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Remoção de sialolito do ducto de Wharton por meio de eletrocirurgia: relato de caso
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RODRIGO SOUZA CAPATTI 1 | LUCAS RODARTE ABREU ARAÚJO 1 | MARCELA SILVA BARBOZA 1
RESUMO
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A sialolitíase representa 30% das morbidades em glândulas salivares. Caracterizada pela interrupção do fluxo salivar normal, devido à formação de estruturas calcificadas ao longo do ducto ou no parênquima glandular, essa condição, muitas vezes subdiagnosticada, pode levar à dor, edema e infecção da região afetada. Os métodos de tratamento citados na literatura são baseados nas características da lesão e podem variar entre cirúrgicos e conservadores. O presente estudo apresenta um relato de caso da utilização de eletrocirurgia para tratamento da sialolitíase em glândula submandibular com eliminação imediata dos sinais e sintomas relatados pelo paciente e ausência de complicações pós-operatórias. A cirurgia apresentou pós-operatório e cicatrização satisfatórios; não houve queixas por parte da paciente, que evoluiu sem sintomatologia durante o período de acompanhamento. A remoção de sialolitos intrabucais por meio de eletrocirurgia apresentou, nesse caso, controle da hemorragia trans e pós-operatória e baixa morbidade.
Palavras-chave: Cirurgia bucal. Anormalidades maxilomandibulares. Cálculos dos ductos salivares.
1 Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Departamento de Odontologia (Belo Horizonte/MG, Brasil).
Como citar este artigo: Capatti RS, Araújo LRA, Barboza MS. Removal of sialolite in Wharton’s duct by electrosurgery: case report. J Braz Coll Oral Maxillofac Surg. 2019 Sept-Dec;5(3):40-4. DOI: https://doi.org/10.14436/2358-2782.5.3.040-044.oar
Enviado em: 06/03/2018 - Revisado e aceito: 06/08/2018
» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.
» O(s) paciente(s) que aparece(m) no presente artigo autorizou(aram) previamente a publicação de suas fotografias faciais e intrabucais, e/ou radiografias.
Endereço para correspondência: Lucas Rodarte Abreu Araújo Rua Lassance Cunha, 260, sala 04, Centro – Sete Lagoas/MG CEP: 35.700-006 – E-mail: lucasrodarte@hotmail.com
INTRODUÇÃO
A sialolitíase é a doença das glândulas salivares mais comum em adultos 1 , caracterizada pela formação de estruturas calcificadas no interior do ducto das glândulas ou no seu parênquima, denominadas cálculos salivares ou sialolitos. Entre as doenças que acometem as glândulas salivares, pode-se referir que a sialolitíase representa cerca de 30% dos casos 2 . A etiologia do sialolito pode ser dividida em dois grandes grupos: retenção salivar devido à conformação morfológica dos ductos glandulares; e composição da própria saliva, como pH e aumento da concentração de cálcio 3-5 . Ocorre numa frequência de 12 a cada 1000 indivíduos, principalmente adultos (raramente ocorre em crianças), não há predileção por raça e é mais comum em pessoas do sexo masculino 6 . De uma forma geral, os sialolitos medem de 5 a 10mm em seu maior diâmetro; todavia, vários estudos relatam cálculos maiores, com até 56mm 7 . Quando atingem dimensões maiores que 10mm, são considerados raros e classificados como cálculos gigantes 8 . Entre as localizações mais comuns do sialolito, podemos citar que a glândula submandibular representa de 83% a 94% dos casos, seguida pela glândula parótida (4% a 10%) e sublingual (1% a 7%), raramente atingindo glândulas salivares menores 9, 10 . As frequências dessas localizações são explicadas por alguns autores devido às características anatômicas da glândula submandibular: ducto tortuoso, longo e ascendente 11 , e posicionamento dessa em relação ao seu canal excretor, além da viscosidade da saliva produzida 12 . Os cálculos são massas rígidas, de forma variada, coloração amarela e, geralmente, encontram-se solitários na região atingida 6 . Os sintomas podem ser relatados como aumento de volume, dor e inchaço na região glandular afetada; porém, a sialolitíase pode permanecer assintomática em muitos casos, diagnosticada durante exame de rotina 10 . Nos casos de obstrução total do fluxo salivar, o paciente pode relatar dor constante e eventual drenagem purulenta na região 13 . O diagnóstico é, muitas vezes, definido por meio dos exames de imagem, como radiografias panorâmicas e oclusais — exames mais comumente utilizados —, nos quais o sialolito apresenta-se como imagem radiopaca nas áreas das glândulas afetadas 6 . O tratamento adequado depende da glândula afetada, localização e tamanho do cálculo, podendo variar entre abordagens conservadoras —tais como hidratação do paciente, ordenha e massagem da glândula com gotas de fruta
