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Ano XV – Número 89 – Fevereiro/Março 2016
VULCAN
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ISSN 1413-1218
R$ 17,90
Delta de Sua Majestade + MIG-21 NA BULGÁRIA + A350 NA TAM + BAÍA DOS PORCOS, 1961 + O ATAQUE AO ROMA
TESTE DE VOO
Cirrus SR22 C E N T E N N I A L E D I T I O N
CORES DA AVIAÇÃO MILITAR BRASILEIRA
Por Aparecido Camazano Alamino
O BOEING KC-137 NA FORÇA AÉREA BRASILEIRA
ARQUIVOS DE FLAP INTERNACIONAL VIA AUTOR
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Em meados da década de 50, a United States Air Force (USAF, Força Aérea dos EUA) iniciou estudos para a substituição de seus veteranos aviões de Reabastecimento em Voo (REVO) Boeing KC-97 Stratotanker. Equipado com motores a pistão, esses já estavam ultrapassados para atuar no reabastecimento em voo dos jatos de combate supersônicos da Força. A Boeing, que não tinha tradição, até então, na fabricação de aeronaves a jato, resolveu desenvolver um avião com quatro turbinas a jato para participar da concorrência do novo REVO da USAF. Sua proposta foi adequar o projeto do Boeing 367-80, que era uma aeronave de transporte de passageiros e cujo protótipo encontrava-se em fase de testes. Designado KC-135, o protótipo realizou o seu primeiro voo em 31 de agosto de 1956. O projeto da Boeing venceu a concorrência, sendo que os primeiros aparelhos de série entraram em operação em junho de 1957. Foram produzidos 803 aviões KC-135, que também foram exportados para o Chile, França, Singapura e Turquia. Com a experiência adquirida no projeto do protótipo do Boeing 367-80 e com a produção do KC-135, a Boeing resolveu lançar um aparelho nessa configuração para o trans-
porte de passageiros, de longo curso, designando-o como Boeing 707, sendo que tal avião iniciou a sistemática de designações no estilo 7X7 para as futuras aeronaves produzidas pela empresa. O primeiro protótipo do B-707 realizou o seu voo inaugural em 20 de dezembro de 1957, sendo introduzido no serviço comercial pela Pan American World Airways na rota Nova Iorque-Paris em 26 de outubro de 1958. O sucesso do B-707 foi inconteste na aviação comercial mundial e a sua produção atingiu a marca de 1.010 unidades fabricadas de 1958 a 1979, sendo produzido em cinco variantes diferentes (B-707-100, 200, 300, 400 e 720). O modelo 707 também foi utilizado em versões especializadas de uso militar, como o Boeing C-137 Stratoliner, E-3 Sentry, E-6 Mercury e o Northrop Grumman E-8 Joint Stars. A produção das variantes militares estendeu-se até 1991, porém, pela sua versatilidade, muitos países optaram por transformar o B-707 em aeronave de reabastecimento em voo, tendo em vista a sua utilização também no transporte logístico de carga e de pessoal. O Brasil foi um deles!
BOEING KC-137 NA FORÇA AÉREA BRASILEIRA
Com vistas a adequar a sua frota de aviões de REVO à nova realidade da
instituição, devido à incorporação dos novos aparelhos de ataque AMX A-1, a FAB adquiriu em 1986, da Varig, quatro B-707, que foram fabricados em 1968 e atuaram nessa empresa no transporte de passageiros e de carga, realizando várias linhas internacionais. Após o seu recebimento, os aviões foram levados para a Boeing Military Aircraft Company, sediada em Wichita, no Kansas (EUA), para serem transformados em aviões reabastecedores. Tal procedimento também incluiu algumas adequações nos aviões para uso militar, como a instalação do Auxiliary Power Unit (APU, unidade auxiliar de energia), escada de embarque na porta traseira, tanques e pods de reabastecimento em voo na ponta das asas, além de reforços estruturais. Cabe ser realçado que um dos quatro B-707 originalmente selecionados pela FAB, matriculado PP-VJK (c/n 19822) e que seria o futuro FAB 2400,
CECOMSAER, VIA AUTOR
DESENVOLVIMENTO E HISTÓRICO DA AERONAVE
O KC-137 FAB 2403 reabastece esquadrilha de caças Northrop F-5E Tiger II do 1º GAVCA em 22 de abril de 1988 na Base Aérea de Santa Cruz.
Boeing 707 PP-VJH com as cores utilizadas na Varig nos anos 80. Esta aeronave foi matriculada a partir de 1986 como FAB 2403.
