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CAP 3: DESABAFAR OU NÃO NO TRABALHO? EIS A QUESTÃO
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DESABAFAR OU NÃO NO TRABALHO? EIS A QUESTÃO.
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Todo mundo a conhece como Léa, mas seu nome é Leoniti Dantas Queiroz, é Fisioterapeuta do Hospital São José e Coordenadora de PAD, Programa de Assistência Domiciliar. Uma das melhores pessoas no mundo para desabafar. Todos os assuntos. Sempre a admirei por essa capacidade que ela tem de escutar, acolher e devolver da melhor maneira o que escutou em prol do nosso crescimento pessoal. A conheci no mestrado e confiei nela de cara. Por isso, quando pensei em desabafos no ambiente da saúde, pensei imediatamente nela, ela tem o que ensinar para que estejamos no salto, ao ouvir, ou ao desabafar no nosso ambiente de trabalho. Eis os seus segredos:
Ao desabafar, que saiba escolher, que seja no SALTO:
Por Leoniti,
“Acho bem perigoso essa desabafar. Porque isso é um ato profundamente sincero, diz o que você pensa e acha. Eu falo sim o que penso e acho, mas eu filtro. Não digo tudo. É comprometedor e já tive inúmeras experiências negativas e assim vamos aprendendo. Se não aprendermos com os erros, fica complicado continuar sobrevivendo no meio de pessoas com tantas deformidades emocionais, chamo assim.
Uma das coisas que aprendi é o ‘teste do toque’, como aquele teste que fazemos ao pintar o cabelo. Eu faço assim, comento algo por cima sobre uma situação que
aconteceu com uma pessoa totalmente desconhecida para mim e vejo como a pessoa reage. A postura dela, como ela vai se comportar sobre essa informação é o que precisa ser totalmente analisada. Eu sei que sou analisada também da mesma forma e tento ‘ler’ nas entrelinhas. Existem pessoas que são transparentes e outras não.
Colocar filtros nos locais de trabalho com percentuais de transparência é proporcionar e manter uma relação firme e profissional. Ser uma pessoa boa e confiável!
Em primeiro lugar se acredite, para que o outro possa acreditar em você. Uma das primeiras coisas que você tem que fazer no ambiente de trabalho é conhecer o maior número de pessoas possível e a partir daí você mesma começar a filtrar.
Desabafar, desabafar mesmo eu nunca desabafei minhas coisas pessoais no ambiente de trabalho. A não ser se for aquela pessoa que quero bem e que eu já tenha um tempo de proximidade, mas de um modo geral não conto meus problemas familiares, eu só conto histórias de família. Isso é diferente. Coisas engraçadas, divertidas e legais. Evito contar problemas pois muitas vezes, aquele problema que tive em casa eu ‘passo por cima’, dispenso, pois é com alguém que amo muito, mas para aquela pessoa estranha à família ficou com aquela informação, e por não conviver com eles como eu convivo, fica uma imagem negativa. Ela não consegue enxergar coisas que somente eu enxergo e com isso, ela julga e me julga sem ver o todo. Não sabe do contexto inteiro, viu aquele problema por uma ótica que é a que eu passo, que por sua vez, enxerga dentro da
ótica dela e cria sua própria interpretação. Por isso acho perigoso e evito.
Complemento as sugestões da Léa com uma sugestão sobre o que fazer com o desabafo quando ele consiste em assuntos administrativos: Ouvir a pessoa com calma e tentar entender pelo prisma dela qual é o problema, não perturbar mais do que ela já se encontra. Muitas vezes ela quer só ser ouvida e compreendida. Muitas vezes ela quer uma sinalização que está indo pelo caminho certo. Tentar a empatia, se colocar no lugar. Não esquecendo de que o problema é dela e ela terá que resolver. E de preferência, da próxima vez que se encontrarem, não toque no assunto. Ela tocará se assim achar melhor.
