Ano XIII – Número 76 – Dezembro 2013/Janeiro 2014
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ESPECIAL
9 771519 559006
ISSN 1413-1218
R$ 16,90
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SUÍÇA
T-27 TUCANO: 30 ANOS
A celebração de um ícone da indústria aeronáutica brasileira.
+ CRUZEX FLIGHT 2013 + SARO SR A/1 + PIPER CUB MILITAR NO BRASIL + A PANAIR EM DIE-CAST
CORES DA AVIAÇÃO MILITAR BRASILEIRA Por Aparecido Camazano Alamino
PIPER L-4H CUB NO BRASIL
ARQUIVOS MAURO LINS DE BARROS, VIA AUTOR
HISTÓRICO E DESENVOLVIMENTO DA AERONAVE Em 1930, a empresa Taylor Aircraft (Taylorcraft), de C. Gilbert Taylor, sediada em Bradford, Pensilvânia (EUA), construiu o avião E Taylor-2 Cub (E-2), com o patrocínio de William T. Piper, um industrial da cidade que tinha investido na empresa. A ideia do E-2 era para ser uma aeronave acessível, que incentivaria o interesse pela aviação. Mas ao final daquela década, a Taylorcraft faliu e Piper adquiriu os seus ativos, mas
manteve como presidente C. Gilbert Taylor. Em 1936, o Cub foi modificado e recebeu a designação de J-2 com o incentivo de Piper, acarretando problemas no relacionamento com Taylor, que acabou vendendo a sua parte na empresa para aquele. As vendas do J-2 foram inicialmente lentas, sendo produzidos cerca de 1.200 aparelhos antes do incêndio na fábrica de Bradford e o término da sua produção ali, em 1938. Tal sinistro ocasionou a transferência da empresa de Bradford para Lock Haven,
também na Pensilvânia, e por solicitação de Piper o projetista Jamouneau efetuou novas modificações estruturais na aeronave, que foi designada como Piper J-3. Ela poderia ser dotada com diferentes tipos de motores, que influíam na sua designação como modelo J-3C (motor Continental O-170), J-3F (Franklin 4AC), J-3L (Lycoming O-145) e J-3P (com radial Lenape “Papoose”, de três cilindros), dentre outros. Com o início da 2ª Guerra Mundial na Europa em 1º de setembro de 1939, começou a ventilar-se a ideia de que os EUA acabariam se envolvendo no conflito. Nesse cenário, como uma fase inicial de preparação, foi criado o Civilian Pilot Training Program (CPTP, Programa de Treinamento de Pilotos Civis). Pela sua robustez, economia e características, o Piper J-3 Cub foi escolhido como a aeronave padrão para o treinamento primário dos pilotos do CPTP e o seu sucesso foi total, alcançando a marca de ter formado 75% de todos os novos alunos do programa, de um total de 435.165 pilotos. Já durante a guerra, 80% de todos os pilotos militares norte-americanos formados receberam o seu treinamento inicial nos Piper J-3 Cub. Em 1940, ou seja, um ano antes da entrada dos EUA na guerra, 3.016 Cub tinham sido construídos, todavia as exigências da guerra aumentaram a taxa de produção para um aparelho Cub a cada 20 minutos!
O Piper L-4A “2” da 1ª ELO voando na Itália no final de 1944. Notar a grande antena de rádio no dorso.
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ARQUIVOS JOSÉ DE ALVARENGA, VIA AUTOR
O Major-Aviador João Afonso F. Belloc, comandante da 1ª ELO, dá instruções a seus comandados no final de 1944, na Itália.
SURGE O PIPER L-4 CUB PARA USO OPERACIONAL NA 2ª GUERRA MUNDIAL Em novembro de 1942, vários Piper Cub, já ostentando as cores militares,
L-4H “7” da 1ª ELO, Itália, abril de 1945. Notar o verde e amarelo na cauda.
Foram produzidos 5.413 L-4 para a United States Army Ar Force (USAAF, Força Aérea do Exército dos EUA), incluídos os 250 aviões construídos para a aviação da US Navy (Marinha norte-americana), que foram designados Piper NE-1 e NE-2. O L-4 era conhecido no âmbito dos aliados como “Grasshopper” (Gafanhoto), apesar de ser chamado também de Cub. Após a guerra, muitos L-4 foram vendidos como excedentes, mas um nú-
mero considerável ainda permaneceu em serviço. Os L-4 vendidos como excedentes nos EUA foram redesignados como J-3, sendo que muitos mantiveram as janelas originais, bem como a sua pintura militar. Pela sua versatilidade, os Piper L-4, em suas diferentes versões, foram utilizados pelo Brasil, Coreia do Sul, EUA (Força Aérea, Exército e Marinha), Reino Unido, Paraguai, Tailândia, etc.