CECOMSAER, VIA AUTOR
CECOMSAER, VIA AUTOR
acidentou-se com perda total na Costa do Marfim (África) em 3 de janeiro de 1987, ao realizar o voo RG 797, de Abidjan para o Rio de Janeiro. Com essa perda, a FAB selecionou um novo avião para substituí-lo, o PP-VLK (c/n 19870), que recebeu a matrícula FAB 2404. Os KC-137 da FAB foram destinados ao 2º Esquadrão do 2º Grupo de Transporte (2º/2º GT) “Esquadrão Corsário”, sediado na Base Aérea do Galeão (BAGL), no Rio de Janeiro, com larga experiência na realização de missões de transporte de passageiros e de carga desde a sua criação em 18 de janeiro de 1968 (Portaria nº 008-GM3). As tripulações para o “novo” aparelho fizeram o seu treinamento de pilotagem na Varig, atuando como tripulantes nas linhas comerciais, onde adquiriram a experiência necessária para operar, com segurança e eficiência, os aviões. A instrução especializada das missões REVO foi ministrada pelo 2º/1º GTT (Grupo de Transporte de Tropa), que já realizava tal operação na FAB,
Detalhe do ambiente presidencial no FAB 2401, observando-se a foto do ex-presidente FHC em novembro de 1996.
empregando os Lockheed KC-130E Hercules desde o final da década de 70.
VARIEDADE DE MISSÕES
Os quatro aviões Boeing 707 da FAB foram dotados com o kit para REVO, sendo designados KC-137, sendo que a letra K (internacionalmente) significa aeronave de reabastecimento em voo e a letra C indica que o avião também pode atuar nas tarefas de transporte de carga e de passageiros.
A primeira missão de REVO realizada por um KC-137 da FAB aconteceu em 2 de dezembro de 1986, ocasião em que o avião matriculado FAB 2403 efetuou o reabastecimento em voo de quatro caças Northrop F-5E Tiger II do 1º Grupo de Aviação de Caça, sobre o Estado do Rio de Janeiro. A incorporação do KC-137 deu nova dimensão à realização das missões de transporte logístico e ao raio de ação da FAB, tendo em vista a sua grande capaO KC-137 FAB 2403 realiza passagem baixa sobre o aeroporto e a Base Aérea do Galeão em 22 de abril de 1988.
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Cirrus SR22
TODAS AS FOTOS DE MAURÍCIO LANZA
C E N T E N N I A L
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E D I T I O N
Por Cmte. Décio Corrêa
É
impossível não notar o desenho no estabilizador vertical que avança para o leme de direção, onde se vê o icônico desenho da aeronave Flyer dos Irmãos Wright e a inscrição: Century of Flight 1903. Já na porção inferior do capô do motor a inscrição: SR22 Centennial Edition. Com essa edição especial de apenas 100 aeronaves, a Cirrus homenageia o feito histórico dos Irmãos Wright com o primeiro voo do Flyer. Apesar de brasileiro e empedernido defensor e admirador do gênio de Santos-Dumont, além de atribuir ao 14-bis o primeiro voo oficial do mais pesado do que o ar, no Campo de Bagatelle, em Paris, em 23 de outubro de 1906, não posso deixar
de admirar o respeito e a homenagem da Cirrus aos seus heróis e seus feitos. Aliás, se existe um povo que preserva e se orgulha de sua história e de seus heróis, esse é o norte-americano. O PR-CTT é um Cirrus SR22 ano de fabricação 2003 e também ano do centenário do voo do Flyer. Como tive o privilégio de voar, praticamente, todos os modelos e lançamentos da Cirrus – incluindo o último –, estou curioso para relembrar e avaliar a evolução dessa aeronave. Apesar da minha intimidade com os modelos da Cirrus desde o pioneiro, preciso antes entender quais são os diferenciais mais significativos desta edição comemorativa. A próxima indagação é o que faz esta série exclu-
siva tão especial. Tenho que dar um desconto no meu entusiasmo, já que sou naturalmente aficionado por séries limitadas e comemorativas. Tenho uma Harley-Davidson Road King 2003 – uma série de apenas 100 motos – comemorativa dos 100 anos da Harley-Davidson, assim como um relógio Breitling Navitimer, série comemorativa da Esquadrilha da Fumaça, número 99 de apenas 100 relógios, entre outros. Ao observar detalhadamente o Charlie-Tango-Tango, em frente ao hangar da Plane Aviation, em Jundiaí, é visível que a Cirrus tem certa conexão com os protótipos pioneiros do Flyer, 14-bis, Caudron, Voisin, Farman e Blériot, entre outros. À primei-
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O Dornier 228 EM TURNÊ PELA AMÉRICA LATINA
TODAS AS FOTOS VIA RUAG AVIATION
Por João Paulo Moralez
P
