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BRINCADEIRA DE CRIANÇA
Academia propõe aulas para os pequenos com deficiência intelectual e muda a vida das famílias
INES CAMPEÃO NA EDUCAÇÃO!
Instituto ganha o oscar da educação mundial em premiação inédita para o Brasil
“O Rio está atrasado. Parou no modelo da integração e não evoluiu para a inclusão”
9 772359
562003
Marcus Aurélio, radialista
NÚME RO 19 • PR EÇ O R$ 13,90 ISSN 2359-5620 00019
A apresentadora Clarissa Guerreta, o sambista Gabriel do Irajá e o surfista Davizinho. Ao fundo, o Museu do Amanhã
ASSIM NÃO DÁ! Convidamos dois cadeirantes para testar calçadas e transporte público (difícil, hein?)
NA REDE
::::::::::::revistadmais.com.br:::::::::::::::::::::: FELIZ ANO NOVO PARA...
os 13.800 curtidores da página da Revista D+ no Facebook! E com este ano que se inicia, as redes sociais da Revista continuam repletas de coberturas – em tempo real! – dos principais eventos relacionados à pessoa com deficiência. Obrigada por nos acompanharem nessa jornada inclusiva! Ainda não nos segue nas redes sociais? Então aproveite para não perder nada do segmento! Confira tudo também em nosso site! www.revistadmais.com.br
“Trabalho lindo, responsável e muito criativo. Explora temas diversificados e muito interessantes” Fernando Ferric deu 5 estrelas na página da Revista D+ no Facebook
“Obrigada, Revista D+, pela oportunidade de divulgar a Pesquisa de Desenvolvimento Humano, realizada pelo Projeto Velejando Por Um Mundo Melhor, que está incubado no Instituto Gênesis, da PUC-Rio! Gostaríamos de agradecer também a presença do Vitor Prudêncio, e o apoio do Departamento Esportivo do Clube Naval – Piraquê” Página do Velejando Por Um Mundo Melhor no Facebook
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EDITORIAL
Referência em Inclusão e Acessibilidade Acesse www.revistadmais.com.br e confira todas as matérias em LIBRAS e ÁUDIO
BRINCADEIRA DE CRIANÇA
Academia propõe aulas para os pequenos com deficiência intelectual e muda a vida das famílias
INES CAMPEÃO NA EDUCAÇÃO!
Instituto ganha o oscar da educação mundial em premiação inédita para o Brasil
“O Rio está atrasado. Parou no modelo da integração e não evoluiu para a inclusão”
9 772359
562003
00019
Marcus Aurélio, radialista
NÚME RO 19 • PR EÇ O R$ 13,90 ISSN 2359-5620
A apresentadora Clarissa Guerreta, o sambista Gabriel do Irajá e o surfista Davizinho. Ao fundo, o Museu do Amanhã
ASSIM NÃO DÁ! Convidamos dois cadeirantes para testar calçadas e transporte público (difícil, hein?)
Edição 19: Fotografia por Taís Lambert
Muito além da praia
Q
uando decidimos fazer uma edição especial sobre o Rio de Janeiro, já na largada, tínhamos um objetivo claro: abordar a cidade e suas pessoas com deficiência de forma ampla, profunda e verdadeira. Vivenciar seu dia a dia, suas questões mais caras, seus desafios, suas vitórias e sutis alegrias. Há muitas coisas boas acontecendo, iniciativas particulares – e algumas poucas políticas – que melhoram o ser e o estar com deficiência na Cidade Maravilhosa. Em contrapartida, não há como negar que é um caos. Falta tudo: conhecimento, empatia, engajamento, campanhas. Falta dar importância. Nossas jornalistas Audrey Scheiner, Brenda Cruz e Mayra Ribeiro, capitaneadas pela editora-chefe Taís Lambert, passaram um período na cidade visitando, entrevistando e fotografando lugares e pessoas no intuito de trazer a você, leitor e leitora, um panorama honesto das vidas que transformam a cidade, da cidade que transforma a vida das pessoas. Em nossa reportagem de capa, escolhemos quatro personagens com diferentes deficiências – surdez, cegueira, tetraplegia e síndrome da banda amniótica – para nos contarem como é viver e sobreviver em uma cidade como o Rio. Também entrevistamos professores de educação física que dão aula para crianças com deficiências intelectuais, um radialista e militante com baixa visão e um comediante cego. Convidamos um casal de amigos cadeirantes para testar a acessibilidade de transportes públicos e as calçadas da cidade; conhecemos um projeto promissor que ensina crianças surdas a velejarem. Vibramos com o Instituto Nacional de Educação de Surdos, o INES, que venceu o maior prêmio de educação do mundo. Fomos ao AquaRio, ao Museu de Arte do Rio, ao Jardim Botânico: tudo para checar se há acessibilidade e em que nível está. Conhecemos um projeto de fotografia para alunos com síndrome de Down, participamos do ensaio técnico da Portela com pessoas com deficiência, descobrimos uma fotógrafa que só clica famílias de crianças com deficiência. Foram muitas as experiências marcantes, sem dúvida. E você verá tudo isso traduzido em grandes reportagens e fotografias no decorrer das próximas páginas. Nesta edição especial de verão, a Revista D+ também está apoiando uma campanha da Associação Nacional dos Editores de Revistas, a Aner. A campanha foi criada pela Association of Magazine Media (MPA), com sede em Nova York, e tem por objetivo valorizar a mídia revista e sua capacidade de produzir, em diversas plataformas, conteúdo profissional, confiável e seguro e alertar as pessoas sobre conteúdos falsos. Não haveria melhor maneira de começar o ano. Sem mais demora, é com grande satisfação que deixo você à vontade para curtir nossa primeira e especialíssima edição de 2018, que aborda um Rio de Janeiro muito mais profundo do que suas próprias praias. Ótima leitura e feliz ano para todos! Rúbem Soares Diretor Executivo
DO LADO DE CÁ
O Rio, de fio a pavio!
Toda a Redação da Revista D+ esteve na Cidade Maravilhosa para fazer uma edição especial para você, leitor, a pessoa mais importante para nós. SIM, foram muitas fotos! Só assim para celebrar gente tão boa que conhecemos no caminho. Vem!
A campeã do samba carioca de 2017 recebeu a gente de braços abertos para o ensaio geral de seus foliões, incluindo as pessoas com deficiência, super animadas! Os dirigentes da Portela não poderiam faltar no nosso click! Valeu, gente! Depois da nossa foto de capa, não poderia faltar a gente incluir a família de todos! O marido e o filho de Clarissa Guerreta, Gabriel do Irajá e sua avó e a Denise, mãe do Davi, em sua super bike, na Praça Mauá. Ao fundo, o Museu do Amanhã
A repórter Mayra Ribeiro; a apresentadora da TV INES Clarissa Guerreta; o sambista Gabriel do Irajá; a editora-chefe Taís Lambert; a repórter Brenda Cruz e o surfista Davi Teixeira de Aguiar, o Davizinho
A turma do Velejando Por Um Mundo Melhor e a Redação da D+ no Clube Naval Piraquê. Não deixe de conhecer esse projeto!
Qual era a vontade? Mandar parar o tempo, né? Pôr do sol na Praia de Ipanema e a melhor vibe do Rio de Janeiro!
A repórter Mayra Ribeiro finalizando a entrevista com o paratleta Aílton Saturnino e a militante Luiza Zwang depois de uma maratona de três horas e 30 minutos pelas ruas do Rio testando acessibilidade
Em sua noite de estreia no stand up solo, Jeffinho bateu um longo papo com as repórteres Mayra, Audrey Scheiner e Brenda. MUITAS risadas, gente!
Espoleta, alegre e cheio de energia! Davizinho tinha acabado de pegar suas primeiras ondas de 2018, na Barra da Tijuca, e é claro que a gente não poderia perder!
