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Paixão pelo Simental leva criatório

Em busca de um Simbrasil com identidade nordestina Conheça o trabalho do criador antonio Carlos Brandão, que aposta em dados de seleção para chegar a um animal de carcaça para corte

No curral, o resultado do uso de mães nelore para chegar na bezerrada Simbrasil

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LIDIa GRaNDO

Com tanta tecnologia, escolher o caminho mais longo para a formação de um rebanho parece fora de propósito nos dias atuais. Porque o tempo está cada vez mais escasso e há uma cobrança inconsciente para que as respostas sejam imediatas. No caso da pecuária bovina, o mercado cada vez mais volátil exige o aproveitamento de suas ondas de alta de preço. Mesmo assim, Antonio Carlos Brandão, produtor de gado de corte e leite, além de suinocultor, no municípo nordestino de Viçosa, AL, optou por formar o seu rebanho Simbrasil levando uma geração a mais para a conclusão do ciclo. “Eu queria uma base de plantel direcionada às características que pretendia selecionar”, relata. E mostra o capricho da seleção – como se fosse o pai de um filho novo – nas fotos de sua última desmama com média de 8,8@.

Para chegar à raça sintética Simbrasil, estabelecida em 5/8 Simental e 3/8 Zebu, existem várias alternativas de cruzamento. Brandão optou por inseminar sua vacada Nelore com Simental PO e na primeira geração ( F1), voltou com o Nelore PO para formar uma vacada ¼ Simental. É esse produto que ele insemina com Simental para chegar ao 5/8, base para o Simbrasil. Para controle, esses diferentes graus de sangue são registrados na Associação Brasileira de Criadores da Raça Simental e Simbrasil (leia quadro ao lado).

O projeto de Brandão é exclusivamente com uso de Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF) para a aceleração do ganho genético. “Nessa hora, eu preferi a velocidade da tecnologia”, relata o criador. Ele não está sozinho. Alagoas é o terceiro Estado, proporcionalmente, que mais usa IATF na pecuária de corte.

Os touros são provados pelos sumários das raças Simental e Nelore. Uma opção de cruzamento poderia ser o uso do touro Simbrasil, no segundo acasalamento. “Temos rebanhos consolidados muito bons de Simbrasil. Porém, o foco era fazer algo pensando na minha região e no tipo animal que tive experiência com o Simental”, relata o criador. “Por isso, não me importei por levar mais tempo”, diz, motivado pela arquitetura dos cruzamentos. Atualmente, seu rebanho tem 1.000 animais, sendo 200 registrados Simbrasil. Nos próximos três anos, a meta de Brandão é chegar em 600 Simbrasil.

Valor na genética da raça-mãe

A escolha da raça sintética foi consequência natural do trabalho iniciado em 2002 com a raça-mãe Simental. Por um histórico de saúde, mais o falecimento de seu pai, Brandão desacelerou sua seleção de gado puro de origem em 2013, mas não a paixão pela raça. “Eu não conseguia estar presente

Uma história para contar

A raça Simbrasil é formada pelo cruzamento do Simental com o gado zebu. Trabalhada no Brasil desde 1945 pelo pioneiro Agostinho Caiado Fraga, ela foi reconhecida pelo Ministério da Agricultura em 2001. O controle de dados é feito pela Associação Brasileira dos Criadores das Raças Simental e Simbrasil (ABCRSS). Atualmente, a entidade acumula quase 40 mil registros, com criatórios ativos concentrados nas regiões Centro-Oeste e Sudeste. “Nos últimos anos, notamos o crescimento do Simbrasil fomentado pelo trabalho dos criadores em suas regiões”, afirma Alan Fraga, reeleito presidente da ABCRSS no mês passado. Fraga acredita que a raça deve retomar sua participação em exposições, como também a venda em leilões. Ele lembra que fora do Brasil, onde leva o nome de Simbrah, a raça tem muito destaque por suas características de adaptação, o que sugere que “há espaço para crescimento no Brasil”. No caso, principalmente com a venda de touros para repasse em regiões mais desafiadoras e que precisam de ganho genético para aumentar a produtividade por área.

