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Ano XVI – Número 93 – 2016
10 GRUPO DE DEFESA AÉREA VOAMOS O ASW NOTURNO COM A MARINHA AVIAÇÃO DO EXÉRCITO, 30 ANOS
93 9 771519 559006
ISSN 1413-1218
R$ 17,90
O show aéreo da mais “fechada” Força Aérea do mundo!
4x4 4x4 de de ASA FIXA FIXA ASA
Veja o monomotor que enfrenta as mais radicais pistas do planeta
+ NA FÁBRICA DOS CAÇAS SUKHOI + O WASP NA MARINHA DO BRASIL + MEMÓRIA: VOANDO O T-27 NA FUMAÇA
CORES DA AVIAÇÃO MILITAR BRASILEIRA
Por Aparecido Camazano Alamino
O HELICÓPTERO WESTLAND WASP SR.3 NA AVIAÇÃO NAVAL Em 1957, com a experiência adquirida e com base no projeto e na fabricação do helicóptero Skeeter, a empresa aeronáutica inglesa Saunders-Roe iniciou um projeto com vistas a atender às necessidades do British Army e Royal Navy (o Exército e a Marinha britânicos, respectivamente) com algumas modificações específicas, sendo tal projeto designado P.531. Nesse contexto, em julho de 1958, o protótipo realizou o seu voo inaugural, utilizando um motor convencional, que não atingiu os parâmetros desejados. Logo em seguida, tal motor foi substituído por um turboeixo Bristol Siddeley Nimbus, e o protótipo realizou o seu primeiro voo em agosto de 1959, atingindo melhores resultados. Todavia, ainda em 1959, as indústrias aeronáuticas Saunders-Roe, Bristol e Fairey foram adquiridas pela Westland Aircraft Company, passando a designar-se a partir de então como Westland Helicopters, e resolveu-se incrementar o projeto do helicóptero para a Royal Navy (RN). O tipo para o British Army (BA) foi batizado de Scout e estava pro-
O Wasp N-7015 em voo de ensaios ainda na fábrica Westland. Observe a matrícula de ensaios G-17-1.
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gramado para realizar a instrução de pilotos, sendo dotado com esquis, além de estar apto para atuar em missões operacionais como ligação e observação no campo de batalha. Já o helicóptero para a RN foi denominado de Wasp e incorporava mecanismos para operar desde o deck de belonaves, bem como estar apto para realizar, também, as missões de guerra antissubmarino (ASW). Assim, tendo em vista a sua simplicidade, o Scout foi logo delineado e efetuou o seu primeiro voo em agosto de 1960. As primeiras unidades de série foram entregues ao BA em março de 1961, iniciando a sua operação normal. Em seguida, os esforços foram concentrados no Wasp, com maior complexidade, para atender aos requisitos estabelecidos pela RN, como o descarte dos esquis para a colocação do trem de pouso com quatro rodas, a instalação de um cone de cauda dobrável e a capacidade de portar dois torpedos Mk 44. O voo inaugural ocorreu em 28 de outubro de 1962, sendo considerado um sucesso, o que levou a RN a efetuar uma encomenda inicial de 98 unidades do aparelho, que passou a operar eficientemente
nas fragatas das Classes Rothesay e Leander a partir de 1963. Seu sucesso despertou o interesse de vários países, que o adquiriram para as suas Marinhas de Guerra, com destaque para: África do Sul, Brasil, Holanda, Indonésia, Reino Unido, Malásia e Nova Zelândia. Um total de 133 Wasp foi construído pela Westland, e o modelo operou na RN até 1988 e foi desativado em vários outros países na década de 90. A Malásia foi o país onde apresentou a maior longevidade de operação, pois foi utilizado até o ano 2000.
O WESTLAND WASP EM COMBATE
Por ocasião da Guerra das Falklands/ Malvinas, entre o Reino Unido e a Argentina no primeiro semestre de 1982, a RN utilizou o Wasp em missões de ataque contra diversos alvos argenti-
WESTLAND, COLEÇÃO DE PAULO F. LAUX, VIA AUTOR
DESENVOLVIMENTO E HISTÓRICO DA AERONAVE
TABELA DOS WESTLAND WASP SERIES 3 DA AVIAÇÃO NAVAL BRASILEIRA
O WESTLAND WASP SERIES 3 NA AVIAÇÃO NAVAL BRASILEIRA
Quando a Marinha do Brasil (MB) adquiriu oficialmente o direito de voltar a operar a sua aviação, em 1965, com a especificação de somente possuir aparelhos de asas rotativas, esta já possuía um pequeno lote de helicópteros dotados com motor a pistão e com algum tempo de uso, o que lhes prejudicava a disponibilidade. Por outro lado, a Marinha havia recebido da Força Aérea Brasileira (FAB) cinco helicópteros Sikorsky SH-34J Seabat, que dotariam um esquadrão operacional de guerra antissubmarino (ASW) a ser criado. A ideia de dotar o seu 1º Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral (HU-1), criado pelo Aviso nº 1003, de 5 de junho de 1961, de novos helicópteros de emprego geral, mas que tivessem alguma capacidade de atuação
Matr. Teste Inglesa
Observação
N-7015
f.9614
Não
Não
Recebido em 20 de abril de 1966.
N-7016
f.9615
Não
Não
Recebido em 20 de abril de 1966. Acidentado em 15 de julho de 1967.
N-7016
f.9542
XS476
G-17-2
Preservado no Museu da Av. Naval em São Pedro da Aldeia (RJ).
N-7017
f.9616
Não
Não
Recebido em 20 de abril de 1966.
N-7036
f.9589
XT419
G-17-1
N-7037
f.9575
XS564
G-17-22
N-7038
f.9728
XV633
G-17-21
N-7039
f.9603
XT433
G-17-6
Preservado no MUSAL (RJ)
N-7040
f.9557
XS530
G-17-7
Preservado no HU-1 em dezembro de 1992.
N-7041
f.9674
XT792
G-17-8
N-7042
f.9569
XS542
G-17-30
FONTES: WESTLAND HELICOPTERS, HU-1, AVIAÇÃO NAVAL, ARQUIVOS DO AUTOR
ASW, levou as autoridades da Aviação Naval a descobrir que o grande entrave dos aparelhos antigos era o seu motor a pistão. Assim, analisaram a possibilidade de adquirir o já provado Wasp, O N-7015 do HU-1 efetua aproximação para pouso; no final dos anos 60.
dotado com turboeixo e com a experiência de dois anos de operação na RN. Ainda em 1965, foi assinado o contrato para a aquisição de três Wasp Series 3, que era a variante de exportação ARQUIVOS PAULO F. LAUX, VIA AUTOR
nos. No episódio do afundamento do submarino argentino ARA Santa Fé, nas proximidades das Ilhas Geórgia do Sul, três Wasp participaram do ataque a esse submarino, com total sucesso. Os Wasp também atuaram em missões de toda ordem, efetuando o apoio tático e o abastecimento de inúmeros navios, apesar das rigorosas condições climáticas reinantes naquela inóspita parte do Atlântico Sul, onde o versátil Wasp mostrou as suas qualidades.
