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Perdidos no Espaço: Sobre o Lugar da Liturgia no Mundo Contemporâneo – Pedro de Novais Lima Junior
from Liturgia, Arte e Urbanidade. Memórias de um seminário
by Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
PERDIDOS NO ESPAÇO: SOBRE O LUGAR DA LITURGIA NO MUNDO CONTEMPORÂNEO
Pedro de Novais Lima Junior*
Neste fim de milênio, quando a Igreja comprometida com ‘a vinda do reino’ é confrontada com questões de ordem social, política e doutrinária, entre inúmeras outras às quais deve dar respostas, pareceu-nos que um seminário sobre o tema Liturgia, Arte e Urbanidade seria um anacronismo. No entanto, ao considerar o assunto sob o ponto de vista das relações sócio-espaciais próprias de nossa sociedade urbana, percebemos que a escolha do tema revela afinada sintonia com o nosso tempo, o que lhe confere a maior relevância e pertinência.
A CENTRALIDADE DA DIMENSÃO ESPACIAL
Esse nosso tempo se caracteriza por uma recuperação da dimensão espacial na compreensão da vida social, que foi possibilitada, simultaneamente, por avanços no nosso conhecimento do mundo e por mudanças na natureza desse mesmo mundo.
Mudanças subjetivas
Nos esquemas tradicionais de compreensão e intervenção na realidade social predominava, até recentemente, a concepção cartesiana de espaço. Considerado no âmbito do absoluto, este espaço “contém todos os sentidos e corpos” (Lefebvre, 1991b, p.1) e é pensado, de modo abstraído, como mero suporte das relações humanas.
Em rompimento com essa tradição intelectual, desenvolve-se a concepção relativista do espaço. Isto significa que a categoria espaço ganha evidência na explicação dos processos sociais, sobretudo em função do sentido ampliado atribuído à localidade: “a idéia de localidade está necessariamente introduzida na física einsteiniana pelo fato de que as medidas só podem ser feitas num certo lugar e
são relativas à própria situação em que são feitas” (Morin, 1998, p.178-9). Com este passo é que se pode imaginar a coexistência de uma pluralidade de realidades (a existência simultânea de diferentes espaços-tempos), o que também permite reconhecer que todo o ponto de vista é posicionado, isto é, que todo o pensamento é socialmente situado.
Mudanças objetivas
A maior significação atribuída ao espaço não é resultado apenas do desenvolvimento das abordagens de reconhecimento do mundo. É, também, fruto de uma mudança substantiva do real. Essa mudança caracteriza-se, conforme Ribeiro, pelo conflito que surge em função da maior interação entre as escalas de realização da vida social, uma vez que há, por um lado, um aumento da capacidade de ação no mundo (o potencial de mudança e ruptura surge simultaneamente em vários lugares) e, por outro, uma maior manipulação da ordenação mundial (o desenvolvimento da capacidade de controle dos recursos mundiais e mudanças nas formas de exercício do poder; Ribeiro, 1999).
Harvey também afirma a centralidade atual do espaço, observando que, com a expansão capitalista em escala global, a idéia de localidade adquiriu significado econômico objetivo: “Com a redução das barreiras espaciais [através da abertura de fronteiras entre nações, da melhoria nos meios de comunicação e transporte etc.] aumenta muito mais a nossa sensibilidade ao que os espaços do mundo contêm.” (1989, p.265).
Em suma, presenciamos a recuperação do espaço como dimensão fundamental para a compreensão e intervenção na realidade. Tanto em função do desenvolvimento intelectual, no plano das representações do mundo, como em razão das manifestações objetivas da (re)estruturação das relações sociais, o espaço aparece não apenas como um produto, mas como produto que também condiciona essas relações (Lefebvre, 1972, p.21; Harvey, 1996, p.207).
