verdade. Para produzir mais, basta pegar as áreas que já estão abertas e trabalhar melhor para aumentar a produtividade.

DBO – Você acha que, depois de um esforço tão grande da pecuária para não ser vista como vilã do desmatamento, estamos vivendo um retrocesso?

Mauro Lúcio – Acredito que sim, infelizmente. Quando o Ministério Público Federal fez o embargo da carne no Pará, em 2009, tivemos um choque muito grande. Ninguém esperava. Ficamos perdidos sem saber o que fazer para sair daquela situação. Com a implantação do projeto

“Município Verde”, do qual participaram a prefeitura e o Sindicato de Paragominas, além das ONGs TNC e Imazon, conseguimos diminuir muito essas taxas até 2014. Acho que nos perdemos um pouco depois desse período. Digo nós, porque trabalhei muito e trabalho até hoje com o MPF, a Secretaria de Meio Ambiente e o Ibama para encontrar meios capazes de trazer essas pessoas de volta à legalidade, de modo que melhorem seus processos produtivos e façam uma pecuária diferente. Então, às vezes, me sinto parte desse fracasso.

Mas acho também que não temos políticas públicas voltadas para a floresta. Vou dar um exemplo. Suponha que você tem uma área de 1.000 ha, toda desmatada, que vale R$ 1 milhão. Outra com 50% de floresta só vale R$ 750.000. Agora, se você tiver esses mesmos 1.000 ha, mas com 200 ha abertos e 800 ha de floresta, essa área não tem preço. Ninguém quer. Daí você pega essa terra que foi 100% aberta, fora da legalidade, vende e transfere no cartório, sem problema algum. É um processo em que o ilegal vale muito mais do que o legal. Se você tem um automóvel que não está dentro da legalidade, não consegue vender e transferir para outra pessoa. Se tem multa, só recebe o dinheiro depois que a multa for quitada. Um automóvel ilegal nem o aplicativo aceita. Com a propriedade, você pode produzir e vender, estando legal ou não. Esse é um dos fatores que fomentam e as pessoas a continuar na ilegalidade.

DBO – O que pode ser feito para reverter esse quadro?

Mauro Lúcio – Estamos fazendo um trabalho que é a requalificação dos produtores. Temos de encontrar um caminho para que esse produtor ilegal tenha condições de voltar para a legalidade. É uma dificuldade que encontramos nos órgãos federais e estaduais. O processo criado depois do embargo da carne em 2009 é excludente. O produtor que teve algum problema é excluído de fornecer bois para o frigorífico. O que estamos trabalhando agora é num processo de regularização dentro da legalidade e do código florestal, criando um mecanismo para trazer esses produtores de volta à legalidade. Com a requalificação, que acreditamos funcionar a partir de agosto, poderemos separar o joio do trigo. É um trabalho da Acripará (Associação dos Criadores do Estado do Pará) com os frigoríficos e empresas exportadoras de carne.

DBO – Como está a atuação de órgãos como o Ibama?

Mauro Lúcio – O Ibama tem perdido fôlego desde o segundo mandato do governo Dilma. São reduções e mais reduções. O Ibama tem condições de pegar apenas 20% daqueles que cometem crime de desmatamento. Como eu disse, se compro um hectare por R$ 200, desmato e vendo por R$ 5.000, o ganho é muito grande e o risco de ser pego, pequeno. O grande problema é a nossa bagunça fundiária. Não sabemos quem são os donos da terra.

DBO – Por que é difícil fazer a regularização fundiária no Pará?

Mauro Lú cio – Para mim, se o produtor conseguir mostrar que tem a posse “mansa e pacífica” da terra, deve ser

O maior incentivador do desmatamento é a questão imobiliária. A floresta não tem valor. De pé, vale R$ 200 o hectare; derrubada, R$ 5.000”

Criou-se uma imagem de que a regularização fundiária só traz prejuízos. Nada disso. Quem tem documento pode ser cobrado”

documentado. Deve ser uma coisa obrigatória. Eu não compro automóvel e escolho se quero com ou sem documento. Não tenho esse direito. Tenho a segurança de que ele é meu, mas também tenho as minhas obrigações. Sou responsável por tudo aquilo que aquele automóvel fizer. A minha visão, então, é de responsabilizar as pessoas que são donas daquelas porções de terra.

