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Alteração de artigo sobre condenação de

Cisticercose gera polêmica

Decreto do Mapa que altera artigo sobre tratamento condicional de carcaças com apenas um cisto calcificado gera prejuízos de até 50% ao produtor

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Carcaça que apresentar apenas um cisto será destinada a tratamento condicional

ArioSto MeSquitA, de Campo Grande, MS

Muitos não perceberam, mas o namoro entre o atual Governo Federal e produtores de carne bovina sofreu um “abalo de confiança”. Motivo: a publicação do Decreto Lei 10.468, no último dia 18 de agosto, carregando nova redação para o artigo 185 do Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (Riispoa), que recrudesceu as regras de controle sanitário da cisticercose bovina (causada pelo Cysticercus bovis) nas linhas industriais dos frigoríficos.

O novo texto, em seu parágrafo 2º, determina que a carcaça seja destinada ao tratamento condicional ‒ pelo frio (na maioria das vezes) ou pelo calor ‒ toda vez que sejam encontrados cistos, mesmo calcificados, ainda que seja apenas um. Até a publicação do decreto-lei, esse tipo de tratamento era obrigatório apenas quando a carcaça apresentasse um ou mais cistos vivos ou mais de um morto. Com apenas um cisto calcificado, a carcaça era liberada para consumo, sem restrições, após remoção e condenação da parte atingida. Segundo os produtores, essa mudança implicou redução de remuneração que varia de 30% a 50% em relação à situação anterior, uma vez que os frigoríficos alegam elevação de custos na operação de congelamento.

A decisão tomada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) entrou em vigor no dia de sua publicação no Diário Oficial da União e provocou reações imediatas do setor, com muitos questionamentos nas redes sociais. Argumentando que, em nenhum momento foram consultados ou avisados da decisão, pecuaristas resolveram “discutir a relação” com o governo. Alguns de forma mais contida; outros, nem tanto.

reações das entidades

No início de setembro, a Sociedade Rural Brasileira (SRB) enviou ofício à Secretaria de Defesa Agropecuária do Mapa, solicitando informações detalhadas sobre a medida. Especialistas também se manifestaram. Sebastião Guedes, integrante da Academia Brasileira de Medicina Veterinária (Abramvet), ligada à Sociedade Nacional de Agricultura, enviou documento à ministra Tereza Cristina, solicitando a revisão da medida e sugerindo que o decreto fosse objeto de consulta pública, ganhasse prazo de um ano para entrar em vigor e que o governo promovesse campanhas de saúde pública e tratamento contra a teníase, para a contenção da contaminação bovina pelas fezes humanas. “A ministra me respondeu no dia 30 de setembro, dizendo que está trabalhando no tema”, garantiu Guedes [A edição de DBO seguiu para a gráfica no dia 2 de outubro].

A Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Carne Bovina, coordenada pelo próprio Mapa, também se movimentou e convocou uma reunião extraordinária, no dia 15 de setembro, que resultou na criação do Grupo de Trabalho da Cisticercose (GTC). Uma fonte ligada ao grupo, considerado “moderado”, admitiu à DBO que o Mapa está irredutível em relação à possibilidade de rever a alteração e que o grupo de trabalho considera “não haver muito o que fazer” nesse aspecto, a não ser encaminhar propostas que garantam, ao mesmo tempo, segurança alimentar e redução dos prejuízos à cadeia produtiva.

Propostas do GtC

Entre os encaminhamentos feitos pelo GTC ao Mapa, estão a padronização das inspeções sanitárias em todos os frigoríficos, a promoção de campanhas de educação sanitária e de vermifugação humana e redução do tempo do tratamento condicional nas indústrias. Segundo a veterinária Lara Bonfim, professora na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG), o tratamento pelo frio está previsto no artigo 172 do Riispoa: “A carne deve ficar pelo menos 10 dias sob temperatura mínima de 10 graus negativos.”

Nem todos, porém, aceitam a mudança como definitiva. Nedson Rodrigues, presidente da Associação Sul-Mato-Grossense dos Produtores de Novilho Precoce (Novilho MS) ‒ referência no Brasil quando o assunto é carne de qualidade oriunda de animais jovens ‒, se diz “totalmente contra o que o Ministério fez” e que vai “lutar pela revogação da medida”.