41 ácida (limão)— e condutas cirúrgicas, reservadas para cálculos maiores e localizados no parênquima da glândula 14,15 . Além disso, o uso de eletrocirurgia é uma alternativa eficaz quando comparada a outros métodos de incisão, em relação à hemostasia e morbidade do procedimento cirúrgico 17 . Assim, o objetivo do presente trabalho é relatar um caso de sialolitíase em glândula submandibular removido por meio de eletrocirurgia conservadora, além de discutir a literatura pertinente sobre o assunto.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo feminino, feoderma, 25 anos, compareceu a uma clínica particular com queixa de “aumento de volume embaixo da língua e dor ao engolir”. Na anamnese, não relatou qualquer alteração sistêmica, nem qualquer hábito deletério. Ao exame clínico, foi observado edema na região sublingual direita (Fig. 1A), também percebido por visualização extrabucal. Durante a palpação, notava-se consistência rígida, interrupção do fluxo salivar e sintomatologia dolorosa. A paciente relatou ter realizado pulpotomia no elemento #47 há aproximadamente 5 anos (não soube relatar o momento exato) e, portanto, suspeitava-se de complicações endodônticas. Foi realizado teste de sensibilidade pulpar, no qual não foram percebidas alterações, sendo descartada a associação endodôntica. Não foi observada nenhuma outra alteração clínica que pudesse estar associada. Ainda na primeira consulta, a paciente já possuía uma radiografia panorâmica, por meio da qual se confirmou a ausência de outras alterações e a presença de área radiopaca do elemento #42 ao #44 (Fig. 1B). Foi solicitada radiografia oclusal de mandíbula, onde observou-se a presença de corpo radiopaco na região ductal, permitindo o diagnóstico conclusivo de sialolitíase do ducto de Wharton (Fig. 1C).
O tratamento escolhido foi a remoção por eletrocirurgia. Após anestesia local, foi identificada a posição do sialolito por palpação e realizada uma transfixação tecidual com fio de sutura de nylon (4-0) em posição imediatamente posterior ao corpo estranho, com objetivo de impedir que esse pudesse penetrar mais profundamente no ducto, em direção à glândula, durante o procedimento. Foi feita uma incisão paralela ao ducto, com aproximadamente 15 mm, próxima à carúncula sublingual esquerda, com eletrobisturi, utilizando eletrodo tipo faca reta pequena, de 67mm (BP-100 Plus, Transmai, São Paulo, Brasil) (Fig. 2A). Após pequena divulsão dos tecidos, utilizando eletrodo do tipo bola de 2,1 mm acoplado ao mesmo eletrobisturi, o sialolito
foi localizado e removido, medindo aproximadamente 12 x5 mm (Fig. 2B). O ducto foi irrigado com soro fisiológico e, então, uma sutura simples foi realizada unindo as bordas epiteliais, sem colabar o ducto e mantendo o óstio desobstruído (Fig. 3A). O protocolo medicamentoso adotado foi antibioticoterapia preventiva (Amoxicilina 1g), analgésico (Dipirona Sódica 500mg) e bochecho com digluconato de clorexidina 0,12%. A sutura foi removida com 10 dias, apresentando boa cicatrização local e regularização do fluxo salivar (Fig. 3B).
A
B
C
Figura 1: A) Imagem clínica intrabucal inicial do assoalho bucal, evidenciando o aspecto da mucosa pré-operatória. B) Radiografia panorâmica evidenciando imagem radiopaca próxima à região dos elementos #43 e #44, sugestiva de sialolito. C) Radiografia oclusal evidenciando imagem radiopaca à lingual dos elementos #44 e #45, sugestiva de sialolito.
A
B
Figura 2: A) Imagem clínica intrabucal do assoalho bucal, evidenciando o aspecto da mucosa e do sialolito após a incisão e divulsão dos tecidos com eletrobisturi. B) Imagem do sialolito após sua remoção, evidenciando suas dimensões.
A
B
Figura 3: A) Imagem clínica final intrabucal do assoalho bucal, evidenciando o aspecto da mucosa no pós-operatório imediato. B) Imagem clínica final intrabucal do assoalho bucal, evidenciando o aspecto da mucosa no pós-operatório após 10 dias.
