Ano XVI – Número 91 – 2016
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KC-390 9 771519 559006
ISSN 1413-1218
R$ 17,90
A ESTREIA MUNDIAL
+ O SPAD 7C1 NO BRASIL + LATAM, NASCE A GIGANTE + MONINO, UM MUSEU ÚNICO + GRIPEN E, NOSSO NOVO CAÇA
SUPER PETREL LSi Testamos o novo anfíbio LSA
CORES DA AVIAÇÃO MILITAR BRASILEIRA
Por Aparecido Camazano Alamino
O SPAD 7C1 NA AVIAÇÃO MILITAR O Spad VII, um caça desenvolvido durante a 1ª Guerra Mundial, era monoplace e foi projetado por Louis Béchereau, da Société Pour l’Aviation et ses Derivées (SPAD), da França, no início de 1916. O projeto era adequado para que fosse equipado com o motor radial Hispano-Suiza 8A, de 150hp, que foi originalmente desenvolvido pelo engenheiro suíço Marc Birkigt, em fevereiro 1915. O seu protótipo, designado como Spad V, efetuou o seu primeiro voo em abril de 1916 e os ensaios em voo mostraram que a aeronave desenvolvia excelente velocidade máxima e possuía muito boa razão de subida. Além disso, a sua aerodinâmica lhe proporcionava
um desempenho no mergulho superior ao dos Nieuport, que tinham uma construção mais leve. A produção em série dos Spad VII teve início em 10 de maio de 1916, mas as primeiras entregas dos aparelhos de série do Spad VII foram lentas, devido às dificuldades para a produção de seus radiadores. A sua produção aumentou gradualmente à medida que os contratos de fabricação foram estendidos para outras empresas francesas, como a Gremont, Janoir, Kellner, de Marcay, Regy, Société d’Etudes Aéronautiques e Sommer. A aeronave também foi produzida na Rússia pela empresa Duks e na Inglaterra pela Bleriot & Spad Aircraft Works. No início de 1917, o motor Hispano-Suiza 8AB, de 180hp, começou a ser instalado nas aeronaves e, em abril de 1917,
Um Spad 7C1 no Campo dos Afonsos na década de 20. Notar que a sua fuselagem traseira está montada em um troley, para facilitar a sua movimentação no solo e no hangar.
Três Spad da EAvM estacionados no Campo dos Afonsos no início dos anos 20.
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todos os aviões produzidos até então foram equipados com ele. A produção do Spad VII atingiu o total de cerca de 3.500 unidades de todas as variantes. Muitos países utilizaram o Spad VII nas suas aviações de caça, com destaque para: Argentina, Bélgica, Brasil, Chile, EUA, França, Itália, Reino Unido, Peru e Rússia, entre outros.
A UTILIZAÇÃO DO SPAD 7C1 PELA AVIAÇÃO MILITAR
A jovem Aviação Militar brasileira passava por um período de adequação dos seus principais tipos de aeronaves no início da década de 20, já sob a assessoria da Missão Militar Francesa, que normalmente sugeria a aquisição de aeronaves de procedência daquele país. A aviação de caça brasileira ainda não havia sido aquinhoada com um aparelho realmente de caça e a escolha recaiu no versátil e provado aparelho da 1ª Guerra Mundial, o Spad 7C1. Consta que esses aviões foram recuperados na fábrica, antes da vinda para o Brasil. Assim, ainda em 20, a Aviação Militar recebeu dez Spad 7C1, que tinham os números de construção de 2952 a 2961, para executarem as tarefas destinadas à Aviação de Caça. Os novos aviões foram destinados à Escola de
ARQUIVO DE MAURO LINS DE BARROS VIA AUTOR
DESENVOLVIMENTO E HISTÓRICO DA AERONAVE
Militares da Aviação Militar posam em frente a um dos Spad 7C1 da 1ª Esquadrilha de Caça de Santa Maria na década de 20.
ARQUIVOS DE JOSÉ DE ALVARENGA VIA AUTOR
Um integrante da 1ª Esquadrilha de Caça posa em um Spad 7C1 na Base de Santa Maria.
zando o primeiro reide de aviões militares brasileiros no trecho Rio-São Paulo-Rio. Para a missão foram escalados os 2º Tenentes, pilotos aviadores, Ivan Carpenter Ferreira e Salustiano Franklin da Silva. Ambos regressaram no dia 13 do mesmo mês, sendo que o Tenente Salustiano
Franklin da Silva acidentou-se com a aeronave na região de Santa Cruz (RJ). Em 5 de junho de 1922, foi criado no Estado do Rio Grande do Sul o Grupo de Esquadrilhas de Aviação, subordinado à então 3ª Região Militar, dotado com a 1ª Esquadrilha de Caça, equipada com nove aviões Spad 7C1, e a 1ª Esquadrilha de Bombardeio, dotada com quatro aviões Breguet 14A2, além da 3ª Companhia Provisória de Parque de Aviação, todas baseadas em
ARQUIVOS DE MARTIN BERNSMÜLLER VIA AUTOR
Aviação Militar (EAvM), sediada no Campo dos Afonsos (RJ), onde foram operados pela Esquadrilha de Aperfeiçoamento, que foi criada especialmente para eles, que seriam utilizados para aperfeiçoar o voo de combate dos pilotos recém-formados na EAvM em curso ministrado pelos oficiais franceses. Até o final de 1921, outros dez aviões também foram recebidos. Eles tinham os números de construção de 2971 a 2980 e estes números também foram adotados como suas matrículas na Aviação Militar durante toda a sua operação. Em 11 de junho de 1921, às 10h15, dois Spad 7C1 decolaram do Campo dos Afonsos com destino a São Paulo, reali-
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Super Pet�el LSi Por Cmte. Décio Corrêa
A
TODAS AS FOTOS DE MAURÍCIO LANZA
o adentrarmos nas instalações da Scoda Aeronáutica, em Ipeúna, interior de São Paulo, começamos a perceber que a empresa persegue e investe fortemente na prática da inovação tecnológica. Sobre a plataforma do Super Petrel, um projeto vencedor, a Scoda aplicou um grande programa de refinamentos aerodinâmicos, agregando novos e modernos componentes e aviônicos, além de mudanças estruturais severas, que modernizaram e o adequaram às novas normas Light Sport Aircraft (LSA). Pouco restou do projeto original, salvo a aparência. Que eu me recorde, apenas a linha Cirrus, nos modelos SR20 e 22, sofreu tantas melhorias de qualidade desde o seu protótipo ori-
Cmdt. Décio Corrêa, piloto de ensaios em voo.