Matrícula Nº Série Ex-Royal Navy
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Meus 100 dias de
Tucano Pouco mais de 105 dias, para ser preciso. Somando as mais de 2.500 horas neste treinador avançado de sucesso da Embraer, é como se eu tivesse ficado atado aos cintos e suspensórios do Tucano por mais de 105 dias seguidos. Foram tempos de alegria, de emoção, de amizades, realização de sonhos e oportunidades. Que eu te contarei aqui. Por Ruy Flemming
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escrever um avião é relativamente simples, basta abrir o Manual de Voo que está tudo lá. Dimensões, o delineamento dos seus sistemas e como funcionam, detalhes do desempenho, potência do motor, figuras ilustrativas, e muito mais. Só que tem aqueles momentos nos quais o Manual de Voo não basta. E é isso que eu quero passar para você. Você vai conhecer o Tucano um pouco além do que dizem os Manuais de Voo. Vai voar um Tucano comigo. Se existe um avião que eu possa considerar que tenha vestido, esse avião é o EMB-312 Tucano, produzido pela Embraer com a competência que já virou rotina para o mundo. Na aviação civil, essa aeronave não passa de um monomotor. Aeronave Classe. Muitos já vestiram o Tucano por mais tempo e melhor que eu, mas confesso que me caiu bem. Pode ser que você já tenha voado alguma máquina que tenha considerado ter vestido. Se já vestiu, sabe que é tudo uma questão de diálogo. Quando a conversa entre você e a máquina entra em completa sintonia, a máquina diz e você ouve. Você fala e ela entende. Vestir uma máquina é um ponto que está além de simplesmente pilotar. É entrar em comunhão com ela. Venerar seu fabricante e projetistas. É voar ocupando todo o seu envelope de desempenho e respeitar cada um de seus limites. Vestir um avião é tratá-lo como mito
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e contar uma irretocável história de amor por algo que, em última análise, nada mais é que um ajuntamento de diferentes materiais, todos encontrados nas tabelas periódicas que a gente via nas aulas de química, unidos numa estrutura metálica. Vestir uma máquina é juntar química e física, é admirar sua silhueta, entender que o som de seu motor é uma música boa de ouvir, conhecer e reconhecer detalhes que passam despercebidos pela maioria das pessoas, como aromas, sensações e um prazer imenso de simplesmente estar ao lado dela e fazer mais uma selfie para lembrar bons momentos. Essa é minha relação com o Tucano. Qualquer Tucano. Mas eu já tive o “meu”. Era o FAB 1331, que hoje está na instrução aérea, ensinando cadetes a desvendar os mistérios do voo. O FAB 1331 já teve meu nome estampado em sua fuselagem, bem como o do Jayme, que era o mecânico responsável por mantê-lo em perfeitas condições de voo. Estamos falando de pouco mais de duas décadas atrás. Esquadrilha da Fumaça, quando os Tucano eram ainda pintados nas cores vermelha e branca com detalhes em preto. A maioria das pessoas gostou, mas há quem critique. Sempre achei que mudar as cores para o simbologismo do País que a Esquadrilha da Fumaça representa sempre foi muito mais
significativo que simplesmente pintar os aviões de forma a serem mais bem visíveis no céu enquanto fazem suas manobras. Sou fã das novas cores que a Esquadrilha da Fumaça adotou, falam de Brasil e de brasilidade. Gostei. Não tenho certeza de quando ouvi falar do Tucano pela primeira vez, mas me lembro que, com a aposentadoria dos jatos Cessna T-37C, pairava uma preocupação constante em colocar na Academia da Força Aérea (AFA) um avião cujo desempenho e capacidades operacionais pudessem realmente proporcionar um treinamento avançado na formação dos cadetes. O Ozires Silva era o presidente da empresa que ele mesmo havia criado, a Embraer, e precisava de volume de negócios para a empresa decolar. Visionário, ele viu nesse problema uma solução. Uma oportunidade para gerar mais negócios. Outro dia estive com essa personalidade que está no topo entre os brasileiros que investiram seu tempo em fazer um país melhor. Referi-me a ele como partícula aglutinadora de competências. Eu realmente acredito que esse tenha sido o seu principal papel, inclusive quando resolveu projetar e fabricar o Tucano e chamou o Joseph Kovács para capitanear o projeto. Mas antes de continuar na conversa sobre o Tucano vou me permitir abrir um parênteses e voltar um pouco mais no tempo.
AUTOR VIA ARQUIVO EDA
O Tucano parecia um caça. Tinha assento ejetável, máscara de oxigênio, aciona o motor pressionando apenas um botão e o controle a potência era feita com uma única manete – ao invés de três como nos aviões turboélices convencionais.
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A flexibilidade do P-750 XSTOL Por João Paulo Moralez
A
pista de terra da aldeia de Boikoa não chega a 500 m de comprimento. Nesse descampado, a parte mais estreita possui 32 m de largura, com o solo composto por grama, terra e cascalho, como se fosse um mosaico. Cerca de 20 palhoças e barracos estão em volta dessa faixa de terra, aberta em plena floresta tropical. De um lado, os troncos grossos e elevados das árvores. Do outro, um barranco monumental. Sob uma chuva tropical, a aproximação é feita lentamente. Um nevoeiro encobre parcialmente o local, e no momento, a temperatura está em 35°C. O P-750 XSTOL (ver ASAS 85) desce, para aproveitar cada centímetro da pista. Temperatura elevada, altitude superior a 1.300
Além de pessoas, os P-750 XSTOL também transportam cargas e até animais vivos. Na imagem é possível notar as grandes dimensões da porta de carga e de acesso ao cockpit.
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Uma das várias vantagens do P-750 XSTOL é a grande dimensão do para-brisa, que amplia o campo de visão do piloto nas aproximações para pouso.
tava doente e a levou para tratamento médico num grande centro urbano. De pista em pista, sobrevoando enormes cadeias de montanhas ou vales, passando em aldeias e vilarejos, a rotina do P-750 XSTOL é acelerada e o avião quase não para. Na Papua Nova Guiné, o transporte aéreo não é um luxo, mas um meio de transporte de primeira necessidade. Sem ele, essas pessoas estariam isoladas e quase sem acesso a remédios, assistência médica e hospitalar. Não haveria como vender a sua produção. O contato com o mundo seria feito de maneira muito sacrificada. Existem centenas de pequenas pistas de pouso não preparadas espalhadas pelo país. Os voos para esses locais são feitos por táxi aéreos que utilizam aeronaves de pequeno porte e a hélice, as únicas capazes de operar com a menor restrição possível. Aviões a jato e de grande porte, definitivamente, não são uma alternativa. Nesse ambiente, predomina a presença dos turboélices monomotores. E, entre eles, o P-750 XSTOL é o rei. “Nós operamos em 300 pistas remotas nas selvas da Papua Nova Guiné. Variando de 400 m a 800 m de altitude e 380 m a 600 m com 5-18% de declive. Não há pistas no país em que não possamos operar”, declara Ro-
ger S. Millist, piloto e CEO do Serviço de Aviação Adventista que voa na Papua Nova Guiné, um dos grandes operadores do P-750 XSTOL na região.