or volta das 6h10 de 19 de fevereiro último, o aeroporto de Oberpfaffenhofen, na Alemanha, ainda estava às escuras. Naquela gélida madrugada de inverno, a temperatura beirava o 0o. Enquanto isso, técnicos e outros profissionais se moviam de um lado para o outro, enfrentando o frio implacável fora do hangar e fazendo os últimos ajustes no Dornier 228, este já “aquecido”, com os seus dois turboélices acionados e as luzes de navegação e de solo acesas. A atenção era total. Afinal, nenhum detalhe poderia ser deixado para trás. Nada poderia ser esquecido, uma vez que, depois da decolagem, o Dornier 228 da RUAG Aviation, um dos mais versáteis bimotores utilitários multimissão do mundo, teria um enorme desafio para cumprir: uma rota seguindo pelo Atlântico Norte, descendo até o México, para então
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iniciar a sua turnê de demonstração pela América Latina. Serão 40.000km, 120 horas de voo, dez países, pelo menos 18 cidades, em 56 dias de viagem. O Dornier 228 já é bem conhecido na América Latina, sendo operado por várias empresas que fazem o transporte aéreo regional, ligando pequenas localidades a cidades de maior porte e infraestrutura. Algumas Forças Armadas também se beneficiam da sua versatilidade. “Nos últimos três anos nós estamos posicionando nossa aeronave na região. Depois de conhecer as necessidades específicas dos potenciais operadores, nós descobrimos a demanda para um avião na categoria de 6,5t e até 19 passageiros. Esse é o último passo da campanha que fizemos posicionando o Dornier 228 na América Latina e agora nós queremos mostrá-lo para os poten-
ciais clientes. A expectativa das pessoas é muito grande, a reação delas é muito positiva”, explicou Carlos Salamanca, diretor de Vendas da RUAG Aviation. O objetivo é demonstrar o avião não só para pilotos e mecânicos, mas para tomadores de decisões. Um dos pontos altos da viagem será a passagem do turboélice pela Feria Internacional del Aire y del Espacio (Fidae), realizada de 29 de março a 3 de abril. “Nós queremos mostrar que a aeronave está em produção novamente, pois algumas pessoas ainda não sabem disso. Este é o momento para mostrar que estamos muito ativos, é a hora certa para as pessoas terem um contato mais próximo, voarem, testarem e se apaixonarem pelo avião”, completa. Das baixas temperaturas da Cordilheira dos Andes até a floresta quente
O Exército Italiano opera desde 2003 três Dornier 228-212 em missões de transporte de pessoal, cargas e lançamento de paraquedistas, entre outras. Na foto é possível notar o avançado design das asas.
e úmida da Amazônia, o Dornier 228 se apresenta como a plataforma multimissão para atender a uma variada gama de missões. São dois motores Garrett TPE 331-10 de até 1.000shp de potência cada e que movimentam um conjunto de cinco pás constituídas em material composto. A sua estrutura foi projetada para suportar até 42.800 horas de voo e o cockpit é equipado com quatro telas coloridas de cristal líquido, sendo duas multifuncionais. A capacidade de STOL (pousos e decolagens em pistas curtas) permite que o Dornier 228 decole com 900kg de carga na Amazônia venezuelana numa pista de 800m, por exemplo. Em termos de flexibilidade, a aeronave pode ser reabastecida em dez minutos e ter a sua configuração modificada de passageiro para cargas em apenas
20 minutos, necessitando de somente duas pessoas para fazer essa tarefa. Internamente, a cabine possui 1,35m de largura e 1,55m de altura, com 14,7m³ de área útil. Já, em termos estruturais e de projeto, um dos elementos chave no Dornier 228 está em suas asas, cuja concepção e design permitem a redução de 30% do arrasto aerodinâmico, aumentando a eficiência do voo e reduzindo o consumo de combustível. Os aviônicos incluem o Air Data Computer; Flight Management System; radar altímetro; Terrain Awareness and Warning System (TAWS, sistema de alerta anticolisão com o terreno), proporcionando uma visão 3D do terreno à frente do piloto; e comunicação UHF, entre outros. Alguns operadores do Dornier 228 equiparam os exemplares de sua frota com sistema de visão sintéti-