ginal. Assim como os Cirrus, o Super Petrel possui características únicas em seu conceito, que tornam muito difícil a comparação com aeronaves concorrentes. Ressalto que não me refiro apenas ao mercado brasileiro, mas, sim, ao internacional. Daí o sucesso que essa aeronave vem fazendo em todos os principais mercados do mundo, com mais de 360 unidades entregues. Em meio à brutal crise que se abate sobre o mercado brasileiro, a Scoda sur-
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fa numa onda de progresso, com 90% de toda a sua produção sendo destinada ao mercado internacional, em especial ao norte-americano. Lá, instalou uma unidade de montagem, a Super Petrel USA, em Ormond Beach, na Flórida. E o resultado dessa busca obsessiva por inovação e evolução fica evidente nos números de desempenho, conforto e qualidade de voo. Do bucólico “ninho” do Super Petrel, restou a deliciosa pista de grama no sopé da serra de São
FICHA TÉCNICA: Super Petrel LSi Fabricante
Scoda Aeronáutica
Motor Rotax 912 iSS Potência 100hp Velocidade Máxima de Cruzeiro
100 nós (185km/h)
VNE (Velocidade Não Exceder)
113 nós (209km/h)
Velocidade de Estol
35 nós (65km/h)
Razão de Subida 1.000 pés/min (304m/min) Razão de Planeio 10:1m Teto de Serviço 12.000 pés (3.657m) Decolagem (terra/água) 80/120m Pouso (terra/água) 120/100m Capacidade de Combustível 95 litros Autonomia 6 horas Peso Vazio 355kg Carga Útil 243kg Peso Máximo de Decolagem 600kg Largura da Cabine
1,16m
Volume do Bagageiro (litros/kg) 150/30 Comprimento 6,25m Altura 2,49m Envergadura 8,77m NÚmero de Assentos 2 Trem de Pouso triciclo retrátil
Carlos, que nos remete a um velho campo de aviação da 1ª Guerra Mundial, e os hangares pioneiros foram reequipados com novo maquinário e moderna ferramentaria para darem conta das exigências que vieram sendo cobradas ao longo da evolução do projeto original. Apesar da calma aparente de toda a equipe da Scoda Aeronáutica, a produção, projetos, desenvolvimento e gestão trabalham em ritmo frenético. Numa definição simples, ao conhecer mais
profundamente a empresa, podemos dizer que a Scoda é movida pela busca por tecnologia de última geração. E, a convite do engenheiro Rodrigo Scoda, estamos ali para ensaiar o novo Super Petrel LSi e avaliar todas as inovações que foram incorporadas ao projeto anterior. Meu último ensaio nessa máquina foi no LS Turbo e a quantidade de improvements (melhorias) foi enorme. Como já afirmei, acredito ser eu o piloto de ensaios que avaliou o maior
número desse modelo de aeronave, desde o seu protótipo. Por originar-se de um projeto já avançado e sofrer constantes inovações, o Super Petrel LS é a única aeronave anfíbia que permaneceu no mercado. Todos os concorrentes nacionais como o Corsário, Hidro Flyer, Catalina e outros hidros e anfíbios foram descontinuados. Mas o Super Petrel permanece firme no seu nicho de mercado e, o que é mais importante, conquista novos mercados no exterior
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O Legado dos aviões da
Stemme AG
Por Marino Boric
P
ara muitos pilotos – e mesmo aqueles que são apenas entusiastas –, Stemme é um nome que remete a inovação tecnológica em aviação. Esses aviões pertencem não apenas ao mundo dos motoplanadores – que remonta ao que existe de mais moderno deste segmento –, mas à fabricante alemã que literalmente reinventou essa categoria. A fabricante germânica de fato alcançou padrões sem paralelo no mercado, surpreendendo o piloto com as capacidades de voo das suas aeronaves através dos projetos S6, S10 e, o mais recente, S12. E com estes a empresa atingiu um antigo objetivo de proporcionar estilo, qualidade e a sensação de liberdade ao voar um motoplanador. Afinal, é uma categoria dentro da aviação geral que mistura a força bruta de aeronaves com motores com a elegância e eficiência dos planadores. Fundada em 1984 pelo Dr. Reiner Stemme, na cidade de Braunschweig (Alemanha), a Stemme AG voou em 1986 o protótipo do S10, que teve a sua estreia mundial pública feita no ano seguinte no Aero Trade Show, na Alemanha. A certificação foi obtida em 1990, momento em que as primeiras entregas dos exemplares de produção foram iniciadas. O S10 possui 23m de envergadura, razão de planeio de 50:1 e tem disposição de assentos lado a lado, numa configuração não usual nesse tipo de aeronave, mas que proporciona melhor interação entre os seus ocupantes nesse voo desportivo. O seu motor é a pistão,
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um Rotax 914F Turbo, de 115hp de potência. Numa configuração que seria uma espécie de “assinatura” da marca, a hélice permanece guardada internamente, com as pás dobradas, até ser acionada pelo piloto. Somente então a carenagem do nariz se abre, acionando a hélice. Em 1993, a Stemme mudou-se para Strausberg, próximo a Berlim, local em que consolidou as suas operações, até se tornar uma empresa de médio porte. Além das atividades de gerenciamento administrativo, em Strausberg estão sediadas as equipes de engenharia e de montagem final. E, continuando num desenvolvimento de sucesso, em novembro de 2006 a empresa alçou o voo inaugural do primeiro protótipo do S6. Contando com trem de pouso fixo e motor posicionado de maneira convencional, a aeronave é biplace lado a lado e teve a sua homologação conquistada junto à European Aviation Safety Agency (EASA, autoridade aeronáutica europeia) em 2008. A Stemme lançou ainda, em abril de 2015, o Twin Voyager S12, na Aero Friedrichshafen. Sua certificação EASA foi emitida em março deste ano e, atualmente, está em processo de validação pela Federal Aviation Administration (FAA, órgão regulador aeronáutico dos EUA). Com envergadura de 25m e compartimento extra de bagagem, o S12 possui