Nas décadas de 60 e 70, o governo tinha o lema “integrar para não entregar”. O objetivo era povoar a Amazônia. Acho que estava certo, era o que deveria ser feito. Começaram a fazer loteamentos ao longo das rodovias federais. Primeiro na Belém-Brasília, depois Transamazônica, na BR-163. Na década de 80, o governo parou, especialmente depois de 1984. Sumiu tudo. Ficamos órfãos de pai e mãe. Com o passar dos anos, fomos crescendo e indo para o interior, abrindo novas áreas, mas o governo nunca mais deu suporte, não regularizou. Criou-se uma imagem de que a regularização fundiária só traz privilégios. Não é verdade. Precisamos entender que esses produtores terão a documentação e as obrigações sobre essas áreas. A pessoa não poderá fazer nada de errado. Só conseguiremos parar o desmatamento quando pudermos responsabilizar quem está naquele local.

DBO – O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado pelos frigoríficos com o MPF para monitorar os fornecedores de carne no Pará teve impacto na regularização ambiental?

Mauro Lúcio – Acho que o TAC teve eficiência muito grande nos primeiros anos, até 2015. A partir daí começaram os retrocessos. É o que eu digo: esse processo sempre foi muito excludente. O produtor estava errado, a fazenda tinha desmatamento, era excluído. Tivemos dificuldade de retirá-los da ilegalidade e trazê-los para a legalidade. Esse foi nosso grande problema. Nós do sindicato e também a Acripará pelejamos para fazer isso. A questão não é somente a regularização, mas o monitoramento, que demanda imagens de satélite, renovadas a cada ano. Isso tem um custo muito alto para o Estado. Nossa proposta é trazer essas atribuições para a iniciativa privada, que tem mais agilidade e deixar a fiscalização para o Estado, por meio da Secretaria de Meio Ambiente (Sema).

DBO – Você disse que o TAC foi bem até 2015. Que aconteceu?

Mauro Lúcio – O TAC é respeitado, as empresas seguem à rica. Foi eficiente para monitorar o fornecedor direto da

indústria, que não compra boi de fazenda que tem problema. Agora, o indireto está bagunçado. Quando a pessoa aumenta o desmatamento, o que passa a ser? Um fornecedor de bezerro. Cria o bezerro e passa para o outro. Não tivemos eficiência para barrar esse indireto. Outro ponto são as indústrias que não assinaram o TAC, que compram daqueles produtores que têm problemas. Então deixamos uma brecha para isso poder funcionar.

DBO – É difícil fazer o monitoramento do indireto?

Mauro Lúcio – Eu trabalho desde 2017 na minha fazenda com uma empresa que faz o monitoramento do indireto. Pagar é o mais barato do processo. O grande custo é não poder comprar animais próximos à minha propriedade, porque meu vizinho tem algum problema ambiental. Então tenho de comprar longe e pagar mais de frete. Outro ponto é a dificuldade que tivemos nos últimos dois anos de oferta enxuta de animais de reposição. Já é difícil – e caro – comprando de todo mundo, imagina com esse crivo? Você está doido para comprar uma bezerrada, encontra o bezerro, o preço te atende, mas o cliente tem problema ambiental. Esse, sim, é um custo alto e gera grande dificuldade para o negócio.