A RELAÇÃO ENTRE LITURGIA E URBANIDADE
Se dissemos que o tema da Liturgia, Arte e Urbanidade está em sintonia com o nosso tempo, também foi em virtude de pressupormos uma estreita relação entre liturgia (que associamos preliminarmente à forma da celebração) e espaço (o local e o lugar do ato litúrgico) — essa relação é também percebida por Mircea Eliade, para quem o espaço sagrado é construído ritualmente (1992, p.27-8). Por isso, propomos refletir sobre essa relação naquilo que lhe é marcadamente contemporâneo, a urbanidade. Faremos isto orientados por duas questões:
1. Qual o lugar da ‘urbanidade’ na liturgia? 2. Qual o lugar da liturgia na ‘urbanidade’?
A URBANIDADE NA LITURGIA
Para refletir sobre o lugar da urbanidade na liturgia, precisaremos pensar com que tipo de ‘urbanidade’ pretendemos dialogar, e isso implicará pensar no que é o ‘urbano’.
A urbanidade
‘Urbanidade’, no sentido adquirido pela palavra a partir do Renascimento, é uma qualidade do modo de vida urbano: urbanidade implica ‘civilidade’, triunfo da ‘cortesia’, em contraste com a vida rural.
Idealmente, urbanidade sugere uma aproximação entre indivíduos. Na prática, implica um isolamento que toma a forma da ‘atitude blasé’, descrita por Simmel para caracterizar o “embotamento do poder de discriminar” e explicar o movimento de ‘autopreservação’ contra a intensa exposição aos diversos estímulos aos quais o ser humano está submetido na grande cidade (1976, p.15-17). Em outras palavras, à medida que se desenvolve o urbano, a urbanidade, no seu sentido mais comum, se desfaz (Lefebvre fala da ‘dissolução da urbanidade’; 1972, p.20).
Alessandri Carlos vê na cidade contemporânea uma ironia, “aqui um indivíduo vale como outro qualquer, mas este valor passa pela indiferenciação e não pela consideração” (1996, p.133). Para essa autora, a ‘urbanidade’ se consolida, à medida que se produz o cotidiano. Por isso, pensar o lugar da urbanidade na liturgia é refletir sobre o urbano — o espaço social, de um modo geral, “âmbito e objeto de estratégias” (Lefebvre, 1972, p.51-2).
O urbano como cotidiano programado
Para o filósofo francês Henri Lefebvre, a realidade contemporânea pode ser definida como a de uma ‘sociedade burocrática de consumo dirigido’ (1991a, p.68; 1972, p.8-10), uma sociedade organizada em torno da programação dos desejos humanos em direção ao consumo, nos limites do universo do produzido:ites do universo do produzido:
“’Sociedade burocrática de consumo dirigido’, tal a definição proposta aqui para a ‘nossa’ sociedade. Marcam-se assim tanto o caráter racional dessa sociedade, como também os limites dessa racionalidade (burocrática), o objeto que ela organiza (o consumo no lugar da produção) e o plano para o qual dirige seus esforços a fim de se sentar sobre: o cotidiano.”
Note-se que essa sociedade é produzida — pela programação — no plano do cotidiano. Para Lefebvre,
“O cotidiano não é um espaço-tempo abandonado, não é mais o campo deixado à liberdade e à razão ou à bisbilhotice individuais. . . . O cotidiano torna-se objeto de todos os cuidados: domínio da organização, espaço-tempo da auto-regulação voluntária e planificada. Bem cuidado, ele tende a constituir um sistema com um bloqueio próprio (produção—consumo—produção). Ao se delinear as necessidades, procura-se prevê-las; encurrala-se o desejo. . . . A cotidianidade se tornaria assim, a curto prazo, o sistema único, o sistema perfeito, dissimulado sob os outros que o pensamento sistemático e a ação estruturante visam”
(1991a, p.81-2).
Alessandri Carlos observa que entre as características desse cotidiano destacam-se a supremacia do objeto sobre o sujeito e a exacerbação do individualismo. A supremacia do objeto, que deixa de ser pensado por seu uso para ser valorizado como signo que socializa, implica a hegemonia de um mundo de representações. A mercadoria passa a ter vida própria e a dominar o processo social. Ela “se autonomizou ante o sujeito determinando as relações entre as pessoas” (1996, p.136), relações que são mediadas no consumo, configurando o ser humano como um ‘ser consumidor’.
