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O DIREITO À MORADIA ADEQUADA E O PROGRAMA “MINHA CASA, MINHA VIDA”: O CASO DO RESIDENCIAL SALVAÇÃO NA CIDADE DE SANTARÉM-PA

O DIREITO À MORADIA ADEQUADA E O PROGRAMA “MINHA CASA, MINHA VIDA”: O CASO DO RESIDENCIAL SALVAÇÃO NA CIDADE DE SANTARÉM-PA

Lucimar Naiara dos Santos Alves 1 Ana Beatriz Oliveira Reis 2 Ketrin da Silva Balieiro 3 Lorena Bastos da Costa 4

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo geral analisar a implementação do Programa “Minha Casa, Minha Vida” na cidade de Santarém-PA, tendo como referência o direito à moradia adequada. Essa análise é feita por meio do estudo de caso no Residencial Salvação, localizado na Rodovia Fernando Guilhon, eixo de expansão urbana do município. No âmbito do programa implementado em 2010 e entregue em 2016, foram construídas 3.081 unidades habitacionais abrigando, aproximadamente, 15 mil pessoas com renda familiar de até R$ 1,8 mil. O Residencial Salvação, objeto de estudo do trabalho, é um conjunto habitacional criado a partir do Programa “Minha Casa, Minha Vida”. O investimento foi de R$ 161,9 milhões e as unidades estão avaliadas em R$ 52,5 mil. Dados do Plano Municipal de Habitação e Interesse Social informam que no ano de 2010, o déficit habitacional no município correspondia a 28 mil

1 Estudante de Direito da Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA. E-mail: lucimarnaiara@gmail.com. Currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/ visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K8608941E2 2 Professora de Direito do programa de Ciências Econômicas e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA. E-mail: reis.aboliveira@ gmail.com. Currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv. do?metodo=apresentar&id=K4364775T5. 3 Estudante de Direito da Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA. E-mail: ketrin.balieiro@gmail.com. 4 Estudante de Direito da Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA. E-mail: lorenabcosta@outlook.com.

famílias sem casa própria, dados que justificam a sua inclusão no PMCMV (Santarém, 2010). A construção do Residencial Salvação iniciou em 2011 no governo da ex-Prefeita Maria do Carmo Martins e se arrastou até o ano de 2016 (ano da entrega). O atraso na conclusão das obras se deu por uma série de fatores, como: demora no processo de licenciamento ambiental; paralisação por atraso nos repasses de recursos por parte do Governo Federal; paralisação constante de embargo judicial pelo fato do processo de licenciamento ter ocorrido de forma irregular, uma vez que o município, na época não possuía licença para empreendimento desse porte e pela falta de adequação de projeto devido ao embargo para construção de sistema de drenagem profunda. O Programa é administrado pela Caixa Econômica Federal, que fornece informações e mecanismos virtuais para a simulação dos valores das casas e, igualmente, para cadastramento de famílias interessadas, tendo em vista que um número expressivo de brasileiros são reféns do aluguel. As unidades habitacionais do Residencial Salvação possuem 42m² divididas entre dois quartos, sala, cozinha, banheiro e os terrenos que medem 10m x 20m, além de contar com um sistema de aquecimento de água.

METODOLOGIA

Os procedimentos metodológicos utilizados consistem na revisão bibliográfica de Amore, Shimbo e Rufino (2015), Osório (2014) e Novak (2017), em suas notáveis abordagens do direito à moradia na sua relação com o direito à cidade. Realizou-se, também, no estudo de caso as técnicas de pesquisa de observação direta por intermédio de pesquisa de campo, entrevistas e conversas com moradores. Foram feitas três visitas de campo no Residencial Salvação: no mês de setembro do ano de 2016, mês de setembro em 2017 e a última em julho de 2018.

