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Foto de Kurious no Pixabay

CONTRARREGRA

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O CORPO COMO ESCALA ESPACIAL

por Joseli Maria Silva e Marcio Jose Ornat

Há quinze anos nós trabalhamos como voluntários em uma Organização Não Governamental chamada Renascer. Esta instituição tem como uma de suas mais importantes ações, a luta pelos direitos humanos e cidadania

LGBTTQ+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queers e outrxs). Durante este tempo pudemos observar como o corpo é um dos elementos mais importantes para a constituição de identidades, bem como para o conforto social e psicológico dos seres humanos. Todas as pessoas vivem por meio de um corpo, mas apenas aquelas cujo corpo é percebido como algo que está ‘fora da ordem’ sentem o peso das marcas corporais que carregam. O corpo das pessoas, nesse sentido, é sempre relacional, já que é por meio da leitura social dos corpos que determinadas pessoas são posicionadas socialmente e economicamente. Quando nascemos passamos a fazer parte de uma organização social de valorização hierárquica de padrões de beleza, inteligência e outros atributos que não dependem de nós, mas de elementos de outras escalas que não controlamos. Ninguém é responsável pelas características corporais com as quais nascemos, mas seremos todos nós enquadrados a partir delas. Ter esta consciência é importante, porque temos que reconhecer a nós e aos outros como fazendo parte dessa matriz de poderes articulados que determinam posições de privilégios e prejuízos assimetricamente distribuídos socialmente. É muito comum as pessoas privilegiadas na matriz de poderes sociais não questionarem seus corpos. Algumas vezes escutamos pessoas dizerem: “Não tenho

culpa de ter nascido assim, um homem, branco, heterossexual e, portanto, não sou responsável pelas desigualdades so

ciais e econômicas!” Certamente, ninguém é responsável pelas características com as quais nasce e se constitui. Contudo, esta mesma pessoa também não fez ab

solutamente nada para a conquista dos privilégios de que desfruta em uma sociedade que valoriza a masculinidade, a brancura e a heterossexualidade. Da mesma forma, uma mulher, negra, lésbica, por exemplo, não é responsável por ter nascido com essas características, mas, ainda assim, recebe os prejuízos pelos quais não fez por merecer. Se a humanidade compreender que o problema não está nas características dos corpos em si, mas na forma como a sociedade as valoriza, podemos assumir que a sociedade deve ser transformada para distribuir de forma mais equitativa os privilégios que se concentram nas mãos de poucos. Então, ninguém é res

ponsável pela forma como nasceu. Mas, ao reconhecermos a existência de uma matriz social que distribui de forma desigual os privilégios e os prejuízos entre as pessoas, somos todos responsáveis pelo desmantelamento de hierarquias sociais e econômicas. Isso implica que aqueles que desfrutam dos privilégios concedidos gratuitamente atuem para promover aqueles que são também pre

judicados gratuitamente. Para isso, é preciso abrir mão de vantagens e benefícios, o que é um processo árduo e poucas pessoas que desfrutam da estrutura assim consolidada estão dispostas a fazê-lo.

O corpo humano é mais do que carne, ossos, órgãos e sangue, ele é elemento político com o qual estabelecemos uma série de negociações e batalhas na escala do indivíduo, mas também com outras escalas espaciais, seja nossa casa, bairro, cidade, país e outros países. Quanto mais uma pessoa concentra os marcadores corporais considerados desvalorizados na estrutura social, maior é a percepção corpórea e a necessidade de negociar com outras escalas

espaciais. Assim, não é de se surpreender que homens brancos heterossexuais dificilmente apontam desconforto com seus corpos ou barreiras espaciais provocadas por sua corporalidade. Para nós sustentarmos esta ideia de que o corpo pode ser um espaço, uma escala espacial específica em processo de negociação com outras escalas, trazemos a experiência de treze pessoas, adultas, todas brasileiras, brancas e que haviam migrado para Brighton no Reino Unido. Oito delas se declararam lésbicas, quatro gays e uma mulher transexual. Brighton é uma cidade conhecida como a capital gay do Reino Unido e é destino de muitas pessoas LGBTTQ+ que buscam ter aí uma maior aceitação de suas sexualidades. Apesar de a cidade ser amistosa e aberta para as sexualidades dissidentes da cisheterossexualidade hegemônica, a Inglaterra, como outros países do norte global, tem tornado as políticas anti-imigratórias cada vez mais austeras, trazendo outros desafios para os imigrantes LGBTTQ+ brasileiros. Assim, sua corporalidade aciona outros elementos de hierarquização, onde a nacionalidade brasileira atua como elemento constituidor de suas existências como imigrantes LGBTTQ+.

