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Mioeptelioma de glândula salivar menor em palato relato de caso

RAFAEL SARAIVA TORRES 1 | JOEL MOTTA JUNIOR 1 | MARCELO VINICIUS DE OLIVEIRA 1 | VALBER BARBOSA MARTINS 1 | GUSTAVO CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE 1

RESUMO

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Os mioepiteliomas são tumores raros que representam 1% dos tumores de glândulas salivares. Geralmente benigno, a glândula parótida é o local mais comum do tumor, seguido do palato e da glândula submandibular. Não há predomínio entre os sexos e a idade média é de 62 anos. Apresenta-se como uma massa de crescimento lento, geralmente encapsulado, indolor, o que leva a um atraso no diagnóstico. Sua variante maligna, ainda mais rara, caracteriza-se por invasão e destruição local, raramente sofrendo metástase. O objetivo do presente estudo é relatar um caso de mioepitelioma no palato de uma paciente do sexo feminino, apresentando um aumento de volume na região posterior do palato com evolução de 15 dias, de aproximadamente 2,5 cm em seu maior diâmetro, séssil, indolor, de consistência resiliente à palpação, apresentando mucosa de revestimento sem alteração e hipótese diagnóstica de adenoma pleomórfico. Realizou-se, em ambiente ambulatorial, a biópsia excisional da lesão, que apresentou aspecto transcirúrgico de múltiplas bolhas. A análise histopatológica chegou ao diagnóstico de mioepitelioma e não foi observada recidiva após dois anos. O mioepitelioma benigno é um tumor raro que, se tratado de forma correta, através da excisão cirúrgica, apresenta recidiva mínima.

Palavras-chave: Mioepitelioma. Palato. Neoplasias bucais.

1 Universidade do Estado do Amazonas, Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial (Manaus/AM, Brasil).

Como citar este artigo: Torres RS, Motta Junior J, Oliveira MV, Martins VB, Albuquerque GC. Benign myoepithelioma of salivary gland in palate: case report. J Braz Coll Oral Maxillofac Surg. 2019 Sept-Dec;5(3):51-5. DOI: https://doi.org/10.14436/2358-2782.5.3.051-055.oar

Enviado em: 22/03/2018 - Revisado e aceito: 02/09/2018

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

» O(s) paciente(s) que aparece(m) no presente artigo autorizou(aram) previamente a publicação de suas fotografias faciais e intrabucais, e/ou radiografias.

Endereço para correspondência: Rafael Saraiva Torres Rua Dom Jackson D. Rodrigues, 733, Residencial Arezzo, bl. 01, apt. 303 – Manaus/AM CEP: 69.085-833

INTRODUÇÃO

O mioepitelioma foi descrito pela primeira vez em 1943 1,2 . A maioria dos autores no passado o considerava como uma variante extrema do adenoma pleomórfico com predominância de diferenciação mioepitelial 1 . Porém, desde 1991, a OMS classificou o mioepitelioma como tumor distinto, uma vez que esses tumores eram relativamente mais agressivos do que o adenoma pleomórfico 2 . O mioepitelioma é um tumor muito raro, com menos de 100 casos relatados na literatura 2 . É uma neoplasia benigna de glândula salivar, mais comum em glândula parótida 1-5 , compreendendo menos de 7% dos tumores de glândula salivar. As glândulas salivares menores e glândulas submandibulares também podem ser acometidas, 3 bem como palato duro e palato mole 1 . Existem muitas controvérsias quanto à classificação do mioepitelioma, porém ele pode ser dividido em benigno e maligno. A morfologia celular desse tumor é variada, com células em um padrão fusiforme, plasmocitoide, epitelioide ou clara 2,3 . Esses tumores ocorrem em qualquer faixa etária da primeira à oitava década de vida, com pico de incidência na terceira e quarta 1-5 . Apenas quatro casos foram relatados em faixa etária pediátrica, abaixo dos 12 anos de idade 2 . A lesão benigna mostra variado padrão de crescimento morfológico, podendo ser sólido, mixoide ou reticular, com diferenciação mioepitelial, diferindo do adenoma pleomórfico por não exibir componente ductal 2 . Clinicamente, apresenta-se como uma massa de crescimento lento, geralmente encapsulado, circunscrito, de 1 a 5cm em seu maior diâmetro, assintomático e normalmente sem predileção por sexo 1,2,3,6 . O mioepitelioma maligno também é uma patologia bastante rara, sendo responsável por menos de 2% dos carcinomas de glândulas salivares, e o sítio mais comum são as glândulas salivares maiores, em especial, a parótida. Porém, existem relatos de acometimento em palato duro 7 . A maioria dos casos acontece em adultos, principalmente em mulheres, com raras lesões em crianças tendo sido reportadas 8 . Mais de 50% das lesões originam-se de lesões pré-malignas: adenoma pleomórfico e mioepitelioma benigno. Caracteriza-se por invasão e destruição local, raramente sofrendo metástase 7 . A remoção cirúrgica total da lesão com uma margem de tecido normal não envolvido é a primeira escolha de tratamento para mioepiteliomas benignos.