um cockpit mais luxuoso e o que mais se destaca entre os motoplanadores de sua categoria. A sua velocidade de cruzeiro é de 260km/h, com uma razão de planeio de 53:1, o que faz com que o seu desempenho seja equivalente aos dos planadores usados em competição. No seu caso, igual ao do S10, o motor fica atrás do cockpit. O acionamento da hélice posicionada no nariz, no mesmo sistema do S10, é feito através de engrenagens moven-
TODAS AS FOTOS VIA STEMME
do um eixo de fibra de carbono. E, tanto no S10 quanto no S12, as asas podem ser dobradas quando a aeronave está em solo, reduzindo a envergadura para apenas 11,4m. Mais de 300 exemplares dos três modelos já foram produzidos pela Stemme, que sempre buscou dar enfoque em plataformas com excelente característica de voo e acabamento, usando técnicas avançadas e modernas no segmento de engenharia, materiais, componentes e linha de montagem. E se por um lado a empresa valorizou proporcionar a melhor experiência de voo a bordo dos seus aviões, por outro desenvolveu meios para que o cliente já sinta essa sensação ainda em solo. Tanto que introduziu novos padrões de cores, logotipos e acabamentos. Com grande atuação na Europa e Austrália, a empresa se prepara agora para se consolidar nos EUA – e se posicionar no Brasil. Além disso, criou a Horizons Tours. Com o chamativo slogan onde o “desempenho encontra a paixão”, a Stemme está convidando pessoas para voarem as suas aeronaves como passageiro ou piloto! Assim, a bordo de um S10 ou S12, as características de voo, qualidades e recursos dos motoplanadores serão explorados pelos convidados. Os voos serão realizados nos mais belos e importantes cenários e paisagens da Europa.
As características das linhas harmônicas do S10 (primeiro plano) e o S6 em voo. É possível notar no S10 o motor acionado com a hélice saindo da carenagem do nariz.
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No ar, pelo bem da agricultura Por MĂ´nica Xavier
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E
m média, são oito horas de voo por dia, com 20 pousos e decolagens. A rotina começa bem cedo. Antes do nascer do sol, numa pista de terra, o avião já está abastecido de combustível e já foi checado pelo mecânico. A piloto já está pronta, de macacão de voo, luvas e capacete em mãos. Atenta, checa cada detalhe em sua volta, os instrumentos da cabine, faz os últimos ajustes e inicia a partida. Tudo pronto para o combate! Com o motor acionado e aquecido, o sol começa a despontar no horizonte. É hora de decolar e iniciar mais um dia de atividades na lavoura – ou logo sobre ela, já que Juliana Torchetti vai passar o dia sobrevoando as plantações, fazendo a pulverização agrícola. E, em época de safra, Juliana realmente não para. Depois de começar cedo o dia, dá uma pausa às 10h30 e retorna à lavoura às 17h30, onde pilota até às 20h. O trabalho é árduo: do ar ela despeja adubo e pulveriza a lavoura com inseticidas biológicos. Essa tarefa auxilia o crescimento da plantação e o combate às pragas. “Ao contrário do que as pessoas pensam, o trabalho de piloto agrícola é todo regulamentado pela Aeronáutica e serve para o bem da agricultura. Acidentes podem acontecer, mas são raros”, garante. E o que colocou Juliana, hoje com 5 mil horas de voo, numa rotina puxada e sistemática como essa? A resposta foi uma rota de voo que passava diariamente sobre a casa da então menina de 12 anos, que amava aviões. Todos os dias, no mesmo horário, era fácil encontrar Juliana, hoje com 36 anos, sentada na calçada em frente à sua casa em Contagem (MG). Até hoje, ela fica fascinada ao ver um avião no ar. “Apesar de tudo que já estudei sobre aviação e saber como funciona uma aeronave, continuo achando fascinante”, conta. A ideia era fazer parte da Força Aérea Brasileira (FAB), mas em 1997/98 isso ainda não era possível. Não se aceitavam mulheres. Um amigo indicou um curso de aviação civil em Belo Horizonte. Na época, Juliana trabalhava como secretária e seu salário do mês
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De espírito livre
por um grande ideal
O
pioneirismo de completar uma volta no Círculo Polar Ártico a bordo de um avião anfíbio leve em 80 dias. Uma mensagem de preservação ambiental e incentivo à realização de esportes de aventura. E, acima de tudo, a luta contra a esclerose múltipla, que afeta milhões de pessoas no mundo. A decolagem acontecerá em maio de 2017 e a aeronave vai percorrer em torno de 20.000km, sob temperaturas que variam de +10°C a -15°C no solo e -30°C em voo, passando pela Rússia, Canadá, EUA, Noruega, Suécia, Finlândia, Islândia, Groenlândia e Ilhas Faroé – totalizando 30 escalas. Batizada de Expedição Polar Kid, essa missão é inédita no mundo. “Não existe cura para a esclerose múltipla. Então eu pensei que seria bom se eu fizesse algo. Como eu não sou médico, decidi realizar aquilo que eu faço de melhor: voar um avião, levantar fundos e fazer algo espetacular”, disse Loïc Blaise, piloto da expedição, que possui conhecimento
