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Sabor da Carne

Terroir, uma oportunidade

que bate à nossa porta.

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RobeRto baRcellos

é consultor de projetos de desenvolvimento de marcas de carne e pecuária verticalizada, e sócio da marca BBQ Secrets e dos açougues Confraria do Fogo e Confraria da Carne, com unidades em Botucatu, SP, e na capital paulista. Carne de qualidade é um conceito muito novo no Brasil, um país que sempre teve aptidão para produzir carne commodity, responsável por mais de 90% do que é ofertado ao mercado. Por isso, ainda estamos começando a nos desenvolver e amadurecer como consumidores, começando a criar padrões próprios, pois, até agora, nossa grande influência foram os padrões e nomenclatura dos cortes norte-americanos, argentinos e uruguaios.

Até agora, também, as marcas de carne de qualidade brasileiras atuaram em nichos de mercado, procurando na maciez seu grande diferencial. Ora, maciez é uma característica influenciada pela idade, pelo tipo de fibra, pelo grupo genético (zebuínos x taurinos), mas não pela raça específica do bovino. E é a raça que pode transmitir outra característica primordial para a carne: o sabor, que, por sua vez, é fortemente influenciado pela quantidade de gordura, pois é altamente palatável às nossas papilas gustativas.

Raça também é um dos componentes que entrariam, no caso da carne bovina, na fórmula que os franceses batizaram, inicialmente para o vinho (o grande exemplo), de terroir ‒ um conjunto de características únicas que influenciam no sabor final do produto ‒: a terra (tipo de solo) e a região (altitude, clima, regime de chuvas, luminosidade).

Gosto de fazer uma analogia com o café da marca Nespresso, em cápsulas: cada uma delas, diferenciadas por cores, tem um blend de cafés, um terroir, um controle de todas as etapas de produção, desde o grão até a xícara.

Trazendo essa realidade para o universo da carne, percebemos que há regiões que imprimem características muito específicas para aquele produto. A carne produzida 100% a pasto, nas pastagens de inverno do Rio Grande do Sul, com raças britânicas, tem um sabor praticamente úni-

Duas origens do mesmo corte (acém), com extrema qualidade: na foto da esquerda, novilha cruzada Angus x Nelore, 22 meses, terminada em confinamento em Itaí, SP; nas duas da direita, novilha Nelore de 24 meses, terminada a pasto em Rondonópolis, MT co, da mesma forma que sentimos um sabor superespecial na carne de animais Nelore produzidos nas pastagens do Mato Grosso do Sul ou do Mato Grasso.

Experiência de terroirs distintos significa, por exemplo, apreciar o sabor da carne de uma novilha de cruzamento industrial produzida em confinamento no sudeste ou no centro-oeste ou de uma novilha criada no norte do Brasil, 100% a pasto. São totalmente distintos, texturas distintas e com sabores distintos. O desafio é manter essas características de forma padronizada, uma das exigências para se ter o carimbo terroir.

Maturação também conta

O consumidor gosta de fazer experiências, conhecer novos sabores: carne de gado criado a pasto versus gado terminado em confinamento; carne maturada versus carne fresca; carne wet aged (de maturação úmida) versus uma dry aged (maturação a seco), etc…

Sim, o processo de maturação também compõe o terroir da carne. Porque cada câmara fria de maturação a seco (no caso do dry aged) tem sua característica, de temperatura, de umidade, nível de ventilação, quantidade de micro-organismos etc.. que influenciam o sabor do produto final. É nesse processo, inclusive, que se consegue uma carne extremamente saborosa, a partir de animais mais velhos, de oito ou dez anos de idade. No documentário francês “Steak revolution”, de 2014, por exemplo, a busca pelo corte ideal termina num animal Rubia Gallega, de 10 anos de idade, quase 2.000 kg de peso vivo, com uma carne que é maturada. Um sabor único!

Acredito que a próxima onda de consumo de carne traga consigo esse avanço: consumidores mais exigentes, dispostos a descobrir e valorizar mais os sabores do que a maciez (que é, fique bem claro, condição fundamental para uma carne de qualidade).No futuro próximo, não bastará falar, simplesmente, que meu produto tem sabor, maciez e suculência. É preciso encorpar o valor dele e contar o que existe por trás dessa carne de qualidade. Mostrar que essas características são produto de um ambiente único. É nisso que se concentra o marketing ‒ sempre muito bem-feito ‒ das carnes argentina e uruguaia.

Por fim, um esclarecimento: terroir é muito diferente do conceito de certificação, que envolve o processo de rastreabilidade. Certificação não significa atestado de qualidade, já que eu posso ter, no mesmo universo de raça, produtos com qualidade muito variável. Certificação, nesse sentido, é mais uma composição do terroir, um certificado de origem, do que um selo de qualidade. É uma confusão que ainda continua sendo feita, embora faça parte de um processo de amadurecimento que o consumidor está vivendo hoje no Brasil. n

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