CORPO, ESPAÇO E PROCESSOS DE IMIGRAÇÃO

Os processos migratórios se intensificaram com o aumento das possibilidades de transporte aéreo e a expansão dos meios de comunicação já no final do século XX. O Reino Unido tem apresentado crescimento de sua população residente nascida em outros países, o que tem provocado a intensificação de ações para coibir o processo de imigração com um aumento de medidas restritivas para entrada de imigrantes, o que tem causado uma série de críticas em torno dos direitos humanos. Se por um lado, há retrocessos dos direitos humanos no que diz respeito ao processo de imigração, notadamente oriundo de países pobres, por outro, a Inglaterra apresenta grandes avanços de conquistas sociais para a população LGBTTQ+. Brighton é uma cidade de intensa atividade de militância em favor da cidadania sexual, sendo considerada a cidade mais acolhedora do Reino Unido para pessoas LGBTTQ+. As pessoas brasileiras que relataram suas histórias de vida evidenciavam que sua corporalidade era lida pela sua condição de imigrante, ao mesmo tempo de que a sexualidade, tão oprimida no Brasil, não se destacava em seu cotidiano em Brighton. Os corpos em deslocamen

to espacial são lidos e percebidos de formas diversas, dependendo de cada

tempo e lugar que se encontram. As experiências espaciais de imigrantes brasileiros vivendo em Brighton ultrapassam as negociações entre sexua

lidade, gênero e espaço e envolvem outras estruturas de poder marcadas pela raça/ nacionalidade e classe. Além da busca por melhores condições econômicas, estas pessoas expressam o desejo de viver mais livremente a sua sexualidade. Assim, eles desenvolvem negociações em torno de sua corporalidade, jogando com várias facetas identitárias. Exacerbam aquelas que lhes promove vantagens em determinados espaços e escondem outras que pode lhes colocar em situações de desvantagem. Ser um imigrante, significa ter marcas corporais que são lidas e interpretadas por uma cultura que lhe é estranha e com a qual deve se relacionar. Toda experiência humana é

corporificada e simultaneamente espacial. Os corpos são ativos, se constituem em espaços políticos por excelência, são tensionados pelas relações de poder e

são também lugares de resistência. As experiências de brasileiros em Brighton são simultaneamente corporais e espaciais. A escala do corpo pode ser

vivenciada de diferentes formas com outras escalas da cidade e do país, evidenciando um jogo de relações interescalares paradoxais.

SEXUALIDADES E ESCALAS EM JOGO NO PROCESSO DE IMIGRAÇÃO DE PESSOAS LGBTTQ+

Um traço comum entre as pessoas entrevistadas é que a saída do Brasil lhes proporcionou uma diminuição da pressão em torno de sua sexualidade. Das treze pessoas entrevistadas, apenas três delas relataram sua orientação sexual para a família e isso gerou tensionamentos. As demais pessoas entrevistadas nunca chegaram a abordar a sexualidade com a família, mas desconfiam que esse era um fato sabido, mas que era mantido em silêncio por todos. A sensação de insegurança de que sua sexualidade fosse “descoberta” pela família foi relatada com frequência. As razões da saída do Brasil para migrar para a Inglaterra envolvem a economia e o sonho de poder construir uma vida mais confortável. Contudo, essas razões aparecem sempre atreladas à necessidade de sentir-se melhor com sua própria sexualidade. No Brasil, a vigília para que o corpo não revele uma sexualidade que é francamente desaprovada socialmente é constante. O corpo, gestos, tom de voz e atração são relatados como controlados incessantemente. O corpo é uma escala espacial de negociação com outras escalas e em suas narrativas aparecem a casa dos pais ou os locais de trabalho em que o corpo está sempre tenso e sob vigilância. O corpo também é considerado uma espacialidade estratégica e tática e “esconde” ou “disfarça” as pessoas homossexuais para protegê-las de experiências de ódio e agressão por parte de uma sociedade homofóbica. Pensar o corpo como espaço, por meio da escala, é possível na medida em que se adota a postura de que as escalas não existem em um sentido ontológico, mas são construídas socialmente, configurando-se assim em um elemento epistemológico. A escala nada mais é do

que dispositivos mentais por meio dos quais nós categorizamos e damos sentido ao mundo e passamos a agir sobre ele. Sendo assim, a escala não existe em si, nós a concebemos.

