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AGOUROS DA ÁGORA

AGOUROS DA ÁGORA

SELEÇÃO OU GAZETAS

PRIVILÉGIO DE CLASSE?

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por Ana Luiza Oliveira

Olivro Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, descreve uma distopia que se passa no ano de 2540. Nele, são descritos vários campos de uma sociedade completamente dominada pela tecnologia como, por exemplo, o chocante “Centro de Incubação e Condicionamento”, onde ovários e espermatozóides são hiperdesenvolvidos para gerar até 63 pessoas idênticas em uma única fecundação. Em certo estágio do desenvolvimento dos fetos, alguns recebem uma quantidade mínima de oxigênio para que não desenvolvessem seus cérebros completamente. Isso porque foram escolhidos para viver em castas mais baixas, em trabalhos “inferiores”. Huxley, nesse trecho do livro, descreve uma aplicação futurística de algo que foi explicado por teorias no passado e acontece “naturalmente” no cotidiano, uma “predestinação” baseada na eugenia, que separa pessoas como “bem ou mal nascidas”. No século XVIII, a Revolução Industrial trouxe muitas mudanças ao cenário

mundial. As novas tecnologias aplicadas no meio de trabalho e na medicina aumentaram a expectativa de vida do homem e diminuíram a taxa de mortalidade infantil. Essas alterações culminaram no aumento da população mundial, o que preocupou muitos estudiosos da época. Um deles foi Thomas Robert Malthus, pastor anglicano e professor de História Moderna, que analisou de forma pessimista as mudanças globais. Em sua obra Ensaio sobre o Princípio da População, ele explica que o crescimento populacional aumentaria em Progressão Geométrica (multiplicação), enquanto a produção de recursos se amplificaria em Progressão Aritmética (adição), de forma insuficiente para todas as pessoas. Para regular o desequilíbrio, a Teoria Malthusiana defende a necessidade de guerras, catástrofes, epidemias e a abolição da ajuda aos pobres, pois assim essa classe social diminuiria de forma “natural”. Em outras palavras, Malthus defendia que a população pobre deve continuar pobre e propensa a morrer mais cedo, assim equilibrando o cenário global para as classes mais altas. No século XIX, como consequência da Revolução Industrial, houve um grande desenvolvimento do conhecimento científico. Em 1859, Charles Darwin desenvolve a teoria da “Seleção Natural”, que apresenta a evolução das espécies por meio de uma seleção em que características mais aptas ao ambiente prevalecem e são repassadas aos descendentes, enquanto características menos aptas não são repassadas e acabam sendo extintas. Entre os séculos XIX e XX, o Darwinismo começou a ser aplicado socialmente, defendendo a existência de capacidades mentais e culturais de alguns povos como superiores, enquanto outros povos eram inferiores e não deveriam continuar existindo. O “Darwinismo Social” foi uma das justificativas para o neocolonialismo, por exemplo, definindo a cultura europeia como desenvolvida e as culturas africanas e asiáticas como primitivas. As consequências da aplicação do Darwinismo Social podem ser observadas atualmente. A desvalorização das culturas dos países da parte sul do planeta, quando observado pela Nova Ordem Mundial, é resultado de um processo histórico enraizado na supervalorização da cultura europeia, que influencia toda a parte norte do planeta. Ao analisar essas teorias já descartadas pelo meio científico e a descrição futurística de Admirável Mundo Novo, é possível classificar o século XXI como um período aparentemente conscientizado, que entende os conceitos básicos de humanidade. Porém, vários fatores educacionais, governamentais e sociais podem nos mostrar como, no geral, a sociedade ainda é eugenista e segregacionista. A Teoria Malthusiana pode ser observada quando pensamos na pandemia do COVID-19, que estamos passando agora. As ações em resposta ao crescimento do número de contaminações com o vírus abrangem as classes médias e altas da sociedade, excluindo as classes mais baixas. A campanha “Fique em casa” não pode ser aplicada a trabalhadores que não têm salário fixo e não podem evitar o contato com possíveis contaminados. A informação sobre os cuidados, medidas a serem tomadas e principais sintomas não chegam a todos, causando um “vazio institucional” que ainda não foi preenchido, como explica o professor Tarun Khanna, de Harvard, no curso “Empreendedorismo em Economias Emergentes”. Esse é um exemplo de ação que deixa as classes mais baixas vulneráveis a uma morte precoce, como Malthus sugeriu. O Darwinismo Social defende uma “seleção” que consiste num privilégio de classe baseado em ideias eugenistas, valorizando os “bem nascidos” e mantendo-os elitizados, enquanto os “mal nascidos” se mantêm na mesma classe. Um dos fatores que demonstram a presença dessa teoria em nosso cotidiano é a desigualdade social. O Coeficiente Gini, indicador desse fenômeno, tem aumentado no Brasil de 2012 a 2019, passando de 0,598 a 0,627. Enquanto o rendimento do 1% mais rico do país aumentou 8,4%, o rendimento dos 5% mais pobres diminuiu 3,2%. Isso nos mostra que as pessoas ricas se tornam cada vez mais ricas, enquanto os pobres se tornam cada vez mais pobres. A “seleção”, na verdade, é consequência de oportunidades e privilégios de classe. Quando pensamos sobre o passado em que essas teorias surgiram e o futuro imaginado por Huxley, podemos enxergar partes desses dois mundos compondo nossa realidade atual. A frase “Se queres prever o futuro, estuda o passado”, de Confúcio, mostra como o nosso passado nos aproxima de um futuro desumano. A mudança está em nossas mãos hoje.

Ana Luiza Oliveira é estudante do Curso Técnico integrado em Administração no Instituto Federal do Paraná - Campus Pinhais.

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