A primeira visita de campo aconteceu a partir de uma observação participante, que serviu como base para as análises e reflexões acerca do residencial Salvação. Nessa primeira visita foi observada a total falta de equipamentos urbanos e a associação de moradores ainda estava em fase de criação. Outro aspecto relevante observado foram as altas taxas de energias pagas pelos moradores, assim como a implementação de um hidrômetro em todos as unidades. Foram realizadas seis conversas com moradores, que durante as observações aceitaram contar um pouco sobre o local. As conversas se deram de forma casual, no qual os próprios moradores nos indicaram outros com quem conversar e antes mesmo de chegarmos a campo, obtivemos contato prévio com moradores do Residencial. Todas as questões abordadas foram referentes à vida dos habitantes no residencial e nas circunstâncias anteriores a ele (pagamentos de aluguel, moradia de favor, satisfação com a nova moradia, etc.). Também foi feito uma apreciação sobre os aspectos físicos do local, como a impactante falta de arborização e a presença de sistemas de aquecimento de água que formam um significante contraste com o clima amazônico, além de levantamentos de notícias que veicularam dificuldades na construção do Residencial. A segunda visita de campo ocorreu com auxílio da Presidenta da associação de moradores do bairro, a senhora Rosineide Fernandes, para responder algumas perguntas, sanar as dúvidas e relatar o contexto histórico da trajetória do referido bairro, bem como discorrer a realidade dos moradores diante do Programa Minha Casa, Minha Vida. Neste propósito, também se pôde conhecer alguns dos lugares a serem ocupados por equipamentos urbanos, terrenos ainda a serviço de construção de algum empreendimento, as casas (algumas já descaracterizadas em relação ao padrão adotado pelo programa) e observar a rotina de algumas moradoras e moradores. Umas das principais indagações, por exemplo, foi in-

vestigar a efetividade do direito à moradia por meio da análise das condições no que se refere à estrutura tanto da casa quanto dos aspectos gerais de políticas públicas. Do mesmo modo, foi realizada a última visita no Residencial Salvação, em 2018, no qual verificou-se que a falta de políticas públicas e moradia adequada, ainda permanecem. Entretanto, atualmente, segundo a senhora Presidenta do Bairro, Rosineide, a associação de moradores está sendo mais reconhecida, tanto no que diz respeito às parcerias com projetos e ações quanto na luta por políticas.

DISCUSSÕES

A plena moradia de inserção à dignidade da pessoa, à liberdade e aos direitos, necessita-se que o lugar para morar deve ser acessível, bem localizado, habitável, culturalmente e economicamente, adequado e com acesso aos serviços básicos de infraestrutura. O Estado tem a obrigação de satisfazer as necessidades básicas e os mínimos essenciais de forma eficiente e eficaz, assim como garantir remédios efetivos aos direitos e liberdades fundamentais. (LETÍCIA OSÓRIO, 2014). Nesse sentido, o Residencial Salvação contribui para a moradia de mais de 10 mil moradores, no entanto, carece de políticas eficazes desse serviço. Durante os relatos tanto da Presidenta do Bairro quanto dos moradores entrevistados, os equipamentos urbanos de saúde, educação, lazer, saneamento básico, dentre outros, são insuficientes ou até mesmo inexistentes. Inicialmente, na implantação do programa, foi apresentado um projeto pela Administração Pública Municipal, cuja proposta deveria contemplar essas necessidades. Havia dezoitos projetos para serem entregues juntamente com as casas, a saber: academia para jovens, duas academias para idosos, pista de skate, praça infantil, quadra poliesportiva, Centro de Referência de Assistência

Social (CRAS) e centro comunitário, praça do idoso, praça digital, malocão infantil, escola (uma municipal e outra estadual), creche, ginásio, mercado público, malocão para jovens, Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e anfiteatro. Assim, foram reservados alguns espaços destinados à construção. O conjunto habitacional, igualmente, deveria contar com uma estação elevatória, responsável pelo transporte de dejetos até a Estação de Tratamento do Esgoto do bairro Mapiri, além da inclusão de projetos de abastecimento de água e arborização. Durante a análise, foi possível constatar a ausência da implantação de políticas públicas e a vulnerabilidade que o local apresenta (muitas crianças no local sem nenhum tipo de assistência social). Muitos moradores relataram que a moradia em si é boa, porém sentem-se abandonados pelo governo. Um dos pontos que mais chamou atenção foi a falta de uma UPA no local. Segundo um morador, durante a conversa, alguns residentes não foram aceitos no posto de saúde do bairro Alvorada (próximo ao Residencial). O serviço público de saúde, básico em qualquer bairro, não é garantido no Residencial Salvação. Constata-se, também, ausência de ações para os moradores, como: ações de saúde, cidadania, lazer, educação e etc. Em relação à educação, hoje, funciona somente uma escola municipal “Professor Aldo Ferreira Campos”, anexa e improvisada, com três salas no antigo galpão destinado aos pedreiros durante a construção do residencial. O ensino agrega o pré-escolar, intermediário e a educação de ensino para jovens e adultos. As salas são pequenas, divididas em mdf, não possuem climatização adequada e a acústica do lugar dificulta o ensino. O local não agrada a todos os alunos, incluindo também os funcionários, pois além do clima da região ser quente, não há arborização em torno. Na escola supracitada, antes havia ações da Secretaria Municipal de Saúde (SEMSA) todos os sábados, mas como a demanda