Mesmo considerando a escala como construção social, a escala é adotada aqui como uma fronteira geográfica que rodeia determinados espaços particularizados, implicando, assim, diferenças. Embora socialmente construídas, as escalas instituem materialidades na realidade socioespacial e no comportamento humano. As escalas são móveis e mutáveis no tempo e espaço e também articuladas entre si por meio de relações de poder, como pode ser visto no relato a seguir. Girassol, acostumado a manter-se no “armário” no Brasil, não consegue de imediato estabelecer uma relação tranquila com a escala da cidade de Brighton, na qual as expressões de afeto entre pessoas do mesmo sexo são naturalizadas.

Quando eu cheguei aqui [em Brighton], uma das coisas que me surpreendeu muito foi que eu via casais gays de mãos dadas nas ruas, lésbicas e gays e eu falava assim ‘nossa, ninguém está notando? Ninguém?’ E eu me sentia incomodado e ao mesmo tempo feliz, não sei. Então eu falei ‘olha, que legal!’ Mas mesmo aqui, no meu primeiro trabalho, eu lembro que eu não falei que eu era gay. Foi num hotel. Eu não falei que era gay porque a gente acostuma se esconder. Mas as pessoas viam e falavam ‘ah, sei, você não é gay’. Eu dizia ‘não! Não sou gay!’ Demorou pra mim falar para as pessoas. Daí elas me

disseram ‘mas a gente já sabia que você era gay’. Daí desde então eu me senti eu mesmo! Isso é libertador. (Girassol, Gay, 35 anos. Entrevista realizada em Brighton em 15/02/2016)

Os corpos são capazes de criar as condições de sua existência cotidiana negociando com a cidade de forma per

manente, como pode ser visto no relato de Hortência, quando ela conta suas estratégias de esconder seu relacionamento homoafetivo no Brasil e como estas estratégias são desconstruídas em Brighton.

Aqui [Brighton] eu não me regulo tanto como eu faço no Brasil. Ontem, por exemplo, eu fui na faculdade, eu estava tendo uma reunião com a coordenadora. Então eu falei que tinha ‘partner’, mas não falei no feminino ou masculino, como sempre fazia no Brasil. Mas ela, de forma super à vontade e natural, perguntou se era ele ou ela. Meu corpo já destensionou, sabe, porque me senti aceita. No Brasil não existe essa postura. Se você é casada, já pressupõe que é com homem. Achei muito legal o jeito que ela me perguntou se eu era casada com ele ou ela, sem demonstrar qualquer surpresa. (Hortência, Lésbica, 30 anos. Entrevista realizada em Brighton em 06/03/2016)

A cidade de Brighton é descrita pelo grupo como um espaço de aceitação das sexualidades dissidentes, enquanto que, quando falam do Brasil, há referências constantes de conflitos e experiências homofóbicas. As pessoas entrevistadas relatam que desenvolvem estratégias para visitar suas famílias no Brasil, treinando formas de se expressar e escondendo vestígios de relacionamentos homoafetivos. Seus corpos, novamente, passam a ser disciplinados de forma mais rígida para não serem “descobertos”. Se os brasileiros que vivem em Brighton se sentem com maior aceitação de sua sexualidade, proporcionando alívio e sensação de paz consigo mesmos, quando se trata das relações ligadas à nacionalidade, o desconforto novamente aparece. Ser brasileiro vivendo na Inglaterra envolve tensionamentos ligados às nacionalidades racializadas que se tornam mais evidentes quando a cor da pele e as dificuldades linguísticas são deflagradas. O corpo como espaço social, político e geográfico exerce negociações com outras escalas, como pode ser visto no relato de Lavanda. Ela é uma mulher, cis, branca e consegue jogar com sua corporalidade e nacionalidade, tirando vantagens de uma sociedade racista.