Neste mundo de representações e do consumo emerge um ‘sujeito’ alienado. Tornado objeto e sujeitado, o indivíduo que a cidade produziu é também massificado. Alessandri Carlos explica que “o homem consumidor, por excelência, é parte integrante da massa — realidade opaca que aparece isenta de contradições — nem sujeito, nem objeto, mas sujeito e objeto de manipulação” (1996, p.141-2)
O URBANO COMO POTENCIALIDADE
Apesar do caráter alienante do cotidiano na urbanidade, nem tudo está determinado (a liturgia só faz sentido em função dessa indeterminação), há desejos potencialmente acionáveis. Lefebvre observa que as lógicas sociais se situam em níveis diferentes, o que permite que se formem entre elas ‘fissuras’ pelas quais o desejo transita. Sem o desejo, diz-nos Lefebvre, “a ‘matéria humana’, informe, estaria submetida a uma forma absoluta, . . . a cotidianidade se faria inevitavelmente uniforme, mesmo a subversão seria impossível” (1972, p.93).
Para Lefebvre, o urbano constituir-se-ia como uma virtualidade e como uma “prática em marcha”, desenvolvimento social que nasce com a complexificação — seu caráter diferencial contrasta, portanto, com a lógica industrial de homogeneização, segmentação e simplificação (1972, p.123, 124) — e que se define pela capacidade de congregar diferenças e criar múltiplas centralidades.
A congregação que caracteriza o urbano depende da negação da distância e da consideração da simultaneidade (Lefebvre, 1972, p.177). As diferenças imanentes dão o caráter do todo, de modo que, na cidade, “as coisas diferentes influem umas nas outras e não existem distintamente, senão segundo suas diferenças. O urbano é indiferente a cada diferença . . . mas não é indiferente a todas as diferenças já que as reúne” (Lefebvre, p.123-24). Isso quer dizer que as diferenças não são apenas reunidas, o urbano transforma-se por elas e no urbano elas são transformadas. O urbano também pressupõe a centralidade, mas é uma centralidade momentânea, que surge, simultaneamente, em diferentes locais (Lefebvre, 1972, p.177).
As diferenças que podem transformar o urbano e a centralidade potencial dos diferentes locais parecem-nos indicar o lugar da urbanidade na liturgia: a ‘urbanidade’, enquanto ‘cotidiano programado’ é o local para o qual poderiam se dirigir as energias transformadoras que a Igreja representa. Ao mesmo tempo, enquanto ‘potencialidade’, a urbanidade, ou melhor, o urbano, exprime uma condição especial para que a missão da Igreja seja realizada, é o lugar, por excelência, para sua concretização: “o fato de que qualquer ponto possa ser tomado como centro é o que caracteriza o espaço-tempo urbano. [Porém, conforme nota Lefebvre,] a centralidade não é indiferente àquilo que reúne, ao contrário, necessita de um conteúdo” (1972, p.122). Afirmaremos adiante que a liturgia é o aproveitamento de diferenças e a instauração de centralidades no mundo.
A LITURGIA NA URBANIDADE
Liturgia é diálogo com o mundo, e não faria sentido se ocorresse fora do mundo: “Não rogo que os tires do mundo . . . .”, disse Jesus (João, 17:21). Sua propriedade parece-nos, portanto, poder ser medida pelo grau de interação da Igreja com o mundo, por isso dissemos que o urbano é o lugar, por excelência, para a concretização a missão da Igreja.
Talvez devêssemos ser ‘realistas’ e usar os meios disponíveis, para comunicar a fé ao indivíduo atomizado, conforme se nos apresenta de imediato. Seria, porém, uma resposta ‘irreal’ pois que, dirigindo-se a uma urbanidade caracterizada pela indiferença e pelo individualismo, essa abordagem não conseguiria exprimir o caráter comunitário da Igreja (que pareceu-nos adequadamente apreendido no folder de chamada para o seminário, onde se diz que “o evento cúltico é o espaço, por excelência, de comunicação da fé e da expressão comunitária de ser Igreja”) e, portanto, a realidade da fé. Esse realismo também pressupõe uma hipótese irreal: a que os sujeitos não são transformados em suas relações (aqui, diálogos) uns com os outros.