Mecânicos da 1ª ELO reparam o motor de um L-4H na Itália, em março de 1945.
ARQUIVOS MAURO LINS DE BARROS, VIA AUTOR
deram apoio à invasão aliada no Norte da África, marcando o início de sua operação como aeronave de ligação e observação. Esses aviões eram designados O-59 (em 1941), L-4 (após abril de 1942) e NE pela aviação da Marinha norte-americana. Paralelamente, a 1ª Divisão de Fuzileiros Navais também passou a utilizar o Piper Cub em missões de reconhecimento e patrulha na costa ao norte da Nova Bretanha (província da Papua-Nova Guiné). Essas missões levaram Piper a realizar modificações no desenho do J-3, para adequá-lo ao novo tipo de missão que iria realizar no campo de batalha, bem diferente das lides da instrução aérea. Foram introduzidas grandes janelas de claraboia de plexiglass, justamente para propiciar melhor visibilidade para o observador, que ia acomodado na parte traseira da cabina, onde também estava o rádio para a comunicação com as forças em terra. O aparelho era um monoplano de asa alta, de dois lugares em tandem, de construção mista em madeira e metal, sendo totalmente entelado. O Piper L-4 foi amplamente utilizado na 2ª Guerra Mundial em missões de reconhecimento, transporte de suprimentos, regulagem de tiros de artilharia e evacuação aeromédica de soldados feridos. Durante a invasão aliada da França, em junho de 1944, os L-4, combinando a sua baixa velocidade com a excelente manobrabilidade, tornaramse uma respeitável plataforma de observação, mostrando-se ideais para detectar tanques alemães escondidos.
ARQUIVOS MAURO LINS DE BARROS, VIA AUTOR
Linha de aparelhos Piper L-4H da 1ª ELO na Itália no início de 1945.
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TUCANO 30 ANOS DE HISTÓRIA DE UM MESTRE!
E
m 1976, a Embraer vivia um período de efervescência em sua sede na cidade de São José dos Campos (SP). A produção do EMB-110 Bandeirante para a Força Aérea Brasileira (FAB) e para as várias companhias aéreas nacionais e internacionais estava em ritmo acelerado; e na linha de montagem também destacavam-se modelos como o planador EMB-400 Urupema (primeiro avião a entrar em produção seriada), o agrícola EMB-200 Ipanema e o jato de treinamento avançado e ataque EMB-326GB Xavante (ver ASAS 27). Pouco antes, em agosto de 1974, a Embraer e
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a Piper haviam assinado um importante acordo para a fabricação no Brasil de alguns aviões para atender ao segmento da aviação leve – incluindo os bimotores EMB-820 Navajo e EMB-810 Seneca e os monomotores EMB-710 Carioca, EMB-711 Corisco, EMB-712 Tupi, EMB-720 Minuano e EMB-721 Sertanejo. E, em 20 de outubro daquele ano de 1976, o EMB-121 Xingu, primeiro avião pressurizado da Embraer, alçou seu voo inaugural, estabelecendo mais um importante marco na cadeia industrial da empresa. Projetos e ideias floresciam a todo
o instante das equipes de engenheiros da empresa. Seus profissionais estavam atentos e maduros para entender as necessidades do mercado e lançar aeronaves adequadas para o setor. Havia também a preocupação de não perder qualquer oportunidade que surgisse, mesmo que determinado projeto ainda não estivesse nos planos da Embraer.
A IDEIA DE UM TREINADOR Em 1977, o General Ernesto Geisel, então presidente da República durante o regime militar no Brasil, rompeu o
IMAGEM GENTILMENTE AUTORIZADA PELO CENTRO HISTÓRICO EMBRAER. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
Em 29 de setembro de 1983 a Embraer entregou para a Academia da Força Aérea o primeiro EMB-312 Tucano de produção, inaugurando uma nova etapa na instrução dos futuros pilotos de combate da Força Aérea Brasileira. Passados 30 anos da sua entrada em serviço, resgatamos neste artigo inédito de João Paulo Moralez a história do desenvolvimento e primeiro voo deste turboélice.
