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CAP 3: MINHA HISTÓRIA DE AMOR COM A MEDICINA
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MINHA HISTÓRIA DE AMOR COM A MEDICINA.
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Por Geane Portela, Mãe e Médica.
Eu sempre gostei de estudar e quando tinha 15 anos, decidi que queria fazer Medicina. De família pobre, pai carpinteiro e mãe costureira, este era um sonho quase inatingível, porque morávamos numa pequena cidade que não oferecia este curso na universidade pública. Em dezembro de 1989, surgiu a oportunidade de ir estudar em Belém. Ficaria na casa de parentes distantes e que nunca tinha visto antes na vida. Abracei a ideia e fui. Não fazia noção do tamanho do passo que estava dando aos 16 anos de idade. Foi a primeira vez que andei de avião e a primeira vez que ficava longe da minha família! Tudo era diferente. Tudo era muito grande! Me matriculei num cursinho pré-vestibular (médiocre) e estudava muito todos os dias para tentar compensar. Sabia que era grande o sacrifício que todos estavam fazendo na minha casa para que eu pudesse estar ali. Prestei vestibular para as duas universidades públicas que haviam na época e fui aprovada! Era um misto de alegria e tristeza. Alegria por ter conseguido entrar no curso dos meus sonhos e tristeza por saber de tudo que estava deixando para trás. Iniciei a faculdade de Medicina em 1991 e terminei o curso em 1996. Dediquei aqueles anos da minha vida ao estudo. Vivia com o dinheiro regrado, fui morar sozinha num bairro longe do centro da cidade. Não saia, tinha que acordar muito cedo pela manhã para enfrentar ônibus lotados (usando roupa branca). Muito tímida, fiz alguns poucos, mas valiosos amigos, sem os quais estes anos teriam sido ainda mais difíceis. Durante a faculdade, sonhava em fazer Neurologia. Tinha um plano na cabeça: ir pra São Paulo, fazer residência medica. Depois voltaria para trabalhar na minha pequena cidade e ficaria ao lado da minha família. No dia seguinte a nossa festa de formatura, embarquei para São Paulo.
O coração cheio de medo, porque agora tinha que passar em um curso de residência médica que oferecesse uma bolsa. Não podia mais aceitar ser um peso financeiro para minha família. Em 1997, comecei a fazer Residência em Medicina Comunitária. Era ainda uma recém-formada cheia de idealismo e achava que podia ajudar as pessoas como médica de família. No final do primeiro ano de residência, começaram as visitas domiciliares. Como o hospital ficava na zona leste de São Paulo, visitei as favelas daquela região e conheci de perto as suas mazelas. Cada noite voltava para casa com um peso enorme no coração e uma sensação incrível de impotência, diante de tanta miséria. Acabei por desistir da residência e prestei concurso novamente. Desta vez, Clínica Médica. Iria tentar a especialidade que tanto gostava, Neurologia. Durante os anos de residência, sofri uma espécie de “desencanto” com a Neuro. Tantos diagnósticos brilhantes, porém, poucas opções de tratamento (na época). Chegava a hora de buscar novos rumos. Os 2 anos de Clínica eram pré-requisito para quase todas as especialidades clínicas. Depois de muito pensar, decidi prestar prova para Nefrologia no HC da USP e no SUS, Cardiologia. Tive o grande prazer de ser aprovada nas duas! E agora? Acabei optando pela Cardiologia. Fiz os 2 anos da especialidade e mais 2 anos de uma subespecialidade. Fazia plantões quase todas as noites. Não tinha vida pessoal. Quase não via a minha família. E ainda assim, estava feliz com a minha escolha, com a minha profissão, embora o retorno financeiro fosse quase nenhum. Os anos de residência e especialização terminaram. Passei a prestar serviço para alguns dos meus antigos preceptores e também trabalhava em hospitais e dava plantões aos finais de semana. Chegou uma época em que trabalhava em 5 lugares diferentes, mas achava isso normal. Decidi que não voltaria mais para a minha pequena cidade. Comprei um apartamento em São Paulo. Trabalhava cada vez mais e descansava cada vez menos. Um belo dia fiquei doente e tive de ser afastada do hospital por 4 meses. A partir daí passei a repensar se todo o esforço e dedicação tinham valido a pena. Resolvi mudar meu estilo de vida e viver com uma melhor qualidade. Comecei pedindo demissão dos vários empregos. Parei de fazer plantões noturnos, embora ainda trabalhasse quase todos os finais de semana.
Neste período, durante um curso de Ecocardiografia no Rio de Janeiro, conheci o meu marido, que é um grego-americano. Quando decidimos nos casar eu tive que mudar de País e parar de trabalhar. Foi um período muito angustiante na minha vida. Estaria desperdiçando todos os anos dedicados aos estudos e a minha profissão? Ao chegar nos EUA existia a barreira da língua, a barreira cultural, o fato de não poder trabalhar como médica, enfim passei por muita solidão e uma saudade incrível do Brasil. Pesava também o fato de que queríamos filhos e eu já passava dos 35 anos. Depois de 2 anos de casados, engravidei. Decidi então que cuidaria da nossa filha nesses primeiros anos e depois pensaria se voltaria ou não a trabalhar na área médica. No início foi quase insuportável, mas hoje, com o passar dos anos, vejo que fiz a escolha certa. Agora, minha filha está com 5 anos. É uma menina doce e feliz. Fala dois idiomas: Português e Inglês (o que não teria acontecido se eu não pudesse ficar em casa com ela). Agora começou a frequentar a escola em período integral. Tenho um pouco mais de tempo para mim e começo a pensar no que vou fazer no futuro. A velha questão: o que você vai ser quando seu filho crescer? Pois é. Não tenho disposição e energia pra voltar a fazer residência e passar por tudo outra vez (o que seria necessário no País onde moramos no momento), mas posso voltar a estudar e trabalhar na área de ecocardiografia/ultrassom, que era o que já acontecia nos meus últimos anos de prática médica no Brasil. Da minha cidadezinha para o mundo.