Para ser real, a liturgia não deve despir-se de seus conteúdos utópicos, mas dar lugar ao sonho, à potencialidade do desejo. Deve assumir seu componente transformador, “sal da terra e luz do mundo”, assim definidos para ressaltar as funções de salgar e iluminar: na liturgia, a Igreja dialoga com o mundo porque pretende transformá-lo. Ela considera que, de alguma forma, isto é possível, o que quer dizer que a Igreja consegue ver as indeterminações (e para além delas!).
Somente vendo o urbano como uma potencialidade é que podemos pensar no lugar da liturgia na urbanidade. Teríamos também que pensar na possibilidade litúrgica de construção de uma nova ‘urbanidade’, ou no resgate de seu sentido original e ideal.
No que concerne à dimensão material de ação e significação da Igreja, ‘reconstruir a urbanidade’ é mudar o mundo, é virá-lo ao revés (Lefebvre, 1972, p.106-7), é desconstruir, no sentido objetivo do termo, o cotidiano programado e alienado, produzido na expansão do consumo e da cultura de massa. A liturgia que visa reconstruir a urbanidade é a que denuncia o simulacro (a coisa trocada pela imagem), que resgata o indivíduo ‘desindividualizado’, cuja existência perdeu sentido, enfim, é a que reaviva a utopia, aspecto fundamental do culto cristão. Isso tudo reafirma o papel transformador e desalienador da liturgia pois, como diálogo transformador do mundo, a liturgia é uma pedagogia.
Os meios da liturgia são o espaço e o tempo. A liturgia só existe na medida em que possa produzir o espaço e o tempo. Isso foi posto em outras palavras por Eliade: “Tal como uma igreja constitui uma rotura de nível no espaço profano de uma cidade moderna, o serviço religioso que se realiza no seu interior marca uma rotura na duração temporal profana . . . .” (Eliade, 1992, p.61-2).
Espaço e tempo são construções sociais — ordenamentos simbólicos — e, como tais, definem os modos de apreensão da realidade e de ação no mundo (Harvey, 1996, p.208). Esses ordenamentos simbólicos do espaço e do tempo definem as possibilidades de nossa experiência pessoal, as condições do aprendizado de nosso lugar na sociedade. Eles são, portanto, estruturantes das relações sociais e, assim, fundamentais para o exercício do poder. Essa relação entre ordenamento simbólico do espaço e do tempo, estruturação de relações sociais e exercício de poder, sugere que a construção social do espaço e do tempo é objeto de disputa simbólica (Bourdieu, 1998).
O caráter disputável do espaço e do tempo é o que dá sentido à liturgia, que opera exatamente tornando manifesta essa condição de indeterminação do espaço e do tempo do mundo, conforme fica claro no diálogo entre Jesus e a mulher samaritana, do qual extraímos a seguinte argumentação:
(João 4:21, 23)
Por isso, seria adequado afirmar que liturgia é a instauração de tempos (ou da eternidade) no tempo do mundo. Enquanto ritual, cerimonial e celebração, é a comunicação do eterno ao tempo presente, através das relações aos mitos (associados aqui ao passado) e utopias (porvir). Diríamos também que liturgia é a instauração de lugares (centralidades) no espaço do mundo. E só é transformadora na medida em que resgata os espaços que, na ‘urbanidade’, escapam ao urbano homogeneizador e alienante: “a prática de apropriação do tempo e do espaço para o ser humano [é] uma modalidade superior da liberdade”, ensina Lefebvre, notando que, no presente, o espaço está monopolizado.
A disputa simbólica pela construção do espaço e do tempo foi uma prática corrente da Igreja desde seus primórdios: o desejo de Pedro de fazer três cabanas e ficar no alto do monte (Mateus 17:4) pode ser contrastado com as palavras de Jesus que enfatizavam o caráter relacional do espaço da Igreja, que não se configura anteriormente a ela, mas se configura com ela: “Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles” (Mateus 18:20).
O que dizer do cenáculo, das catacumbas, do texto de Hebreus 13:14 — “não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a vindoura” — e da recuperação que Estevão fez da construção do templo de Jerusalém (Atos 7:48-9), se não que o lugar da Igreja é o urbano (o lugar das múltiplas e momentâneas centralidades).