ARQUIVO DE ARY GUILHERME LEBER
A fuselagem frontal do primeiro protótipo do Tucano, em montagem no Hangar F-60 da Embraer.
acordo militar com os EUA que vigorava desde 1952. A decisão impactou de forma imediata e negativa nas Forças Armadas Brasileiras, que operavam grandes quantidades de equipamentos e sistemas de defesa de fabricação norte-americana. Na FAB, um dos setores afetados foi o da instrução aérea, ministrada na Academia da Força Aérea (AFA) em Pirassununga (SP). “Eu estava andando pelo corredor do Estado-Maior da Aeronáutica quando o Coronel Lélio Viana Lobo, que foi meu colega de turma na Escola de Aeronáutica no Campo dos Afonsos (RJ),
saiu de uma sala e me mostrou uma carta enviada pela Cessna. O conteúdo dizia que a empresa, por razões de programação e produção, não teria condições de suprir peças de reposição e apoio técnico para a frota de T-37 além dos próximos dois anos”, contou Ozires Silva. Ao
lado dos Aerotec T-23 Uirapuru e Neiva T-25 Universal, o T-37 fazia o treinamento avançado dos cadetes na AFA. Sem dispor de peças de reposição e apoio logístico, em pouco tempo a frota de T-37 estaria sucateada. “Por eu estar sempre ‘antenado’, eu
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Cruzex
2013
O MAIOR EXERCÍCIO DA AMÉRICA LATINA
Característica marcante da Cruzex é a operação conjunta de aeronaves de vários países, em voos chamados de “pacotes” por envolverem grande volume de aviões. Na foto, da esquerda para a direita, um F-16 chileno voando na ala de um Mirage 2000C e o A-1M da FAB.
Para esta edição, o Chile enviou seis Lockheed Martin F-16MLU.
Um piloto da FAB empregando o capacete com HMD. Além de receber as informações de voo na viseira do capacete, o sistema de aquisição de alvos do míssil se movimenta para a mesma direção em que o piloto está olhando, permitindo o engajamento de ameaças sem a necessidade de alterar a trajetória do caça.
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Flight
A
Na segunda participação dos EUA na Cruzex, a USAF (Força Aérea norte-americana) trouxe seis caças Lockheed Martin F-16 e um Boeing KC-135 Stratotanker.
TODAS AS FOTOS DO AUTOR, EXCETO QUANDO CITADO
Por João Paulo Moralez
o longo de 11 dias de intensas operações aéreas, uma frota de 92 aviões de combate de oito países, apoiada por um contingente de 3 mil militares, participou do maior exercício aéreo da América Latina – a Cruzex Flight 2013. Organizada de 31 de outubro a 17 de novembro último, as aeronaves de interceptação, reconhecimento, ataque, de alerta e controle antecipado (AEW&C), de reabastecimento em voo e helicópteros foram concentrados nas Bases Aéreas de Natal (RN) e Recife (PE), locais considerados os mais adequados por apresentarem excelentes condições meteorológicas. A Cruzex, desde que foi criada em 2002, tem por objetivo promover o intercâmbio de militares, ampliar a interoperabilidade das Forças Aéreas envolvidas (principalmente de países da América do Sul) e executar uma série de missões defensivas, ofensivas, de comando e controle, e busca e resgate em campo de batalha (CSAR), sempre utilizando as mais modernas técnicas e doutrinas militares. Além do Brasil, neste ano participaram a Colômbia, Chile, EUA, Uruguai, Venezuela, Canadá e Equador, sendo esses dois últimos estreantes no exercício com o emprego de aviões (em edições anteriores só haviam enviado observadores militares). A França, que marcou presença desde a primeira edição, não compareceu ao exercício neste ano e a Argentina cancelou a sua vinda na última hora, pela terceira vez consecutiva. Em termos de novidades, a Cruzex contou com a participação inédita de helicópteros de ataque, tendo em vista que três Mil Mi-35M do 2º/8º GAV “Esquadrão Poti”, baseados em Porto Velho, realizaram missões de reconhecimento armado, escolta e ataque. Os Mi-35M, de fabricação russa, já participaram de diversas manobras em várias regiões do País, apresentando elevados índices de disponibilidade (dos nove já em operação, entre seis e sete normalmente estão disponíveis para o voo). Usufruindo de impecável su-
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FORÇA AÉREA DA SUIÇA
OS FALCÕES
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DE PAYERNE Q