O dirigente da Novilho MS questiona o argumento do Mapa de que um animal com um cisto calcificado pode portar um vivo ou viável em outra parte da carcaça não inspecionada. “Estamos sendo penalizados por um mero achômetro”, reclama. Ele diz que, apesar de não existirem números oficiais, a estimativa é de que a desclassificação de carcaças no Brasil correspondia a aproximadamente 0,15% dos animais abatidos. “Algumas projeções apontam que, agora, poderá chegar a 5% ou 6%”, diz Rodrigues.

Ele relata exemplo próprio: “Em meu rebanho, surge um caso de cisto viável, ano sim ano não, a partir de animais de compra. Depois da mudança de regra, vendi 340 bovinos até o dia 30 de setembro e em três deles foram detectados cistos calcificados. Fui descontado em 50%, por causa do tratamento condicional, e perdi cerca de R$ 7.000”, revela.

Critério de saúde pública

No âmbito do Ministério da Agricultura, não existia, até o dia 1º de outubro, qualquer sinal indicativo de se voltar atrás na decisão. Márcio Rezende, secretário-adjunto de Defesa Agropecuária do Mapa, informou à DBO, naquela data, que não havia intenção de se rever “nada” no decreto. Segundo ele, a inclusão de uma lesão calcificada como causa para tratamento condicional da carcaça atende a “recomendações internacionais e à literatura científica” que consideram ser este um indicativo forte de que podem haver outras lesões. “Consideramos que o critério anterior não dava segurança necessária para a saúde da população. Portanto, nossa decisão não foi tomada em cima de critério econômico e sim baseada em saúde pública”, justifica.

Alguns países importadores, como o Chile, já há algum tempo não aceitam receber carne oriunda de animais que tenham registrado um cisto calcificado sequer. Esta situação, segundo o secretário, gerou impasse dentro do próprio governo. “Fomos contestados. A Controladoria-Geral da União, por exemplo, indagou por que uma carcaça proibida por país importador poderia ser consumida pela população brasileira...”

Rezende observa, ainda, que o novo texto não estabelece nenhuma penalização na remuneração ao produtor para carcaças com infecções consideradas leves ou moderadas. “Isso somente acontece quando o animal é condenado por infecção intensa, ou seja, a partir da detecção de oito ou mais cistos viáveis ou calcificados. Se está havendo penalização no tratamento condicional, é uma decisão tomada dentro da cadeia produtiva”, salienta o secretário-adjunto.

Ele reconhece que a medida gerou problemas e, por isso mesmo, informa que a Divisão de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa) autorizou medidas para facilitar a operacionalização dos tratamentos condicionais por parte dos frigoríficos: “A indústria sem capacidade suficiente de câmara pode, ao final do turno de abate, fazer a desossa e colocar as peças no tratamento a frio, ocupando menos espaço.”

Além disso, depois do período de congelamento, a indústria está autorizada a fazer o descongelamento técnico e vender essa carne como resfriada, inclusive para exportação. Por sua vez, o frigorífico que não faz desossa e não tem estrutura para tratamento a frio, tem como opção mandar a carcaça para outra unidade da empresa. Além disso, o Dipoa se coloca à disposição dos produtores para informar que destino teve a carcaça do animal com cisto detectado”, informa.

Posicionamento da indústria

DBO procurou o segmento industrial. Marfrig e JBS não responderam; a assessoria da Minerva disse que “não iria comentar”. Também procurados, a assessoria da Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras) informou que “não está falando sobre esses temas”, enquanto a Abrafrigo (Associação Brasileira de Frigoríficos) alegou “ser tudo muito recente, que o grupo de trabalho apenas iniciou suas atividades e que, quando os estudos avançarem, a entidade vai emitir seu posicionamento.”

Sobre a reclamação de pecuaristas de não terem sido consultados antes da edição da medida, o secretário entende que, do ponto de vista de um órgão fiscalizador, combinar algo antecipadamente com o setor a ser fiscalizado é algo um tanto quanto promíscuo. “Acho que este sentimento de traição tem de ser revisto”, sugere ele, em referência à “lua de mel” que vinha ocorrendo entre o setor e o governo. n

Ministério da Agricultura alega que mudança na legislação para inspeção post mortem da cisticercose em carcaças bovinas visa resguardar a saúde pública

Estamos sendo penalizados por um mero achômetro”

Nedson Rodrigues, presidente da Novilho Precoce-MS

Polioencefalomalácia, nome difícil de doença complicada

Professor titular de Clínica de Ruminantes da FMVZ-USP ortolani@usp.br Amedicina, assim como a veterinária, emprega terminologias complicadas para dar nome às doenças, aos sintomas clínicos, às operações e manobras rotineiras da profissão. Boa parte desses nomes tem duas raízes: o grego antigo e o latim. Do grego vêm o nome dos sintomas, da intensidade destes, cores e das manobras empregadas, como foi inicialmente estabelecido pelo grego Hipócrates, o pai da medicina. Já do latim vêm os termos anatômicos, surgidos a partir do século XV.