A linda e inteligentíssima Clarissa Guerreta recebeu a Revista D+ nos estúdios da TV INES, em que é apresentadora do Jornal Primeira Mão, especializado no público surdo. Cla-ro que a gente amou!
A assessora Amanda Nogueira Soares Lima, a vereadora Luciana Novaes e sua irmã, Jorgiane Novaes, no quintal da casa onde moram, depois da entrevista exclusiva que a vereadora concedeu para nós
Quer foto mais fofa que essa? A autora é a Tatiane Moraes, de Niterói, que fotografa crianças com deficiência e suas famílias. Aqui, Andrea Torquato e seu lindo filho, João Pedro Gomes Torquato da Costa, com paralisia cerebral
revi
sta
www.revistadmais.com.br DIRETOR EXECUTIVO Rúbem da S. Soares rsoares@revistadmais.com.br REDAÇÃO Editora-Chefe Taís Lambert taislambert@revistadmais.com.br Equipe de Jornalismo Audrey Scheiner Brenda Cruz Mayra Ribeiro jornalismo@revistadmais.com.br Whatsapp: (11) 94785-2169 Revisora Eliza Padilha Diagramação Estúdio Dupla Ideia Camila Duarte e Tatiana Carlini
NOSSA CAPA 42 Veja quem são algumas das pessoas que, por suas escolhas e estilo de vida, influenciam e tornam a cidade mais inclusiva (e muito mais maravilhosa) 06 Na Rede
Departamento de Arte (site e redes sociais) Samuel Ávila Laercio Zajac arte@revistadmais.com.br
08 Editorial 10 Do Lado de Cá
Ilustrador Luis Filipe Rosa DIRETOR DE PUBLICIDADE Denilson G. Nalin denilsonnalin@revistadmais.com.br (11) 5581-1739 e (11) 94771-7622 DIRETOR COMERCIAL Luciano C. Guastaferro lucianocesar@revistadmais.com.br (11) 5581-1739 e (11) 94771-7621
12 Expediente & Aqui na D+ 14 Ponto de Vista Carnaval: praia e folia para todos! Para todos? 16 Misto Quente As novidades dignas de nota! 22 Psique Preconceito contra os corpos com deficiência é uma realidade
COMUNICAÇÃO E MARKETING Rúbem da S. Soares Herick Palazzin mkt@revistadmais.com.br
24 Acontece Projeto Praia para Todos leva inclusão social para Copacabana
FINANCEIRO David Gomes de Souza
26 Acontece Rio de Janeiro registra muitas infrações em vagas específicas para a pessoa com deficiência
CONTRATOS E LICITAÇÕES Luiz F. Mazieri Nicolini mais@revistadmais.com.br
28 Entrevista Do Complexo do Alemão para a mídia: Marcus Aurélio, um radialista com baixa visão
TI Herick Palazzin Ivanilson Oliveira de Almeida Jonathan Vinícius DIRETOR ARTÍSTICO Dílson Nery CONSULTORES DE LIBRAS (SURDOS) Célio da Conceição Santana Joice Alves de Sá INTÉRPRETES DE LIBRAS Carolina Gomes de Souza Silva Marco Antonio Batista Ramos Rafaella Sessenta
32 Por Dentro das Grandes Supermercado Mundial abriu as portas para a Revista D+ conhecer seus trabalhadores com deficiência 38 Saúde Exercício físico faz bem! Conheça o projeto da rede de academias Bodytech para crianças com deficiência intelectual 54 Comportamento Iniciativa de fotógrafa mostra a beleza de crianças e jovens com deficiência em cliques muito delicados
VIDEOMAKERS Jéssica Aline Carecho Tacila Saldanha Verônica Honorato de Souza ATENDIMENTO AO ASSINANTE E CIRCULAÇÃO Alessandra Rodrigues dos Santos Herick Palazzin assinaturas@revistadmas.com.br (11) 5581-3182 / 5583-0298 RECEPÇÃO Jennyfer Alves (11) 5581-3182 / 5583-0298 RH e ADMINISTRATIVO - SUMARÉ Arianna Hermana da Silva Jeanne Prado Lazarine (19) 3306-9990 Edição número 19 – Janeiro/Fevereiro de 2018 REVISTA D+, ISSN 2359-5620, é uma publicação bimestral da MAIS Editora CNPJ n° 03.354.003/0001-11 Rua da Contagem, 201 – Saúde - São Paulo/SP - CEP 04146-100 Associada a:
58 Educação INES é referência em educação online para surdos e ganha prêmio mundial 60 Viver Bem Conheça o projeto Velejando Por Um Mundo Melhor 64 Acessibilidade Entenda as barreiras arquitetônicas e atitudinais da cidade e dos transportes públicos 70 Rumos & Descobertas Pontos turísticos com acessibilidade para pessoas com diferentes deficiências 78 Beleza Laranja e pink são as cores do verão! 80 Aprenda Libras Saiba os sinais de pontos turísticos
Distribuída em bancas pela DINAP-DISTRIBUIDORA NACIONAL DE PUBLICAÇÕES LTDA. Rua Dr. Kenkiti Shimomoto, 1678 CEP 06045-390 - Osasco - SP PARCERIA: A Revista D+ não se responsabiliza por opiniões e conceitos emitidos em artigos assinados ou por qualquer conteúdo publicitário e comercial, sendo este de inteira responsabilidade dos anunciantes
Associação para Desenvolvimento Social, Educacional, Cultural e de Apoio à Inclusão, Acessibilidade e Diferença
82 Cereja! Você gosta de rir? Conheça o comediante cego Jeffinho
Janeiro/Fevereiro 2018 – Ano IV – n° 19
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PONTO DE VISTA
Carnaval: praia e folia para todos! Para todos?