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de causa para levantar essa bandeira. Ele próprio sofre de esclerose múltipla. Aos 38 anos de idade, Blaise é instrutor, piloto de linha aérea, de demonstração e membro da Aviation Sans Frontières (Aviação Sem Fronteiras). Esta organização não governamental, fundada em 1980, emprega a rede aérea mundial e sua frota própria para operações de ajuda humanitária e socorro a comunidades desfavorecidas. É a única organização do tipo a ter certificação da EASA (autoridade aeronáutica europeia), sendo parceira do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas e da Direção Geral de Ajuda Humanitária e de Proteção Civil da Comissão Europeia. Blaise foi ainda o mais jovem piloto do mundo a se qualificar para comandar um PBY Catalina, antes que a doença o impedisse de renovar qualquer licença de voo – exceto para aviões ultraleves. Essa foi a motivação que o levou a realizar esse voo histórico. Atrair a
atenção da opinião pública sobre a necessidade de se investir e apoiar a pesquisa sobre essa doença que o aflige e a tantos outros. Assim, Blaise procurou uma rota no mundo que ainda não havia sido explorada por outro pioneiro no passado. A última estrada para ainda ser aberta em pleno século 21 é a do Círculo Polar Ártico. “Por isso eu estou usando métodos e a mentalidade de alguns pioneiros, como Jean Mermoz e Mikhail Vodopianov. Quando você está enfrentando dificuldades, você encontra recursos inesperados em seu corpo. Eu queria compartilhar essa experiência com outras pessoas, especialmente com as crianças. Para ser capaz de lutar, você precisa ser conduzido por algo. Amor. Raiva. Desejo. O que quer que lhe convenha, desde que haja algo. E então você começa a andar novamente e o processo de resiliência começa. Para compartilhar a experiência com as crianças e dar-lhes esperan-
O LA-8C será usado como aeronave de suporte logístico durante a expedição.
ça, eu decidi instalar câmeras 360° a bordo. Elas serão capazes de voar comigo, nadar com as baleias em Isabella Bay, encontrar xamãs no delta de Yenisseï ou lobos brancos na Ilha de Ellesmere. Nosso objetivo é transmitir para as crianças essa aventura, permitindo que elas sejam testemunhas de um mundo que lhes pertence. Quero abrir o horizonte para elas”, explica. A preparação física, psicológica e o trabalho antes e durante a missão serão os principais desafios. Blaise está estudando um livro de 750 páginas sobre a meteorologia no Ártico; e está sendo acompanhado pelos melhores neurologistas na Rothschild Founda-
tion, em Paris. Também está seguindo um programa de exercício adaptado para a missão e, agora, está em tratamento químico especial. “Há também algo especial quando você quer seguir os seus sonhos: o incentivo. Quando eu estava em um acampamento de sobrevivência em janeiro, encontrei forças físicas incríveis na minha cabeça. E funcionou! Eu sobrevivi”, explica. A equipe é formada por um time de 15 pessoas que estão em pleno trabalho na França, Itália e Rússia, preparando os detalhes para a expedição. Outras dez devem reforçar a partir de outubro próximo. Acompanhando Blaise, como co-
piloto, estará Valeri Tokarev, cosmonauta, piloto de caça, de provas, herói da Rússia e que permaneceu 189 dias no espaço a bordo da Estação Espacial Internacional (ISS). Ao conhecer a história de Blaise, Tokarev ficou tocado com a missão e se voluntariou para participar da expedição. E, para essa incrível jornada, que deverá se tornar um documentário de TV (e possivelmente, para cinema), com o título Beyond the Impossible, Blaise vai utilizar o mais novo desenvolvimento da consagrada fabricante aeronáutica de aviões leves da Rússia, Aerovolga, construtora do bem-sucedido anfíbio LA-8. O novo modelo é o
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LATAM J
á houve um tempo em que companhias aéreas eram consideradas fatores estratégicos de um país. Sua atuação garantia a ligação entre partes de um império, atendia a interesses governamentais de aumentar sua influência político-econômica em outras nações e, por fim, o fator óbvio das tripulações serem consideradas como uma “reserva ativa” da aviação militar do país, em caso de um conflito. Assim se cunhou a expressão “companhia aérea de bandeira” – obviamente, o pavilhão nacional. No mundo de hoje, muitas dessas razões deixaram simplesmente de existir ou já não fazem sentido. Indo direto ao caso das tripulações, tanto as grandes aeronaves comerciais quanto os jatos de combate tornaram-se tão complexos e exigindo instrução tão específica, que ninguém imaginaria um piloto de Airbus A320 sendo chamado para ocupar lugar no cockpit de um F-35. Por outro lado, a concorrência de mercado na aviação comercial tornou-se tão acirrada com o surgimento recente de players de nível mundial de regiões que há relativamente pouco tempo não tinham companhias de operações globais (caso do Sudeste Asiático e do Oriente Médio, por exemplo), que a união de compa-
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nhias aéreas, ultrapassando fronteiras nacionais, não só tem lógica econômica e técnica, como traz benefícios a todos os envolvidos. Tome-se como exemplo o Grupo Lufthansa, de origem alemã, e que tem não apenas a própria companhia aérea germânica, mas também as da Áustria (Austrian Airlines) e da Suíça (Swiss International Airlines). No caso citado, as três empresas ganham de modos diversos, que vão desde a economia de se unificar certas estruturas até mesmo ao poder de negociação na compra de novas aeronaves.
UM PROCESSO ÚNICO E PIONEIRO NA AVIAÇÃO COMERCIAL MUNDIAL
Na América Latina, entretanto, estamos assistindo a um passo de integração “inter-nacional” ainda mais profundo, e inédito, pois as duas maiores companhias aéreas (TAM Linhas Aéreas e LAN-Chile) de duas das mais importantes economias da região, Brasil e Chile, não apenas passaram a estar sob um mesmo grupo empresarial, mas foram além, efetivamente se fundindo e criando uma nova marca, unificada.