O nome polioencefalomalácia (representada pela sigla PEM) assusta quando escutado pela primeira vez. Por isso, vamos dar nome aos bois: polio vem do grego e significa cinza; encéfalo vem do latim e significa “segmento do cérebro”, e malácia, do grego, amolecimento. Ou seja, amolecimento do tecido cerebral cinzento. O cérebro cortado ao meio tem grosseiramente duas cores: a camada externa é cinza e a interna, branca. A cor branca é dada pela mielina, um revestimento de gordura que envolve as células nervosas e que não está presente no segmento cinza (veja foto abaixo).

Como a PEM surge

Embora os termos mencionados acima remontem à antiguidade, a PEM só foi descrita em ruminantes na década de 1950, por cientistas da terra do Tio Sam. Entre as espécies animais, os ruminantes são os mais atingidos, pois têm um metabolismo de energia bem diferente do dos monogástricos que facilita o surgimento da doença. A doença está intimamente ligada à falta de proteção dos tecidos cinzentos do cérebro ou a lesões nessas áreas. Dentre os fatores que proporcionam o bom funcionamento desses tecidos, destaca-se a tiamina, a primeira vitamina a ser descoberta, na década de 1920. Por ser do complexo B, foi denominada de vitamina B1.

As células nervosas dependem exclusivamente da energia gerada em seu interior, num circuito bioquímico chamado Ciclo de Krebs, em referência ao pesquisador que o descreveu e que ganhou o prêmio Nobel de Medicina, em 1953. Para que o principal combustível entre neste ciclo para gerar energia, é fundamental a participação da tiamina, que também tem papel chave na construção da membrana externa das células cinzentas e na plena passagem dos estímulos elétricos dentro e entre estas células.

Bem, a falta de tiamina ou a destruição desta provoca nos tecidos cerebrais uma verdadeira bagunça, primeiro desorganizando os estímulos elétricos, minguando de energia as células, que podem morrer de fome, e destruindo a camada de proteção externa das mesmas. Um verdadeiro caos! Outras doenças também podem causar PEM, dentre elas as intoxicações por enxofre, melaço, sal/água e chumbo. Até a mudança repentina de pasto ruim para exuberante e a ingestão de cadáveres são citados como causas da PEM.

Intoxicações perigosas

Na intoxicação por enxofre, este elemento é transformado em sulfito (SO3) no rúmen, que, absorvido, destrói a tiamina diretamente no cérebro. Uma intoxicação desse tipo de testemunhei foi causada pelo próprio pecuarista, que resolveu, a seu bel prazer, adicionar um tanto de flor de enxofre ao sal proteinado, para, segundo sua crença, alisar o pelo do gado. Deu no que deu! Em Cuba, foram descritos casos de PEM em bovinos que comeram muito melaço, que também contém altas quantidades de enxofre.

A intoxicação por sal/água acontece em bovinos jovens, especialmente em dias quentes e após serem submetidos ao transporte. A boiadinha, quando fica longo tempo sem receber suplemento mineral contendo sal branco, ao ser novamente suplementada, ao invés de comer 30-

Matéria cinzenta (externa) afetada pela PEM, que causa cegueira nos animais

50 g/cabeça, ingere até o triplo disto. Se, logo em seguida, for oferecida água aos animais, sedentos, eles beberão com gosto. O sal em excesso passa ao cérebro e funciona como uma esponja, puxando muita água para este local, causando um baita inchaço cerebral. Está feito o banzé! Até aqui, não falamos de casos infecciosos. Mas, de norte a sul do Brasil foram descritos episódios de PEM em bovinos jovens que tiveram um tipo de meningoencefalite pelo herpesvírus (tipo 5), que destrói as células cinzentas e provoca enorme inflamação no local. Um dia falaremos disto.