Rúbem Soares
Psicólogo, mestre e doutorando em Educação (USP), diretor executivo da Revista D+
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uito se fala sobre o direito da pessoa com deficiência à saúde, à educação, ao trabalho... sobre cada uma dessas áreas encontramos longas discussões problematizando a acessibilidade e inclusão. Contudo, ainda é incipiente a discussão de outro direito essencial também às pessoas com deficiência: o lazer. É claro que, em uma sociedade que não prioriza a acessibilidade na vida cotidiana da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, assim como os idosos e outras minorias, pode soar estranho exigir acessibilidade no lazer. Há alguns anos, ainda quando a Senadora Marta Suplicy era titular da pasta, o Ministério do Turismo iniciou alguns projetos de turismo acessível. Infelizmente, como a maioria das ações governamentais que envolvem o tema da acessibilidade, tais ações não avançaram. Um case de sucesso, do qual participamos na implementação, foi o projeto piloto na Estância Mineral de Socorro (cidade do circuito das águas no estado de São Paulo). Depois, foram implementados projetos em outros destinos turísticos, porém, de forma bem tímidas. Aliás, é bom lembrar, a nobre senadora, ao passar por esse Ministério, deixou como principal legado a infeliz pensata “Relaxa e goza”, quando se referiu à situação caótica dos aeroportos brasileiros. A cidade maravilhosa, o Rio de Janeiro, ensaiou promover acessibilidade às pessoas com deficiência e mobilidade reduzida por ocasião das obras para a Copa do Mundo e, principalmente, para a Olimpíada Rio2016. Pelo que se constata atualmente, o legado da Copa e dos Jogos Olímpicos, no que se refere à acessibilidade, ficaram muito aquém do prometido (que já não era tão ideal). Nesta edição temática da Revista D+, você pode constatar alguns avanços e retrocessos nessa área. Rio 40 graus: praia, sol e mar? Talvez não exatamente para todos! E, falando em turismo acessível, o período de carnaval é bem propício para se pensar sobre o tema! Ou a pessoa com deficiência não pode participar da folia? Afinal, ela também tem direito ao ócio e, consequentemente, ao lazer. Chegou a hora de exigir responsabilidade das autoridades e promotores dos blocos de carnaval, das escolas de samba, de todas as demais atrações carnavalescas. Sem se preocupar com o público com deficiência e mobilidade reduzida, limita-se a participação na festa. Ou seja, mais uma vez, essa população se vê com seus direitos restritos. Ora, se a pessoa com deficiência vai cair na folia ou não, é uma opção exclusiva dela. Assim como sempre defendi o direito de acessibilidade total nos cultos e rituais religiosos, também defendo o mesmo para todas as demais instâncias da vida social. A sociedade não pode fazer juízo de valor sobre as opções de nenhum cidadão (tratando-se de escolhas dentro das regras legais). Desse modo, deve-se proporcionar acessibilidade irrestrita às pessoas com deficiência, seja na escola, no trabalho, nos templos religiosos, no lazer e na folia de momo. E ela, de forma autônoma e soberana, escolha para onde quer ir passar o carnaval: na igreja, em retiros espirituais, no Sambódromo, em Salvador ou em Curitiba, como qualquer outra pessoa. Não sei se a minha geração viverá para ver esse direito respeitado. Vamos lutar pela acessibilidade na educação, na saúde, no trabalho, mas, também, no turismo e lazer! Alalaô-ôôô-ôôô... D+
MISTO QUENTE por Brenda Cruz fotos Brenda Cruz e Divulgação
FOCO NA AUTONOMIA Louise Victória é uma das alunas formadas no curso: “Gosto de fazer foto da minha cachorrinha na praia”
Flávia Cristina Machado, mãe da Louise, Ana Carolina Praça, Louise e Camila Guimarães: fotos surpreendentes logo no primeiro dia
Um ano de curso, 16 encontros com duração de duas horas cada, aulas teóricas sobre a história e fundamentos da fotografia, aulas práticas em estúdio e externas. Formar um bom fotógrafo não é simples e nem rápido. O olhar pode já ser apurado, mas não é o bastante: isso vai se lapidando, melhorando. A paixão por essa arte levou Ana Carolina Praça, psicóloga clínica e escolar, a montar o FotoDown. O projeto, destinado a jovens com síndrome de Down, partiu de uma inquietude da psicóloga, que via seus pacientes jovens sem muitas oportunidades de desenvolver habilidades. “O curso é exclusivo para a pessoa com síndrome de Down, mas não foi algo construído pensando sobre a síndrome de Down e sim sobre a fotografia. O fato de os alunos terem a síndrome era um detalhe e os desafios seriam trabalhados no dia a dia, isso exigiria que a pessoa que ficasse à frente das aulas tivesse esse olhar
mais cuidadoso e respeitoso para cada aluno”, contou Ana. Camilla Guimarães, 29 anos, é professora de biologia e de fotografia, preparou todo o curso e ministrou as aulas em sua casa, em um miniestúdio, enquanto a idealizadora Ana ficou com a parte administrativa. “Eles me surpreenderam, desde o primeiro dia já fizeram fotos incríveis! Alguns já tinham o olhar mais apurado, outros nem tanto; a principal dificuldade foi motora, pois eles têm as mãos muito pequenininhas e às vezes tinham dificuldades em segurar câmeras mais pesadas ou maiores, então trabalhamos com tripé para os equipamentos mais pesados”, explicou a professora. Dos cinco alunos que iniciaram o curso, quatro se formaram no mês de dezembro, sendo a primeira turma do projeto. Louise Victória, 21 anos, mora em Madureira e hoje pratica o que aprendeu durante um ano. “Eu gostei do curso. Gostei de bater foto, íamos à
praça. Eu gosto de fazer foto da minha cachorrinha na praia, ela chama Sofia Leal”, contou Louise. “A Louise sempre gostou de tirar fotos, e hoje, para os jovens, a fotografia é um meio de comunicação. O curso veio só para somar. Depois do curso, o interesse dela aumentou ainda mais”, revelou Flávia Cristina Machado, mãe da Louise. O FotoDown continuará neste ano, para mais informações sobre o curso e inscrições acesse: www. consultoriadeinclusao.com.
Carla Pinto, geneticista e co-fundadora do Espaço Elo21
Revista D+ nĂşmero 19
MISTO QUENTE por Mayra Ribeiro fotos Divulgação
UM ÔNIBUS DE CULTURA INCLUSIVA O projeto 1001 Espetáculos, teatro sobre rodas, vai até a periferia do Rio e oferece audiodescrição e intérpretes de Libras
Com o objetivo de democratizar o acesso à cultura e incentivar a volta às raízes populares, a Spiral Criativa, em parceria com o Instituto JCA, idealizou o 1001 Espetáculos. O projeto visa a levar peças de teatro e oficinas de arte cênica gratuitas para moradores das periferias do Rio de Janeiro. Ao todo serão 90 espetáculos e 200 oficinas que percorrerão as cidades de Macaé, Campos dos Goytacazes, Nova Friburgo, Itaperuna, Niterói e Rio de Janeiro. O
diferencial da iniciativa é ser acessível para pessoas com deficiência por meio de audiodescrição e intérpretes de Libras nas atividades. As apresentações que abordam as manifestações artísticas das próprias cidades que o projeto percorrerá são baseadas no movimento europeu Mambembe. Ou seja, as peças com duração de 40 minutos a 1h30 acontecem de forma itinerante. Para a concretização da iniciativa um ônibus comum foi transformado em
equipamento teatral, com direito à estrutura de camarim, conjuntos de luz e som, cenografia técnica e mobiliário de plateia. Já as oficinas são realizadas com o apoio das Secretarias de Cultura e Educação para crianças matriculadas no primeiro, segundo e terceiro ano do fundamental de escolas públicas. “Os pequenos ficam encantados. Mais de 80% nunca assistiram peças de teatro”, afirma Carolina Butolo, idealizadora e diretora do 1001 Espetáculos, com deficiência auditiva. “O projeto, beneficiado pela Lei Rouanet,” permanece cerca de um mês em cada cidade. Até o fechamento da matéria, a programação de 2018 não estava estruturada. Para mais informações, acesse: 1001espetaculos.com.br. D+
Revista D+ número 19
MISTO QUENTE por Audrey Scheiner fotos Taís Lambert e Brenda Cruz
Participantes com deficiência da Portela no ensaio técnico na quadra do grêmio recreativo da escola
Em terra de samba, todo mundo pode! “Eles estão querendo saber se terá foto”, diz Marcelo Ferreira, 37, que tem paralisia cerebral e vinha acompanhado de seu filho Caio, 4, autista, para perto de sua mãe, Maria José Ferreira, 60, mais conhecida como Zezé, com quem eu estava finalizando a entrevista antes de começar o ensaio da escola. “Estão ansiosos para saber se vai ter foto deles. Eles são assim mesmo!”, conta a líder da ala de inclusão da escola, membro da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB e conselheira da Apae do RJ. Na ocasião, Zezé se referia aos participantes com deficiência da Portela, que, segundo ela, são os que mais se empolgam para ensaiar. Ao irmos para a entrada do Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela, localizado no bairro de Oswaldo Cruz, no município do Rio de Janeiro, vários foliões, vestidos com a camiseta da escola, de cor azul e branco, esperavam ansiosos para o início do ensaio. “As pessoas veem a escola como uma fábrica de samba. Para os participantes com deficiência,