O processo que resultou nisso teve início oficial em 13 de agosto de 2010, com o anúncio pela LAN e pela TAM da formação do Grupo LATAM Airlines, ação que então já fora aprovada pelas autoridades dos governos do Chile e do Brasil. Nesta fase, porém, cada companhia ainda manteve separadas as suas operações, assim como cada uma manteve as suas sedes administrativas, em Santiago e São Paulo, respectivamente. Os processos definidos nessa fase foram completados em 22 de junho de 2012. Então, cerca de três anos depois, em 6 de agosto de 2015, o grupo anunciou publicamente que seria adotada uma única identidade – nascia a LATAM. Sob tal marca passariam a estar todas as
Nasce a Gigante Por Claudio Lucchesi
MÁRCIO JUMPEI/LATAM
Decolagem em 5 de maio deste ano do primeiro voo regular da LATAM – um Boeing 767-300ER saindo do aeroporto internacional de São Paulo (Guarulhos).
operações aéreas, tanto de carga quanto de passageiros, da LAN e da TAM, cujas marcas, portanto, iriam desaparecer. A nova marca também absorvia todas as operações das subsidiárias das duas companhias: as LAN-Peru, -Argentina, -Colômbia e -Equador; a TAM Transportes Aéreos del Mercosur (Paraguai); assim como as suas companhias de carga LAN Cargo, LAN Cargo Colômbia, ABSA (TAM Cargo) e MasAir. “Esta decisão foi um marco histórico no setor da aviação, já que somos o primeiro grupo de companhias aéreas a fazer isso. No nosso caso, contávamos com duas marcas muito fortes
na região e com uma história e visão em comum, por isso seria melhor somá-las e criar uma marca ainda mais forte, incorporando como ponto de partida os atributos e vantagens mais valorizados de cada uma, assim como suas trajetórias de 87 anos, da LAN, e 40, da TAM, respectivamente”, explica, em conversa com ASAS, Jerome Cadier, vice-presidente sênior de Marketing da LATAM Airlines. E, de fato, o próprio Cadier é, de certa forma, um retrato dessa nova companhia, a LATAM. Formado em Engenharia de Produção pela Escola Politécnica da Universidade de São
Paulo (USP), possui MBA focado em Marketing e Finanças pela Kellogg School of Management da Northwestern University, dos Estados Unidos, e tal bagagem de formação se une a uma forte experiência profissional. Trabalhou para a Whirlpool Corp. (considerada hoje líder mundial em produtos para o lar, possuindo as marcas Brastemp e Consul, entre muitas outras), seguindo desta para a McKinsey Brasil (filial no país de uma das maiores firmas de consultoria do mundo). Na LATAM, Cadier é responsável por Comunicação e Marca, pelo programa de fidelidade, experiência
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Sangue novo
o MC-21 MC faz seu rollout
TODAS AS FOTOS DO AUTOR
Por Piotr Butowski
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FICHA TÉCNICA Comprimento Envergadura Altura Capacidade (duas classes) Capacidade (classe única econômica) Peso máximo de decolagem Peso máximo de pouso Carga útil Quantidade de combustível Alcance com duas classes Velocidade de cruzeiro
A
Irkut Corporation apresentou pela primeira vez ao público, em 8 de junho último, o jato de passageiros de transporte regional MC21-300. A aeronave é a aposta russa para concorrer com os jatos da família Airbus A320 e Boeing 737, e a cerimônia aconteceu em Irkutsk, próximo ao Lago Baikal, dentro de um dos mais antigos hangares de produ-
MC-21-200 MC-21-300 36,8m 42,3m 35,9m 35,9m 11,5m 11,5m 132 163 165 211 72.560kg 79.250kg 63.100kg 69.100kg 18.900 kg 22.600kg 20.400kg 20.400kg 6.400km 6.000km 987km/h (Mach 0,8)
ção da Irkutsk Aircraft Plant (IAZ). O primeiro-ministro da Rússia, Dmitry Medvedev, participou do evento de lançamento, atitude que denota a relevância dada pelo governo russo ao programa: “o MC-21 é um dos mais avançados jatos comerciais do mundo, é o avião de passageiros do século 21. Nós temos muito orgulho pelo fato dele ter sido criado em nosso país”, disse.