ROBUSTEZ E CONFIABILIDADE
Do nariz à cauda e de uma ponta a outra da asa, todos os detalhes do neozelandês P-750 da Pacific Aerospace foram pensados para dar robustez e praticidade na operação. Construído em metal, a asa baixa com diedro positivo externo facilita as inspeções pré-voo, manutenção e reabastecimento, ao mesmo tempo em que melhora a estabilidade lateral. A grande área de superfície também colabora para a sustentação da aeronave na velocidade de estol, que é de apenas 107 km/h. O trem de pouso fixo e os pneus de baixa pressão são resistentes para pousos e decolagens em pistas não preparadas, onduladas e até com pequenos buracos ou poças d’água. A acessibilidade é um item de grande importância na aeronave. Para inspeções e manutenção no motor, por exemplo, não é preciso usar escadas ou apoios, ou seja, o avião não precisa de qualquer infraestrutura de solo para conseguir operar. Em termos de capacidade, o P-750 XSTOL transporta até 1.800 kg.
Uma das centenas de pistas da Papua Nova Guiné, podendo-se notar a rusticidade e falta de infraestrutura local.
TODAS AS FOTOS DO SERVIÇO DE AVIAÇÃO ADVENTISTA, EXCETO QUANDO CITADO
m e a grande umidade tornam as operações mais difíceis que o convencional. Depois de tocar o solo, o P-750 XSTOL perde velocidade rapidamente, já que a pista é um aclive. Dentro estão vários insumos e itens de primeira necessidade para atender a população local. Antes mesmo de cortar o motor turboélice, os moradores começam a surgir e a se aproximar, curiosos com o grande pássaro de metal que acabava de pousar. Todos se propõem a ajudar. Crianças e adultos pegam o que podem de dentro do avião e se afastam da pista. Outros chegam trazendo em torno de 10 sacas de café, que serão vendidas no mercado internacional. Aquele serviço é ocasional, uma forma de ajudar os moradores a dar vazão ao café que sobrou da última colheita e que não chegou a ser totalmente comercializado. Se não tivessem feito isso, o produto estragaria. A carga é amarrada no interior do avião. O motor é novamente acionado, o P-750 XSTOL se posiciona no centro da pista e inicia a decolagem – curta e sem qualquer percalço. Naquele dia, outros voos ainda seriam feitos, atendendo outros vilarejos. Alguns transportaram pessoas, outros levaram cargas e um deles, em especial, retirou uma pessoa que es-
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As novas presas do
JAGUAR
M
enos de 40 metros separam o abrigo dos pilotos do hangar de alerta. E o som estridente da sirene ecoa por toda a área operacional da Base Aérea de Anápolis (BAAN), colocando todos em estado de atenção. Enquanto o caçador corre para a aeronave de alerta, abastecida e armada para decolar imediatamente, os mecânicos já fazem a última inspeção externa. Checam mais uma vez cada detalhe que tinha sido verificado anteriormente. O canhão Pontiac M39A2, de 20 mm, recebe o último dos cinco golpes, ficando engatilhado para entrar em ação. Também há mísseis sob as asas. O piloto está com o traje anti-g, luvas e colete com itens de sobrevivência. Depois de vencer os poucos degraus
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de acesso ao cockpit, coloca o capacete equipado com mira acoplada, ou helmet-mounted display (HMD), o que permite a visualização das informações básicas de voo (altitude, rumo, velocidade, horizonte, fator de carga g e outros) como também a própria mira do sistema de armas, com engajamento e emprego do armamento contra o alvo sem a necessidade de estar olhando diretamente para o painel. Momentos depois os motores são acionados e o piloto enfim recebe a autorização de decolagem. Em algumas poucas centenas de metros, se alinha à cabeceira da pista, fecha o canopi e empurra a manete na potência máxima, em pós-combustão. Duas grandes labaredas fazem um
desenho perfeito, saindo dos motores J85-GE-21C e contrastando com as árvores do cerrado que cercam a base. O caça é impulsionado para frente, alçando voo rumo ao céu sem nuvens, que já começava a escurecer naquele fim de tarde de outono. O rugido ouvido naquela decolagem, forte e agressivo, é diferente do que ecoou em Anápolis por 40 anos. O caça é mais esguio e a camuflagem totalmente diferente dos aviões de asa em delta que antes predominavam no cerrado. São as novas garras dos “Jaguares” do 1º Grupo de Defesa Aérea (1º GDA), ainda mais afiadas para defender a soberania do espaço aéreo do Planalto Central do Brasil, desde 2014, com os Northrop F-5EM.
RODRIGO COZZATO, VIA LATAM
Enquanto aguarda a chegada dos novos caças Saab JAS-39E/F Gripen, previstos para pousarem no Brasil a partir de novembro de 2021, o 1º Grupo de Defesa Aérea, da Força Aérea Brasileira (FAB), continua cumprindo com elevado profissionalismo a missão principal para a qual foi criado – guarnecer e fazer a defesa aérea dos céus brasileiros. Confira, nesta reportagem exclusiva de João Paulo Moralez, como tem sido a rotina dos míticos “Jaguares” com os caças Northrop F-5EM, após a desativação do Dassault Mirage 2000C, em 31 de dezembro de 2013.
POR QUATRO DÉCADAS, O REINO DOS DELTAS
A Base Aérea de Anápolis (BAAN) é, sem sombra de dúvidas, uma das mais estratégicas da FAB. Construída na década de 70, seu projeto utilizou o que havia de mais moderno nas concepções de distribuição das instalações, áreas de dispersão de aeronaves, hangares de alerta próximo à cabeceira da pista e infraestrutura completa para uma operação autônoma e continuada por várias semanas, sem que reabastecimentos constantes fossem necessários. De fora, da rodovia BR-414, ou de qualquer outra via adjacente, é impossível enxergar qualquer instalação da Base. Os acessos às áreas operacionais e de voo são ainda mais restritos.
Não poderia ser diferente, afinal, Anápolis foi escolhida para abrigar a 1º Ala de Defesa Aérea e a sua frota de 16 caças Dassault Mirage IIIE/D. Os lendários Mirage fizeram história na Guerra dos Seis Dias, pela Força Aérea de Israel. Ao lado de outros aviões de combate, tiraram de ação em algumas poucas horas três forças aéreas inteiras - do Egito, Síria e Jordânia. No Brasil, armados inicialmente com mísseis ar-ar de curto alcance Matra R-530, guiados por infravermelho, além dos dois canhões internos DEFA de 30 mm, os Mirage tinham a missão de defender o Planalto Central e a capital federal, Brasília. O seu primeiro voo nos céus brasileiros aconteceu em 27 de março de 1973.
