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CAP 4: CONTO: SAÚDE DE UM É SAÚDE DE TODOS

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CONTO: SAÚDE DE UM É SAÚDE DE TODOS!

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Esse ano estava sendo atípico para Karla. Nutricionista, mãe do Leozinho de 7 e da Clarinha de 2 anos e meio, se virava entre a profissão e ser uma mãe presente para as crianças. Ela? Depois ela se cuidava. Não dava para ser tudo. Desde a separação de Carlos há menos de um ano, Leozinho vinha pegando várias gripes, uma atrás da outra. Claro que ela sabia que também era emocional. Só podia ser. Ela levou os dois na pediatra não tinha menos que três meses e estava tudo bem. Ela se organizou como pôde no hospital, em meio a orientações para as técnicas e voou para a escola, onde tia Selma já a esperava. - Oi Karla! Já ia te mandar um zap! - Desculpe tia Selma! Como é que ele está? - Com febre novamente! Pensei que ele estava bem para vir para o Colégio... Disse a tia Selma com aquele tom indireto. - Mas ele estava! Passou bem o final de semana inteiro, brincou com os primos... realmente não entendo... Karla não entendia mesmo, será que era tudo emocional? Mas naquela hora decidiu levar novamente à emergência. Não custava nada. E se despediu da professora. Assim que pegou na mão do filho, teve um pressentimento ruim. Ele estava quente. - Vamos no trabalho da mamãe ver a tia Suzana? Disse Karla, no que Leozinho adorou. Queria também ficar perto da mãe, como toda criança. Iria pedir para Suzana, sua amiga pediatra que devia estar de plantão, olhar Leozinho. - Mamãe podemos depois comer hambúrguer quando a gente sair de lá? Karla não gostava de ceder a esses desejos... Dentro dela uma confusão só. Queria ver o filho bem, queria estar mais tempo com os

dois... ultimamente ela era a “bruxa” negando as comidas que as crianças gostavam, tentando fazer com que comessem bem. Afinal, alguém tinha de educar. Quando o pai aparecia, ocasionalmente claro, fazia o que o menino pedia. Ele era o “bonzinho”. Era sempre assim. - Não sei meu bem. Vamos ver tá?” Era o máximo que podia fazer. Ficar em cima do muro. - Oi Léo! Que blusa bonita do Homem-Aranha! Disse Suzana, a pediatra do plantão amiga de Karla e já amiga de Leozinho. O menino sorriu. Suzana passou para os exames e já comentou com Karla que fazia um mês que o menino já não ia bem, sempre perdendo peso, constantemente resfriado, tosse seca alternando com cheia, olheiras. - Karla, vamos fazer uns exames para dar uma olhada, estou achando o Léo meio pálido. Um Raio X também seria bom. Karla não estava vendo nada disso. Não era negação de mãe...ou era? Leozinho pálido? No fundo se perguntava o que estava errado ou se havia algo errado. Não sabia. Queria que alguém a dissesse. Ultimamente vinha trabalhando muito. Não contava com Carlos para ajudar com as crianças e sim com seus pais que estavam dando muito apoio. Por que tinha que acontecer separações? Por que simplesmente os homens somem e deixam tudo nas costas das mulheres? As crianças sofriam tanto... Só conseguiu dizer: - Tá ok. Leonardo brincava com as outras crianças quando ambos aguardavam os exames estarem prontos. Karla não sabia, mas depois daqueles resultados, sua vida iria mudar. Escutou Suzana chamado de um jeito quase premonitório. - Karla, os resultados estão prontos. Vamos conversar? Tudo que uma mãe não quer ouvir. - Karla, o Leozinho tem uma pequena infecção no pulmão... - Peraí Silvana, você quer dizer que o Leonardo está com pneumonia?! - Sim Karla. Infelizmente. Em criança é tudo muito diferente do adulto. E ainda mais, ele vai reagir bem aos antibióticos...