ca, o que permite a operação em regiões com pouca visibilidade mesmo em baixas temperaturas, e radar meteorológico. Outras tarefas em que o avião tem sido amplamente utilizado são voos de patrulha marítima, busca e resgate, controle ambiental e de zona marítima de interesse econômico. Graças ao seu desempenho, é possível embarcar vários equipamentos dedicados para essas missões, pessoal especializado e ainda contar com excelente autonomia, de até dez horas e 1.852km de alcance. Entre os equipamentos disponíveis estão o Side Looking Airborne Radar (SLAR), um radar de varredura lateral; radar de busca e vigilância ventral com 370km de alcance; Automatic Identification System (AIS), que recebe as informações dos navios incluindo seu nome, posição, velocidade, proa, carga e país de
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s a d p i h s g a l F s a c i r é m A Q
uando ele pousou pela primeira vez, por volta das 6h00 da manhã de 18 de dezembro de 2015, sua silhueta já demonstrava ser diferente da dos demais aviões estacionados em Confins (MG). A máscara negra no para-brisa, o formato do nariz, da cauda e das pontas das asas denunciavam as características daquela nova ave. Ostentando as cores da TAM Linhas Aéreas, aquele era o quarto Airbus A350-900 entregue no
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mundo – e o primeiro nas Américas. Mas, para aquele exemplar pousar lá, foi necessário percorrer um caminho que durou quase dois anos, envolvendo praticamente todos os setores da TAM – do operacional ao marketing. E não é difícil entender o motivo. Trata-se de uma das mais avançadas e complexas aeronaves comerciais já desenvolvidas e produzidas pelo homem. Começando pela sua estrutura, em torno de 70%
constituída de materiais avançados, entre estes 53% de materiais compostos e o restante em titânio e ligas de alumínio mais modernas. A fuselagem é construída através de um processo que proporciona maior eficiência aerodinâmica, mais leveza e alta resistência a materiais abrasivos, permitindo maior economia de combustível. E os novos motores, dois Rolls-Royce Trent XWB, são mais eficientes, além de mais silenciosos.
Airbus A350 – TAM Linhas Aéreas Quantidade Assentos Envergadura Altura Comprimento Alcance Carga útil Largura interna da cabine Peso máximo de decolagem Peso máximo para pouso Combustível Velocidade máxima de cruzeiro Teto operacional
27 348 (30 na classe executiva e 318 na econômica) 64,75m 17,05m 66,8m 14.350km 16t 5,61m 268t 205t 138.000 litros 940km/h 13.100m
TODAS AS FOTOS VIA AIRBUS, EXCETO QUANDO CITADO
Em 25 de janeiro deste ano, a TAM Linhas Aéreas fez o primeiro voo comercial do Airbus A350, na rota Guarulhos (SP)-Manaus (AM), tornando-se a primeira companhia aérea das Américas a operar o mais novo e avançado jato comercial da Airbus. E a introdução em serviço de uma nova e moderna aeronave, como neste caso, exige um preparo muito grande e o envolvimento de quase toda a companhia. Conheça os detalhes do A350 da TAM e como funcionou o seu processo de entrada em serviço. Por João Paulo Moralez
As asas possuem uma tecnologia de projeto que faz com que mudem seu formato visando maior eficiência durante o voo, uma vez que a cada minuto o avião fica mais leve por conta da queima do combustível. A iluminação interna em LED de cores variáveis, aliada às janelas maiores e ambiente interno que mantém normais os níveis de umidade mesmo com o uso do ar condicionado, melho-
ra o conforto dos passageiros, impactando na redução do chamado efeito jet lag. O cockpit é equipado com seis telas multifuncionais coloridas de cristal líquido, todas do mesmo tamanho e intercambiáveis entre si. A limpeza visual é enorme e o conforto dos pilotos também foi aumentado – para mais informações detalhadas, veja a nossa edição 82 (dezembro de 2014/janeiro de 2015). Um time de ases da TAM foi sele-
cionado para estudar, conhecer e introduzir o A350 na empresa. O comandante Wanderley Delaterra Ywamoto, hoje com mais de 16 mil horas de voo, foi um deles. Sendo um dos mais jovens do seleto grupo de pilotos formado para a tarefa, a primeira hora de voo do comandante Delaterra foi em 1987. Terminando o ensino médio, no dia seguinte já estava na porta do aeroclube se matriculando para iniciar a sua
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V V-Bomber Force
A E s pa d a N u c l e a r d o L e ã o B r i tâ n i c o
Por Thomas Matthew
A