Enquanto Anápolis foi por décadas a mais moderna base aérea da FAB, o Mirage IIIE foi a sua “Bala de Prata”. A frota dos caças de asas em delta incorporou tecnologias que antes simplesmente não existiam na Força Aérea, como radar embarcado, velocidade supersônica e mísseis ar-ar. Mas os anos se passaram e a era deste caça também. Em 31 de dezembro de 2005, o ronco dos jatos SNECMA ATAR 9C7/038 foram ouvidos pela última vez no Brasil. Acabara um legado de quase 33 anos de operação. Mas 2005 ficou marcado não apenas pela desativação dos Mirage IIIE/D. Em fevereiro daquele ano o Brasil anunciou o cancelamento do programa F-X, que tinha se iniciado oficialmente em 1º de
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HEIDER BETCEL, VIA 4º BAVEX
a r o d a c i l Multip
Q
uem estava nas praias do Rio de Janeiro se impressionou com o ronco da passagem de 15 helicópteros militares de cor verde escuro, que se destacavam no azul do céu sem qualquer nuvem. A formação incluía o AS.550A2 Fennec (HA-1), o AS.365K Pantera (HM-1), o H215 Cougar (HM-3) e o H225M Jaguar (HM-4). Naquele 14 de agosto, e nos dias que antecederam a abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016, a presença daquelas aeronaves foi muito além de marcar o início das ações de segurança e fazer o reconhecimento de rotas e pontos estratégicos e de interesse. Aquele sobrevoo a baixa altura mostrou, através da AvEx, a presença do Estado Brasileiro na garantia da segurança e da ordem na cidade do Rio de Janeiro, num momento em que muitos colocavam em dúvidas se o Brasil conseguiria sediar um evento mundial e de grande visibilidade sem que houvessem atentados terroristas ou episódios disseminados de violência urbana. A de-
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monstração de força e de presença foi extremamente positiva e, passada a realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, mostrou que toda a preparação prévia cumprira todos os seus objetivos. Nenhum incidente marcou os Jogos. Pelo contrário. Ao término, apesar de todos os problemas de infraestrutura e alheios às Forças Armadas, o evento ficou marcado na história como sendo de sucesso e positivo.
PROJEÇÃO NACIONAL E INTERNACIONAL
Nenhuma operação do Exército Brasileiro (EB) acontece hoje sem a presença do helicóptero. Se o meio aéreo não está fisicamente presente na área de atuação, ele está de alerta e com tripulação preparada para intervir prontamente a qualquer momento. De fato, hoje, nenhum comandante militar sequer consegue planejar uma operação sem contar com o apoio aéreo. É impossível descrever em algumas
linhas o impacto que a Aviação proporcionou no EB, a sua importância e magnitude. Com a AvEx, o Exército passou a contar com mobilidade, a capacidade de fazer reconhecimento de extensas áreas, de suprir seus próprios batalhões, buscar e resgatar, e evacuar feridos, entre outras missões. Os rotores da AvEx multiplicam o moral, a Inteligência, o treinamento, a experiência e a força da tropa num cenário de combate real ou na vigilância de fronteiras e na garantia da soberania nacional. Para a Nação, também auxiliam nas missões humanitárias de vítimas de catástrofes naturais, levando assistência médica e hospitalar para populações afastadas, apoiando as Forças auxiliares no combate à pirataria, contrabando e drogas. Na política externa, contribui constantemente para manter o papel de liderança regional do Brasil, desde sua participação da Missão de Observadores Militares Equador-Peru (MO-
! a ç r o f e d No ano em que completa três décadas de existência, acompanhe um panorama da Aviação do Exército (AvEx) hoje e as projeções de futuro a médio prazo, que a colocarão como a mais bem equipada da América Latina. Por João Paulo Moralez.
O HM-2 Blackhawk possui papel fundamental para a operação da AvEx na Amazônia através do 4º BAvEx.
MEP), fazendo os voos de demarcação da fronteira entre esses países, até as mais recentes Operações Liberdade 1, 2 e 3, apoiando o Comitê Internacional da Cruz Vermelha no resgate de 14 pessoas e os restos mortais de uma 15ª que estavam em cativeiro do grupo terrorista e guerrilheiro Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Além disso, alunos de países da América do Sul, como a Bolívia, por exemplo, são formados pelo Centro de Instrução de Aviação do Exército (CIAvEx). “Atuando em todo o território nacional, a AvEx contribui para a mobilidade tática da Força terrestre, possibilitando a ação dos diversos vetores nos locais mais longínquos, com oportunidade, garantindo a presença do Estado Brasileiro. Essa atuação também se dá apoiando ações do Governo Federal, notadamente nos locais mais carentes, como a faixa de fronteira e localidades isoladas, fortalecendo a Soberania Nacional. Nesses espaços, a
presença do helicóptero é, muitas vezes, o único meio para se obter uma rápida e segura ligação com o restante do território nacional”, explica o General de Brigada Luciano Guilherme Cabral Pinheiro, comandante da AvEx. A AvEx está inserida no contexto da Força de Ação Rápida Estratégica (FAR), que se compõe de unidades de elite do EB capazes de serem acionadas, reunidas e empregadas com mobilidade e num curto espaço de tempo em qualquer ponto do país, prevenindo uma ação do inimigo ou reagindo caso o país sofra uma agressão. Dentre as unidades que compõe a FAR está o Comando de Aviação do Exército (CAvEx). Entre as várias situações em que os rotores da AvEx podem ser empregados, destacam-se ainda aquelas de combate ao terrorismo, preocupação crescente no cenário regional atual. E para que estejam aptos a voarem nesse tipo de missão é necessário que a AvEx participe constantemente de treinamentos conjuntos
com as demais unidades da FAR, como o Comando de Operações Especiais, 12ª Brigada de Infantaria Leve (Aeromóvel) e a Brigada de Infantaria Paraquedista. Nos Jogos Olímpicos, foram 28 helicópteros empregados diretamente nas ações de defesa, segurança e antiterror, além de outras aeronaves, que permaneceram de sobreaviso caso fossem acionadas. “A AvEx contribuiu decisivamente para o sistema de comando e controle, empregando suas aeronaves dotadas com o equipamento ‘Olhos da Águia’. Esses helicópteros voaram inclusive à noite com óculos de visão noturna (OVN), garantindo a consciência situacional ininterrupta do comando da operação. Além disso, caso houvesse necessidade de emprego, foi constituída uma força de helicópteros associada a tropas especiais em condições de decolagem permanente para vários pontos estratégicos da cidade, garantindo uma reação imediata a qualquer eventualidade”, completa o General Guilherme.
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Caçando submarinos com as
Corujas O dia chegara ao fim, mas a rotina de trabalho daquela tripulação do HS-1 estava só começando.