A busca na seleção da raça é por um bezerro onde não se veja “ponta de osso, mas apenas carne” (acima, à dir.) e mães com boa produção de leite

e fazer os manejos da fazenda, era hora de uma pausa”. Assim, mesmo com investimentos menores, o trabalho com o Simental foi mantido.

Há cinco anos, quando decidiu retomar a seleção, acelerou sua aposta com o Simbrasil marca AB, principalmente pensando no mercado local de touros que enfrentam os desafios de um clima árido. “Foi a adaptação e a heterose entre as raças que me levou à escolha pelo Simbrasil”, explica ele. Era a saída para, também, para continuar com o Simental. “É uma raça que tem muita fertilidade, habilidade materna, precocidade e ganhos de carcaça”, afirma. Além disso, podia valer-se de uma jóia local para o uso do sangue zebu, que é a seleção de Nelore dos Irmãos Barros Correa, um dos recordistas de preço na raça.

Muito visual, Brandão tem o olho regulado para avaliação dos animais desde o nascimento. Para ele, o importante é manter um trabalho de campo totalmente voltado a uma boa carcaça. “Ela precisa ser compacta, moderna, que não se veja ponta de osso, mas apenas carne”, explica. “Desde bezerro, o animal deve apresentar uma carcaça que pareça estar pronta para o abate, devido à sua conformação”, completa.

Além da heterose e da genética, Brandão ressalta a boa produção de leite da mãe que alimenta o bezerro. “Isso é imprescindível em nossa região nordestina que perde muito pasto na época da seca”. Ele explica que, apesar de estar na Zona da Mata, com índice pluviométrico de 1.400 mm, há alta concentração de chuva no inverno e um verão muito seco. “Nessa hora, o gado em geral emagrece, mas nosso cruzamento se mantém bem, não aparecendo a costela.” Os animais são criados exclusivamente a pasto de MG5, pangola, estrela africana e marandu, com suplemento de sal proteinado de baixo consumo (100g/cab/dia). Os machos que vão para o corte também são terminados no pasto, embora haja projeto para fazer 60 dias em semiconfinamento no futuro.

Parceria na vizinhança

Para dar fôlego ao projeto de expansão do Simbrasil, Brandão mantém parcerias com criadores da região. Um deles é Homero Farias, pecuarista no município de Mar Vermelho, a cerca de 20 km de sua fazenda. Ele fornece as doses de sêmen, ajuda na definição dos acasalamentos e garante a compra da produção de bezerros. “Tenho um investimento pequeno na dose de sêmen, mas a garantia de compra de um bom produto”, afirma. Com isso, Brandão vem aumentando a quantidade de animais e a pressão de seleção em sua fazenda. Na última estação, por exemplo, onde foram realizadas 470 IATFs, os machos registraram 8,3@ e as fêmeas 7,8@, aos oito meses, desempenho já considerado muito bom. Mas houve máximo de 9,15@ nos machos e de 8,5@ nas fêmeas.

O controle de dados, que vem sendo ampliado e monitorado em sua fazenda, tem um propósito para Brandão. Ele acredita que, com o tempo, será possível formar um banco para o rebanho Simbrasil nordestino, um animal com características próprias de adaptação e produção. A certeza vem do histórico do pai, Ismael Carnaúba Brandão, pecuarista e suinocultor pioneiro na década de 1960, na região, que naquela época já acreditava na tomada de decisão com base em números também para a pecuária de corte. Mas aquela era uma outra época. n

Desde bezerro, o animal deve apresentar uma carcaça que pareça estar pronta para o abate”

Antonio Carlos Brandão, criador em Viçosa, AL

“Minha vida foi criar Braford” ele fez da pecuária a sua arte de viver e construiu um patrimônio genético

Vera Ondei

Afrase que abre esse texto foi dita por um gaúcho nascido num vilarejo que em 1995 tornou-se o município de Maçambará. Antes, era tudo Itaqui, terra gaúcha às margens do rio Uruguai, na divisa com a Argentina. Filho de capataz, Pedro Monteiro Lopes, o dono da frase dita em várias ocasiões nas quais foi entrevistado, nunca deixou para trás a sua alma fazendeira. Foi pecuarista e agricultor por toda a vida e um dos mais respeitados selecionadores de gado da história recente o País. Nascido no dia 3 de outubro de 1946, faleceu no último dia 23 de setembro deste ano, deixando em seu lugar uma família fazendeira e uma história para ser contada.