Regina Maia Ribeiro é Terapeuta Ocupacional também do Hospital São José (Fortaleza/CE). Faz um trabalho totalmente diferente do que já vi com os pacientes internados. Ao mesmo tempo que, tenta resgatar neles a autoestima, provoca o sentimento de auto-responsabilidade e a vontade de mudar ao saírem do hospital. Já desabafei com Regina sobre trabalho em um momento bastante difícil e ela nunca me disse aquilo que eu queria ouvir,no princípio me dava raiva... mas depois entendia que ela dizia o que eu tinha que ouvir. Mudei alguns paradigmas com ela.
Ao ouvir um desabafo, que inspire mudanças, que seja no SALTO: Por Regina Maria,
“Fico muito feliz em ajudar pessoas a buscarem dentro de si suas próprias respostas.
Não acredito em conselhos, acredito sim que mudanças acontecem quando temos interesse em mudar!
Sou prova viva. Era frágil e introvertida. Até o dia que resolvi mudar e ir em busca de mim, da minha identidade. Percebi,
com a ajuda de profissionais que poderia fazer essas mudanças. Nunca me preocupei em registrar minha mudança e sim fui vivendo cada dia como se fosse o único. Hoje percebo muitas delas. Sinto-me confortável até onde cheguei, sabendo que muitas outras mudanças podem ocorrer.
Quando me procuram para desabafar sobre um ou outro assunto, sinto que transmito confiança e que posso ajudá-las. Nesse encontro, a única coisa que está ao meu alcance fazer é contar como eu consegui fazer essas mudanças. E incentivar as pessoas a fazerem o mesmo, pois se eu consegui, qualquer um consegue. Volto a dizer, basta ter interesse. Eu falo que não é fácil, não foi fácil comigo, mas vale a pena.
Sabe, ninguém muda ninguém de verdade. Cada um que faz a sua própria mudança. Só temos que ‘amar o próximo como a nós mesmos’. Por isso, ando nesse mundo a fim de ajudar as pessoas a buscarem a si mesmas. A minha escuta profissional é sempre com uma postura de respeito. Nunca às abordo sem a permissão delas, meu recurso é a escuta de coração. Sei que não consigo com todos.
No trabalho, muitas vezes nós profissionais nos sentimos frágeis e necessitamos confiar em alguém, quando desabafamos nos re-organizamos e nos sentimos melhor, prontas para enfrentar todos os momentos.
Regina Cláudia Furtado é Enfermeira da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Geral de Fortaleza. É psicóloga também, mas ela diz que não exerce a Psicologia, o que é ‘mentira’ pois mesmo com um punhado de coisas para fazer, ela sempre escuta quem está aflita. É
uma daquelas pessoas que são boas parceiras para tudo, sabe? Eu gosto disso. Desde assumir uma diretoria de qualquer coisa até cantar num Karaokê se esgoelando às 2h da manhã.
Seja desabafo ou DESABAFO, que saiba administrar, que seja no SALTO: Por Regina Cláudia,
“Des-abafo: Sair do abafo, tirar, deixar algo sair de dentro de nós que se encontra abafado, coberto.
A pergunta: Quanto podemos segurar, manter abafado, antes de explodir? Ideal: Não deixar chegar a esse ponto, ter sempre alguém de fora da situação, do contexto que possa te ouvir e que você possa confiar.
No trabalho: Sempre ter alguém no qual você possa sentir empatia, confiança. Mas no nosso ambiente é difícil a oportunidade, tempo X, disposição para falar, disposição para escutar para que as pessoas possam ter a noção de quem é o outro. Acho mesmo que é preciso se ter uma convivência maior, ampla, conviver no dia a dia com as pessoas para que você possa realmente confiar sua vida pessoal. Quando essa relação de trabalho se estende para fora do ambiente laboral, já é quase uma certeza a afinidade existente entre essas pessoas. Daí, se isso acontece você pode sentir-se mais segurança de ser acolhida, aceita e compreendida.