Eu sou bem loira né e eu não tive preconceito assim direto e também porque eu tenho também outra nacionalidade europeia que obtive por ser neta de alemão. Então é bem interessante. Quando você fala que é brasileira, já olham diferente, se insinuam, sabe. Mas quando eu falo que sou alemã, é bem diferente. Se eu falo que eu sou brasileira, principalmente os homens, já começam a fazer piadinhas e as mulheres a falar como se pode ser ‘hot’. A brasileira é vista como puta, sabe. Mas quando falo que sou alemã, as pessoas não falam nada! Respeitam. Então eu nem falo que sou brasileira, pra não escutar algumas coisas invasivas. Então eu prefiro evitar de falar, mas eu sou brasileira de corpo e alma! (Lavanda, Lésbica, 30 anos. Entrevista realizada em Brighton em 07/01/2016)

Os mesmos jogos são impossíveis para brasileiros que possuem a pele racializada e com dificuldades linguísticas. O corpo marca a fronteira entre o eu e o outro, ambos em um sentido filosófico literal, mas também em um sentido social. O corpo é um espaço pessoal, um órgão sensorial, um espaço de prazer e dor em que definições de bem estar, doença, capacidade física, felicidade e saúde são construídas socialmente. Sendo assim, o corpo também é um meio de se conectar com outros espaços pela experiência. O corpo tem uma memória espacial segundo os relatos das pessoas entrevistadas. Tais memórias que conformam as subjetividades, sobrevivem na escala do corpo, mesmo que haja o reconhecimento de que Brighton é uma cidade em que as sexualidades dissidentes da heteronormatividade são acolhidas.

Os corpos não estão passivos às significações socialmente construídas, podem incorporá-las, mas também resistir a

elas. Os relatos que se seguem evidenciam a incorporação das normas sociais ao longo do processo de socialização no Brasil e as dificuldades em constituir ações diferentes das que foram apreendidas no passado. Hortência relata a incorporação de comportamentos de opressão que seu corpo não consegue vencer, mesmo em Brighton.

Eu não expresso assim afeto em público. Nem no Brasil e nem aqui [Brighton]! Aqui eu me sinto mais à vontade do que no Brasil. Depende muito, se você vai a lugares, a ambientes gays, baladas, aí eu fico mais à vontade lá no Brasil. Aqui no dia a dia eu me sinto muito mais à vontade aqui [Brighton]. Se eu andasse de mão dada, eu sei que ninguém vai me olhar estranho, já no Brasil teria muito problema se eu fizesse isso lá. Mas a gente

não fica, anda de mão dada a não ser em lugares apropriados. Que eles dizem que são, que tem os lugares apropriados como baladas barzinhos que são mais voltados para isso. Eu não sei a razão. Acho que é porque a gente já cresceu assim nessa cul- tura de que não pode isso. Daí já não fica tão à vontade, fica com medo do que as pessoas vão achar, mesmo aqui [Brigh- ton]. Então, assim, acho que quando você cresce de um jeito é difícil de mudar o comportamento. É, é isso aí, eu acho que a gente já cresceu assim no Brasil, enten- deu? Não pode, não pode expressar afeto, carinho, aqueles mais íntimos de beijo, de mão dada de tudo, acho que eu nunca fiz isso. Não sei, isso vem de dentro de mim! Vem de dentro! (Hortência, Lésbica, 30 anos. Entrevista realizada em Brighton em 06/03/2016)

As relações de poder entre outras es- calas e os corpos se estabelecem de forma contínua. Há corpos cujos espaços são toma- dos pelo poder de outras escalas, causando dor e sofrimento. Um corpo pode ser um

espaço de controle promovido por outras escalas e ao mesmo tempo um espaço de libertação, dependendo dos mecanismos psíquicos de defesa que são acionados, da autoridade internalizada pelas pessoas

e assim por diante. Os corpos, assim, são constituídos dentro de uma constelação de relações de objetos (como a família, o Estado, a arte, a nação e assim por diante). Os cor- pos não são espaços passivos sobre os quais o poder de outros espaços se realiza. Pelo con- trário, os corpos também produzem espaço, seus próprios mapas de desejo, gosto, prazer, dor, amor e ódio. Os corpos em permanente processo de negociação com outros espaços ajusta suas posições no mundo, sendo tam- bém eles lugares de aglutinação de negociações externas e inter- nas do poder. Lírio evidencia a internalização do poder hete- ronormativo em sua corporali- dade, mesmo que Brighton seja uma cidade liberal para a vivên- cia gay.