é muito mais do que isso. É a realização de sonhos. Estamos falando do sonho deles. Eles ficam muito ansiosos até chegar o momento do desfile”, afirma Zezé. Ao longo de seus 94 anos de tradição carnavalesca, a Portela abraça a inclusão há 11 anos, quando criou uma ala apenas para pessoas com deficiência. Porém, isso foi mudado nos últimos quatro anos. Desde então, as pessoas com deficiência podem participar de diversas alas com suas respectivas representações. O tema da escola de samba esse ano é De Repente de Lá pra Cá e Dirrepente Daqui pra Lá, em que conta a saga dos judeus que deixaram a Europa durante a Inquisição, estabeleceram-se no nordeste do Brasil e, depois da expulsão dos holandeses, em 1654, foram para Nova York, ainda chamada de Nova Amsterdã. “Não os segregamos em uma ala exclusiva, eles variam de ala de ano para ano. Hoje, o grupo com deficiência está na ala dez, onde o tema são os judeus. Na organização, os cadeirantes vão na frente e atrás vão os
Pedro Tomás e sua mãe Ana Lúcia
Geraldo Batista Filho, conhecido como Dino Cadeirante
Valéria de Almeida Bastos e seu marido Valdir Figueiredo Filho
Terezinha dos Prazeres, seu marido e o filho Leonardo dos Prazeres
Rodolfo Almeida, Zezé Ferreira e seu filho Marcelo Ferreira
acompanhantes. Depois, pessoas com outras deficiências e o restante dos 140 foliões da ala”, relata a líder. São 20 participantes com deficiência. Entre eles há os cadeirantes, pessoas com deficiência intelectual, hidrocefalia, síndrome de Down e baixa visão. Pedro Tomás, 30, tem síndrome de Down e trabalha como auxiliar administrativo na Fundação Roberto Marinho. “Quando conto que sou participante da Portela, eles acham isso o máximo e me apoiam bastante. Às vezes vêm ver o ensaio técnico que fazemos na rua”, conta o folião. Ele desfila para a escola desde os 19 anos. Sua mãe, Ana Lúcia, 57, artesã, relata que a felicidade é dupla: ver seu filho desfilar e também interagir com outras pessoas. “Essa inclusão é extremamente importante, pois ajuda na socialização e nossos filhos têm outras experiências com pessoas diferentes. Eles são recebidos com muito carinho”. A assistente social Valéria de Almeida Bastos, 42, cadeirante e seu marido Valdir Figueiredo Filho, 57, professor
de Educação Física, também cadeirante, estão juntos há 11 anos e desfilam na Portela há dez. Valéria é taxativa: “A pessoa com deficiência tem os mesmos direitos que outras pessoas têm. Estar aqui melhora a autoestima, nos torna mais independentes, livres e nos dá chance de aprender, se divertir, viver”. Segundo os participantes, o “mais empolgado de toda a escola” é Geraldo Batista Filho, 69, mais conhecido como Dino Cadeirante. “Eu não sou estrela, não! Estrela são eles e os organizadores que me deixam fazer essa bagunça”, diz ele, aos risos, acostumado a chamar muita atenção pela agilidade das estripulias sobre a cadeira de rodas. Zezé complementa que, durante o ensaio, as pessoas com deficiência recebem o mesmo tratamento dado a todos os 3.200 participantes da escola. “Damos a mesma orientação a todos e eles já sabem se posicionar. Aliás, as roupas são leves e adaptadas para cada um deles”, finaliza a advogada. D+ Revista D+ número 19
PSIQUE
Juntos e misturados: a
convivência como estratégia contra o preconceito por Sarah Reis Cintra Castello
A
cidade do Rio de Janeiro é globalmente admirada por suas belezas naturais, onde se destaca sua linda orla. Engana-se quem acredita que as praias cariocas são apenas frequentadas por corpos sarados e esbeltos. Ir à praia é uma atividade de lazer democrática que todos os moradores da Cidade Maravilhosa podem usufruir, independentemente de credo, etnia, orientação sexual ou condição física. Mesmo assim, algumas pessoas sentem-se desconfortáveis com a exposição de seus corpos e vulneráveis nesse espaço, despertando a sensação de medo. Esse sentimento pode limitar ou potencializar o ser humano. Compreender o aspecto emocional humano facilita a reflexão sobre o processo de inclusão. Em geral, o indivíduo teme o desconhecido. Ao lidar com questões que fogem de sua realidade cotidiana, a pessoa fica desconfiada e em estado de alerta. Isso pode criar a ilusão de que este fato esconde algum aspecto suspeito, acionando um instinto de defesa. No caso da interação social, o medo pode aproximar indivíduos se a fantasia criada for sobre algo que possa prejudicar a coletividade, ou distanciá-los, se a imaginação produzir a ideia de que outra pessoa pode lhe machucar. Com isso, nota-se como os pré-conceitos criados interferem no convívio social. Desse modo, o que é percebido com estranheza tende a ser visto com desconfiança, e, por conseguinte, excluído. Dessa forma, cabe o seguinte questionamento: como reverter essa perspectiva? Trazendo luz à escuridão: quanto mais contato, informação e conscientização, mais familiar o estranho se tornará. Em 2016, o Rio de Janeiro recebeu o evento paradesportivo mais importante do mundo. Os jogos paralímpicos trouxeram visibilidade às pessoas com deficiência e investimento em infraestrutura para suas necessidades.
O recorde de público na Paralimpíada foi destaque internacional. Os cariocas lotaram as arenas para prestigiar a dedicação e emoção dos atletas, demonstrando reconhecimento e respeito. Dessa forma, compreende-se como a proximidade e continuidade do contato entre indivíduos com e sem deficiência permitiu a desmistificação de ideias pré-concebidas baseadas apenas na percepção estética. Quando as pessoas sem deficiência aceitam os corpos e a forma física das pessoas com deficiência, compreendendo suas limitações e reconhecendo suas potencialidades, vivenciam um processo de interação e integração enriquecedor. Entretanto, o medo e a desinformação podem prejudicar essa experiência. O contato com a realidade das pessoas com deficiência fez o carioca perceber alguns avanços obtidos, e reconhecer que ainda há muito a melhorar. É necessária uma maior atenção das autoridades públicas, a fim de garantir respeito e meios de inserção para o cidadão com deficiência usufruir do que a cidade tem a oferecer. Projetos sociais inclusivos, como o Praia para Todos, vêm fazendo a diferença, mas as políticas públicas de um modo geral ainda parecem “engatinhar”, posto que ainda não existe planejamento para necessidades simples, como a instalação de rampas de acesso às areias. Com isso, todos os cidadãos devem continuar a luta pela ampliação de acesso e direitos das pessoas com deficiência, pois ainda há muito a ser conquistado. A promoção de ações públicas e sociais é essencial para intensificar a convivência, a aquisição de informação e desmistificar o medo irracional causado pelo desconhecido. Afinal, nem tudo que se vê é o que parece, e nem tudo o que parece realmente é. A luta em busca do respeito às diferenças deve ser contínua. D+
Sarah Reis Cintra Castello é psicóloga, especializada em Psicologia Médica pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). www.psialternativas.com e facebook.com/psialternativas
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ACONTECE
PRAIA PARA TODOS AGITA COPACABANA! Concebido para garantir a acessibilidade de pessoas com deficiência às praias, o projeto comemora dez anos e leva muita diversão para os cariocas e turistas Texto Audrey Scheiner
Fotos Brenda Cruz
Equipe do Praia Para Todos de Copacabana com a família Carabet, de São Paulo
F
undado no verão de 2008 para 2009, o projeto Praia Para Todos, que nasceu no Instituto Novo Ser (INS), é uma alternativa importante na reabilitação e inclusão social das pessoas com mobilidade reduzida. Além de sensibilizar a sociedade quanto ao respeito e à valorização da diversidade, a ação é uma ideia original, com soluções flexíveis, possibilitando sua realização e reaplicabilidade em diferentes locais. “Uma dessas soluções foi a cadeira anfíbia, ideia prática e inovadora para levar o cadeirante ou muletante com dificuldade motora à água, sempre com acompanhamento de profissionais capacitados das áreas de fisioterapia, educação física e terapia ocupacional”, afirma Nena Gonzalez, 61 anos, administradora do INS. A tenda do Praia Para Todos em Copacabana ficará até abril, das 9h às 14h.