52 Os pacientes devem ser submetidos a exames regulares de acompanhamento, para descartar recidiva local. Embora o prognóstico dos mioepiteliomas benignos seja bastante favorável, quase 7% da transformação maligna tem sido relatada 9,10 . Assim, o objetivo do presente trabalho é relatar um caso de mioepitelioma benigno, tratado com excisão cirúrgica e com pós-operatório de dois anos, sem indícios de recidiva, de modo a alertar os profissionais quanto à responsabilidade do diagnóstico.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 31 anos de idade, melanoderma, compareceu ao serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial queixando-se de uma massa, localizada no palato, com evolução de 15 dias, e sem queixas álgicas. O paciente não relatou alterações sistêmicas ou alergias. Ao exame clínico intrabucal, foi observada uma lesão nodular, de consistência resiliente à palpação, apresentando mucosa de revestimento sem alteração, com aproximadamente 2,5 cm em seu maior diâmetro, precisamente na divisão entre o palato mole e palato duro (Fig. 1A). Foi solicitada uma tomografia computadorizada, na qual não foi observada qualquer alteração de estruturas ósseas adjacentes à lesão (Fig. 1B). De acordo com os dados clínicos da lesão, a hipótese diagnóstica prévia foi de adenoma pleomórfico. A remoção cirúrgica foi realizada em ambiente ambulatorial sob anestesia local. Foi realizada antissepsia intra e extrabucal e anestesia local com articaína 4% mais epinefrina 1:100:000. Realizou-se uma incisão linear na mucosa do palato, sobre a lesão, com lâmina de bisturi número 15, seguida de divulsão e dissecção até remoção completa da lesão, não envolvendo a mucosa sobrejacente. Durante a divulsão, a cápsula que revestia a lesão foi rompida e o aspecto macroscópico era semelhante a múltiplas glândulas. Uma margem de segurança de aproximadamente 5mm ao redor do local da lesão foi removida. Após a remoção, foi realizada sutura com fio reabsorvível Catgut (Fig. 2).

A análise histológica mostrou múltiplos fragmentos de tecido conjuntivo denso, não modelado, exibindo aglomerados de células ovaladas, com citoplasma eosinofílico, em configuração morfológica plasmocitoide, interpretadas como células neoplásicas de origem mioepitelial compatível com mioepitelioma benigno. A paciente encontra-se pós-operatório de dois anos, não sendo observados sinais de recidiva (Fig. 3).

A

B

Figura 1: A) Aspecto intrabucal, no qual pode-se observar lesão nodular na região entre palato mole e palato duro. As setas apontam os limites apresentados pela lesão. B) Tomografia computadorizada não evidenciando destruição óssea em palato ou estruturas adjacentes.