A
chegada da tripulação ao Sikorsky SH-16 Seahawk acontece pontualmente às 17h50. Os pilotos abrem as portas do cockpit e colocam nos assentos os seus equipamentos de voo para iniciarem a minuciosa inspeção externa da aeronave. Olham cada detalhe na fuselagem, sobem e analisam o rotor principal, abrem a carenagem dos motores e seguem para o rotor de cauda, abrindo tampas de acesso a engrenagens e sistemas vitais do helicóptero. São 20 minutos realizando todo esse procedimento. Concluída essa etapa, cada um assume seu lugar na cabine de comando, onde um extenso checklist é inicia-
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do e todo o processo, até ser finalizado, leva outros 20 minutos. Às 18h30, o SH16, com código de chamada “Guerreiro 36”, decola para a sua missão, que terá mais de duas horas de duração. A luz do dia é escassa e em pouco tempo o helicóptero mergulha na imensidão da noite. Pela janela do lado direito, olhando para fora, a escuridão é plena. É impossível enxergar a olho nu a linha do horizonte, que separa o céu da vastidão do Atlântico Sul. Do lado esquerdo da cabine de carga, um carretel guarda 500 m do cabo que comanda o potente sonar Helicop-
ter Long Range Active Sonar (Helras), da L3 Communications. É o principal sistema que será utilizado nessa missão – a de caçar e combater submarinos (ASW) que estejam invadindo em patrulha as águas da costa brasileira. Um pouco a frente, a poucos centímetros de distância do sonar, dois operadores olham atentamente para os consoles que estão diante dos seus olhos. Um deles é o Acoustic Sensor Operator (ASO, operador de sensores acústicos), que controla o sonar da aeronave, enquanto o outro é o Tactical Sensor Operator (TSO, operador de sensores táticos), que fica com o radar, o sistema de captação de imagens convencionais e por infravermelho e o sistema de medidas eletrônicas de apoio (ESM, Eletronic
TODAS AS FOTOS DO AUTOR
O combate a submarinos por helicópteros é uma das missões mais complexas e difíceis a ser realizada por um esquadrão naval. Além de requerer aeronaves com sistemas de voo e armamento específicos para cumprir essa tarefa, exige uma qualificação extrema dos seus tripulantes. Acompanhamos com exclusividade um desses voos, que você confere nesta reportagem de João Paulo Moralez
Support Measures). Exceto pelo barulho dos rotores e motores, o silêncio é absoluto. Não há espaço para conversas. As suas faces estão verdes, refletindo a luz emitida pelos botões e pela lanterna que ilumina a estação de cada um. Evitando alguns obstáculos, sigo lentamente para frente, por dentro da aeronave em voo. Os pilotos também refletem a cor verde do ambiente. Concentrados na missão, é possível enxergar na viseira transparente do capacete o brilho das telas do painel. No rádio é conversado apenas o fundamental. Em frases curtas, técnicas e específicas, pilotos e tripulantes informam cada ação que vão tomar. Já não sei onde estamos.
Apenas que voamos baixo sobre algum ponto do Atlântico Sul, a mais de 40 km de distância da costa do Rio de Janeiro. O Guerreiro 36, do 1º Esquadrão de Helicópteros Antissubmarino (HS-1, ver ASAS 74) da Marinha do Brasil (MB) é acompanhado por outro SH-16, o N-3033, fazendo este a nossa segurança e resgate caso alguma emergência ocorra. A 50 m de altura, a aeronave inicia uma curva bem aberta e suave à esquerda, então perdendo velocidade até pairar sobre o mar. A altura sobre a água vai diminuindo até chegarmos a parcos 25 m sobre a superfície. Numa troca de frases entre os pilotos e um dos operadores dos sensores do SH-16, o Helras é arriado a 100 m de
profundidade. Essa descida até o toque na água é acompanhada pelo sistema de captação de imagens por infravermelho Raytheon AN/AAQ-44, que é operado pelo outro tripulante, sendo possível enxergar a superfície encrespada do mar. Ao mesmo tempo, o operador faz uma varredura de 360º, buscando possíveis embarcações ao seu redor. Em pouco tempo, um sinal é recebido pelo sonar e a tripulação localiza a direção do contato. Trata-se de um petroleiro, cuja posição é confirmada pelo infravermelho, pois o sonar também possui capacidade de detectar ruídos emitidos por navios de superfície. Depois de concluir as buscas, o sonar é recolhido e o helicóptero segue para outra área. Outros quatro
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Proporcionando poder de Fogo Embora muitos modelos militares sejam previstos para operar com armamentos desde a sua concepção, não são todos; e há os aviões e helicópteros militares que não “nasceram armados”. Seja como for, uma escolha de sistemas de armas é um processo complexo, que deve ser feito com cautela, optando-se por sistemas práticos, simples e extremamente confiáveis. Neste segmento, a FN Herstal especializou-se em projetar e produzir armamentos robustos e versáteis. Conheça sua atuação nesta reportagem de João Paulo Moralez.
uando a Embraer e a Força Aérea Brasileira (FAB) conceberam o EMB-312 Tucano, no final dos anos 70, sua missão principal era a de treinador avançado, substituindo os jatos norte-americanos Cessna T-37C na instrução na Academia da Força Aérea (AFA). Mas, bem além de tal missão, o Tucano tornou-se um sucesso mundial, por vários motivos - tinha custo de aquisição e operação baixo (principalmente, se comparado aos jatos dedicados à mesma missão), era manobrável, tinha assentos ejetáveis para os pilotos e uma arqui-
Um Embraer EMB-312 Tucano da Fuerza Aérea del Peru armado com dois FNHMP 250 LCC.
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tetura de cockpit que se assemelhava aos caças e aviões de ataque de terceira geração. O posicionamento dos instrumentos nos painéis; a configuração dos assentos em tandem; o canopi em peça única; o acionamento do motor pressionando apenas um botão; e o controle da potência feita com uma única manete (ao invés de três como no padrão em quase todas as aeronaves turboélice) eram características que colaboraram para essa proximidade com os
caças da época. A qualidade do treinamento avançado nas 13 forças aéreas em que foi operado melhorou, assim como a transição do piloto militar para os caças supersônicos foi facilitada a custos muito mais baixos, já que antes esses voos eram feitos em jatos subsônicos mono ou bimotores. Porém, o Tucano revelou-se também uma excelente plataforma de ataque e assumiu essa missão de combate em quase todas essas nações. Através de quatro pontos fixos sob as asas, era
FAP
Q
AUTOR
Um AS.350A2 Fennec (HA-1) da Aviação do Exército equipado com o FN Heavy Machine Pod (HMP) 250 LCC.
possível carregar até uma tonelada de armamentos convencionais – não guiados – entre bombas, lançadores de foguetes e pods de metralhadoras. O resultado foi tão surpreendente e positivo que o Tucano acabou tornando-se o “caça” de algumas Forças Aéreas, graças à sua manobrabilidade e a capacidade de receber armas como metralhadoras. A Mauritânia, Paraguai, Peru e Honduras são casos típicos. Esses dois últimos países, por exemplo, possuem uma lista superior a 60 aeronaves leves a serviço dos narcotraficantes abatidas, todas somente pelos Tucano. A FAB manteve o Tucano como aeronave de interceptação e ataque leve em esquadrões cuja missão prioritária era a segurança do espaço aéreo brasileiro nas fronteiras. Também foram usados para desativar pistas clandestinas na Amazônia. Mas, no emprego tático, o Tucano, sozinho, não conseguiria esse alto padrão de eficiência sem a qualidade e a robustez dos sistemas de armas adotados. Particularmente, os pods de metralhadoras da FN Herstal contribuíram sobremaneira para isso.