Além da cadeira anfíbia, o projeto oferece outras possibilidades. “Oferecemos ações compatíveis com o ambiente e com o perfil dos usuários. As atividades físicas e desportivas são possíveis de serem realizadas na praia, como vôlei sentado, futebol adaptado, frescobol adaptado, handbike, peteca, atividades recreativas, surf adaptado, banho assistido, atividades lúdicas com crianças na piscina infantil e areia, entre outros”, comenta Nena. Esta é a 10ª edição nas praias cariocas. Ao longo delas foram realizados 6.000 atendimentos diretos e 18.000 indiretos, totalizando em torno de 24.000 no período de dez anos. Nena comenta que foram procurados por diversas cidades e estados do Brasil, além de outros países. No ano passado, executamos um projeto itinerante em parceria com o governo
Leandro Carabet e sua irmã Juliana, jacompanhados da mãe, Regina, e da avó. A família frequenta o projeto em Copacabana quando está de férias
de São Paulo, passando por quatro praias conhecidas: Santos, Praia Grande, Guarujá e Caraguatatuba”. De acordo com a administradora, o Praia Para Todos contribui para a melhoria da qualidade de vida das pessoas com deficiência “Ele estimula a autonomia por meio do convívio social e da participação nas atividades oferecidas, dissemina a cultura da valorização e do respeito à diversidade e contribui para a conscientização da sociedade, dos poderes públicos e empresários sobre a necessidade de facilitar a vida da pessoa com deficiência de forma a exercerem sua cidadania”, conclui Nena. O DIREITO DE MERGULHAR É PARA TODOS Não estava sol, porém, o calor reinava no segundo domingo de janeiro pela manhã em Copacabana. Ao chamar atenção de todos os banhistas, a tenda amarela do Praia para Todos começa a lotar de participantes. “Entrei no Praia há seis anos como voluntária. Descobri o projeto na faculdade. Sempre quis fazer um trabalho voluntário e eu achei isso aqui tudo a ver comigo”, conta Nila Pimentel, 28, coordenadora do Praia Para Todos e fisioterapeuta. Aberto até abril, Nila acha que o projeto deveria se estender pelo ano todo. “Deveria ficar por mais tempo do dia também, ter mais horários. Porém, contamos com voluntários. O clima muda muito quando chega o inverno. O que queremos mesmo é mostrar e fazer um apelo para o governo do país para que nossas praias sejam adaptadas”, comenta a coordenadora. Para Nila, praia é o lugar mais democrático que existe no RJ, porém, ela não tem acesso nenhum para pessoas com deficiência e mobilidade reduzida. “É preciso
Na primeira foto à esquerda, Camila Magalhães no mar e, aqui, depois doo banho, junto com a equipe
Acima, cadeira anfíbia utilizada pelos banhistas com deficiência. Nila Pimentel, coordenadora do Praia Para Todos
continuar no quesito acessibilidade para sempre. O ideal seria que isso fosse permanente para todo mundo”, conclui. Camila Magalhães Lima, 31, servidora pública das Convenções de Valores Mobiliários (CVM), com tetraplegia, ama o mar e quando entra na água se sente bem. “Frequento o Praia Para Todos desde quando o projeto começou na Barra. Quando veio para Copacabana, comecei a vir mais. Frequento há seis anos e acho o projeto excelente, é uma ótima iniciativa! Pena que a prefeitura não dá apoio, pois a equipe de voluntários é fantástica”, comenta, deitada em sua cadeira de praia, logo após sair do mar. Trupe vinda de São Paulo, Leandro Carabet, 26, jornalista, é irmão de Juliana Carabet, 29, que tem mielomeningocele. Eles conheceram o projeto por meio da novela Viver a Vida (2007, Rede Globo). Há quatro anos, quando passavam por Copacabana, viram a tenda amarela e exclamaram: “Não é que esse projeto existe mesmo?!”. “Foi uma emoção quando trouxemos a minha irmã, um sonho! Começamos no raso e depois fomos entrando mais no mar. Nunca tínhamos ido tão no fundo. Tiramos muitas fotos e filmamos. Não sabíamos se ela estava chorando ou rindo de tanta emoção”, comenta Leandro, emocionado. Desde então, em épocas de férias, eles são figurinhas carimbadas em areias cariocas. Nas que têm acessibilidade, claro. Nena Gonzalez se orgulha da trajetória que o projeto construiu até agora. O objetivo é óbvio: evoluir cada vez mais: “Queremos consolidar os projetos existentes com a busca de mais parceiros e desenvolver nosso novo projeto na área de tecnologia”. Vida longa ao Praia! D+ Revista D+ número 19
ACONTECE
SEU LUGAR NÃO É AQUI
Rio de Janeiro registra infrações em vagas de pessoas com deficiência: a Zona Norte da cidade fica em primeiro lugar nas ocorrências ilegais Texto Mayra Ribeiro
S
egundo o parágrafo 1º do artigo 47 da Lei Brasileira de Inclusão, 2% das vagas nos estacionamentos de estabelecimentos públicos e privados coletivos devem ser destinadas ao segmento. Ao longo do ano passado a Guarda Municipal carioca registrou 2.316 infrações por uso indevido de espaços preferenciais, sendo 344 deles de direito das pessoas com deficiência. A Zona da cidade com mais ocorrências ilegais foi a Norte com 160 registros. Itaharassi Bonfim Júnior, subdiretor técnico de Trânsito da Guarda Municipal do Rio de Janeiro, afirma que nesse cenário as multas têm caráter instrutivo. “Ao sentir no bolso, os motoristas passam a evitar o uso das vagas preferenciais”. Estacionar em espaços reservados às pessoas com deficiência é considerada uma infração gravíssima com multa no valor de R$ 293,47, perda de sete pontos na carteira de habilitação e o veículo fica sujeito a reboque. Para não correr o risco de sofrer essas penalidades também, a pessoa com deficiência precisa colocar um adesivo no carro, que indique a deficiência, e fixar um cartão de autorização no painel. Caso o responsável pelo veículo ainda não tenha a comprovação, deve entrar em contato com a prefeitura. Mais informações podem ser encontradas na Secretaria
Fotos Divulgação
Municipal de Transportes: www.rio.rj.gov.br/web/smtr. Já as denúncias por uso indevido de vagas preferenciais são feitas por meio da Central 1746, com funcionamento de 24 horas. O relato de infração também pode ser feito diretamente a guardas municipais próximos ao local. NEM MAIS UM MINUTINHO... “A vaga para a pessoa com deficiência é uma conquista maravilhosa. É como se fosse uma ponte capaz de nos trazer ao convívio social. Eu estou em situação de desigualdade porque sou cadeirante. Mas sou levada para a realidade de que posso estacionar sem preocupações”, acredita Fernanda de Oliveira, de 36 anos, sobre a importância da vaga preferencial. A fala da bacharela em direito, com tetraplegia, que vive em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, em relação ao seu direito como cidadã é emotiva. No entanto, ganha outra conotação ao revelar para a Revista D+ sua experiência como motorista na região que reside. “A obrigatoriedade não é efetiva. É necessário um grande esforço da nossa parte para ser cumprida. Mesmo com as fiscalizações é impossível conseguir estacionar em horário de pico (18h às 20h)”.