O voo inaugural está programado para ser realizado no começo do ano que vem, enquanto a entrada em serviço regular é prevista para 2018. O MC-21 foi desenvolvido para ser um avião inovador. Os russos acreditam que a criação de um outro projeto, de características similares às do A320, B-737 (mesmo em suas mais novas gerações) ou até mesmo do jato chinês C919, não teria tanto sucesso. Assim, o novo jato comercial teria de ser significantemente melhor que os seus rivais para conseguir destaque no mercado. Desta forma, os objetivos foram os de reduzir os custos operacionais entre 12 e 15% quando comparados aos do A320 ou 5% em relação aos do A320neo. Durante o evento em Irkutsk, o presidente da United Aircraft Corporation (UAC), Yuri Slyusar, declarou que “rivalizar com a Boeing e a Airbus será difícil, mas nós acreditamos que o nosso avião é o mais competitivo da sua categoria”. Até o momento, a Irkut alcançou 175 pedidos firmes, incluindo 85 unidades para a empresa estatal russa Rostec Corporation (sendo que 50 desses devem ser passados para a Aeroflot), 50 para a empresa de leasing Ilyushin Finance (IFC), 30 para a VEB Leasing e dez para a IrAero Airline. Logo após o rollout, no mesmo hangar, a AZAL Airlines, do Azerbaijão, assinou um memorando com a IFC para o leasing de dez MC-21-300. A principal característica do MC-21, que visa à diminuição no consumo de combustível, é a sua nova e sofisticada aerodinâmica, com asas de grande alongamento, produzidas em material composto. A relação da razão de planeio, segundo o fabricante, será entre 5 e 7% mais eficiente que a do A320 ou do B-737. Os materiais compostos das asas passaram por uma nova tecnologia de infusão a vácuo, uma técnica que ainda não foi usada na aviação para grandes componentes. Este, aliás, é o maior risco do programa em termos técnicos. Quando comparada ao tradicional procedimento que envolve o uso de autoclaves, a infusão a vácuo permite a fabricação de grandes peças estruturais, como uma de 18m de comprimento por 3m
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Conquistando o
SARGENTO BRUNO BATISTA/FAB
Mundo O
acionamento foi quase simultâneo. No pátio da unidade da Embraer em Gavião Peixoto, no interior de São Paulo, imponentes estavam os dois protótipos do KC-390 (ver ASAS 75 e 81) reluzindo com a camuflagem tática em verde e cinza, seguindo um esquema que provavelmente será adotado pela Força Aérea Brasileira (FAB). Por volta das 12h30, o protótipo número 02 começou a taxiar, posicionou-se na cabeceira e iniciou a decolagem. Foram necessários em torno de 1.500m para que o maior avião já projetado e fabricado no país alcançasse voo para cumprir mais uma etapa da campanha de ensaios e certificação. O protótipo número 01 decolou logo na sequência, usando qua-
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se a mesma quantidade de pista para ganhar os céus. Cada avião cumpria o seu segundo voo do dia. E essa tem sido a rotina em Gavião Peixoto, uma vez que a disponibilidade dos protótipos vem registrando índices elevados. A campanha de ensaios em voo do KC-390 já ultrapassou os 10%. Serão em torno de 2 mil horas a serem realizadas num período de dois anos. Os protótipos, juntos, já superaram a marca das 300 horas em voos das mais diversas naturezas. Isso já incluiu desde os ensaios na área de Gavião Peixoto até testes com lançamento de paraquedistas e a travessia do Atlântico para o tour de demonstrações na Europa. O voo inaugural do protótipo 01 aconteceu em 3 de fevereiro de 2015.
Entretanto, a campanha “decolou” para valer em 28 de outubro, quando os sistemas, sensores e a instrumentação para auxiliar na coleta de dados haviam sido instalados e estavam em pleno funcionamento. O protótipo 02 fez seu voo inaugural em 28 de abril de 2016. A FAB já trabalha ativamente para receber em 2018 os primeiros dos 28 exemplares adquiridos. A Embraer, por sua vez, avança para demonstrar o avião para potenciais clientes em todo mundo, sejam os parceiros de desenvolvimento do projeto – Portugal, República Tcheca e Argentina – ou futuros interessados que desejam transformar e modernizar a sua aviação de transporte. Dizer que o KC-390 já é um sucesso não soa como exagero.
Os dois protótipos no pátio da Embraer em Gavião Peixoto. A disponibilidade registrada tem sido alta durante a campanha de ensaios em voo.
E este sucesso não é somente mensurado pela quantidade de aviões vendidos, mas pelo quanto o seu desenvolvimento contribuiu para a evolução de toda a cadeia da indústria aeronáutica, com soluções de engenharia inéditas para o País ou até mesmo para a aviação mundial. Essa evolução inclui os chamados acordos de transferência de tecnologia (offset) e de compensação industrial, que ultrapassam os limites do segmento militar, sendo revertidos, em muitos casos, para o meio civil na saúde, educação, comunicações, pesquisa e desenvolvimento e outros.
O ESTÁGIO ATUAL
No momento, a Embraer está trabalhando no “congelamento aerodinâmico” do KC-390, ou seja, testa o avião
TODAS AS FOTOS DO AUTOR, EXCETO QUANDO CITADO
Pela primeira vez para o público estrangeiro, a Embraer apresentou durante a feira internacional de Farnborough, no Reino Unido, o maior avião já projetado e construído no Brasil. Com paradas em Portugal e outras nações europeias, a turnê de demonstrações mostrou a qualidade da indústria nacional no desenvolvimento do transporte tático militar mais moderno do mundo. Confira os avanços e os planos para o programa nesta reportagem de João Paulo Moralez.
nos mais variados perfis de voo de baixa velocidade, estol e qualidade de voo, por exemplo, definindo o que precisa ser aerodinamicamente modificado até chegar ao ponto ideal.
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FENNEC NG As Novas Armas e Sensores
A grande frota de helicópteros militares multifuncionais Airbus Helicopters Fennec tem atraído especial atenção nos últimos anos devido aos diversos programas de modernização e agregação de novos sistemas de armas, de aquisição de alvos e de autoproteção, especialmente para as missões de escolta e reconhecimento armados, muitos destes similares aos empregados nos helicópteros “puros” de ataque. É este o caso, por exemplo, dos recém-modernizados Fennec da Aviação do Exército Brasileiro, assim como os de outros países, para os quais agora se fazem estudos acerca da adoção de novas armas, sensores e sistemas de missão. Confira os principais destes, hoje oferecidos, nesta reportagem de João Paulo Moralez.