127 ANOS DE HISTÓRIA
As atividades da Fabrique Nationale d’Armes de Guerre foram iniciadas 3 de julho de 1889 na cidade de Herstal, pró-
xima a Liège, na Bélgica, para produzir 150 mil fuzis Mauser Model 89 para as forças nacionais. Iniciava-se ali a história de sucesso de uma das mais importantes indústrias de armamentos do mundo, que equipou as Forças Armadas dos cinco continentes e influenciou no desenvolvimento de outras empresas bélicas, como a própria IMBEL no Brasil. No início dos anos 1890, a empresa começou a desenvolver munições e, pouco tempo depois, fechou uma parceria com um dos maiores projetistas de armamentos da história da Humanidade – o norte-americano John M. Browning. A Fabrique Nationale (FN) tornou-se mundialmente conhecida com os rifles BAR desenvolvidos nos anos 20. Em 1935, a pistola FN High Power de 9 mm, projetada por Browning e pelo belga de renome Dieudonné J. Saive entrou em produção e foi mais um grande marco da companhia, sendo usada até os dias de hoje. No período pós-Segunda Guerra Mundial, a empresa continuou desenvolvendo armas e munições, sendo que talvez o mais importante produto tenha sido o fuzil de assalto FN FAL, de calibre 7,62 mm. É, sem dúvida, o mais adotado em todo o mundo, pareando com o russo AK-47 Kalashnikov. O FAL é o fuzil padrão do Exército Brasi-
leiro desde a década de 60 e no Brasil, através da IMBEL, deu origem a fuzis de outros calibres, como o MD-97 de 5,56 mm e que equipa muitas polícias estaduais brasileiras. E a empresa também participou do desenvolvimento da munição que se tornou padrão para os fuzis de assalto dos países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) – o 7,62x51 mm. No início dos nos 70, a empresa conquistou grandes marcos, como a aquisição da norte-americana Browning Arms Company, ampliando assim o seu acesso ao mercado dos EUA e, de certa forma, sua presença global. Ao mesmo tempo, conforme expandia a sua atuação e diversificava sua linha de produtos, o seu nome foi alte- rado para Fabrique Nationale d’Herstal (ou FN Herstal), época em que projetou as metralhadoras FN MAG de 7,62 mm e a família FN M3 de calibre .50 polegadas. Esses dois armamentos permitiram a criação de novos produtos destinados para a aviação militar. Eram os sistemas montados em pods (casulos) subalares ou em pedestal com reparo para atender os aviões e helicópteros militares. Mas aquela não era a primeira vez que a FN Herstal desenvolvia sistemas para a aviação militar. Várias
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Versatilidade, confiabilidade e desempenho a custos mais baixos
O Dornier 228 reúne características difíceis de se verem todas numa mesma aeronave utilitária para operadores militares ou civis, como bom desempenho, capacidade e versatilidade, a um baixo custo operacional. Por Santiago Rivas.
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om um país do tamanho do Brasil e com uma enorme área coberta de floresta amazônica, o transporte aéreo torna-se um meio vital para chegar a áreas isoladas em um curto espaço de tempo. E a Amazônia está no foco da geopolítica brasileira, com muitas medidas já tomadas, e outras a o serem, para garantir a soberania em suas áreas mais afastadas, evitando também a realização de práticas e atividades ilegais ao longo de toda a sua fronteira. Dentro desta realidade, por exemplo, da Bolívia à Guiana Francesa, em solo, 25 Pelotões Especiais de Fronteira e duas Companhias Especiais de Fronteira do Exército Brasileiro fazem parte de um conjunto de ações que visam à manutenção dessa segurança. A maior parte desses pelotões pode ser alcançada por rio, e os que não o podem, o são por via aérea. Mas mesmo para aqueles aces-
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síveis pelas vias fluviais, o deslocamento leva muitos dias para ser concluído e, de acordo com as condições dos rios, essa via pode ficar inviável durante alguns períodos do ano. Hoje, a única unidade da Aviação do Exército (AvEx) na Amazônia é o 4º Batalhão de Aviação do Exército (4º BAvEx) em Manaus, numa posição que o coloca bastante longe da fronteira. E isto se agrava com o fato da unidade operar apenas helicópteros, impondo restrições de autonomia e tempos estendidos para os voos até a fronteira. Por outro lado, tais pelotões e companhias podem contar com o apoio dos aviões da Força Aérea Brasileira (FAB). Entretanto, o atual cenário de crise no país e as reduções orçamentárias estão sendo complicadores nesta tarefa, uma vez que a FAB acaba tendo de concentrar os ativos disponíveis em suas próprias necessidades. Além dis-
so, ao chegar aos 30 anos, a AvEx também vem sentindo a necessidade, para diversas missões, de uma aeronave de asa fixa utilitária multifuncional. Fruto de tudo isso, o Exército Brasileiro (EB) criou, em 2014, um Grupo de Trabalho para emitir os Requisitos Operacionais Básicos para uma aeronave de asa fixa de classe leve a média, para apoiar as unidades de fronteira isoladas, e outras missões, com uma definição a ser tomada, provavelmente, em 2018. O tipo de operação, que inclui voar grandes distâncias sobre a floresta, parece determinar que a aeronave deva ter mais de um motor (uma vez que são mínimas as possibilidades de pouso forçado em caso de falha no motor). Além disso, que o modelo tenha boa velocidade para reduzir o tempo de voo – crucial em missões de evacuação aeromédica. Neste sentido, independente
A decolagem STOL é fundamental para operações em regiões de fronteira sem infraestrutura de solo.
de um posicionamento oficial, vamos em ASAS analisar os modelos disponíveis no mercado mundial, capazes de satisfazer as necessidades do EB e da AvEx de uma aeronave de asa fixa – começando aqui pelo RUAG Dornier 228, modelo surgido em 1981 e colocado em produção no ano seguinte pela alemã Dornier GmbH, e que hoje tem sua mais avançada versão desenvolvida e produzida pela RUAG, da Suiça.
res, com semelhantes capacidades de transporte de cargas. Todos, porém, possuem a mesma velocidade de estol. “Velocidade é importante numa missão de evacuação, quando a vida de alguém depende de minutos. Esse avião
torna possível essa tarefa, de transportar uma pessoa num menor espaço de tempo, podendo levar ainda médicos e equipes de saúde”, observa o Major Elio Hernández, comandante do Escuadrón de Vuelo Nº 91, da Força Aérea da Venezuela, um dos principais operadores do Dornier 228 na América Latina. A maneira como os venezuelanos operam o modelo, aliás, tem diversas similaridades com a operação que um avião adotado pela AvEx deverá ter no Brasil, como o de prestar apoio a comunidades indígenas ou populações isoladas, onde o local de pouso e decolagem é uma minúscula pista sem qualquer tipo de apoio e infraestrutura. O tamanho do avião também é bastante relevante, uma vez que a Amazônia brasileira possui pistas rudimentares, estreitas e com instalações pequenas. Assim, a operação de aviões maiores torna-se um empecilho ou até impossível de ser feita em alguns ca-
TODAS AS FOTOS DO AUTOR
Um Dornier 228 venezuelano, prestando apoio para a população de uma comunidade isolada.