O que temos de fazer? Tirar esses produtores da ilegalidade e trazê-los para a legalidade. Algumas regiões já não têm problemas de desmatamento recente, como Redenção, Xinguara, Rio Maria e Marabá. Às vezes tem alguma irregularidade. Por exemplo: um produtor possui 5.000 ha e um TAC de 10 ha dentro da propriedade. Por causa dessa pequena porção de terra toda a área é embargada. E o grande problema é que, quando esse produtor entra no embargo, não consegue mais sair. Então essa é a porta da esperança que a Acripará está abrindo. Resgatar esse produtor, requalificar e colocar dentro da legalidade. Aí, sim, vamos conseguir monitorar os indiretos.

DBO – Paragominas chegou a ser chamada de “Paragobalas”, numa referência aos conflitos de terra. A cidade sofreu embargos e já figurou entre as que mais desmatavam no País. Mas essa situação mudou bastante depois do programa “Município Verde”. Conte um pouco sobre esse projeto.

Mauro Lúcio – Hoje quero lhe dizer que você pode chamar Paragominas de ‘Parisgominas’ ou então ‘Paragobela’. Houve uma mudança muito grande no município, da qual tive orgulho de participar. A época que entramos na lista de municípios que mais desmatavam coincidiu com o momento em que assumi a presidênia do sindicato rural. A prefeitura de Paragominas elaborou o projeto “Município Verde” em parceria com o sindicato e as ONGs Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) e TNC (The Nature Conservancy). Estávamos sofrendo muita pressão, especialmente pela Operação Arco de Fogo. O primeiro passo para sair dessa situação era fazer o diagnóstico da região. O Ministério do Meio Ambiente exigia que pelo menos 80% das propriedades rurais dos municípios estivessem inseridos no CAR (Cadastro Ambiental Rural). Para fazer isso precisávamos das imagens de satélite, mas custavam muito caro. Para

Na França tem regiões de vinho. Por que não podemos fazer a carne com biodiversidade do Pará?”

obter os recursos, recorremos ao “Fundo Vale”, (Vale do Rio Doce), destinado a financiar projetos da área ambiental. Para acelerar o cadastro dos produtores, pedimos ajuda da TNC, que havia feito um trabalho muito bom em Lucas do Rio Verde, MT, onde os agricultores não tinham mais acesso a crédito por não ter CAR.

Quem conduziu esse trabalho no Mato Grosso foi o Michael Cambre, que veio para Paragominas trabalhar conosco. Um dia, depois do expediente, ele me chamou e disse assim: “Vamos montar uma sala para a TNC dentro do sindicato para fazer o levantamento de todos os produtores”. Eu respondi: “Já tô sofrendo pressão de todos os lados por trabalhar com uma ONG e você quer que eu os instale dentro do sindicato”? Fizemos e deu muito certo. Inserimos mais de 80% das propriedades no CAR. Para você ter uma ideia: em 2006, fazer o CAR custava R$ 5.000. Nós conseguimos, com a compra das imagens e a ajuda da TNC, reduzir para R$ 600.

Conviver com as ONGs foi uma quebra de paradigma. É claro que temos visões diferentes. Eles pensam na consersação, nós em produção. Mas eu aprendi muito com eles, que são muito eficientes. E acho que eles também cresceram com a gente. Ás vezes vejo alguns discursos de que as ONGs estão acabando com a soberania do País. Isso é um absurdo, uma coisa que não tem lógica. O que acaba com a soberania de um País são atividades que não dão dinheiro, uma sociedade que não tem qualidade de vida, não tem condições de ir à escola, não tem saúde.

DBO – Que benefícios o projeto trouxe para o município?

Mauro Lúcio – Na época da Operação Arco de Fogo, toda a imprensa veio para Paragominas. Polícia Federal, Força Nacional, autoridades públicas. Os habitantes não tinham orgulho de dizer que eram da cidade. Quando a prefeitura implantou o “Município Verde” houve um pacto com toda a sociedade. O projeto foi assinado por 54 associações e entidades. Tinha até “associação de miss”. Não entendia muito bem aquilo. Daí um dia, quando nós já não fazíamos mais parte da lista (Paragominas foi o primeiro município a deixar a lista dos maiores desmatadores), tivemos um caso de desmatamento. Estávamos debatendo o assunto no sindicato com todo mundo reunido e um produtor me manda uma mensagem pelo celular dizendo que queria falar urgentemente comigo.