uis a história que a base aérea que hoje é o grande ninho da aviação de caça suíça esteja na mesma localidade em que se realizou, em 28 de setembro de 1910, o primeiro voo de um aeroplano construído naquele país, um Blériot XI, e pilotado por um suíço, Ernest Failloubaz. Cerca de dez anos depois, em 1921, o governo federal faria o primeiro contrato com a cidade de Payerne para a construção de um aeródromo. Antes, em 1914, com a deflagração da 1ª Guerra Mundial, um oficial de cavalaria, Theodor Real, recebera a missão de criar um Corpo Aéreo do Exército, fundado em 31 de julho do mesmo ano – nascia, ainda não com seu nome definitivo, a Força Aérea da Suíça (FAS). As instalações daquele primeiro aeródromo foram ampliadas a partir de 1935, passando a incluir uma escola de aviação militar, e pouco depois, ao eclodir a 2ª Guerra Mundial, a pequena mas aguerrida Força Aérea já era capaz de impor nos céus a neutralidade suíça e apenas em Payerne tiveram de pousar e foram internados nada menos que 11 bombardeiros quadrimotores aliados – cinco B-17 e seis B-24. No pós-guerra, já em 1946, a base ingressava na era do jato, com os caças britânicos De Havilland Vampire. Pouco depois, em 1962, chegava o voo supersônico, com os Dassault Mirage IIIC. A doutrina da FAS, porém, sofreria uma transformação nos ecos da Guerra dos Seis Dias (1967). Diante da ameaça de um ataque preventivo que imobilizasse sua aviação no solo, a Suíça adotou a construção de abrigos especiais para suas aeronaves, com soluções únicas. Cavernas foram construídas dentro das enormes montanhas alpinas, capazes de acolher esquadrões inteiros. E Payerne não foi exceção. Com sua to-
pografia plana inviabilizando os abrigos “montanheses”, a base recebeu construções especiais de concreto, “mimetizadas” na paisagem, assim como abrigos e túneis subterrâneos – não apenas para a proteção das aeronaves, mas para a própria estrutura de operação da base. Com o fim da Guerra Fria e o relaxamento das tensões militares na Europa, estes grandes abrigos e instalações foram desativados. Em Payerne, havia dois semienterrados, cada um capaz de abrigar quatro Mirage III. Hoje, não mais são usados. Nenhum F/A-18 se oculta em seu interior – os atuais caças são guardados em hangares individuais, modernos, mas não “fortalezas”. A doutrina mudou – a FAS conta com uma ampla rede logística para espalhar seus caças por pistas em todo o país. Porém, em Payerne, os enormes abrigos de concreto não foram demolidos. Estão lá e, aliás, muito bem cuidados. Just in case!
UMA REDE INTEROPERATIVA DE BASES AÉREAS
unidades aéreas, apesar de sediadas numa ou outra base, na prática operam e se exercitam em todas. A maior razão disso, como explica, é a topografia e meteorologia do país, com as regiões alpinas (onde estão a outra base de caças, Meiringen, e outras bases importantes, como Sion) sendo sujeitas a condições severas de neve, enquanto a própria Payerne tem suas operações comprometidas, às vezes, pela ocorrência de nevoeiros fortes. Sorrindo, ele observa que “felizmente é difícil termos nevoeiro em Payerne e neve nos Alpes ao mesmo tempo, mas ocorre de num dia a maioria das operações ter de ser numa base nos Alpes e no outro dia aqui em Payerne. Então, as bases aéreas têm de trabalhar juntas”. Apesar disso, porém, comenta que Payerne (Flugplatzkommando 1) é a maior e mais importante base militar do
TODAS AS FOTOS DO AUTOR, EXCETO QUANDO CITADO
Por Claudio Lucchesi
Um Dassault Mirage IIIS guarda a entrada da base em Payerne.
Em muitas forças aéreas do mundo, cada base aérea é uma organização em si, com um apreciável nível de independência, que se reflete nas unidades aéreas nela sediadas. A FAS opera num outro conceito, de comunabilidade quase total entre suas bases e alto nível de interoperacionalidade destas entre si, “de modo que você não pode falar que esta base opera de um modo, aquela de outro, todas operam nos mesmos parâmetros”, explica o Tenente-Coronel Christian Oppliger, completando que as
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Com a empresa privada que o controla e opera tornando-se a principal participante da privatização do aeroporto internacional de Belo Horizonte/Confins, fomos conhecer por dentro o maior e mais movimentado aeroporto da Suíça.