DISCUSSÃO
Entre as doenças das glândulas salivares, a sialolitíase representa 30% dos casos 2 . A frequência de 12 a cada 1000 indivíduos 6 sugere que tal morbidade esteja presente na clínica diária do cirurgião-dentista, muitas vezes não diagnosticada pelo profissional. A maioria dos sialolitos é diagnosticada em homens adultos; todavia, o caso em questão foi observado em uma paciente do sexo feminino. Essa predileção por sexo não é marcante quanto à idade do paciente, visto que raramente ocorre em crianças 1 . De acordo com Arunkumar et al. 8 , sialolitos maiores que 10 mm são considerados gigantes, embora possam variar entre 5 e 56 mm 7 . Os sintomas como aumento de volume, dor e inchaço na região glandular afetada podem estar relacionados ao próprio tamanho da lesão e sua capacidade de obstruir o fluxo salivar da região, ao passo que cálculos menores podem permanecer assintomáticos por longos períodos, sendo diagnosticados somente em exames de rotina 10 . A paciente em questão apresentou queixas de discreto aumento de volume e dor em região sublingual, o que justificou a realização de exames complementares para definição do diagnóstico.
Apesar de o melhor método para localização precisa dos sialolitos ser a tomografia computadorizada de feixe cônico, os exames de imagens mais comumente utilizados para diagnóstico desse tipo de alteração são as radiografias oclusais e panorâmicas 6 . A intenção em solicitar ambos os exames se justifica na necessidade de tratamento clínico e avaliação geral dos maxilares (radiografia panorâmica), além do diagnóstico da possível alteração glandular na região sublingual ou submandibular (radiografia oclusal).
O acometimento da glândula submandibular ocorre em 83 a 94% dos casos de sialolitíase 9-11 , fato que vai de acordo com nosso relato.
A definição pelo melhor tratamento da sialolitíase depende das características da lesão: tamanho, localização (parênquima glandular ou ducto) e glândula afetada. Tratamentos conservadores, como massagem da glândula, hidratação, uso de sialogogos e calor úmido são reservados para sialolitos menores, resultando numa expulsão espontânea do cálculo 9 . De acordo com o que foi citado no caso, os cuidados em relação à dissecção do ducto e suturas são essenciais para evitar complicações pós-cirúrgicas, como estenose e fibrose na área do ducto, além da formação de regiões de retenção de saliva 16 .
43 O tratamento cirúrgico proposto justifica-se pelo tamanho da lesão e aumento de volume observado durante o exame clínico 14, 15 , assim como a antibioticoterapia preventiva, que foi administrada devido à presença de exsudado purulento no momento do exame 13 . A utilização do bisturi elétrico, em comparação com outros métodos de incisão, apresenta melhor performance em relação à hemostasia da região operada 17 , o que melhora a visualização do campo e, consequentemente, o acesso à região operada.
Desde 1914, a Medicina utiliza esse método, com o objetivo de incisar ou promover hemostasia dos tecidos; além disso, os pacientes experimentam mínima ou nenhuma morbidade cirúrgica pós-operatória 18 . A eletrocirurgia tem aplicação em inúmeras técnicas na Odontologia, apesar de ser pouco utilizada. Usuários regulares sabem, por experiência, que aplicada de acordo com os princípios, é possível obter cicatrização satisfatória e previsível das feridas 19 .
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme descrito na literatura, existem vários métodos propostos para o tratamento desse tipo de lesão. A remoção cirúrgica por meio de eletrocirurgia é uma alternativa eficaz, cujos resultados são a eliminação dos sinais e sintomas e restabelecimento da função normal da glândula afetada.
ABSTRACT Removal of sialolite in Wharton’s duct by electrosurgery: case report
Sialolithiasis accounts for 30% of salivary gland morbidity. Characterized by the interruption of normal salivary flow due to the formation of calcified structures along the duct or in the glandular parenchyma, this condition, often underdiagnosed, can lead to pain, edema and infection of the affected region. The treatment methods cited in the literature are based on the characteristics of the lesion and vary between surgical and conservative. The present study presents a case report of the use of electrosurgery for the treatment of sialolithiasis in submandibular gland with immediate elimination of signs and symptoms reported by the patient, and absence of postoperative complications. Postoperative surgery and healing were satisfactory; there were no complaints on the part of the patient, which evolved without symptomatology during the follow-up period. The removal of intra-oral sialoliths using electrosurgery showed control of trans and postoperative hemorrhage and low morbidity. Keywords: Oral surgical procedures. Maxillofacial abnormalities. Salivary duct calculi.
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