Principais sintomas

Os sintomas da PEM podem variar, em especial se a doença for gerada por outra enfermidade. A degeneração dos tecidos cinzentos provoca um inchaço no cerebelo e no tronco encefálico, que controlam, respectivamente, os movimentos e certas funções básicas do organismo. O animal com PEM se isola do rebanho. Por ficar cego, evita andar ou anda sem rumo, olha para o alto, treme a cabeça e as orelhas, range os dentes, baba e pode até ter convulsões. Cai e fica na posição de “mirar estrelas”, chamada de opistótono. Se não for tratado em tempo vai morro abaixo e sucumbe em poucos dias. Um pavor! Voltemos à tiamina. Bezerrinhos nascem com uma pequena reserva dessa vitamina, suprida pela presença dela no colostro e no leite. Porém, já com seis semanas de idade, quando o rúmen começa a se desenvolver, as bactérias ruminais passam a produzir tiamina. Para sintetizá-la, há necessidade de uma fonte dietética de proteína ou nitrogênio, que pode vir até da ureia, e de carboidratos, em especial de pequenas moléculas de açúcar. Se dependesse apenas da quantidade de tiamina presente nas pastagens, os ruminantes certamente teriam deficiência dessa vitamina, em especial se os capins fossem fenados ou ensilados. Viva as boas bactérias ruminais!

Infelizmente, a tiamina tem baixíssimos estoques no corpo. Porém, na carência de proteína, o organismo faz misérias para economizá-la. Não fosse assim, nossas boiadas não suplementadas sofreriam muito, pois nossos capins tropicais são bem pobres em proteína. Quanto maior for a ingestão de carboidratos solúveis (grãos ricos em energia, melaço etc) maior será a necessidade de tiamina pelo animal. Assim, bovinos em confinamento quase dobram a necessidade da vitamina, em relação aos mantidos em pastejo. Aí é que mora o perigo!

Destruidoras de tiamina

A maior ameaça de deficiência de tiamina surge em condições que destroem ou modificam esta vitamina, em especial quando do surgimento das tiaminases (substâncias destruidoras da tiamina) no rúmen. Existem dois tipos de tiaminases: a primeira destrói a vitamina; a segunda é mais danosa, pois modifica a estrutura química da tiamina, tornando-a inativa, e, embora ela seja absorvida na hora de atuar no cérebro, simplesmente não funciona.

Em relação às causas mais frequentes de PEM, podemos dividi-las em dois grandes grupos, segundo o tipo

de criação de gado de corte. Nas criações extensivas, muitos pesquisadores brasileiros relacionaram-na com a intoxicação por sal, por enxofre e por chumbo, ao herpesvírus ou à mudança de pasto ruim para outro de altíssima qualidade. Porém, nos confinamentos e semiconfinamentos ganha de braçada a acidose láctica ruminal (ALR), tendo como uma de suas complicações a geração das tiaminases. Nas minhas pesquisas em ALR, induzi experimentalmente uns 250 casos, em bovinos e ovinos. Em cinco animais, tive de tratar de emergência casos de PEM no 2º ou 3º dia do quadro. Felizmente, todos sobreviveram para “contar a história”.

A acidose mata as bactérias ruminais do bem e as substitui por micróbios da banda de lá. Vez por outra crescem algumas bactérias produtoras das temerosas tiaminases. Estas substâncias podem ser oriundas de dietas muito ricas em enxofre ou da ingestão de cadáveres em decomposição. Não tenho bola de cristal, mas houver, futuramente, uma inclusão alta de DDGS (grãos secos de destilaria com solúveis, muito ricos em enxofre) nas dietas de confinamento, poderão aumentar a ocorrência de PEM, caso não sejam tomadas medidas preventivas.

Ocorrência em confinamentos

Faltam levantamentos precisos da ocorrência da PEM em confinamentos brasileiros. Estudos em dois grandes centros de engorda indicaram que ela representava, em um deles, 5% do total das mortes e, no outro, 2%. No primeiro caso, 90% dos bovinos diagnosticados com PEM ainda vivos, mesmo medicados, morreram, indicando que o tratamento ocorreu em fase muito adiantada da doença. Faltou um diagnóstico rápido da enfermidade e certamente a adoção de medidas preventivas para que elas não acontecessem Isso reforça o que tenho afirmado: um dos principais calcanhares de Aquiles do confinamento é a sanidade. Muito se investiu em nutrição e manejo, mas a sanidade continua sendo o patinho feio da história. Boa parte dos confinamentos não tem veterinário na linha de frente e muitos dos que atuam carecem de experiência. Vale uma profunda reflexão a respeito. A prevenção da PEM deve ser realizada de forma ampla, destacando-se aqui a precaução em relação às acidoses ruminais e, em rebanhos problemáticos, a suplementação da dieta com altas concentrações de tiamina. Estamos conversados?! n

Posição de “mirar estrelas”, sintoma que pede tratamento imediato.

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