RAIO X UMA HISTÓRIA DE 70 ANOS
O aeroporto internacional de Zurique tem sua origem em 1943, quando se decidiu instalar um novo aeroporto principal no Cantão de Zurique, fazendo-se a escolha pelo lugar em 1945, com a construção tendo início em 1947 – e o primeiro voo decolando já no ano seguinte. Pouco mais de 50 anos depois, o Parlamento do Cantão aprovou a privatização do aeroporto, com a empresa Flughafen Zurich AG tornando-se proprietária e operadora deste em 2000. Em 22 de novembro deste ano, a Flughafen Zurich AG ganhou a concessão do aeroporto internacional de Belo Horizonte/Confins, como participante (24%) de um consórcio composto também pela brasileira Companhia de Concessões Rodoviárias (CCR) e a alemã Flughafen
München GmbH. O consórcio terá 51% da nova companhia privada que será a operadora do aeroporto minei-
AEROPORTO INTERNACIONAL DE ZURIQUE
ro, com os restantes 49% permanecendo com a estatal aeroportuária brasileira, a Infraero.Q
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TODAS AS FOTOS VIA REGA, EXCETO QUANDO CITADO
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ão há um cidadão suíço que não conheça o nome REGA, nem que dele não se orgulhe. Afinal, a organização, tão icônica da nação alpina quanto o fondue e o relógio cuco, é pioneira e única, sob diversos aspectos, além de ser uma referência mundial (talvez, a melhor) para qualquer serviço de resgate aéreo. Sua origem remonta a um acidente aéreo ocorrido em 18 de novembro de 1946, quando um Douglas C-53 Skytrooper do European Air Transport Service (EATS, serviço aéreo ligado às Forças Armadas norte-americanas na Europa), num voo entre Tulln (Áustria) e Pisa (Itália), perdeu-se nos Alpes, fazendo um pouso de emergência no Glacial Gaulian, numa área inóspita e de elevada altitude da região suíça de Bern. Localizado quatro dias depois por um bombardeiro Lancaster da RAF (Força Aérea britânica), foi organizada uma
inédita e ousada operação de resgate no dia 24, com os pilotos militares suíços Victor Hug e Pista Hitz pousando dois Fieseler Störch no glacial e, trabalhando junto com equipes montanhistas, resgatando com sucesso todos os 12 ocupantes da aeronave. A operação tornou-se um marco, sendo considerada a data de nascimento dos serviços aéreos de resgate na Suíça. Fruto do episódio, seis anos depois, em 27 de abril de 1952, o médico Rudolf Bucher criava o Serviço de Resgate Aéreo suíço, como uma seção da associação de resgate do país, a Schweizerische Lebensrettungsgesellschaft (SLRG), com o início das operações no final do mesmo ano. Cerca de oito anos depois, o serviço ficaria independente do SLRG, em 19 de março de 1960, com a designação Schweizerische Rettungsflugwacht (SRFW), sob a liderança do
Por Claudio Lucchesi
seu diretor técnico (e grande mentor, até sua morte, em 1980), Fritz Bühler. A data de 27 de abril de 1952, porém, é considerada a de nascimento da instituição que, ao passar de associação para fundação, em 1979, adotou sua designação atual, com a incomum (mas lógica, num país multicultural como a Suíça) abreviação trilíngue REGA, originada de Guarda Aérea de Salvamento Suíça em alemão, francês e italiano, CLAUDIO LUCCHESI
REGA
OS ANJOS DOS ALPES
Como tudo começou – o C-53 do EATS acidentado no Glacial Gaulian.
Abaixo: nos anos 70, um Bo.105C e um Alouette III da REGA pousados no Hospital Infantil de Zurique.