E
m 19 de março de 2011, a França iniciou a sua participação na intervenção militar imposta à Líbia através da Resolução 1973 do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e entre os principais objetivos desta estava a criação de uma zona de exclusão aérea para bloquear os bombardeios feitos pelas forças leais ao ex-ditador líbio Muammar Kadaff contra os rebeldes e a população civil. De início, a mobilização militar francesa (Operação Harmattan) foi realizada entre 19 e 31 de março de 2011; passando depois a integrar as ações coordenadas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), na Operação Unified Protector, de 31 de março a 31 de outubro de 2011. O esforço francês contou com a atuação destacada de vários jatos de combate e aviões de apoio, sendo que, no conflito líbio, o país foi o que mais realizou missões de ataque, respondendo por 35% do total realizado pela OTAN. Entretanto, do montante dos alvos destruídos pela França, 45% ficou a cargo dos helicópteros da Armée de Térre, incluindo 25% da força de carros
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de combate, veículos blindados e caminhões equipados com armas mais leves. E, entre os helicópteros franceses, o tipo mais operado e com principal destaque foram 12 SA.341/342L1 Gazelle. O tipo tem um projeto que remonta à década de 60 e, não obstante isso, os Gazelle representaram 85% da força de helicópteros de ataque, que foi complementada por apenas dois Airbus Helicopters Tiger HAP (os outros 15%). Isso é apenas um exemplo de que, ao contrário de um certo senso comum, nas principais guerras e conflitos modernos, os chamados helicópteros de escolta, vigilância e reconhecimento armado têm respondido por cerca de 80% das missões de combate. Os tipos “puros” de ataque, como os AH-64 Apache, Mi-28NE, Ka-52, AH-1 Cobra/Super Cobra, Tiger e outros, de fato têm “entrado em cena” apenas em missões pontuais, mais complexas ou que exigem maior poder de fogo. E não é difícil de entender os motivos pela preferência dos tipos mais leves. Esses helicópteros, na maioria dos casos, foram desenvolvidos para cumprir missões de transporte logístico ou
utilitário militar; e é comum também que muitos destes tenham “nascido” sem farda, ou seja, foram criados para atender ao segmento civil e, depois, convertidos para o emprego militar. São os casos, por exemplo, do MH-6 Little Bird, OH-58 Kiowa, Bo-105, do próprio Gazelle e do muito popular H125M Fennec (sua variante civil é fartamente conhecida dos brasileiros, o Esquilo, produzido no país pela Helibras). As vantagens advindas de projetos assim são inúmeras. Por terem sido desenvolvidos para cumprirem vários tipos de missões civis e militares, a sua produção atingiu números elevados, o que impacta em menor custo de aquisição e operação (impactados ainda mais pelo fato de que tais custos, no mercado civil, podem ser determinantes na vitória contra os concorrentes). O suporte logístico torna-se mais facilitado e geralmente são tipos mais versáteis em termos de modificações, modernizações e configurações de armas e sistemas. Voltando à Líbia, ali os Gazelle dispunham de óculos de visão noturna (OVN) e os oito SA.342L1 tinham mísseis antitanque HOT, sendo que 450 foram disparados no conflito.
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AIRBUS HELICOPTERS
Na Suécia TODAS AS FOTOS VIA SAAB, EXCETO QUANDO CITADO
o próximo caça da FAB
A
situação geopolítica da Suécia, de depois da 2a Guerra Mundial até o início dos anos 90, foi extremamente delicada. Na Guerra Fria, de um lado, os EUA liderando os países do Bloco Ocidental e sua poderosa força militar internacional – a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Do outro, no Oriente, a antiga União Soviética, com vários países sob a sua esfera de influência e uma tão poderosa aliança militar de coalizão quanto a OTAN – o Pacto de Varsóvia. No meio desses “dois mundos”, que dispunham de um imensurável poderio nuclear e que estavam à beira de um
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trágico e lamentável embate, a pequena Suécia mantinha-se neutra e não alinhada a nenhum dos blocos. Situada num território de quase de 450.000km2, com difíceis condições meteorológicas na região norte, a Suécia não tinha terreno e economia para suportar uma guerra longa, podendo ser facilmente conquistada por qualquer uma das alianças militares. Assim, era necessário dispor de um grande poder dissuasório e a força aérea era uma das responsáveis por fazer essa demonstração de força. O país decidiu investir ativamente, entre outros segmentos, numa independência tecnológica e em aviões de
combate que agregassem o que havia de mais moderno no mundo. Essa filosofia começou com o J-35 Draken, que já dispunha de radar, armamentos guiados e a capacidade de operar a partir de rodovias, no conceito de pequenos destacamentos dispersos para evitar perdas de aeronaves em ataques “preventivos” inimigos. E os esquadrões de primeira linha foram “inundados” com o Draken a partir de 1960. Na década seguinte, este viria a ser substituído (no papel principal de defesa aérea) pelo AJ/JA-37 Viggen, que, ao contrário do seu antecessor, era multifuncional. Sua introdução em serviço aconteceu
O rollout do JAS-39 Gripen E, realizado em 18 de maio último pela SAAB na Suécia, significa não apenas a apresentação de um caça para o público internacional, mas a ponta da lança de um programa criado na década de 80 e que configura o que existe de mais moderno num caça de quarta geração. Conheça a trajetória deste caça nesta reportagem de João Paulo Moralez.