No final da reunião, ele foi me procurar na minha sala e disse: “Nunca me senti tão mal na minha vida. Estou atrapalhando toda a sociedade”. Nesse dia, entendi a força do pacto. Sabe por que o projeto deu certo? Porque a sociedade tinha necessidade de sair daquela situação. Estávamos acuados, nossa economia estava no buraco, tínhamos vergonha. Conseguimos nos unir para dar a volta por cima e reverter nossa imagem. Não teve milagre nem salvador da pátria. Apenas pessoas com amor pelo município, que vieram para criar raiz, fazer família e preocupadas com o futuro.

DBO – O Projeto “Município Verde” deixou algum legado para essa região do Pará ou outros Estados brasileiros?

Mauro Lúcio – Depois da experiência de Paragominas, passou a ser um programa de Estado chamado “Municípios Verdes”. Mas diminuiu a velocidade daquilo que a gente tinha, porque, no Estado, tudo é mais lento e demorado. Alguns municípios vizinhos, como Rondon, Tailândia e Urianópolis conseguiram implementar algumas ações, mas não tiveram o mesmo sucesso de Paragominas. Por conta do governo, mas também da sociedade. Só muda quem sente a necessidade de mudar.

DBO – E o projeto “Pecuária Verde”, que balanço você faz?

Mauro Lúcio – O projeto Peucária Verde foi uma coisa muito pensada e trabalhada. Com apoio da Imazon, da TNC, do Fundo Vale e da Down Agroscience, reunimos os melhores pesquisadores na parte ambiental, produtiva e social. Trabalhamos com os professores Moarcir Corsi, Matheus Paranhos e Ricardo Ribeiro, além da socióloga Cláudia Pfeiffer, que nos ajudou muito na questão trabalhista. Conseguimos mostrar, em seis fazendas, uma pecuária diferenciada no quesito produtividade, harmonia com o meio ambiente e o lado social.

Mas no que diz respeito ao crescimento da atividade em si, acho que impactamos pouco os produtores. Vou lhe dizer o porquê. Muitos pecuaristas não têm necessidade de crescer. Têm a propriedade como reserva de valor, então não querem implantar novas tecnologias para melhorar a rentabilidade. A partir de janeiro do ano que vem, vamos dar início à próxima etapa do Projeto Pecuária Verde. Trabalharemos com pequenos produtores. Vamos levar conhecimento e capacitação para esses produtores que não tiveram oportunidade, mas têm vontade. Levá-los para ter acesso aos professores, à suplementação de primeira, às instituições financeiras que têm dinheiro a custo barato. Vamos criar essa condição, esse vínculo, esse canal de acesso por meio de conhecimento, tecnologia e crédito para que produzam mais, de uma maneira diferente. Acredito muito nesses caras. Eles farão uma revolução no Pará.

DBO – Você acredita em pagamento por serviços ambientais. Tem algum modelo para a região?

Mauro Lúcio – Sou franco em falar: a legislação me obriga a ter 80% de reserva, você acha que algum mercado pagará mais porque as pessoas fazem o que a legislação exige? Eu não acredito. Mercado não tem coração. As relações comerciais são muito perversas. Mercado é perverso, é mau. O Pará tem em torno de 70% do território em floresta nativa. Nenhum lugar do planeta produz e tem condição de produzir tanta carne preservando a floresta nativa. Se trabalharmos nisso, nos apoiando na biodiversidade e fizendo um produto diferente, teremos condições de agregar valor. Mas ninguém vai pagar se a gente não fizer nada. Na França tem regiões de vinho. Por que não podemos fazer a carne com biodiversidade? Depende de nós, depende de esforço, trabalho. Acredito que temos algo que ninguém tem. Deveríamos usar a questão ambiental muito a nosso favor. Mas, fazer o que a legislação manda e querer receber por isso é utopia. n

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