As palavras de Jesus à mulher samaritana — ‘dessacralizando’ o templo — e sua observação aos discípulos (Mateus 18:20) — sacralizando o espaço social (a Igreja) — indicavam não existir, a priori, um lugar santo, mas apontavam para a possibilidade da santidade em todo o mundo (referimo-nos, aqui, ao possível, ao que é utópico na missão da Igreja). Daí, pensamos, a liturgia possui um caráter essencialmente espacial, uma espacialidade relacional (pois construída nas relações entre os sujeitos) e urbana, que se baseia na capacidade de aproveitamento de diferenças e de instauração de centralidades e, assim, de diálogo efetivo com o mundo.
O LUGAR DAS ‘ESTRATÉGIAS LITÚRGICAS’
Dissemos que, como diálogo transformador do mundo, a liturgia é uma pedagogia. Isto envolve a elaboração de estratégias litúrgicas (buscamos apoio para essa afirmação num raciocínio elaborado por Lefebvre; 1972, p.83). Só quando estas são acionadas é que há possibilidades de transformação:
“Se o círculo não consegue fechar-se, não é por falta de vontade nem de inteligência estratégica: é porque ‘alguma coisa’ de irredutível se opõe . . . Para quebrar o círculo vicioso e infernal, para impedir que se feche, é necessária nada menos que a conquista da cotidianidade, por uma série de ações — investimentos, assaltos, transformações — que também devem ser conduzidas de acordo com uma estratégia”
(Lefebvre, 1991a, p.82).
Sob o ponto de vista do espaço, as estratégias de uma liturgia transformadora deveriam considerar e se realizar, simultaneamente, nas diversas escalas da vida social. Por exemplo, nestes tempos de globalização — “intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa” (Giddens, 1991, p.69) — a capacidade de mobilidade da Igreja no espaço do mundo apresenta um potencial transformador não aproveitado. Suas características só encontram semelhança com as do início da era Cristã, quando o Império Romano estendia sua teia por todo o mundo ocidental (e não teria sido por conta desse fator espacial que aquele período foi o determinado para “a plenitude dos tempos”, conforme Gálatas 4:4?).
Uma outra estratégia da Igreja pode tomar como base sua capacidade de mobilização. A história do urbano indica que a pólis grega foi invadida e paulatinamente transformada pelo mercado, sendo que ainda é o tempo do mercado que domina o espaço da cidade (Lefebvre; 1972, p.24-5): a cidade transforma-se paulatinamente no palco aberto de um espetáculo permanente voltado para a contemplação e o consumo de imagens que substituem as próprias práticas sociais. A cidade se
constrói, não mais como obra coletiva, elaborada ao longo do tempo, mas como produto mercadológico feito para “consagrar a eternidade da cena — bem polida, limpa, enfeitada, transformada ela mesma em museu” (Arantes, 1998, p.135-36). Não seria o caso de a Igreja expulsar os ‘vendilhões’ — num movimento semelhante ao descrito em Mateus 21:12 — e avançar na cidade.
Neste texto procuramos desenvolver o argumento de que a noção de espaço é importante para refletir sobre o sentido da liturgia no mundo contemporâneo e, por isso, propusemos refletir sobre a relação liturgia-espaço no contexto da urbanidade. Observamos que o urbano é um lugar em disputa, onde há programação mas também há potencialidades. Observamos ainda que a liturgia funciona como uma espécie de pedagogia e por isso concluímos que liturgia é a instauração de tempos (ou da eternidade) no tempo do mundo e de lugares (centralidades) no espaço do mundo. Finalmente, tecendo elaborações preliminares sobre a idéia de estratégias litúrgicas, notamos que o contexto do mundo contemporâneo permite, de modo especial, o desenvolvimento de uma estratégia dupla, de mobilidade e de mobilização. Essas considerações muito preliminares nos levam a perceber a importância fundamental da liturgia no cumprimento da obra missionária da Igreja, no mundo contemporâneo.
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JOEL BIRMAN
é psicanalista e professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professor adjunto na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).