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Caso raro de extensa exostose maxilar e mandibular: relato de caso
ANA BEATRIZ COLOMBARI1 | FELIPPE ALMEIDA COSTA1 | FELIPE PERRARO SEHN1 | CÁSSIO EDVARD SVERZUT1 | ALEXANDRE ELIAS TRIVELLATO1
RESUMO
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Introdução: As exostoses e o tórus mandibular possuem etiologia incerta e multifatorial, mas acredita-se que fatores ambientais e genéticos estejam relacionados. Apresenta ocorrência maior no sexo masculino, com prevalência de 0,09 a 19% para as exostoses e 5 a 40% para os tórus mandibulares. Objetivo: Esse estudo relata um caso clínico de remoção cirúrgica de extensa exostose óssea em maxila e tórus mandibular. Relato de caso: O paciente compareceu ao serviço com queixa de impossibilidade da reabilitação protética. Após o exame clínico, observou-se arcada superior edêntula, com grande volume ósseo de aparência lobulada. Na arcada inferior, foi constatada protuberância óssea ao longo da superfície lingual na região de pré-molares, sendo indicada a remoção cirúrgica da exostose em maxila e tórus em mandíbula sob anestesia local. Não houve intercorrências no trans e pós-operatório. O exame histopatológico revelou fragmentos de tecido ósseo lamelar, com áreas predominantemente compactas nas regiões periféricas. Resultado: A remoção cirúrgica é o tratamento ideal para o tratamento dessa alteração, possibilitando a reabilitação dos maxilares. Conclusão: As exostoses são alterações fisiológicas comuns, que podem impossibilitar a reabilitação protética em pacientes, sendo indicada a cirurgia para a reabilitação dos maxilares.
Palavras-chave: Exostose. Cirurgia bucal. Alveoloplastia.
1 Universidade de São Paulo, Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto, Departamento de
Periodontia e Cirurgia Bucomaxilofacial (Ribeirão Preto/SP, Brasil). Como citar este artigo: Colombari AB, Costa FA, Sehn FP, Sverzut CE, Trivellato AE. A rare case of extensive mandibular and maxillary exostosis: case report. J Braz Coll Oral Maxillofac Surg. 2020 Jan-Apr;6(1):42-6. DOI: https://doi.org/10.14436/2358-2782.6.1.042-046.oar
Enviado em: 08/04/2019 - Revisado e aceito: 09/08/2019
» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.
» O(s) paciente(s) que aparece(m) no presente artigo autorizou(aram) previamente a publicação de suas fotografias faciais e intrabucais, e/ou radiografias.
Endereço para correspondência: Felippe Almeida Costa E-mail: felippeodonto@gmail.com
INTRODUÇÃO
A exostose da maxila é caracterizada por um crescimento benigno, de origem desconhecida, podendo apresentar aspecto nodular, achatado ou pedunculado, localizado na face vestibular dos rebordos alveolares, sendo usualmente assintomático1. Entre as alterações encontradas na maxila e mandíbula estão o tórus palatino e o tórus mandibular, de origem desconhecida. O tórus mandibular afeta a face lingual da mandíbula, sendo sua remoção necessária em casos em que ocorre instabilidade, falta de retenção e apoio do dispositivo protético. A etiologia do tórus está associada a um conjunto de fatores ambientais e genéticos2 .
Ao planejar a substituição de dentes ausentes por próteses, sejam elas convencionais ou implantadas, a forma da crista alveolar e a presença de irregularidades no rebordo alveolar, vestíbulo ou abóbada palatina que impeça a inserção correta devem ser corrigidas através de procedimentos cirúrgicos, sendo recomendada para regularizar a área de contato da prótese, possibilitando que haja suporte, retenção e estabilidade protética. A cirurgia pré-protética é definida como qualquer procedimento cirúrgico realizado com o objetivo de possibilitar ou favorecer a reabilitação oral do paciente, visando facilitar a adaptação da prótese, seja em tecido ósseo ou mole2. Assim, o objetivo do presente trabalho é relatar um caso clínico de exostose maxilar e tórus mandibular exuberantes.