respectivamente (Schweizerische Rettungsflugwacht/Garde Aérienne Suisse de Sauvetage/Guardia Aerea Svizzera di Salvataggio). Assim, desde sua origem, a REGA é uma organização privada, não lucrativa, com cerca de 60% de seu orçamento vindo da contribuição espontânea da população suíça, com cada cidadão pagando apenas 30 francos suíços por ano (cerca de R$ 78,00!) para ter a garantia de ser resgatado a qualquer hora – e em qualquer lugar do globo! E para assistência familiar (independente do número de dependentes), o valor anual é de 70 francos suíços (hoje, são cerca de 2,5 milhões de cidadãos suíços que contribuem com a REGA). “Com esta contribuição, os custos da operação são cobrados do seguro da pessoa, mas mesmo que este não os cubra, em parte ou no todo, nada é cobrado da pessoa. A REGA assumirá tais custos. De qualquer forma, o cidadão nunca será cobrado de nada, não terá de pagar nada”, explica Philip Zumstein, relações de mídia da REGA. “Mas quando há um alarme, nós não queremos saber se a pessoa contribui conosco ou não. Iniciamos de imediato o resgate – tudo o mais vem depois.” Os restantes 40% do orçamento vêm exatamente das companhias de seguro (lembrando que existe uma obrigação legal na Suíça de se ter algum tipo de seguro). Hoje, a proteção da REGA também pode ser aplicada a cidadãos estrangeiros, desde que tenham um endereço de moradia no país. Segundo Zumstein, o orçamento operacional anual é atualmente um pouco superior a 315 milhões de reais (120 milhões de francos suíços). Toda a equipe é profissional e em regime de dedicação integral, recordando-se que o serviço funciona 24 horas por dia, 365 dias por ano. “E como se trata de uma organização não lucrati-
va, qualquer ‘lucro’ reverte para a melhoria das operações e serviços.” A sede, tanto administrativa quanto operacional e que também inclui a principal instalação de manutenção, fica contígua ao aeroporto internacional de Zurique, numa localização definida exatamente pelas facilidades operacionais oferecidas por este para a operação dos jatos. Aliás, embora o aeroporto fique fechado para voos entre as 23h30 e 6h00, a REGA possui uma autorização especial para voos noturnos, “o aeroporto fica fechado, exceto para nós”, de modo que a operação pode funcionar em regime de 24 horas. Por outro lado, por facilidades de tráfego, as operações de helicóptero na região de Zurique são conduzidas a partir de uma base (REGA 1) em Dübendorf. Além desta, aliás, e do próprio quartel-general, existem outras 12 bases – Basel (REGA 2), Bern (REGA
3), Lausanne (REGA 4), Untervaz (REGA 5), Locarno (REGA 6), St. Gallen (REGA 7), Erstfeld (REGA 8), Samedan (REGA 9), Wilderswil (REGA 10), Mollis (REGA 12), Zweisimmen (REGA 14) e Genebra (REGA 15, operada em parceria). E desde 1987, em todas estas bases, as operações com os helicópteros dispõem de óculos de visão noturna (NVG, night vision goggles) – a REGA foi a primeira instituição não militar no mundo a estar assim equipada! Hoje, sua frota aérea (que é toda própria) é composta de 17 helicópteros e três jatos Canadair Challenger 604. Estes podem ser configurados de acordo com as necessidades médicas da missão, com um extenso rol dos mais modernos equipamentos médicos e de suporte de vida, podendo acomodar de dois pacientes (em instalação completa de UTI aérea) a até quatro. Como as ope-
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VOO AO PASSADO O
DIVULGAÇÃO
aeródromo de Dübendorf e suas instalações abrigam instituições como o Quartel-General da Força Aérea da Suíça e um dos centros principais do controle aéreo do país, da skyguide (ver matéria sobre a Base Aérea de Payerne). Porém, não é mais utilizado para operações militares, nem sedia de modo permanente nenhuma unidade aérea suíça. Com o fim da utilização militar dos Ju-52/3m pela Força Aérea, em 1981 (isso mesmo!), um grupo de entusiastas se formou, liderado pelo diretor do Escritório Federal de Aeródromos Militares (AMF), Brigadeiro Walter Dürig, com o objetivo de preservar alguns destes trimotores, mantendo-os em voo, abertos ao público em geral. Uma campanha popular de arrecadação de fundos forneceu o capital necessário, permitindo que três Ju-52/3m fossem preserva-
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dos, iniciando-se os voos com passageiros com dois aparelhos, em 1983, e a estes se unindo o terceiro em 1985, sob o nome de uma “companhia aérea”, a JU-Air. Quem me conta esta história é John Mesmer, um veterano piloto comercial que voou 35 anos na Swissair (indo desde o DC-3 até o CV.990 Coronado!) e, de acordo com a antiga estrutura da Milícia Suíça, também voava como reservista para a Força Aérea da Suíça. Além disso, por 15 anos, pilotou um dos quatro Junkers Ju-52/3m da JU-Air em voos nostálgicos, de demonstração e em filmagens (esses trimotores, baseados em Dübendorf, ao lado do museu, já participaram de vários filmes, como Operação Valquíria, com Tom Cruise). Os caminhos desse grupo de entusiastas da JU-Air iriam se unir à coleção de aeronaves e peças históricas da Força Aérea da Suíça, criada em 1972 pela direção do AMF, de início recolhida em alguns hangares na então Base Aérea de Dübendorf e que em 1978 passou a poder receber contribuições e