Pode acontecer desse sentimento de segurança surgir assim, do nada, nos primeiros contatos, mas aí você conta com a sua intuição. Ela também é muito válida.
Na minha vida pessoal já tive oportunidade de desabafar de qualquer jeito, sem considerar muito as consequências. Mas, levando em conta que o conteúdo do desabafo, se transbordasse, não seria tão prejudicial.
Então há que se fazer diferenças entre DESABAFOS e desabafos!
Em se tratando de DESABAFOS, e em situações que você não consegue se conter é impossível não explodir devido ä pressão interior. Acho que nesse caso, só nos resta torcer para que o outro seja empático, tenha moral e caráter.
Eu particularmente já vivi situações de dor e perdas e entrei em ebulição e não houve jeito disso não transparecer no trabalho. Optei por não contar a situação, mas me permiti chorar e contar com o acolhimento das pessoas.
Aprendi muito duramente que moral e bom caráter não são para todo mundo. O ser humano funciona por interesse, até mesmo por uma questão de sobrevivência.
Se o que sei de você em algum momento possa me prejudicar, eu posso usar contra você ou usar ao meu favor.
Você pode até contra argumentar dizendo que nem todo mundo é assim, que eu continuarei afirmando que sim, a depender do grau de prejuízo que isso possa me causar, o meu conhecimento do outro vira recursos. Sei que é uma visão amarga das relações, mas é como vejo hoje.
Mas por outro lado, acredito que existem pessoas que voluntariamente decidem aprofundar o limiar de interesse próprio, abrir mão de algum benefício/ interesse e a isso chamo de caráter, e que por essa razão merecem nossa confiança.
Espero sinceramente que possamos encontrar sempre pessoas assim em nosso caminho.”
Quem nunca teve seus cinco minutos sem filtro dentro do local de trabalho que atire a primeira pedra. Muitas vezes estamos estourando e nem sempre a pessoa que está no nosso campo de visão é a mais indicada para desabafar. Principalmente no que diz respeito ao trabalho, todo cuidado é pouco. Porém, nos momentos de estresse, caímos em várias armadilhas. Quando chegamos em um lugar, geralmente leva tempo para sabermos quem é quem, como disse a Léa. Muitas vezes, independentemente do tempo a intuição ajuda, como diz a Regina Cláudia. Outras pessoas, nem convivendo mais de um ano você consegue saber se é “carne ou peixe” como dizia a minha avó. No meu caso, encontrei essas três pessoas que me escutaram de verdade, desabafos pessoais e profissionais. Nunca senti que as estava fazendo perder tempo ou as desagradando. Penso que o verdadeiro ouvinte não te julga, não tenta te cortar e não vai te dar as ‘respostas prontas’. Pelo contrário, vai te acalmar e ver o outro lado, porque sim, sempre tem o outro lado.
FIQUE DESCALÇA E ESCUTE-SE!
Aqui listo alguns atributos para procurar um bom ouvinte ou se você quer, se tornar um bom ouvinte: 1. Ouça. Deixe a pessoa falar resistindo a vontade de dar uma resposta na primeira respirada dela.
2. Tente ver a cena sem emoção. A pessoa te
procurou porque pode não estar confiando no próprio julgamento, talvez pelo calor da própria emoção.
3. Tenha seus valores claros e confie neles. Tem
pessoas que mudam suas observações a depender de quem faça o ato. Se você acha errado algo, não é porque sua amiga fez que passará a ser certo.
4. Tente perceber as entrelinhas, alguma parte
que a pessoa não contou. Pode ser que tenha deixado de fora sem querer ou deliberadamente.
5. Coloque-se no lugar da pessoa. Isso reduz a
vontade de julgar.
6. Faça a pessoa ver uma provável solução. Nunca
dê a solução pela pessoa, incentive a encontrar ela mesma a solução.
7. Não alimente a vitimização. Acho isso fundamental.
Escutar é uma arte, que pode ser aprendida. Lembrando mais uma vez a minha avó: “A palavra é de prata. O silêncio é de ouro.”