Ainda de forma incisiva ela conta que a situação mais marcante que enfrentou ao tentar estacionar em uma vaga preferencial aconteceu em 2017 em um grande shopping em Campo Grande. “Toda vez havia carros de pessoas
sem deficiência estacionados nos espaços reservados. Em um sábado, fui com as minhas amigas e uma delas deu a ideia de chamar a polícia caso as infrações acontecessem de novo. Dito e feito!”. Aquela noite terminou com a polícia militar e a guarda municipal no estabelecimento. Um fato interessante nessa história é que os funcionários tentaram impedi-las de chamar as autoridades. “Eles alegaram que seria contra a lei. Disseram que as infrações só podem ser registradas em locais públicos...”. As vagas destinadas às pessoas com deficiência no shopping ficam em frente a um restaurante com música ao vivo. Então, além dos outros clientes, os músicos também paravam naquele espaço para descarregar os instrumentos. Outro problema recorrente eram as motos. Elas estacionavam no lugar de transferência da cadeira de rodas. Hoje o estabelecimento assinou um acordo em que se compromete com a efetividade da lei. “As vagas para as pessoas com deficiência existem. Contudo, as barreiras atitudinais atrapalham. Não tem essa história de um minutinho, dois minutinhos, a vaga não está ali para ser utilizada por quem não precisa”. D+
Revista D+ número 18
ENTREVISTA
Paixão por rádio, otimismo e militância Com apenas 12 anos, Marcus Aurélio Carvalho já era um profundo amante do rádio. Seu fascínio por esse veículo era tamanho, que ia além das transmissões de sua cidade: buscava estações de rádio de outras localidades, dentro e fora do país. O menino, nascido e criado no Complexo do Alemão, teve catarata congênita, glaucoma no olho direito e, por conta disso, aos nove anos de idade perdeu o globo ocular. Cresceu com 10% de visão no olho esquerdo, fez faculdade de jornalismo e realizou seu sonho de menino, virou radialista. Texto Brenda Cruz
Fotos Taís Lambert
Revista D+ número 19
ENTREVISTA
T
ornou-se apresentador de programas de rádio em diferentes emissoras e também comentarista de futebol. Foi repórter responsável por cobrir jogos em campo e chocava os colegas de trabalho, muitas vezes sofrendo preconceito. Seus óculos especiais, com lentes ampliadoras que são verdadeiras lupas, auxiliam-no até hoje. Além de radialista ele é professor, palestrante e militante na causa da inclusão da pessoa com deficiência. Marcus, hoje com 54 anos, declara-se um verdadeiro “militante otimista”. Isso significa que sua percepção sobre o mundo e tudo o que ele abriga é ver o “copo meio cheio”, e propaga esse pensamento em seus projetos e aulas. A Revista D+ foi até os estúdios da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), na Rádio MEC AM (800 KHZ), no Centro do Rio de Janeiro, onde ele é apresentador do programa Todas as Vozes, de segunda a sexta, das 7h às 10h, e trouxe a entrevista que você confere abaixo.
teção dos seus filhos com deficiência. É preciso ter a coragem de preparar o filho para uma vida independente. As cidades precisam ter a coragem de entender o que é o urbano para as pessoas, elas têm a obrigação de serem para todos. O papel da escola é receber o aluno com deficiência sem impor barreiras. No mercado de trabalho, as empresas precisam incluir e promover programas para fazer com que esse profissional cresça, tenha plano de carreira, assim como qualquer outro profissional. Por fim, a própria pessoa com deficiência muitas vezes se acomoda, se apequena, e a vida é preciosa demais para não construirmos histórias. Pensando no copo meio cheio, podemos falar que o país avançou muito nas últimas duas décadas. O Brasil é signatário da Convenção Internacional da Pessoa com Deficiência desde dezembro de 2006 e aprovou a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), isso é muito mais do que fazem muitos países vizinhos de nós.
Revista D+: Como foi a sua infância e adolescência no Rio de Janeiro, tendo uma deficiência visual? Marcus Aurélio: Nasci no Complexo do Alemão e só vi calçamento na rua da minha casa quando eu já estava com 19 anos. Foi uma infância pobre, estudando em escola pública de subúrbio, eu com deficiência visual e minha mãe com problemas psíquicos muito sérios. Dona Marli era muito forte quando os assuntos eram ligados a mim, mais do que quando se tratavam dela mesma, pois sentia que tinha a missão de me incluir, isso nos anos 1960, 1970. Tudo o que eu ia fazer era difícil, só tinha uma solução: ser otimista, porque se eu fosse pessimista eu estaria ferrado.
D+: Qual sua opinião sobre as escolas especiais? Meu ponto de vista, assim como é de muitos outros militantes, é que nós não somos contra a existência delas, de modo algum. O que nós achamos é que a escola especial tem papel complementar, que está previsto na Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, na LBI e na Meta Quatro do Plano Nacional de Educação. A escola especial deve existir em caráter complementar, como apoiadora de acessibilidade, de tecnologia assistiva, treinamento para reabilitação. É papel da escola regular oferecer as disciplinas do ciclo, porque as crianças precisam se acostumar a conviver com toda a diversidade humana.
D+: E sua vida escolar, como foi? Eu tive três grandes aliados: alguns familiares, por sorte minha, todos do meu núcleo familiar principal; os amigos e professores da escola e, em terceiro lugar, meu otimismo. Na escola eu vivi com o carinho dos carinhosos e a hostilidade dos hostis. Havia aqueles que ditavam a matéria da lousa para mim e os que proferiam todo tipo de xingamento por conta da minha deficiência. No entanto, esses dois aspectos foram bons para mim, porque a escola é um simulacro da vida real, você precisa experimentar o lado bom e o lado ruim da realidade. Essa situação foi o que mais tarde eu vim experimentar no mercado de trabalho.
D+: Como as escolas e os que lá trabalham devem se preparar para receber todo tipo de criança? Fazendo com que isso aconteça. Existe um jogo de empurra. Um pai leva a filha com deficiência à escola e qual é a resposta que a diretora dá? “Sua filha não pode estudar aqui porque nossos professores não estão preparados”. O que ele espera? Que a escola veja que há uma demanda. Somos uma parcela de 24% da sociedade brasileira, quase 46 milhões de pessoas com deficiência. Nós, com baixa visão, somos mais de seis milhões de pessoas. Não é um número insignificante.
D+: Para você, quais são os principais problemas a respeito da inclusão e acessibilidade? Se nós enxergarmos o copo meio vazio, vamos falar que o Brasil tem muito para caminhar. Eu digo em minhas palestras que há cinco frentes na inclusão e cada uma tem a própria missão. Na família, é missão dos pais perder o excesso de pro-
D+: Qual é a melhor forma de fazer isso? Não foi a capacitação dos professores para me receber que resolveu minha questão, tampouco a consciência da diretora em me receber, em 1968, em uma escola primária que mudou o jogo. Eu estar ali fez com que colegas, professores e diretores se mexessem para acontecer. Isso requer vontade dos pais, por isso eu digo: não tem inclusão perfeita enquanto as cinco frentes que eu já mencionei não
Marcus mostra seus instrumentos de trabalho: óculos com lentes ampliadoras, verdadeiras lupas, para ler a tela do computador
com a minha história de vida com a deficiência, nunca ter militado na área de inclusão e questionou por que a ONG que eu criei, a Unirr (União em Redes e Rádio) não poderia ser uma ONG de inclusão também. No final dos anos 1990, em uma reunião com o conselho, a vogal “i” da sigla virou ‘inclusão’. Foi a partir disso que gradativamente fomos incorporando a temática de inclusão na ONG. D+: O que a Unirr faz hoje em dia? Durante os seus primeiros cinco anos de existência, ela foi o escritório brasileiro da Associação Mundial de Rádios Comunitárias. A Unirr produz programas de rádio e também faz eventos de capacitação em rádio e cidadania.