denominação “V-Bomber Force” (Força de Bombardeiros V) surgiu para designar a capacidade estratégica de ataque nuclear da Royal Air Force (RAF, Força Aérea britânica) durante os anos 50 e 60, no auge da Guerra Fria. Oficialmente, havia a designação Bomber Command Main Force (Força Principal do Comando de Bombardeio), mas o nome V-Bomber Force foi que de fato se popularizou, inclusive em documentos oficiais, baseando-se no fato de os três modelos de grandes bombardeiros a jato que compunham sua frota serem todos os três batizados com nomes iniciados com a letra “V” – Valiant, Vulcan e Victor. Embora cada um fosse de um fabricante diferente (Vickers, Avro e Handley-Page, respectivamente), também eram chamados de “V-Class” (Classe V). A gênese de tal força de bombardeiros estratégicos vinha, pode-se dizer, do “dia seguinte” ao fim da 2ª Guerra Mundial... Tendo emergido do conflito, entre as nações vitoriosas, com a vanguarda da então revolucionária tecnologia de propulsão, o Reino Unido não teve dificuldades em, já em 13 de maio de 1949, fazer voar o protótipo de seu primeiro bombardeiro com a nova propulsão, o English Electric A.1 Canberra, cujos primeiros exemplares de série (versão B.Mk 2) entraram em serviço na RAF em maio de 1951. Dadas as diferenças de recursos em relação às duas superpotências, foi um feito notável – o primeiro bombardeiro a jato operativo norte-americano, o North American B-45 Tornado, entrara em
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serviço em 1948; e o primeiro dos soviéticos, o Ilyushin Il-28, em 1950. Porém, tratava-se de modelos táticos, todos estes, e havia ainda o desafio de levar o jato aos bombardeiros estratégicos, de grande alcance, e que, na nova realidade das grandes potências, na nascente Guerra Fria, teriam carga bélica de bombas nucleares. Imediatamente após o fim da 2ª Guerra Mundial, o Bomber Command da RAF se reequipou com o bombardeiro quadrimotor Avro Lincoln, mas este era apenas uma versão muito melhorada dos Lancaster do período da guerra, e, como este, usava motores a pistão. A nova realidade das defesas aéreas dotadas de caças a jato, entretanto, deixava óbvia a obsolescência dos grandes bombardeiros quadrimotores a pistão – como ficaria terrivelmente demonstrado com as perdas dos B-29 norte-americanos na Guerra da Coreia. Em fins da década de 40, o Reino Unido tinha a liderança na Europa Ocidental e se colocava como o mais poderoso aliado dos EUA no Velho Mundo para fazer frente ao recém-constituído Bloco Soviético. Assim, já em agosto de 1947, o Ministério do Ar britânico emitiu a Especificação B.14/46, visando a um substituto a jato para o Lincoln, que ditava uma carga de bombas de até 9.070kg, um alcance de 2.780km (com pelo menos metade da carga bélica máxima), teto operacional de 13.700m e velocidade máxima de 800km/h. Ainda durante a guerra, os alemães já haviam colocado em ação os primeiros mísseis antiaéreos e, apesar de tais
armas poderem vir a ser letais adversários aos bombardeiros, o seu desenvolvimento não se provara fácil – não se previa que um míssil guiado antiaéreo realmente efetivo estivesse disponível, e em quantidade, num prazo que anulasse o valor militar do bombardeiro estratégico a jato – assim, o desenvolvimento deste foi defendido, inclusive como dissuasor nuclear a qualquer nação que fizesse planos de agressão contra o Reino Unido. O futuro bombardeiro, entretanto, também representava o fim da então vigente doutrina de bombardeios estratégicos maciços, com centenas (e até milhares) de aeronaves, pois se uma única arma nuclear podia gerar destruição ampla em toda uma cidade, deixava de haver a necessidade de tais reides maciços. No mesmo mês de agosto de 1947, a Short obteve um contrato de desenvolvimento ligado à B.14/46, iniciando os trabalhos no seu projeto SA4, cujo primeiro protótipo voou em 10 de agosto de 1951. Entretanto, o fato é que a B.14/46 fora emitida como um “seguro”, uma garantia baseada num requerimento menos desafiador a uma outra especificação, a B.35/46, esta emitida em janeiro de 1947 e que visava ao, digamos assim, bombardeiro estratégico “definitivo” do Reino Unido. Este, segundo o requerimento, devia ser capaz de levar uma arma nuclear de até 4.500kg até um alvo a 2.775km de sua base, tendo uma velocidade de cruzeiro de 925km/h, com um teto operacional de 15.200m. Para esta, a Handley Page e
V
Vickers Valiant.
Pouso de um Handley Page Victor, em 1961, ostentando a pintura de ataque nuclear a grande altitude.
Bombardeiros Avro Vulcan na Base AĂŠrea de Cottesmore, no Reino Unido, em 1975.