Pedro Monteiro, da Pitangueira, como era chamado, formou-se técnico agrícola e advogado. Pitangueira é o nome da empresa que ele construiu - Grupo Pitangueira - e também o nome da fazenda base de sua trajetória no agro. O início foi na década de 1960. Até a década de 1970, ele dizia fazer cruzamentos alternativos. Mas aí se debruçou de vez sobre o que veio a ser o Braford brasileiro, originário do cruzamento de Hereford com Zebu, no caso o Nelore. O criador apreciava o Nelore Mocho. Hoje, seu trabalho é destaque na pecuária. A Pitangueira possui um dos maiores rebanhos Braford do País. São 5 mil fêmeas na base da seleção, a venda de reprodutores é de cerca de 500 animais por safra e, indo além, Pedro Lopes construiu a marca de carne Pitangueira, há cerca de duas décadas, abatendo animais entre 18 meses e máximo de 30 meses.

Para construir sua pecuária, Pedro Monteiro não poupou esforços. Não por acaso, foi por uma década também presidente da Associação de Criadores de Zebu do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Ele é um dos poucos gaúchos a ganhar da poderosa Associação Brasileira dos Criadores de Zebu o Mérito ABCZ, concedido a personalidades que contribuem para o avanço do melhoramento genético das raças zebuínas. Mas no Braford sua atuação não foi menor, incluindo em sua trajetória uma cadeira permanente no Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Hereford e Braford. Em dezembro de 2011, a entidade lhe prestou uma homenagem que já estava consolidada na memória dos criadores: por 10 anos consecutivos, ele levou o prêmio de Melhor Criador do Ranking Nacional da Raça Braford.

Braford para o Brasil e vizinhos

O reconhecimento não foi por acaso e vai além do papel de criador. Pedro Monteiro apostava na ciência para criar gado. Foi um dos fundadores da Conexão Delta G, há cerca de 40 anos, associação de melhoristas em genética animal. O geneticista Luiz Alberto Fries, idealizador da Conexão e um dos grandes nomes da ciência animal no País, foi estagiário nas fazendas do criador, que não se limitou às fronteiras gaúchas. Ainda na década de 1970 Pedro Monteiro foi para o Pantanal mato-grossense, na região de Santo Antonio do Leverger. Ele acreditava em seu gado espalhado por todo o País. E conseguiu. Na fazenda pantaneira, um oásis ambiental cercado por corredores ecológicos, proteção da fauna e da flora, Pedro Lopes testou o Braford por 18 anos, antes de se aventurar a vender um animal. E, mesmo assim, só começou a colocar ao mercado touros que já estivessem testados por ele. Mas sua genética não se espalhou somente pelo Brasil. A genética Pitangueira também está em rebanhos de países como Paraguai, Bolívia e Uruguai.

O pecuarista Pedro Monteiro, sempre de bom humor nas suas entrevistas, dizia gostar de chimarrão e cara alegre. Também dizia que o brasileiro, em geral, é um excelente produtor e que as certezas da atividade são muito poucas, “mas ela é muito nobre”. E chamava seus herdeiros para o protagonismo: “Hoje eu não sou, hoje nós somos”, disse certa vez sobre sucessão familiar. No caso, a filha Clarissa Lopes Peixoto, o genro e as netas, herdeiras da pecuária e também de um dos grandes projetos de cultivo de arroz, encaixando a Integração Lavoura-Pecuária na sua lida, outra atividade da Pitangueira. Mas essa é outra história. n

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