em 1971 e cumpria missões de interceptação, caça, ataque, reconhecimento e atuava no conceito modular de combate. Neste caso, com sete militares (sendo quatro recrutas), um avião era reabastecido e rearmado em incríveis dez minutos. A multifuncionalidade entre as missões era trocada no solo, através de módulos em formato de cartuchos, que otimizavam a aeronave. Assim o perfil da missão era alterado de ar-ar para reconhecimento, por exemplo. Muitas variantes foram desenvolvidas tanto para o Draken quanto para o Viggen, que deixaram o serviço ativo na Suécia em 1999 e 2005, respec-
F-5EM
JAS-39E
Comprimento
14,45m
15,2m
Envergadura
8,13m
8,6m
Altura
4,08m
4,5m
Peso vazio
4.349kgg
8.000k
Peso máximo de decolagem
11.193kg
16.500kg
Teto operacional
15.800m
16.002m
1.960km/h (Mach 1,6)
2.470kmh (Mach 2)
583km
1.500km
2.120kg
3.400kg
7
10
Mira montada no capacete
Sim
Sim
Supercruise*
Não
Sim
Mira montada no capacete (HMD)
Sim
Sim
Capacidade de visão noturna (OVN)
Sim
Sim
Reabastecimento em voo
Sim
Sim
-3,9/+7,3
-3/+9
2x General Electric J85GE-21 de 2.268kgf
1x General Electric F414-GE-39E de 9.979kgf
Velocidade máxima Alcance de combate Combustível Pontos de fixação de armamentos
Fator de carga G Motor
*velocidade supersônica sem o pós-combustor
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Museu da Força Aérea Russa
Monino Por Claudio Lucchesi
esta mesma edição, no “Papo de Hangar”, coloquei a minha opinião sobre o que realmente “faz a diferença” num museu de aviação. Com certeza não são uma arquitetura arrojada do prédio ou recursos high-tech. É o que eu chamo de “coração” de um museu. A paixão, abnegação e, aqui, completo – um acervo que inclua alguns tesouros, exemplares únicos preservados, the last of its kind; ou mesmo modelos conhecidos, mas únicos, por só ali ostentarem com orgulho as cores do país pelo qual lutaram (ou onde operaram). Memórias e história. E poucos museus do mundo têm tanto disso reunido num único lugar quanto o Museu da Força Aérea Russa, em Monino, a cerca de 40km/leste de Moscou. Apenas para dar um exemplo, seu acervo tem cerca de 170 aeronaves – e, destas, não menos de 78 só podem ser vistas ali. Exato, você leu certo – 78 exemplares únicos. Deu para entender? Mas tem mais. Fundado em 1956, no auge da União Soviética, o museu ficava dentro de uma área militar e sua visitação era controlada – e muito difícil (quase impossível) a estrangeiros. Mesmo com o fim do regime, em 1991, ir a Monino não era fácil. Minha primeira visita foi em 1997, em minha primeira viagem ao MAKS (o Salão Aeroespacial de Moscou), e só consegui a “proeza”
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porque conseguira contatar, ainda do Brasil, um veterano da Força Aérea soviética que era um dos voluntários que cuidava do museu – e ele gostou da ideia de um sujeito do Brasil demonstrar interesse pela história da aviação soviética. As instalações eram então bem precárias, com prédios tipicamente “soviéticos”, digamos assim. Mas, em 2001, o museu tornou-se independente e foi aberto livremente à visitação pública. Com a reorganização e recuperação econômica da Rússia, a partir de 1999, e o crescimento do turismo no país, Monino foi crescendo de importância. Durante minha visita, em 2011, a agência do governo para exportação/importação de materiais de defesa, a Rosoboronexport, estava patrocinando, junto com outros órgãos e empresas, a construção de um novo prédio principal e fora construído um pavilhão que passou a reunir boa parte das aeronaves da Grande Guerra Patriótica (a designação
nacional para a participação do país na 2ª Guerra Mundial). Sim, ainda falta uma lanchonete ou restaurante e a notória “loja do museu” (para a minha conta bancária, uma sorte). Com o apoio de voluntários e patrocínio de agências de governo e empresas privadas, muitas das aeronaves preservadas, sobretudo as que ficam ao ar livre, têm recebido cuidados renovados, passando por recuperações. Porque este é talvez o maior “problema” do museu – grande parte de seu acervo é composto de aparelhos de dimensões grandes (ou gigantescas, se preferir), tornando inviável (ao menos, economicamente) colocar toda a coleção em ambientes fechados. Então vamos lá, me acompanhe numa visita, nestas páginas, a alguns dos maiores tesouros do museu. E comece a preparar a sua viagem...
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N
Pode-se dizer que o Mikoyan-Gurevich MiG-3 foi o primeiro da linhagem que tornaria notória a marca de três letras – quase um sinônimo de caça soviético na Guerra Fria. Mas o MiG-3 também foi o mais “injustiçado” dos caças soviéticos da 2ª Guerra Mundial, dizendo-se ser inferior aos da Luftwaffe no verão de 1941, daí sua produção ter cessado em dezembro daquele mesmo ano (menos de um ano após ter sido iniciada). Com um design arrojado e limpo, foi criado como interceptador de grande altitude, teve poucas chances de atuar nesta função, sendo enviado contra o inimigo a média e baixa altitudes, nas quais sua performance se deteriorava – mesmo assim, 48 pilotos soviéticos tornaram-se ases (cinco ou mais vitórias) com o tipo. Já o real motivo do fim de sua produção é que se decidiu parar de produzir o seu motor, o Mikulin AM-35A, dando-se prioridade à sua versão mais potente, AM-38, que equipava os Il-2 Shturmovik.
Armado com dois ou três canhões de 20mm, foi o último dos caças projetados por Semyon Lavochkin a participar da 2ª Guerra Mundial, mostrando estar entre os melhores do conflito, igualando-se às últimas versões dos Bf-109 e Fw-190 alemães. Foi, ainda, o caça mais usado pelos maiores ases soviéticos, incluindo o maior ás dos Aliados, Ivan Kozhedub (62 vitórias, inclusive um jato Me-262). E é exatamente o último aparelho usado por ele na guerra que está exibido! Este passou por uma extensa recuperação recentemente e está em impecável estado e nas cores com que Kozhedub o voou em combate.
O Ilyushin Il-2, muito bem restaurado, do museu é da sua versão final e “clássica”, Il-2m3. Junto a ele, pode-se ver um dos dois canhões de 23mm (e suas munições) que o dotavam, parte do arsenal que o tornava o terror das unidades blindadas e tropas germânicas – não sendo sem motivo que a palavra “Shturmovik” tornou-se sinônimo, inclusive no Ocidente, de aeronave “destruidora de tanques”. Um dos primeiros aviões de ataque blindados era chamado pelos pilotos alemães de “Zementbomber” (bombardeiro de concreto), dada a sua resistência a danos. Mais de 36 mil foram produzidos e foi, assim como o tanque T-34, uma das armas determinantes da vitória soviética sobre o invasor germânico.
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