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VULCAN o Último Voo
Mítico ícone da Guerra Fria, o Avro Vulcan iria demonstrar em serviço na Royal Air Force (RAF, Força Aérea britânica) ter uma versatilidade que o levaria muito além de sua missão original de bombardeio estratégico nuclear. Assim, o modelo assumiria as tarefas de ataque convencional, reabastecimento em voo e reconhecimento marítimo. O Vulcan B.Mk2 XH558 voou todas elas e uma na qual seria o único de sua espécie – tornar-se o último Vulcan em voo até o final de 2015. Acompanhe a saga e a despedida deste clássico. Por João Paulo Moralez
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STEVE COMBER, VIA VTTST
O
ano de 1945 acumulou diversos marcos da história do século 20. Em 8 de maio, a Alemanha nazista se rendeu formalmente aos Aliados, colocando um ponto final, na Europa, à 2ª Guerra Mundial, o maior conflito armado da história da humanidade. Meses depois, em 6 e 9 de agosto, os EUA lançariam as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, respectivamente – a primeira e a única vez que esses artefatos foram usados de modo real na história. Pouco depois, em 15 de agosto, o Japão enfim se rendia. No meio de toda essa efervescência, num misto de alegria e alívio pelo fim de um conflito que ceifara mais de 70 milhões de vidas, veio a ansiedade e, pouco depois, a tensão com a definição de uma nova geopolí-
tica mundial. O mundo se dividiria em dois grandes blocos. Das cinzas da 2ª Guerra Mundial, nascia a Guerra Fria. De um lado estava o chamado “Ocidente”, liderado pelos EUA, e do outro, o Bloco Soviético, sob a hegemonia da União Soviética (URSS). Duas concepções de sociedade, de economia, de política, opostas entre si e ambas alicerçadas no poder militar das armas nucleares. As duas superpotências mundiais (os EUA e a URSS) travariam então um embate indireto pelas mais de quatro décadas seguintes, numa arena onde aquele que dispusesse de mais e melhor poderio militar, que conseguisse reunir maior número de aliados ou que conseguisse enfraquecer os do adversário, se punha em posição de vantagem. E, lógico, um crescente poder nuclear era o
argumento “final” dos dois oponentes.
GÊNESE
Nesse cenário confuso e obscuro nasceu o Avro Vulcan (ver ASAS 5), o bombardeiro estratégico de ataque nuclear que a partir de 1956 entrou no pacote de dissuasão do Reino Unido contra a União Soviética. Era o “irmão do meio” dos três modelos da chamada V-Bomber Force da RAF, composta também pelos bombardeiros estratégicos nucleares Vickers Valiant (o mais velho) e Handley Page Victor (o caçula). Os três eram capazes de empregar o arsenal nuclear da Sua Majestade para neutralizar os alvos táticos, estratégicos e de grande importância dos países que compunham o Pacto de Varsóvia (a aliança militar sob o comando da antiga União
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DANIELE FACCIOLI
Por Daniele Faccioli e Alberto Celsan
Thracian Star 2015
Réquiem dos MiG-21 na Bulgária
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D
esde que a Bulgária se uniu à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN, união militar sob liderança dos EUA), em 2004, um dos maiores objetivos de suas Forças Armadas é o de incrementar a interoperacionabilidade com os outros membros da aliança e, como parte do programa anual de cooperação militar entre o Ministério da Defesa búlgaro e o Departamento de Defesa norte-americano, ocorre o exercício Thracian Star, de caráter bilateral, de instrução, entre as Forças Aéreas dos dois países, objetivando exatamente a melhoria das preparações para operações conjuntas. O primeiro Thracian Star foi realizado em 2010, com o deslocamento para a base aérea búlgara de Graf Ignatievo de 16 caças F-16 do 480th Squadron, da Base Aérea de Spangdahlem. Com o passar dos anos, porém, o exercício foi ganhando relevância, envolvendo, em suas três últimas edições, também unidades aéreas da Romênia e da Grécia. Em 2015, o Thracian Star foi realizado entre 13 e 24 de julho e envolveu diversas unidades da Força Aérea da Bulgária (FAB), com o componente de caça sendo os MiG-29 e MiG-21 de Graf Ignatievo, com jatos de ataque Su-25 temporariamente deslocados para a base, vindos de Bezmer, enquanto helicópteros Mi-17 e AS-
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Baía dos Porcos, 1961 Com a reaproximação entre Estados Unidos e Cuba, inimaginável poucos anos atrás, incluindo a retomada de voos comerciais entre os dois países, é interessante rever um dos momentos de mais tensão vivido entre as duas nações – a desastrada operação de ataque contra Cuba orquestrada pela CIA em 1961. Por Hélio Higuchi
Um Sea Fury da FAR antes da invasão, ostentando uma pintura verde-oliva.