Eu acho que lá no Brasil eu era mais fechado. Eu era uma pessoa um pouco mais séria, eu fazia as minhas coi- sas, mas tipo, sério. Aqui eu estou um pouco mais liberal, mas eu tenho medo de me expressar. Eu acho que isso é uma coisa normal, não classifi- co como doença, acho uma coi- sa normal e que as pessoas de- vem achar normal se expressar. Mas eu fico com receio. Aqui eu vejo pessoas agarradas, porque nunca vi isso lá no Brasil. Eu acho meio estranho você ver as pessoas se beijando e tal. Eu sei que é nor- mal, mas eu fico meio constrangi- do vendo isso. Eu não beijo em pú- blico. Eu beijo em balada, na casa das pessoas. Eu prefiro assim. Eu não gosto de ficar me expondo muito. (Lírio, Gay, 24 anos. Entrevista realizada em Brighton em 12/02/2016)

O corpo estabelece fronteiras com a escala da cidade, resistindo à liberdade de expressão homoafetiva nos espaços públi- cos de Brighton. O corpo desses brasileiros resiste à revogação dos limites que o Brasil lhes impunha. É como se, no aspecto das expressões corporais afetivas, eles ainda estivessem atrelados ao Brasil, mesmo que

isso implique conflitos. O relato de Girassol evidencia o processo de conflitos consigo mesmo e sua sociabilidade em Brighton.

Eu nunca ando assim com meu namorado. Eu acho que eu adquiri isso por ser brasileiro e por ter tido muita repressão. Eu vejo as pessoas aqui, vejo, respeito, admiro, mas não é pra mim, eu não consigo! Não consigo, não me sinto bem, vem algo de dentro. Não me sinto bem! Me incomoda. Quando eu saio do carro, eu beijo o meu namorado dentro do carro. Mas dentro do carro, fecho a porta, se ele me traz até a porta eu dou um beijinho, um selinho rápido e entro. Mais não, não é pra mim, não consigo. Todos os meus namorados me cobram muito isso. Dizem ‘ah você não pega na minha mão, ah você não faz isso’. Mas não sei. Não sei porque aqui [referindo-se à Brighton] é tranquilo. O que eu vivi no Brasil, acho que eu adquiri esse jeito. Isso não é pra mim, mas eu acho bonito os outros fazerem, mas não é pra mim. Mas meus namorados têm uma cobrança muito grande. As pessoas que passaram na minha vida me cobram isso. Para você ter uma ideia, no meu casamento, dei um beijo na hora do sim. Depois do sim e na primeira dança. Mas eu tava assim, a minha cara parecia que ia explodir de tanta vergonha e eu ainda falei pro meu marido dançando, ‘a gente não vai se beijar!’ Daí ele falou ‘vai sim!’ E me lascou um beijo. Mas depois era assim, não tinha mãos dadas, era cada um no seu canto. (Girassol, Gay, 35 anos. Entrevista realizada em Brighton em 15/02/2016) rodeia determinados espaços particularizados, implicando assim diferenças. O que se pode argumentar é que a cidade de Brighton muitas vezes estabelece uma relação com a corporalidade dos brasileiros que é linearmente harmoniosa. Outras vezes, se erguem fronteiras de resistências e, sendo assim, as escalas são móveis e mutáveis no tempo e espaço e também articuladas entre si por meio de relações de poder. As sexualidades dos brasileiros LGBTTQ+ são acolhidas na cidade de Brighton, devido aos avanços conquistados em termos de cidadania sexual ocorridos no Reino Unido. Contudo, as marcas corporais que os brasileiros evidenciam para além da sexualidade, como a cor da pele e as habilidades linguísticas, influenciam nas relações de poder que permeiam sua existência naquela cidade. Além disso, a corporalidade brasileira estabelece uma fronteira com a cidade de Brighton, quando diz respeito à expressão de afetos em locais públicos. Isso se deve ao fato de que as experiências homofóbicas vivenciadas por eles no Brasil permanecem como constituidoras de suas subjetividades, dificultando a relação harmoniosa entre os corpos desses brasileiros e da cidade de Brighton.

Joseli Maria Silva e Marcio Jose Ornat são professores na Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG.

O corpo é uma escala espacial porque ele estabelece uma fronteira geográfica que

>>> Indicação de Leitura

GEOGRAFIAS MALDITAS, organizado por Joseli Maria Silva, Marcio Jose Ornat e Alides Baptista Chimin Júnior

Nesse livro, há várias análises sobre a relação entre espaço e pessoas cujos corpos são lidos socialmente como ‘fora de ordem’ e ao mesmo tempo se constituem em espaços de resistência.

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