Karla não raciocinava diante do que Silvana dizia. Só pensava “Meu Deus, meu filho com pneumonia andando para cima e para baixo? Como eu fui deixar isso acontecer?” - Mas Karla, não é só isso...- Falou Silvana com aquele pesar na voz porém tendo que ser a portadora das más notícias... - Anh? - Karla só pode exprimir um som ainda tonta com o diagnóstico. - Claro que vamos fazer outros exames mais detalhados, mas a glicemia do Leonardo deu muito alta. Ele pode estar diabético. - O que Silvana? Você tem certeza? - Tenho. Vamos deixar o Léo internado por uns dois dias, precisamos fazer outros testes e o antibiótico inicial na veia vai ajudar bastante. O que achas? Karla não achava nada. - Vamos deixar ele aqui Karla. Claro que você poderá acompanhá-lo. Logo, logo ele sai. Os dias que se passaram foram de plena reflexão para Karla. Seu filho tinha realmente Diabetes tipo 1 deflagrado pelo trauma psicológico da separação ou por infecções de repetição ou mesmo por ambos. Teria que tomar insulina. Para sempre. Quando a criança saiu do hospital já estava bem melhor. Saiu tomando antibióticos e insulina. Seria tudo novo não somente para Leozinho, mas para sua família. Karla pediu afastamento do trabalho por uns dias. Seu filho precisava dela. Tudo o mais poderia esperar. Após o susto, ela precisava escolher como iria encarar essa nova situação. Não iria entregar os “pontos”. Não iria sentar e chorar, ela até fez isso, mas acabou. Precisava pensar, refletir e reagir. E foi isso que fez. Após organizar a vida com Léo, chamou os pais e o ex-marido e conversou sobre hábitos alimentares. Não somente para o filho, mas por Clarinha também. E, de repente, pensou no local onde ela passava mais tempo do que na sua própria casa. O Hospital. Pensou em todas as horas dos lanches gordos, os cafezinhos com bastante açúcar. Nos bolos...

Pensou na facilidade da substituição do almoço pelos sanduiches e pelas escolhas erradas de todos. Pensou nos erros alimentar de todos. E por que não no “acerto” alimentar de todos de agora em diante? Pensou em sua equipe e no desejo conjunto que todos tinham de perder peso. Era um assunto bastante falado, porém não tinham forças de colocar em prática. Começou a se perguntar o porquê. Maria lhe veio à mente. A cozinheira sobrepeso que desejava emagrecer, mas só comia dia após dia, não conseguia parar. Não tinha vontade de mudar. Depois veio Juliana. A secretária do setor que se “entupia” de milk shakes todos os dias após o almoço altamente pobre em vitaminas. Pensou em Janaína, auxiliar da copa, que sofria com TPMs horríveis e que “necessitava urgentemente” de um chocolate naqueles dias... ou seriam todos os dias do mês? Karla já não sabia. Um pequeno grupo de colegas do hospital, que talvez refletissem como estava a escolha de cada um em sua própria casa. Não devia ser nada diferente daquilo. E as crianças então? Estavam crescendo sobrepesos e obesas. No futuro seriam os nossos adultos hipertensos e diabéticos tipo II. Um futuro já doente. Constatar esse presente lhe deu tristeza, foi então que mais uma vez, reagiu e tomou uma decisão séria. Iria, dali para frente, incentivar a mudança alimentar do grupo. “Escolher em grupo é mais fácil”, pensou. O que não seria fácil, era mudar um hábito. Teria que ter forças para não ceder ao cansaço, às reclamações, à pressa... Mesmo quando tiver vontade de jogar tudo para os ares. Mesmo naquele dia ruim, onde tudo que gostaria era uma coxinha, ela não iria ceder. Não trocaria uma frustração por uma futura doença. Iria se ajudar e ajudar os outros. - Vamos tentar” ela disse ao grupo. Sempre tivemos essa vontade de emagrecer, vamos juntos tentar. Talvez fique mais fácil. Saúde de um é a saúde de todos. Ele funcionaria como um grupo de apoio. Mexer nos hábitos das pessoas é mexer em escolhas. Mas Karla, no íntimo, achava ao contrário. - No final, são as comidas que nos escolhem. Estamos sempre alí, disponíveis, ela começou explicando. Não deixem que o lixo alimentar se

some ao nosso lixo emocional. Não é por aí o caminho para resolvê-los. Se você só come industrializado, qual será o tipo de pensamento e sentimento que você terá?. E foi tentando sensibilizar sua equipe. Ela era nutricionista. Ela sabia o que estava fazendo. Ela tinha autoridade. Dizia para si essas frases de impacto todos os dias, quando as coisas pareciam mais mornas e todos queriam trocar o dia do “lanche saudável.” Aos poucos, todos começaram a aderir. Maria se sentia mais apoiada. Juliana reduziu os shakes e todos ensinaram alguma receita caseira para Janaína melhorar da TPM, afinal, eles eram um grupo. Era assim que funcionava. Essa semana iriam provar a Lasanha de berinjela da mãe de Karla. Já tinha sido a vez do tabule, do kibe vegetariano, do macarrão de abobrinha. As opiniões divergiam, claro. Mas a coisa estava dando certo. Karla se sentia mais disposta. Pensava na situação que a trouxera até ali. Foi preciso seu filho ficar doente para que ela iniciasse aquela jornada. Não importava. - Existem sinais na vida que somos obrigados a ler. Eu li. Olhava para frente, pensando em sua missão. Agora ela não se dividia mais em duas ou três. Era simplesmente Karla, um ser humano que se ajuda e ajuda as pessoas.

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