A

B

C

D

E

F

Figura 2: A) Incisão sobre a lesão. B) Divulsão da lesão após incisão. C) Remoção do tumor. D) Aspecto macroscópico (semelhante a múltiplas glândulas). E) Aspecto histopatológico (múltiplos fragmentos de tecido conjuntivo denso, não modelado, exibindo aglomerados de células ovaladas, com citoplasma eosinofílico, em configuração morfológica plasmocitoide). F) Fechamento do sítio cirúrgico com fio Catgut.

Figura 3: Aspecto pós-operatório de 24 meses.

DISCUSSÃO

O mioepitelioma é um tumor raro, representando aproximadamente de 1,5% a 2% de todos os tumores das glândulas maiores e menores 8 , e acometendo principalmente e glândula parótida 1,2,3,5,6 , seguido por tumores em glândulas salivares menores localizadas, por exemplo, no palato 2 . Para alguns estudos, essa neoplasia se constitui em um tipo raro de adenoma pleomórfico 9,10 . Porém, de acordo com Simpson et al. 10 , ele se difere do adenoma pleomórfico por exibir pouco ou nenhum componente ductal. Existem poucos casos relatados na literatura, menos de 100, aproximadamente. Pode acontecer em uma ampla faixa etária, dos 9 aos 85 anos, com uma maior incidência na terceira década de vida 8 . No caso aqui relatado, a paciente se encontrava na quarta década de vida 2,10 . Surge de forma equivalente entre homens e mulheres; porém, estudos indicam acometimento maior no sexo masculino, o que contrasta com o relato supracitado 2,3 . Assim como no caso relatado, esses tumores se apresentam como lesões circunscritas, bem delimitadas, encapsuladas, de consistência resiliente, de crescimento lento e indolor 8 . Politi et al. 9 afirmam que apenas os tumores localizados na parótida apresentam cápsula, o que contrasta com o presente trabalho, visto que foi encontrado um tumor em palato apresentando cápsula, porém delgada. A hipótese diagnóstica mais comum geralmente é o adenoma pleomórfico, como relato por Ostrosky et al. 3 Padmaja et al. 1 , e coincidindo com a hipótese diagnóstica sugerida no caso. Silveira et al. 2 afirmam em seu estudo que um aspecto de interesse sobre os mioepiteliomas está nas poucas informações sobre seu comportamento biológico, devido à sua baixa frequência. São neoplasias benignas com recidiva normalmente associada à exérese incompleta. Raramente são malignos; porém, sua transformação em carcinoma mioepitelial pode ocorrer em tumores com evolução longa ou em casos de múltiplas recidivas 8 . Devido a isso, muitas bibliografias consideram que ele é mais agressivo do que os adenomas pleomórficos 1,2,6 , enquanto outra pesquisa verificou não haver diferenças na atividade proliferativa entre mioepiteliomas e adenomas pleomórficos 2 . O mioepitelioma deve ser diferenciado de outros tumores de glândulas salivares, bem como de sua variante maligna e outros tumores de tecidos moles que imitam o mioepitelioma. Citologicamente, existem quatro tipos diferentes de mioepitelioma: células fusiformes, plasmocitoides, células claras e epitelioides. O padrão encontrado no presente relado trata da variante plasmocitoide.

A excisão cirúrgica é o tratamento de eleição para o mioepitelioma, com todos os trabalhos pesquisados corroborando com esse procedimento. A taxa de recidiva é extremamente baixa se toda a lesão for removida. A paciente em questão encontra-se há dois anos sob acompanhamento e não se observam sinais de recidiva. Ostrosky et al. 3 ainda afirmam que, devido à transformação maligna da patologia primária remanescente, ou devido a regiões que eram inicialmente malignas e que não foram incluídos na ressecção, deve-se, sempre que possível, remover esse tumor benigno com pelo menos uma pequena margem de segurança, se sua localização permitir.

É de grande importância que tanto o cirurgião quanto o patologista tenham experiência com tumores de glândulas salivares, uma vez que, pela escassez de informações, a chance de diagnóstico errado, seguido de condutas erradas, pode acontecer e, por conseguinte, causar prejuízo, principalmente ao paciente. A literatura pesquisada correlaciona a falta de experiência do patologista e do cirurgião-dentista, e os erros durante o procedimento cirúrgicos como as maiores causas de diagnóstico errado dessa patologia 3,10 .