As portas de passageiros e de cargas permitem fácil acesso à parte interna do avião sem a dependência de infraestrutura de solo.
DORNIER 228
Muitos dos aviões disponíveis com capacidade de pouso e decolagem em pistas curtas (STOL) possuem baixa velocidade de cruzeiro, abaixo dos 370 km/h, enquanto o Dornier 228 se destaca por ser o único a atingir 413 km/h no mesmo regime de voo – comparado aos 337 km/h e 270 km/h dos seus principais competidores bimoto-
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O Ninho de Falcões
do Baikal R
DMITRY CHISTOPRUDOV/CORTESIA IRKUT CORP
esponsável pela produção de um dos jatos que formam a espinha dorsal da modernizada Força Aérea russa, o Sukhoi Su-30SM, a planta aeronáutica em Irkutsk foi criada no coração da Sibéria em 28 de março de 1932, a cerca de 5.000 km a leste de Moscou, com o nome de Fábrica de Aviação Nº 39 “V.R. Menzhinsky”. A localização remota facilitava o sigilo das instalações, deixando-as longe dos olhares
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Com uma tradição que remonta ao nascimento da indústria aeronáutica russa, a fábrica da Irkut, às margens do Lago Baikal, produz hoje alguns dos mais avançados jatos militares do mundo. Venha conosco, conhecê-la por dentro e ver seus segredos! Texto de Claudio Lucchesi.
estrangeiros, e rapidamente cresceu o complexo industrial próximo do Lago Baikal. Na estrutura da indústria aeronáutica soviética, as equipes de projetos (os OKB) atuavam de modo independente das fábricas em si, cabendo ao órgão de aviação do governo selecionar os programas de aeronaves que passariam à produção em série – e em qual fábrica (ou várias delas). O primeiro tipo construído na fá-
brica foi um pequeno caça, o Tupolev ANT-31 (I-14), que teve produção bastante limitada, de 1935 a 1937, mas com a degradação da situação mundial, incluindo a ascensão de Adolf Hitler na Alemanha, foi acelerado o processo de modernização da aviação militar soviética. Em Irkutsk, em 1936-1940, seria produzido um bombardeiro bimotor muito veloz e moderno em sua época, o Tupolev SB, o qual foi seguido, nas li-
CORTESIA IRKUT CORP
Vista aérea do complexo industrial da Irkut Corp, em Irkutsk, na Sibéria (Rússia).
nhas de produção pelos bombardeiros Ilyushin Il-4 (e sua versão melhorada, Il-6, em 1939-1945) e Petlyakov Pe-2 (1940-1945), além de um pequeno lote da versão de caça pesado deste último, Pe-3 (apenas em 1941). Ainda durante a guerra, decidiu-se retomar a produção do bombardeiro pesado Yermolayev Yer-2, e isto foi feito também em Irkutsk, em 1944-1945. Produzindo bombardeiros, aeronaves de maior alcance que caças, a grande distância até Moscou (e para a linha de frente) não era problema. Por outro lado, mesmo no auge do avanço germânico, no verão de 1942, a fábrica continuava bem além do alcance dos bombardeiros da Luftwaffe (Força Aérea alemã). O fim da 2ª Guerra Mundial apenas sinalizou o advento de um outro confronto, a Guerra Fria. Novamen-
te, a localização remota era vantajosa, mantendo a fábrica longe dos “olhos curiosos” do Ocidente. A tradição de bombardeiros e tipos maiores foi mantida, e aos Il-4 e Pe-2 se sucederam nas linhas de montagem os Tupolev Tu-2 (1946-1950), Tu-14 (1948-1953), Ilyushin Il-28 (1953-1056) e Yakovlev Yak-28 (1960-1972). As instalações foram ampliadas nas décadas de 1950 e 1960, e em paralelo aos tipos de combate, foram produzidos também os tur-
boélices de transporte Antonov An-12 (1957-1962) e An-24T (1967-1971). Mas, terminada a década de 1960, ocorreu uma alteração fundamental na “tradição” da fábrica, com esta assumindo, em 1970, a produção da versão biplace (UB), de instrução avançada e conversão operacional do caça supersônico MiG-23 (até 1978). Três anos depois, numa linha paralela, passava a ser produzida a variante de ataque do caça, o MiG-27 (até 1983). Assim, a planta
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24 e 25 de setembro de 2016
Wonsan Air Festival A Coreia do Norte abre suas portas
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m fevereiro deste ano, a República Popular Democrática da Coreia (ou, como é popularmente conhecida, a Coreia do Norte) anunciou que realizaria o primeiro show aéreo de toda a sua história, sendo aberto a um seleto número de convidados estrangeiros. Era difícil de acreditar que um dos países mais fechados do mundo, comandado pelo ditador Kim Jong-Un (polêmico pelas suas atitudes e declarações), realmente abriria as portas do “seu” país para estrangeiros, puramente para o entretenimento – e num evento ligado à aviação! Especialmente quando foi noticiado que a Força Aérea do Exército Popular da Coreia estava planejando participar, mostrando aqueles que talvez sejam hoje os aviões militares “menos expostos” do planeta. Afinal, as Forças Armadas norte-coreanas estão entre as mais secretas e que mais impõe limitações de acesso aos seus equipamentos militares
para estrangeiros. Exceto por algumas ocasiões muito (mas muito) especiais, nunca os ocidentais tinham sido autorizados a fotografar aeronaves militares norte-coreanas antes. Junto disso, dado o fato de que a Coréia do Norte nunca sediou um evento como este anteriormente, ninguém que viajou para o show realmente sabia o que esperar. Apesar de um calendário completo ter sido divulgado nas semanas anteriores, quanto do prometido seria cumprido era uma dúvida real. Chegando ao Aeroporto Internacio-
A decolagem de um Antonov An-24B, que possui uma tripulação de voo de quatro pessoas no cockpit e 50 assentos para passageiros.
nal de Kalma era possível ver os abrigos especialmente construídos para abrigar 10 jatos MiG e Sukhoi, estacionados e preparados para o evento. Todos perfeitamente visíveis e recém-pintados, em esquemas de camuflagem em dois tons de cinza na parte superior e azul na barriga. A partir daí, ficou claro que os coreanos tinham se comprometido plenamen-
A decolagem com pós-combustor de dois MiG-21bis. O “Fishbed” (codinome da OTAN) ainda é, em quantidade, o mais importante caça norte-coreano, com uns 25 MiG-21 em serviço, mais cerca de 120 de sua variante chinesa, Chengdu J-7. Outro caça importante em serviço é o MiG-23, com uns 50 em inventário.