RELATO DE CASO
Paciente de 64 anos de idade, com histórico médico negativo, procurou Departamento de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto-FORP/USP com a queixa principal de impossibilidade de reabilitação com prótese total superior e parcial inferior. Ao exame intrabucal, foi observado rebordo alveolar superior edêntulo muito volumoso e lobulado de ambos os lados. A arcada inferior revelou tórus mandibular bilateral em toda a face lingual do rebordo alveolar (Fig. 1). Como exame complementar, foi realizada uma radiografia panorâmica, através da qual foi possível a visualização de rebordo maxilar bilateral irregular. Foram observados fragmentos de projétil em terço médio da face esquerda, provenientes de violência interpessoal.
O procedimento cirúrgico foi realizado em ambiente ambulatorial, sob anestesia local, sendo realizado em duas etapas, devido ao volume da exostose óssea. Foi realizada incisão na crista óssea alveolar, abrangendo desde a linha média até o túber, expondo toda a alteração. Em seguida, foi realizada a osteotomia em forma de canaletas, com auxílio de broca 702 e remoção dos fragmentos com cinzel reto, seguida pela osteoplastia, com broca troncocônica multilaminada em toda a área do rebordo alveolar (Fig. 2). O procedimento terminou após a realização de gengivectomia e sutura contínua intercalada com pontos simples. O paciente foi orientado quanto aos cuidados pós-operatórios e medicado com anti-inflamatório e analgésico por três dias. O acompanhamento foi feito nos dias 7 e 14 de pós-operatório, apresentando uma cicatrização favorável apenas no segundo período. A cirurgia contralateral foi marcada após 21 dias do primeiro procedimento cirúrgico, sendo repetidos todos os passos previamente citados.
Durante a realização da cirurgia mandibular, foram observadas imagens lobulares sem o envolvimento das raízes adjacentes, sendo confirmado clinicamente durante a conduta exploratória na cirurgia. Sob anestesia local, foi realizada a remoção do tórus mandibular e regularização da área com auxílio de brocas. As orientações pós-cirúrgicas foram reforçadas, sendo prescrita medicação com antibiótico, anti-inflamatório e analgésico por três dias. O acompanhamento foi realizado com sete dias, e a nova cirurgia do outro lado foi realizada do mesmo modo. Todos os materiais coletados nas cirurgias foram enviados para análise histopatológica no Departamento de Estomatologia, Saúde Coletiva e Odontologia Legal da mesma instituição. O exame histopatológico revelou fragmentos de tecido ósseo lamelar, com áreas predominantemente compactadas nas regiões periféricas. O acompanhamento de cada cirurgia foi feito após sete dias, para remoção da sutura e avaliação do processo cicatricial. Após seis meses, o paciente retornou à instituição para reavaliação (Fig. 3).
Figura 1: Exostose em maxila e mandíbula bilateralmente, com grande volume e aspecto lobulado.
Figura 2: Aspecto transoperatório das exostoses em maxila e mandíbula.
Figura 3: Aspecto final após a remoção da exostose maxilar e do tórus mandibular.
DISCUSSÃO
Sabe-se que a etiologia das exostoses permanece incerta, podendo ser multifatorial, ocasionadas pela influência de fatores genéticos e ambientais3. Entretanto acredita-se que aspectos nutricionais e inflamatórios tenham relação com a ocorrência dessas alterações nos maxilares4, pois tem sido sugerido que há a possível relação da inflamação crônica de origem periodontal com a ocorrência e o desenvolvimento acentuado da exostose vestibular e do tórus mandibular. No presente caso, o paciente possuía somente elementos dentários inferiores e com doença periodontal. Porém, por se tratar de uma alteração de desenvolvimento lento, a ocorrência e desenvolvimento da exostose maxilar pode ter se desenvolvido pelo processo inflamatório crônico periodontal, motivo da exodontia dos dentes superiores.
Segundo Neville et al.1, o tórus mandibular apresenta pico de prevalência no início da vida adulta, com diminuição ao longo dos anos, sendo que a intervenção cirúrgica normalmente não é realizada, exceto nos casos de necessidade de reabilitação protética, úlcera traumática, dificuldade de higienização e doença periodontal adjacente. Nesse relato de caso, o paciente tinha como queixa principal a dificuldade mastigatória e o interesse em realizar a reabilitação da arcada superior com prótese total mucossuportada, assim como processo inflamatório periodontal crônico nos dentes remanescestes, sendo indicativos para o procedimento cirúrgico.