foi pela primeira vez aberta ao público. No ano seguinte, foi criada a associação Amigos do Museu da Força Aérea da Suíça (que usa a sigla VFMF), tendo à frente outro diretor do AMF, Hans Giger. A coleção continuou crescendo, nos hangares improvisados, e em 1985 teve início a construção de um primeiro edifício específico para o museu, num belíssimo projeto em concreto assinado pelo engenheiro Heinz Isler. Dois anos depois, a VFMF assumiu a operação do museu. No ano seguinte, 1988, o novo prédio era inaugurado. Cerca de dez anos depois, em 1997, a VFMF “fundiu-se” com outra associação de entusiastas, a VF-Flab, surgindo a Associação de Amigos da Força Aérea da Suíça (VFL), que assumiu então o museu, e que, junto com a vizinha JU-Air, passou a compor o Air Force Center (também agregando um restaurante, espaço de eventos e dois simuladores, do Pilatus PC-3 e do Mirage IIIS), assim como um segundo e bastante grande edifício de exibição da coleção do museu, inaugurado em 2002.Q
O MUSEU DA FORÇA AÉREA DA SUÍÇA EM DÜBENDORF
Por Claudio Lucchesi TODAS AS FOTOS DO AUTOR, EXCETO QUANDO CITADO
Em 1915, quando o emprego militar da aviação se firmava em plena 1ª Guerra Mundial, a empresa suíça K+W, de Thun, criou o seu departamento aeronáutico, contratando como seu engenheiro-chefe August Häfeli, que havia projetado os biplanos de reconhecimento alemães AGO C.I e C.II. O primeiro resultado disso surgiu em 1916, com a criação do Häfeli DH-1, um biplano biplace de reconhecimento que usava um motor Argus As.II de 120hp e era armado com uma metralhadora de 7,45mm num suporte móvel no nariz. Apenas seis foram construídos, todos em 1916, mas depois de somente um ano em serviço três haviam sido perdidos em acidentes, de modo que os remanescentes foram retirados de operação já em 1919. Nunhum DH-1 sobreviveu e o exemplar no museu é uma réplica. Porém, vale dizer que o departamento criado na K+W viria a se tornar a fabricante suíça de aeronaves EFW.
O caça biplano francês Hanriot HD.1 surgiu em meados de 1916, mas a própria aviação militar francesa rejeitou o modelo, em favor do SPAD S.VII. Apesar disso, porém, o HD-1 foi fornecido aos belgas e italianos, nas mãos dos quais se revelou muito bem-sucedido e popular – dos 1.200 produzidos, não menos de 831 foram feitos na Itália, sob licença. A Força Aérea da Suíça adotou o modelo em 1921, quando este já estava obsoleto, mas não obstante isso o último de seus 16 exemplares só foi retirado de serviço em 1930. Com um motor de 110hp, alcançava 184km/h, sendo armado com uma ou duas metralhadoras de 7,7mm. Depois de testar o modelo em 1927, a Suíça adquiriu, no mesmo ano, 48 biplanos Fokker C.VE, que foram construídos sob licença no país, nas fábricas em Thun e Altenrhein. Entre 1933 e 1940, os aparelhos foram utilizados para reconhecimento armado e ataque, passando para funções de segunda linha posteriormente, mas servindo até 1954 – usados então como rebocadores de alvos. O exemplar no museu tem um de seus lados “descoberto”, podendo-se ver todo o interior e estrutura, incluindo detalhes da construção.
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CORTESIA DA COLEÇÃO DO SOLENT SKY MUSEUM
A história esquecida de
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esde os primórdios do desenvolvimento da aviação no início do século passado, pioneiros e inventores já vislumbravam a criação de máquinas voadoras capazes de pousar e decolar a partir de rios, lagos e mares. O pensamento não era infundado, com dois terços do planeta Terra sendo recoberto por água. Um hidroavião seria ideal para operações a partir de hidrovias localizadas próximas a regiões montanhosas, que em muitos casos não dispõem de planícies para estabelecimento de aeródromos. Ainda em 28 de março de 1910, o francês Henry Fabre conseguiu voar com sucesso o trimarã Le Canard. Outros inventores desenvolveram hidroaviões maiores e mais confiáveis, que entrariam em serviço em vários países, no segmento militar, em missões de patrulha, reconhecimento e bombardeio; e no campo civil, estabelecendo várias linhas de transporte. Com a 2ª Guerra Mundial, muitos fabricantes mantiveram esforços para criar novos projetos de hidroaviões menos restritos e capazes de operar nos mais variados teatros de operações.