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TODAS AS FOTOS COLEÇÃO SANTIAGO RIVAS, VIA AUTOR, EXCETO QUANDO CITADO.
O S CO M B AT E S NOS CÉUS
Pilotos da FAR posam junto ao Sea Fury FAR530.
O
recente reatamento de relações diplomáticas entre os EUA e Cuba faz parecer cada vez mais distante o episódio que ficou conhecido como “invasão da Baía dos Porcos” pelos norte-americanos ou “Playa Girón” pelos cubanos. Trata-se da tentativa fracassada de invasão a Cuba por tropas compostas por exilados cubanos, financiadas e treinadas pela Agência Central de Inteligência dos EUA, a CIA, em 1961, com o objetivo de derrubar o regime comunista de Fidel Castro. A invasão foi anfíbia e aerotransportada e, apesar da curta duração dos combates, teve participação decisiva da aviação de ambos os lados em inúmeros combates aéreos.
PREPARATIVOS PARA A INVASÃO
Desde o início do novo governo de Cuba em 1959, os EUA sempre se colocaram dispostos a depor Fidel Castro, enviando ajuda material a um pequeno grupo de guerrilheiros contra o regime. Devido a um número expressivo de exilados instalados na Flórida (EUA), não foi difícil recrutar e treinar jovens para atuarem como futuros guerrilheiros. Entretanto, no final do governo do
presidente Eisenhower, ficou patente que a melhor forma de ajudar a derrubar o governo de Fidel seria através de uma invasão de tropas de exilados cubanos, subvertendo a população local a apoiar uma contrarrevolução. O apoio aéreo estava previsto desde o início, mas o que até então era apenas uma frota de aviões de transporte para lançar suprimentos para a guerrilha em Cuba, devido à mudança estratégica, teve de passar a contar também com aviões de combate. A CIA selecionou o Douglas B-26 Invader como principal vetor de combate. Havia razões especiais para isso. Poucos
pilotos exilados tinham familiaridade com aviões de combate e, destes, a maioria tinha experiência com bimotores, inclusive com os B-26. A Fuerza Aérea Revolucionária (FAR), do atual governo cubano, tinha também o Invader no seu inventário, o que poderia confundir os oponentes, embora seu status operacional fosse desconhecido. A CIA não queria que a ajuda aos exilados fosse explícita. Decidiram que deveriam ser concentrados e treinados fora dos EUA, de preferência num país caribenho aliado. Para missões aéreas saindo desse país, eram desejáveis aviões de grande autonomia. Sendo
Durante a invasão, um Sea Fury, já ostentando uma camuflagem rústica, é municiado com quatro foguetes de 76,2mm em cada asa.
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O Fim do
Por Claudio Lucchesi
Roma
L
ançado em 9 de junho de 1940 e colocado em serviço ativo em 21 de agosto de 1941, o couraçado Roma era o orgulho da Regia Marina. Com deslocamento máximo de 46.215t, comprimento de 240,70m e largura máxima de 32,90m, suas quatro turbinas a vapor permitiam uma velocidade máxima de 56km/h (30 nós). Seu armamento principal era intimidador, com três torretas triplas de canhões de 351mm; mas as armas secundárias não eram impressionantes, com o navio tendo quatro torretas triplas de 152mm e quatro reparos simples de canhões de 120mm. Seu cinturão principal de blindagem era de 350mm, a mesma proteção das torres principais de canhões. Por qualquer parâmetro, o couraçado italiano não devia nada aos maiores similares de outras nações, como a classe alemã Bismarck ou a britânica King George V. Então, como pudera uma força de apenas seis bombardeiros bimotores, num ataque que não du-
O Roma, em alta velocidade, no mar. O navio tinha uma catapulta na popa e instalações para operar até três aeronaves, que podiam ser os IMAM Ro.43 ou Reggiane Re.2000 (modelo que estava a bordo quando do afundamento do navio).
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rara uns 30 minutos, com o acerto no navio de duas únicas bombas!?