“A escola é um simulacro da vida real, você precisa experimentar o lado bom e o lado ruim da realidade” estiverem funcionando. Você muda isso quando cria a demanda. Só se rompe com o fascismo e o preconceito quando se promove o convívio com a diversidade. É preciso criar ambientes de diversidade para inserir todos. D+: Em que momento você se afirmou como militante da causa da pessoa com deficiência? Em 1997 eu estava trabalhando na CBN, apresentando o programa da tarde, CBN Total, quando conheci uma pessoa que veio a se tornar uma grande amiga, a Cláudia Werneck. Naquele dia, ela falou coisas como: “lugar de criança é na escola regular”, “escola especial é complementar”, “quem cabe no seu ‘todos’?” e “como a escola se prepara para receber a todos?”. Eu estava ouvindo aquela mulher e comecei a chorar, coisa que eu nunca faço no ar, pois eu sou frio, calculista e metódico, tento passar a emoção para o ouvinte, mas sou muito concentrado. Porém, naquele momento, ela começou a falar coisas que fizeram parte da minha vida, coisas que eu acredito, mas que nunca tinha visto ou ouvido ninguém organizar de forma lógica. Uma amiga, Denise Viola, chegou a mim e falou que era um absurdo eu,
D+: O papel das pessoas na sociedade é ter “coragem”. E o papel das políticas públicas? Quando eu falo das cinco frentes que precisam ter coragem e exercer cada uma sua missão, eu não as cito isoladamente. É papel daqueles que administram, a partir dos nossos impostos, fazer mudanças. Os três poderes precisam trabalhar: o judiciário ajudando através dos ganhos de causa, quando estas são justas; o legislativo aperfeiçoando as leis, e os governos – o poder executivo nos campos federal, estadual e municipal – provendo a informação para as famílias, promovendo o debate da inclusão com as crianças, formando cidadãos mais conscientes, criando mecanismos de pressão para as empresas contratarem... tudo isso fortalece os cinco pilares para uma inclusão mais efetiva. D+: E no Rio de Janeiro, como essa questão está (ou não) avançando? O Rio está atrasado. Em educação, justamente por ter sido o melhor na época da integração, se acomodou nesse modelo. A nossa principal virtude no aspecto das pessoas com deficiência, passa a ser nosso problema. O Rio teve ao longo de todo o século 20 e final do século 19 o melhor modelo de inclusão, foi criado o instituto dos cegos e dos surdos, que para aquela época foram muito importantes, fomos a referência do país, até porque o império e o começo da República foram aqui. A cidade era, em todo o país, a que tinha mais condições de oferecer a educação integracionista. No entanto, parou nesse modelo e não evoluiu para a inclusão de fato. D+: E sobre a acessibilidade física? Se compararmos as cidades de São Paulo, Curitiba, Florianópolis e Belo Horizonte, o Rio está muito atrasado nessa questão também. Aqui você vê rampas, locais com acessibilidade, em pontos mais nobres da cidade, como por exemplo, a Zona Sul, mas nas zonas mais periféricas é uma lástima. D+ Revista D+ número 19
POR DENTRO DAS GRANDES
Abrindo portas. estimulando sonhos A sede do Supermercado Mundial, localizada no bairro de Inhaúma, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, é um verdadeiro complexo de distribuição de alimentos para as 19 lojas da rede. Além disso, é também onde se concentra toda a parte administrativa e de gestão de pessoas. A empresa brasileira foi fundada por um português, que três anos após empreender, vendeu sua loja para uma grande rede de supermercados já existente no Rio de Janeiro, a Castro Gomes. Este ano, ela completará 75 anos e possui o total de nove mil colaboradores espalhados entre a central (sede em Inhaúma) e as lojas por toda a cidade. Nós, da Redação, visitamos a sede para conhecer quatro dos 450 funcionários com deficiência que integram esse total. Confira mais esse case de boas práticas de inclusão texto e fotos Brenda Cruz colaboração Audrey Scheiner
Os funcionários na sede do Supermercado Mundial, em Inhaúma
Revista D+ número 19
POR DENTRO DAS GRANDES
Marcio Luiz de Mendonça Teixeira trabalha no setor de responsabilidade social
PONTO DE PARTIDA Por iniciativa de um dos sócios, o Sr. Justino Gomes de Castro, que em 2002 se prontificou a viabilizar a inserção de pessoas com deficiência no quadro de funcionários, o projeto deu seu primeiro passo. “Uma experiência piloto em uma das nossas lojas foi realizada, e nós, então, contratamos 10 pessoas com deficiência intelectual para diferentes setores. O resultado foi muito bom!”, conta Laura Negro de La Pisa, coordenadora de Projetos Sociais desde 2004, quando assumiu a gestão e ampliação do projeto para as demais lojas. Ela conta que primeiramente a empresa buscou instituições que atendessem pessoas com deficiência. “Encontramos na prefeitura do Rio de Janeiro um projeto maravilhoso, o FunLar, que atendia pessoas com deficiência
“A pessoa com deficiência não é incapaz de fazer as coisas, ela pode chegar muito longe, mas precisa do apoio da população” Adriene de Lima Martins Ferreira Guimarães, com deficiência monocular
Adriene de Lima Martins Ferreira está há 19 anos na casa e hoje trabalha no setor de arquivos
intelectual desde a maternidade, até que elas estivessem preparadas para o mercado de trabalho”. Nem tudo fluiu naturalmente e um dos gerentes, Sr. Antônio, segundo Dona Laura, como é chamada por todos, resistiu em aceitar o projeto por não entender como isso seria feito em todas as lojas. “Depois de uma conversa com ele, eu o convidei a ser o patrono do projeto, acompanhando as reuniões e vendo o andamento de tudo. Depois que isso aconteceu, ele começou a se identificar com as pessoas, todos conversavam com ele. Hoje ele é um grande incentivador”, revelou a coordenadora. A ampliação do projeto começou com uma palestra de sensibilização, para a diretoria e gerência, e logo depois se estendeu a todos os funcionários. “Fizemos uma pesquisa com clientes e colaboradores. Nela eram feitas duas perguntas, mas o objetivo não era considerar o resultado contrário ao que desejávamos. Era também uma forma de sensibilizar, para que começassem a refletir que teríamos pessoas com deficiência em nossas lojas”, pontua Dona Laura.
Com cargo no depósito, Nilo Micacio de Carvalho Filho trabalha há 13 anos no Mundial
“Eu gosto muito de trabalhar aqui. Estou noivo e pretendo casar em breve” Nilo Micacio
de Carvalho Filho, com deficiência intelectual
Na loja com o projeto piloto, o índice de aprovação foi de 100% tanto dos funcionários quanto dos clientes. Nas demais lojas houve uma variação de 60% a 90% de aprovação. “Com isso, nós percebemos que a falta de conhecimento influencia bastante nos resultados”. Hoje a empresa não tem nenhum vínculo com instituições, as próprias pessoas se candidatam às vagas abertas por meio do site ou indo pessoalmente ao RH, mediante agendamento. Também em 2004, o supermercado admitiu uma intérprete de Libras e é ela que conduz a comunicação entre surdos e ouvintes. “Nós temos um coral em Libras, e ela é nossa maestrina. Cada loja tem um RH, e ela já ofereceu o curso para cada um. Em 2017 começamos o ano dando curso de Libras para os coordenadores e o interessante é que as próprias pessoas surdas ensinam para seus líderes e colegas no dia a dia”, declarou Laura.