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Olhando para este cenário, o Ministério da Produção de Aeronaves (MPA) do Reino Unido encomendou com o Marine Aircraft Experimental Establishment (MAEE), em 1942, o desenvolvimento de um conceito de um caça a pistão para atender especificamente a este nicho. Surpreendendo qualquer expectativa, o MAEE apontou uma solução baseada num caça a jato cujo desempenho poderia equivaler ao dos modelos convencionais empregados na época. O avião seria equipado com quatro canhões de 20mm e teria a mesma autonomia especificada no requerimento N.2/42, emitido pelo MPA. Fugindo dos conceitos mais tradicionais, o projeto do MAEE não teria os estabilizadores horizontais, contaria com asas em gaivota e uma turbina Halford H1. Pesando 2.880kg carregado, o jato poderia atingir velocidades de até 834km/h com autonomia prevista de uma hora de voo. Em 30 de maio de 1943, a proposta foi enviada para o MPA, que solicitou a opinião do Royal Aircraft Establishment (RAE), então tradicional centro de pesquisa e desen-
volvimento da Royal Air Force (RAF, Força Aérea do Reino Unido). A resposta foi positiva e o RAE acabou sugerindo algumas mudanças. Em 20 de julho, foi decidido que um modelo seria construído para testes num tanque de água. Entretanto, num curto espaço de uma semana, o cenário mudou completamente quando a Saunders-Roe (SARO) apresentou a sua proposta para um caça hidroavião a jato. Ao contrário do projeto da MAEE, o modelo da SARO era mais convencional. O jato deveria ter peso de 3.497kg, medir 10,6m de comprimento e 12,1m de envergadura. O projeto também previa o uso de duas turbinas Halford H1, garantindo velocidade de até 756km/h a 6.000m de altitude e teto operacional máximo de 12.350m. Seguindo algumas modificações sugeridas pela RAE e a própria MAEE, a SARO alterou o posicionamento das turbinas, tornando o projeto mais seguro e proporcionando maior estabilidade. Com a revisão ficou claro que seria impossível utilizar as turbinas de tipo centrífugo Halford H1, cuja produção esta-
um hidroavião a jato
Por João Paulo Moralez
va voltada para equipar modelos como o Gloster Meteor. Em seu lugar, seriam utilizadas as Metropolitan-Vickers F.2/4, de fluxo axial e que apresentavam dimensões menores. Outras mudanças ocorreram em relação às asas, que também foram alvo de críticas. A equipe redesenhou o projeto, tornando-as mais espessas para suportar os flutuadores que garantiriam a estabilidade do caça nos pousos e decolagens. As asas sofreram outras modificações, visando melhorar a performance durante as subidas para grandes altitudes e também para incrementar a velocidade máxima de 894km/h para 958km/h a 9.144m de altitude. Com a mudança na motorização e os reforços estruturais, o peso total do projeto subiu para 6.124kg, quase o dobro do previsto. Em janeiro de 1944 o MPA exigiu que a distância máxima para decolagem fosse de 420m, enquanto a 3.048m de altitude as velocidades máxima e de cruzeiro deveriam ser, respectivamente, de 845km/h e 459km/h. A SARO apresentou dois projetos, os SR 44P/114 e SR 44P/113, ambos com
estrutura em metal. No primeiro haveria um único duto para a saída dos gases das turbinas, enquanto no segundo cada motor teria a sua própria saída. Em 21 de março de 1944, a escolha recaiu sobre o SR 44P/113, tendo em vista a facilidade para a manutenção e a sensível redução no peso total da aeronave. Em 11 de maio, três protótipos foram encomendados, atendendo à especificação E.6/44 do Ministério do Ar. O caça monoplace biturbina equipado com duas Metropolitan-Vickers
F.2/4 deveria ter a capacidade de operar de qualquer parte do mundo (principalmente em localidades situadas no Pacífico), desempenhar não menos do que 788km/h de velocidade máxima, ter teto operacional mínimo de 12.190m, corrida para decolagem de no máximo 25 segundos (considerando com peso máximo do caça) e pressurização do cockpit equivalente a 7.620m quando em voos a 13.720m de altitude. O SR 44P/113 poderia levar dois tanques externos subalares de 640 litros cada e o armamento esco-
CORTESIA DA COLEÇÃO DO SOLENT SKY MUSEUM
Apesar de ser um jato biturbina, o cockpit do SR A/1 era simples e se assemelhava ao dos caças a pistão da 2ª Guerra Mundial.
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