As exostoses dos maxilares apresentam diagnóstico através do exame clínico, sendo a biópsia desnecessária na maioria das vezes, exceto nos casos em que há suspeita de outras lesões ósseas, como osteocondroma e osteossarcoma. Além disso, o paciente deve ser avaliado quanto à possibilidade da ocorrência da Síndrome de Gardner, que é caracterizada pela ocorrência de crescimento de nódulos fora da cavidade bucal, cistos cutâneos e múltiplos pólipos intestinais, que possuem alto potencial de transformação maligna. Quando houver suspeita dessa síndrome, deve-se encaminhar para o dermatologista para avaliação4 .
Lee et al.5 relataram um caso clínico de remoção de exostose que apresentou complicações no pós-operatório semelhante ao encontrado nesse relato de caso, com pequeno grau de deiscência. Chandna et al.6 relataram caso clínico de remoção cirúrgica da exostose maxilar, apresentando menor extensão, com bom resultado após a remoção cirúrgica. Casos isolados de exostose dos maxilares de menor extensão são comuns na literatura, sendo atípico com tamanha exuberância, como no presente caso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dessa forma, concluímos que a exostose em maxila e o tórus mandibular são alterações fisiológicas que requerem procedimentos cirúrgicos com boa resolução a nível ambulatorial em pacientes que necessitam de reabilitação dos maxilares, ocasionando uma melhor qualidade de vida para esses pacientes. Deve-se realizar sempre o exame clínico adequado, para descartar outras patologias que possam apresentam características semelhantes.
ABSTRACT A rare case of extensive mandibular and maxillary exostosis: case report
Introduction: Exostoses and mandibular torus have uncertain and multi-factorial etiology, but it is believed that environmental and genetic factors are related. They are more common in the male gender, prevailing from 0.09 to 19% in the former and from 5 to 40% in the case of mandibular torus. Objective: The present study aimed to investigate a clinical case of surgical removal of extensive exostosis of maxilla and mandibular torus. Method: Patient attended the CTBMF with complaint of impossibility of prosthetic rehabilitation. After the clinical examination, a maxillary edentulous arch with large lobulated-looking bone volume was observed. In the mandibular arch, bone protuberance was observed along the lingual surface in the premolar region and surgical removal of the maxillary, and mandible exostoses under local anesthesia was indicated. There were no intercurrences in the postoperative period. Histopathological examination revealed fragments of lamellar bone tissue, with predominantly compact areas in the peripheral regions. Results: The inflammation was minimal and the patient reported little postoperative discomfort. Conclusion: The exostosis are common physiological changes that make prosthetic rehabilitation impossible, and the maxillary complex surgery is indicated to rehabilitation. Keywords: Exostoses. Surgery, oral. Alveoloplasty.
Referências:
1.
2.
3. Neville BW, Damm DD, Allan CM, Bouquot JE. Patologia Oral e Maxilofacial. 3a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2009. Meza-Flores JL. Torus palatinus and Torus mandibularis. Rev Gastroenterol Peru. 2004 Oct;24(6):343-8. Pechenkinz E, Benfer RA. The role of occlusal stress and gingival infection in the formation of exostoses on mandible and maxilla from Neolithic China. Homo. 2002;53(2):112-30. 4.
5. Fotiadis C, Tsekouras DK, Antonakis P, Sfiniadakis J, Genetzakis M, Zografos GC. Gardner’s syndrome: a case report and review of the literature. World J Gastroenterol. 2005;11(34):5408-11. Lee KH, Lee JH, Lee HJ. Concurrence of torus mandibularis with multiple buccal exostoses. Arch Plast Surg. 2013;40(4):466-8. 6. Chandna S, Sachdeva S, Kochar D, Kapil H. Surgical management of the bilateral maxillary buccal exostosis. J Indian Soc Periodontol. 2015;19(3):352-5.