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Ainda que tenha feito uma exibição mais conservadora, sem manobras de grande desempenho, o voo do MiG-29S foi um show a parte. Os primeiros exemplares foram entregues à Coreia do Norte em 1988, ainda pela União Soviética. Muitas das “numerações” destes caças são homenagens a datas importantes do país: o aparelho “415”, por exemplo, se refere ao aniversário do líder Kim II-Sung, 15 de abril (de 1912). E outra curiosidade – o grande retângulo vermelho com inscrições, junto ao cockpit, visível na foto, diz que o exemplar foi “inspecionado” pelo atual líder do país, Kim Jong-Um (neto de Kim II-Sung), no ano passado (2015).
te com um fim de semana de entretenimento, tanto no ar como no chão. Para os convidados especiais, o show aéreo era apenas uma parte do festival, que também incluiu uma performance teatral no Wonsan Youth Theatre na noite de sábado e uma dança na noite seguinte. Um festival (norte-) coreano de cerveja (acredite se puder!) também aconteceu em ambos os dias! O evento aéreo foi aberto com a passagem e demonstração de quatro helicópteros McDonnell Douglas MD.500, que voaram em formação e se
exibiram para o público. Curiosamente, estes aparelhos foram adquiridos ilegalmente, utilizando-se intermediários para se burlar o controle norte-americano. Na sequência vieram os jatos de ataque Sukhoi Su-25 (o mais recente vetor de ataque tático, com cerca de 30 em operação) e depois, a demonstração de um MiG-29 (hoje, o mais moderno caça do inventário norte-coreano, com estimados 35 jatos). Já na exibição das aeronaves civis, a companhia aérea estatal Air Koryo apresentou-se com os Tupo-
lev Tu-134 e Tu-154. Depois de decolarem, fizeram passagens à baixa altura e toque e arremetida. No segundo dia, um grupo pôde pagar para voar em aeronaves da frota da Air Koryo – exceto os Tu-204 e Antonov An-148, proporcionando a chance de voarem em tipos raros ainda em operação – como o próprio Tu-134. E, da mesma forma, foram oferecidos passeios nos Nanchang Y-5 (versão chinesa do Antonov An-2) e Mi-8. Esses modelos estavam camuflados e (claro!) com marcações norte-coreanas.
De maneira geral, os aviões tinham aspecto de novos e estavam muito bem conservados. Aqui, dois, Sukhoi Su-25 sobrevoam a pista. Outros jatos de ataque da Coreia do Norte são os Sukhoi Su-7 (cerca de 18 em serviço) e Shenyang F-5 (uns 100), a versão chinesa do MiG-17.
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e e c i b u d r a P e v o l a r K c e Hrad
Shows nos Céus Tchecos Por Martin Novak, direto da República Tcheca
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ste correspondente, que se orgulha de ser um dos mais antigos de ASAS na Europa, esteve neste verão nos dois shows aéreos de maior prestígio da República Tcheca, o 26th Aviation Fair, no Aeroporto de Pardubice, e o 23rd CIAF (Czech International Air Fest), no Aeroporto de Hradec Kralove. Tanto Hradec Kralove quanto Pardubice estão a cerca de 100 km a leste da capital tcheca, Praga, mas os cenários entre eles são bastante diversos. Enquanto a Aviation Fair é mais dirigida aos warbirds e aeronaves clássicas (incluindo réplicas), o CIAF se concentra em tipos militares e jatos de alta performance. Seguindo uma tradição local, os shows foram abertos com passagens baixas de aeronaves da Força AéHradec Kralove.
rea Tcheca. Dois aparelhos exibindo pinturas especiais, cativantes ao olhar, fizeram sua estreia este ano – um Gripen do 211º Esquadrão (unidade membro da NATO Tiger Association) e um Mi-24 do 221º Esquadrão (outro membro da associação citada), este com uma pintura chamada “Tigre Alien” (baseada no clássico filme de terror sci-fi, com Sigourney Weaver). Em Pardubice, as aeronaves da equipe Flying Bull, acompanhadas de belas promotoras, são participantes regulares, e este ano se fizeram presentes com B-25, F4U Corsair, Alpha Jet, Bo-117 e DC-3, todos vindos da base do grupo, na Áustria. E a Aviation Fair também é unica entre as feiras aéreas graças aos espaços histórico-temáticos, onde ocorrem performances de encenação com “tropas” e diversos tipos de veículos – como tanques T-34, sobretudo das duas Guerras Mundiais. Das aeronaves, é difícil dizer qual atrai mais a atenção – os visitantes sempre
se deslumbram com os Spitfire e P-51 Mustang, mas este ano, um Catalina e, sobretudo, um Me-262 Schwalbe (um dos exemplares réplica, em condições de voo), foram com certeza as “aves” que dominaram os céus de Pardubice. É bom que cada vez mais tchecos (entre os que podem fazer isso, claro) venham utilizando suas reservas financeiras para preservar aeronaves históricas. Por isso, a frota vem crescendo no país – P-51 Mustang, Beech 45, T-6 Texan (com um exemplar visto, num belíssimo esquema antigo da Força Aérea sul-africana) e mesmo um Lockheed Electra, este numa bela pintura da BATA, fabricante de calçados (conhecida inclusive aqui no Brasil, também), entre os melhores exemplos. Hradec Kralove costumava ser uma base da Força Aérea, e o MiG-15 colocado diante da antiga torre de controle é um monumento àqueles velhos tempos. No evento, a Força Aérea tcheca exibiu todos os tipos de seu inventário atual,
A antiga torre de controle de Hradec Kralove, com o MiG-15.
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Sukhoi Su-27P1M, Força Aérea da Ucrânia, em Hradec Kralove.
TODAS AS FOTOS DO AUTOR
Pardubice.
e o público teve a oportunidade de ver uma demonstração da equipe de helicópteros de combate (Mi-171 e Mi-24), assim como a simulação de um ataque ao solo de dois jatos Aero L-159 Alca. Além disso, havia diversos “visitantes” externos muito interessantes – um OV-10B Bronco oriundo da França, mas ostentando marcações do US Marine Corps, como as usadas na Guerra do Golfo; um supersônico Tornado da Força Aérea alemã (Luftwaffe), que ficou apenas na mostra estática; o bimotor polonês PZL M28 Bryza e um Agusta A109 belga, num belíssimo padrão de pintura de “lobo”; mas a estrela do show veio mesmo foi da Ucrânia. Foram dois Sukhoi Su-27, operativos da Força Aérea ucraniana, que chegaram acompa-
nhados de um Antonov An26, com “boca de tubarão”. Os caças haviam visitado os céus tchecos há três anos e, de fato, os dois exemplares de agora eram da mais recente modernização ucraniana do modelo, um Su-27P1M (monoplace) e um Su-27UB1M (biplace). As exibições de tirar o fôlego, com as sempre impressionantes manobras “Cobra” e “Bell”, e ainda os lançamentos de flares, arrancaram grandes aplausos do público. Enfim, as imagens falam bem mais que as palavras. Portanto, boa curtição!
Yakovlev Yak-3, em Pardubice. Está nas cores do Regimento Normandie-Niémen, de voluntários franceses que lutaram junto à Força Aérea soviética na 2ª Guerra Mundial.
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