O ARMISTÍCIO ITALIANO
Apesar da extremamente fiel aliança pessoal entre os ditadores Adolf Hitler e Benito Mussolini, nunca faltaram vozes dentro das altas esferas italianas a questionar o quão interessante à Itália era o alinhamento junto ao 3º Reich, sobretudo quando, ao lado adversário, vieram a se postar a União Soviética (URSS) e os Estados Unidos (EUA), a partir de junho e dezembro de 1941, respectivamente. Com os desastres italianos sofridos na Rússia, em 1942-1943, e as perdas do Norte da África (as últimas forças ítalo-germânicas haviam se rendido no Bastião de Túnis em 13 de maio de 1943), seguindo-se a invasão da Sicília (9 de julho), a tensão interna no governo italiano atingiu o seu auge. Em 24 de julho, reunindo-se o Grande Conselho Fascista, foi aprovada uma moção contra Mussolini, efetivamente
tirando-o como líder executivo, posição assumida pelo rei Victor Emanuel III. No dia seguinte, este nomeava, como substituto de Mussolini e primeiro-ministro da Itália, o Marechal Pietro Badoglio – e a missão deste era retirar o país da guerra o quanto antes, negociando diretamente com os Aliados, sem consulta a Berlim. Efetivamente, em 3 de setembro, os generais Castellano (representante de Badoglio) e Bedeli Smith (da parte do General Dwight Eisenhower, o Comandante Supremo dos Aliados no Ocidente) assinaram em sigilo, na cidade siciliana de Cassibile, um “armistício militar prévio” – documento com 13 cláusulas, sendo que a quarta explicitamente exigia “a transferência imediata da frota e das aeronaves italianas para pontos a serem de-
signados pelo Comando Aliado, com detalhes para o seu desarmamento a serem decididos pelas forças aliadas”. Na sequência, os comandantes militares italianos, incluindo o Almirante Raffaele de Courten, ministro da Marinha (a Regia Marina), foram chamados por Badoglio, sendo informados da existência das negociações para um armistício total, a ser concluído com os Aliados. Em 5 de setembro, o Comandante Supremo das Forças Militares italianas, o General Ambrosio, informaria De Courten de que o documento final de paz deveria estar selado por volta de 10-15 de setembro e que assim, provavelmente em 12-13 daquele mês, a frota deveria se deslocar para La Maddalena, na Sardenha – para onde também se previa iria o rei e sua família, assim como parte do governo. No dia seguinte, tais planos foram confirmados e foi iniciada uma operação prévia de mobilização da Marinha – os destróieres Vivaldi e Da Noli iriam para Civitavecchia ao alvorecer de 9 de setembro, prontos para dali zarparem em duas horas. De modo similar, duas corvetas se colocariam em Gaeta, além de outras movimentações menores. Na manhã do dia 7, De Courten presidiu uma reunião em Roma com todos os almirantes do Alto Comando da Regia Marina, ainda sem ter ciência de que o armistício final já fora efetivamente assinado no dia 3. Assim, diante de claros sinais de preparações aliadas para operações anfíbias no sul da Itália, 20 submarinos tiveram ordem de se deslocar
Ainda durante sua fase de testes, um míssil Fritz-X é fotografado da aeronave lançadora, pouco depois de ter acionado seu motor-foguete.
para as possíveis rotas de tal ataque.
A REGIA MARINA
Ao se iniciar a 2ª Guerra Mundial, embora não tivesse o poderio da Royal Navy (a Marinha britânica), a Regia Marina era sem dúvida superior à Kriegsmarine de seus aliados germânicos. Esta, em fins de 1939, não tinha sequer um couraçado moderno já em serviço ativo (o primeiro destes, o Bismarck, seria comissionado apenas em agosto de 1940 e seu irmão gêmeo, o Tirpitz, em fevereiro de 1941). Já a Regia Marina dispunha, já em maio de 1940, de dois couraçados modernos de 45.000t, o Littorio e o Vittorio Veneto, com uma terceira unidade da mesma classe, o Roma, em conclusão (seria comissionado em junho de 1942). Além disso, havia dois couraçados de 29.000t, o Conte di Cavour e o Giu-
lio Cesare, veteranos da 1ª Guerra Mundial, mas que haviam sido totalmente modernizados nos anos 30; e outros dois couraçados veteranos, o Andrea Doria e o Caio Duilio, também de 29.000t e também completamente modernizados. Além destes, havia os quatro cruzadores pesados da Classe Zara, de projeto moderno e dotados de poderoso armamento principal, com canhões de 203mm; três cruzadores pesados da Classe Trento, mais antigos (construídos nos anos 20) que os Zara, mas também com canhões principais de 203mm. Ao longo da guerra, os italianos iriam dispor ainda de não menos de 19 cruzadores leves, 59 destróieres, inúmeras embarcações menores e 148 submarinos. Em combate, tal poderio não se mostrara tão efetivo e a Regia Marina
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