aumentou, as ações foram suspendidas por falta de espaço para realizar os atendimentos. A falta de planejamento também é um problema declarado no Residencial Salvação, por ser um Programa Federal, a planta da edificação não teve mínimos detalhes para a região destinada. Quando foram entregues as casas, as fortes chuvas alagaram algumas residências. Atualmente, esse problema amenizou, embora existam alguns moradores que ainda sofrem esse incômodo, mesmo existindo no bairro sistema de esgoto e drenagem. Vale frisar, ainda, a contradição com o clima da cidade, uma vez que em cada casa foi inserido aquecedores de ar com um ambiente em que predomina o clima quente e úmido, típico da região amazônica. No ano de 2016, os moradores conquistaram por meio da associação de moradores, o benefício do transporte público. Antes, utilizavam meios alternativos para chegar ao seu trabalho, escola, faculdade, através de carona de amigos ou por bicicletas, motocicletas, serviços de moto táxi e caminhada até o ponto de ônibus mais próximo do bairro, com duração de 40 a 50 minutos, dependendo da localização da casa de cada morador. Pode-se dizer que até o momento essa questão está sendo agradável aos moradores, além de duas linhas de ônibus trabalhando no Residencial, os habitantes desfrutam de um ônibus escolar para levar crianças às escolas dos bairros próximos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A carência de equipamentos urbanos e políticas públicas não traz satisfação de moradia adequada às pessoas habitantes do Residencial Salvação. Um problema persistente e muito questionado pelos moradores são as altas taxas de energia elétrica e a implementação do hidrômetro, levando em consideração que a cidade de Santarém não utiliza de tal equipamento, apenas no Residencial Salvação.

A estrutura da casa também não satisfaz todas as famílias. Em média vivem cinco membros em uma casa com medida de 42m², considerada estreita para quem tem que dividir com famílias maiores, além disso, a família tem de lidar com o calor de altas temperaturas da região cooperando com a falta de arborização ao redor. Por isso, algumas pessoas estão modificando a composição original da casa para ceder lugar a mais cômodos e a construção de varandas. A presidente da associação declarou satisfação dos moradores no aumento de mais duas salas de aula na escola, por meio da ONG Humanitarian Experience for Youth (HEFY) vinculada à igreja evangélica do bairro. Ou seja, o poder público pouco interfere nas ações envolvidas, no que diz respeito à segurança, à saúde e à educação, sendo essas políticas urgentes para o local e dependentes da união dos próprios moradores e das parcerias particulares já concretizadas. A necessidade do melhoramento de serviços básicos e a inserção de novos equipamentos urbanos são visíveis no Residencial Salvação. Por mais que os moradores estejam satisfeitos em ter a casa própria, a falta de políticas públicas, equipamentos urbanos e o melhoramento dos já existentes, deixam a desejar em vários aspectos para a efetiva moradia digna. Logo, a moradia adequada que deveria ser plena e de direito, não condiz à realidade do local.

Palavras-chave: direito à moradia adequada; programa minha casa, minha vida; Residencial Salvação; Santarém; planejamento urbano.

REFERÊNCIAS

AMORE, Caio Santo; SHIMBO, Lúcia Zanin; RUFINO, Maria Beatriz Cruz (Org.). Minha casa... e a cidade? Avaliação do programa minha casa minha

vida em seis estados brasileiros. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015. 428 p. G1 Santarém e região. Disponível em: <http://g1.globo.com/pa/santaremregiao/ noticia/2016/06/chuva-alaga-imoveis-no-minha-casa-minha-vida-em-santarem- -pa.html>. Acesso em: 22 jun 2018

NOVAK, Fabrício. UMA AVALIAÇÃO DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA ATRAVÉS DA PERSPECTIVA DOS BENEFICIÁRIOS: O CASO DE SANTARÉM-PA. In: Sétimo Seminário Mato-grossense de Habitação de Interesse Social Habitação e Cidade: Construindo Consensos, 26-28/10/2017, Universidade do Estado do Mato Grosso, Barra doBugres, MT. Cáceres: Editora da Unemat, 2017. p. 430-442. Disponível em: https://drive. google.com/file/d/1aJSRBgnLFaXkmfcljVwI--bdVIeuct-Q/view. Acesso em: 09 abr. 2018

OSORIO, Letícia Marques. O direito à moradia como direito humano. In: FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia (Coord.). Direito à moradia adequada: o que é, para quem serve, como defender e efetivar. Belo Horizonte: Fórum, 2014. P. 39-68.

SANTOS, Beatriz Abreu dos. As políticas de habitação e urbanização diante da mudança do clima: estudo da vulnerabilidade e da adaptação em Santarém - Pará. 2017. 145 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito, Universidade de Brasília, Brasília, 2017.

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