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CAP 6: A REALIDADE IMITANDO A FÁBULA

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A REALIDADE IMITANDO A FÁBULA6 .

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A FÁBULA:

Era uma vez uma mulher que se mudou para uma caverna nas montanhas para aprender sobre a vida com um guru. Ela lhe disse que queria aprender tudo o que havia para saber. O guru entregou-lhe pilhas e mais pilhas de livros e a deixou a sós para que pudesse estudar. Todas as manhãs, ele ia à caverna para inspecionar o progresso da mulher. Levava na mão uma pesada vara e fazia a ela a mesma pergunta: - Já aprendeu tudo? - Não, ainda não. O guru então batia com a vara na cabeça dela. Isso se repetiu por meses. Um dia, o guru entrou na caverna, fez a mesma pergunta, ouviu a mesma resposta e levantou a vara para bater da mesma forma, mas a mulher agarrou-a antes que tocasse em sua cabeça. Aliviada por evitar a surra, mas com medo da represália, a mulher olhou para cima e para sua surpresa, o guru sorria. - Parabéns, disse ele. Você se formou. Agora sabe tudo o que precisa saber. -Como assim? Perguntou a mulher. -Você aprendeu que nunca aprenderá tudo que há para saber, respondeu ele, e mesmo assim, aprendeu como parar a sua dor.

6 Extraído do livro “Codependência nunca mais”de Melody Beattie, editora BestSeller.

A REALIDADE:

Ser feliz com, e na profissão, me remete totalmente a essa pequena fábula. Ser médico não é saber tudo. Não é ser o melhor técnico. É saber que você não é o “dono do doente” e conviver com isso tudo junto, sendo feliz, pois essa foi a sua escolha. Não estou dizendo que é fácil. Muito pelo contrário. É muito difícil, mas não é impossível. Ao escrever esse texto pensei muito. Refleti bastante com meu travesseiro. Conversei e escrevi. Mudei a mim mesma, pois o objetivo aqui é ser franca o máximo que eu puder. Não existem certos e nem errados. Mas aqui nesse livro quero ser eu mesma. Nas minhas “andanças” comecei a observar algumas pessoas que eu achava “de bem com a profissão” e para meu alívio, elas não eram nada daquilo que eu pensava. O primeiro exemplo que me vem a memória é o da minha mãe. Não, ela não é da saúde. Mas aqui estou falando de acertos com sua escolha e tanto faz que ela seja costureira ou diplomata. Ela foi feliz fazendo o que gostava. Uma das coisas que ela sempre repetia é “Todo mundo nasce com uma missão”. Isso batia em mim e voltava como uma bola de borracha quicando numa parede de concreto. Eu não achava isso. Via muitas pessoas desencontradas, reclamando, esperando somente o quinto dia útil. Não entendia e não concordava. Hoje, olhando ao meu redor, pensando em todos que passaram pela minha vida, colegas, professores, amigos, pacientes, todos tem sim, uma missão. A gente simplesmente nasce para alguma coisa, que pode ser desenvolvida ou não... Isso já são outros quinhentos. Descobrir pode ser uma longa jornada, mas que tem, tem. Tem gente que desde cedo sabe, tem outros que parece que recebem um papel para decorar, e já está decorado, e tem pessoas que demoram muito para achar no fundo das cascas que colocam ao longo da vida. Além da complicação número 1, que é encontrar “para quê” você está aqui, tem a número 2, que é o “como” posso desenvolver isso. No meio do caminho, nos deparamos com a número 3, o “por que”, por que quero desenvolver isso.

Como disse no início deste livro, sempre quis ser médica, mas o mais estranho era que, sempre soube que iria ser. Mas não sabia que NÃO iria ser fácil. Ler isso pode ser desesperador para algumas, mas ninguém está na “festa errada”. A gente sempre está no lugar que é para estar. Se encontrar na profissão não quer dizer que sempre se esteja vivendo uma “lua de mel” com ela. Nem sempre você vai acordar e dizer “Uhu! Mais um dia de ouro na minha vida”. Não é por ai. E quem disser que é o tempo todo assim, me desculpe, está mentindo. Eu mesma já me enganei a respeito disso. Minha ideia errônea, já ultrapassada, de felicidade na profissão: “Ela acorda e os passarinhos vem lhe dar bom dia. Os raios de sol penetram no quarto fazendo cócegas em seu nariz. Ela se sente disposta e bem-humorada mesmo tendo dormido 5h por noite anos a fio. Seu rosto está sempre descansado e cabelos e unhas sempre impecáveis. Todos estão sorrindo sentindo a mesma felicidade que a atingiu. Ela parece caminhar em nuvens e os problemas dos seus pacientes parecem sumir como bolha de sabão ao simples comando de sua varinha. E assim passam-se os anos”. Não venham me dizer que é chato, só porque a nossa vida não é assim. Nenhuma de nós viveu a perfeição para dizer que é entediante. Obviamente, tirando os passarinhos, eu achava que poderíamos viver sempre descansadas e ao mesmo tempo ganhar bem e estudar. Sempre achava que teríamos que estar 100% bem para dizer “Eu sou encontrada na profissão”. Mas não é assim. Eu estava cansada. Física e mental. E confusa. Será que sou feliz sendo médica? Descobri que mesmo cansada, eu era sim encontrada na profissão. Percebi que, novamente a Síndrome da Mulher Maravilha, eu estava me cobrando ser um robô. Aliás eu tinha que ser um robô, certo? Por que isso? Quem me colocou nesse local? Eu mesma. A faculdade, pelo modelo americano, nos educa a esconder nossas fraquezas. Ocultar de nós mesmos. Se não podemos fazer isso, tchau! Para mim, ter essas dúvidas não combinavam em ser médica. Então, melhor abandonar a carreira.

Mas eu tenho uma coisa boa. A escuta. Então foi isso que eu fiz. Escutei meu coração. E estou aprendendo algumas coisas. Aprendendo a me perdoar quando estou cansada e mesmo assim fui trabalhar para não deixar meus pacientes esperando, pois eles precisam de mim. Aprendendo a curtir um final de semana com meu esposo sem estudar, e sem me culpar. Aprendendo a me expressar de forma clara a respeitar meus limites. Outras estou reaprendendo. Reaprendendo a perguntar de forma sincera “como vai” para meus pacientes e a ouvi-los também com a mesma sinceridade. Reaprendendo a ouvir meus colegas dentro do hospital com respeito, mesmo que isso signifique criticar meu trabalho. Reaprendendo que estudar um artigo bem estudado, vale mais do que ler 10 com atenção duvidosa. Reaprendendo que ser médica foi uma escolha consciente de uma jovem, mas que a mulher de hoje pode sair na hora que quiser. E se ficar, ficar sem culpa. Nem todos os dias estaremos bem. Nem todos os dias estaremos com energia para dar e vender. No mundo dos adultos, encarar as escolhas com liberdade é sempre saber porque estou aqui e não se perder no meio do caminho. E caso isso aconteça, que pode ter certeza que vai, que eu possa entrar em contato comigo mesma e ouvir aquela voz que está muitas vezes abafada pelas frustrações do dia a dia. Penso que quanto menos expectativas, mais a missão se torna leve. Na vida, não temos nenhum livro que nos diga o que fazer. Só contamos com a nossa bússola interior. O importante é não ser escrava dos modelos inalcançáveis. Seja você mesma. No final, ser encontrada na profissão é ser VOCÊ.

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