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O mioepitelioma é um tumor extremamente raro e, por isso, muitas vezes seu diagnóstico é desafiador. É de extrema importância que os profissionais estejam familiarizados com casos de patologias como essa, a fim de chegarem no diagnóstico correto e tratamento efetivo. As chances de recidiva são mínimas se o tratamento correto, que é a excisão cirúrgica, for realizado com sucesso.

ABSTRACT Benign myoepithelioma of salivary gland in palate: case report

Myoepithelioma are rare tumors that represent at least 1% of salivary gland tumors. The majority is benign and the parotid gland is the most common site of the tumor, followed by the palate and submandibular gland. There is no predominance between the gender and the average age is 62 years old. It appears as a mass of slow growth,

generally encapsulated, painless, which leads to a delay in diagnosis. Its malignant variant, even rarer, is characterized by invasion and local destruction, metastasis is rare. The aim of this work is report a case of benign myoepithelioma on the palate, in a female patient, presenting a 15-day increase in volume in the posterior region of the palate, approximately 2.5 cm in the larger diameter, sessile, painless, consistency resilient to palpation, presenting unchanged lining mucosa, which first diagnose was pleomorphic adenoma. An excisional biopsy of the lesion was performed, presenting a trans-surgical appearance of multiple blisters. Results: Histopathological analysis reached the diagnosis of benign myoepithelioma and no recurrence was observed after 2 years of removal of the lesion. The benign myoepithelioma is a rare tumor that if treated correctly, through surgical excision, presents minimal recurrence. Keywords: Myoepithelioma. Palate. Salivary gland neoplasms.

Referências:

1. Padmaja RK, Anita PJ, Bhaswanth P, Fazil S. Plasmacytoid Myoepithelioma of the Hard Palate in a Child - A Rare Case Report Journal of Clinical and Diagnostic Research. 2015 Oct;9(10):ED01-2 2. Silveira EJD, Pereira ALA, Fontora MC, Souza LB, Freitas RA. Myoepithelioma of minor salivary gland - Na immunohistochemical analysis of four cases. Rev Bras Otorrinolaringol. 2006;72(4):528-32. 3. Ostrosky A, Villa DM, González M, Klurfan F. Benign myoepithelioma: presentation of a case report. Rev Esp Cir Oral Maxilofac. 2007 SeptOct;29(5):336-41. 4. James J, Sciubba DMD, Robert B. Myoepithelioma of Salivary Glands: Report of 23 Cases. Cancer. 1982 Feb 1;49(3):562-72. 5. Barnes L, Appel BN, Perez H, El-Attar AM. Myoepithelioma of the head and neck: case report and review. J Surg Oncol. 1985 Jan;28(1):21-8. 6. Gore CR, Panicker NK, Chandanwale SS, Singh BK. Myoepithelioma of minor salivary glands - A diagnostic challenge: Report of three cases with varied histomorphology. J Oral Maxillofac Pathol. 2013 May-Aug;17(2):257-60. 7. Ludtke IN, Ramos GHA, Pedruzzi PAG, Bernades MVAA, Mauro FHO, Jung J. Um raro caso de mioepitelioma maligno de palato duro Rev Bras Cir Cabeça Pescoço. 2015 Out-Dez;44(4):185-6. 8. El-Naggar AK, Chan JKC, Grandis JR, Takata T, Slootweg PJ. WHO Classification of Head and Neck Tumours. 4th ed. Lyon: WHO; 2017. v. 9.

9. Politi M, Toro C, Zerman N, Mariuzzi L, Robiony M. Myoepithelioma of the parotid gland: Case report and review of literature. Oral Oncology Extra. 2005;41(6):104-8. 10. Simpson RHW, Jones H, Beasley A. Benign myoepithelioma of the salivary glands: a true entity? Histopathology. 1995 July;27(1):1-9.

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