GALGANDO NOVOS HORIZONTES A empresa, que fez em 2014 até casamento coletivo para seus funcionários, tem como meta oferecer o desenvolvimento no plano de carreira para todos e essa promoção vem através de disponibilização de vagas internas, em que os funcionários participam de um novo processo seletivo para avaliação de desempenho, provas e entrevista com gerentes das áreas pretendidas. Com 19 anos de casa, Adriene de Lima Martins Ferreira Guimarães, 37 anos, foi contratada como empacotadora em uma das lojas do Mundial em 1999, sem ter participado de nenhuma vaga específica para pessoa com deficiência. Ela é cega de um dos olhos desde os 10 anos, após uma forte dor de cabeça e febre alta que causou o descolamento da retina e um glaucoma. Durante os anos, Adriene passou por cargos como operadora de caixa, auxiliar de tesouraria, telefonista e hoje desempenha seu trabalho no setor de arquivo, na central. “No setor de arquivo, eu cuido do arquivamento de todo tipo de documentação de funcionários e ex-funcionários”, explica ela, que há dois anos, após apresentar um laudo médico, faz parte do grupo que contempla o projeto de inclusão. Segundo ela, a vontade era ter participado desde o início, mas por medo de ser apontada ou excluída devido a estar na categoria da Lei de Cotas, reprimiu esse desejo. “A pessoa com deficiência não é incapaz de fazer as coisas, ela pode chegar muito longe, mas precisa do apoio da população, um exemplo é o próprio motorista de ônibus não parar para o cadeirante subir, porque vai ‘perder tempo’. Às vezes, a discriminação vem pelo simples fato de não querer bem ao outro”, conclui. Já Marcio Luiz de Mendonça Teixeira, 45 anos, cego congênito, chegou na empresa há três anos. Ele, que trabalha no setor de responsabilidade social, é um dos responsáveis por atender as pessoas, transferir ligações e acompanhar as pessoas com deficiência nas lojas. “Para eu trabalhar, preciso de um computador que fale comigo, de um software de leitura de tela. O MVDA é um leitor de tela gratuito, e eu o uso aqui. Todas as empresas podem instalar sem qualquer problema”, contou. Sobre o projeto de inclusão, que também participa como palestrante, ele diz que como qualquer empresa, está longe de ser perfeito, mas que o Mundial já avançou muito na questão. Sobre os planos futuros, revela: “Nós estamos desenvolvendo, devagar, a minha volta para o SAC, criando um call center acessível, que será um marco na história do Rio de Janeiro. A princípio, para este ano, meu objetivo é esse, desenvolver esse trabalho com autonomia e perfeição”. Outro integrante já da “velha guarda”, com 13 anos trabalhando no supermercado, é Nilo Micacio de Carvalho Revista D+ número 19
POR DENTRO DAS GRANDES Laura Negro de La Pisa, coordenadora de Projetos Sociais desde 2004
Daniele Aparecida de Paiva Vieira foi recém promovida para o cargo de operadora de caixa
Filho, 31 anos, com deficiência intelectual. Ele trabalha no depósito, fazendo a limpeza do local. Fruto da FunLar, projeto parceiro desde os primeiros passos, ele já passou por setores na loja e na sede. “Eu gosto muito de trabalhar aqui. Estou noivo e pretendo casar em breve. A Dona Laura sempre fala para fazermos uma poupança, e acabando uns empréstimos que eu fiz, é isso que eu vou fazer”. O MOVIMENTO DAS MADRINHAS Grande parte dos funcionários com deficiência está dividida nas 19 lojas da rede, e com o objetivo de aproximar as pessoas, cada loja escolhe uma “madrinha”, que será responsável por ser referência em solucionar problemas ou questões que apareçam no dia a dia de trabalho desses funcionários. Elas não apenas auxiliam, mas fazem
PROFISSIONAIS DO SUPERMERCADO MUNDIAL TOTAL: 9 MIL COLABORADORES 450 PESSOAS COM DEFICIÊNCIA TIPOS DE DEFICIÊNCIA
51% Deficiência Intelectual
21% 20% Deficiência auditiva
8%
Deficiência Deficiência Física Visual
Candidate-se: www.supermercadosmundial.com.br
uma verdadeira revolução dentro das lojas, desenvolvendo projetos e atividades de escolha coletiva. “Eu comecei a trabalhar com 20 anos e nenhuma outra empresa tinha essa interação direta comigo. Quando eu entrei no Mundial, a madrinha da loja veio falando dos projetos, das atividades, foi tudo muito novo e eu gostei bastante”, contou Danille Aparecida de Paiva Vieira, 32 anos, com deficiência congênita no braço esquerdo, que impossibilitou o desenvolvimento de sua mão. Danille está há um ano na empresa e acaba de ser promovida para operadora de caixa. “Eu entrei como empacotadora. Surgiu a vaga, eu participei da prova interna e passei, concorrendo com outras pessoas, inclusive sem deficiência, tudo igual”, conta. “O medo do meu gerente é porque o caixa é grande e fica um pouco longe para eu pegar as compras dos clientes. Mas no geral, não é necessária uma adaptação, eu consigo trabalhar tranquilamente”, pontua ela, destacando que nunca passou por nenhuma situação de preconceito. “Os clientes muitas vezes nem percebem que eu não tenho a mão!”. Como coordenadora de responsabilidade social, Dona Laura organiza eventos e palestras para seu grupo e demais colaboradores. Traça metas e estimula cada pessoa a buscar sua autonomia e o desenvolvimento de suas habilidades. Trabalho, amizade e respeito: uma bela tríade que ficará registrada nos muitos álbuns de fotos já tradicionais na história do Mundial e que contam a trajetória de tantas pessoas. D+
Revista D+ nĂşmero 19
SAÚDE
Exercício e brincadeira:
SÓ PODIA DAR CERTO!
Por meio de exercícios lúdicos, a academia Bodytech, na Barra da Tijuca, promove atividades físicas que beneficiam 200 crianças com deficiência intelectual Texto e fotos Audrey Scheiner
Área de ginástica artística adaptada para cursos de educação física para crianças com deficiência intelectual da Bodytech Barra da Tijuca
P
ula-pula, bambolê, cones, piscina de esponja e balanço. É certo que qualquer criança teria a atenção despertada ao ver um espaço com todos esses itens. A diversão fica mais emocionante quando essas atividades são ligadas ao desenvolvimento físico, social e emocional dos pequenos. A rede de academias Bodytech proporciona esses elementos com aulas de educação física para crianças com deficiência intelectual de quatro a 13 anos desde 2005, época em que a academia se tornou uma rede. Entre diversas academias localizadas no Rio de Janeiro, a que tem uma ampla estrutura de ginásio para oferecer as atividades fica localizada na Barra da Tijuca. No mesmo local também ocorrem as aulas de ginástica artística, porém, aos sábados, quando não acontecem as aulas regulares, a sala se transforma em um ambiente totalmente adaptado para os
alunos com autismo, síndrome de Down, paralisia cerebral e mobilidade reduzida. Para as aulas, são utilizados equipamentos das atividades regulares com adaptação de outros aparelhos de acordo com a necessidade de cada um. Ministradas pelo professor Rodrigo Brivio, 37, terapeuta e educador físico, que cuida do projeto inclusivo há 12 anos, as dinâmicas também são envoltas em objetos como argolas penduradas em panos de lycra, para dar ênfase à questão sensorial da criança com autismo; passadeira de acrobacias – que no caso é usada para auxiliar a coordenação motora de crianças com mobilidade reduzida – onde, por meio de plaquinha com palavras e desenhos de animais, as crianças podem aprender de forma lúdica; um pequeno curso de judô e o slackline para ajudar no equilíbrio. “Queremos também conciliar as aulas que as crianças têm nas escolas regulares
A principal diversão de Mariana no circuito de atividades é a piscina de espuma!
Mariana com o instrutor Eduardo Gerasso na aula de equilíbrio
Rodrigo Brivio foi o precursor da adaptação do local para aulas de educação física
Eduardo Gerasso, Rodrigo Brivio, Vinicius de Moraes, Mariana e Susana Estevan durante atividade da pequenina
Com a instrutora Simone Correia,, Pedro faz aulas de coordenação motora no colchonete
“O esporte é uma ferramenta bem simples e extremamente importante no desenvolvimento de uma criança, seja ela com deficiência ou não” Rodrigo Brivio, terapeuta e educador físico da Bodytech
com o que oferecemos aqui em nossa academia. Na brincadeira, o nosso espaço ajuda muito na escola. Se a criança está aprendendo formas geométricas, tentamos trazer esse universo para os exercícios físicos associando aos movimentos”, conta o professor. As aulas ocorrem das 9h às 12h e cada criança pratica, durante 30 minutos, todo o circuito que compõe o espaço. Rodrigo comenta que as famílias que frequentam o local já possuem uma rotina muito intensa de terapias com os filhos com deficiência intelectual. “Quando as crianças fazem algo prazeroso, praticam com vontade, é muito legal e importante na evolução pessoal delas”. Dentro da unidade da Barra da Tijuca, a Bodytech atende 200 crianças com deficiência intelectual. Ao todo, são oito profissionais capacitados para aplicar o projeto proposto. “O esporte é uma ferramenta bem simples e extremamente importante no desenvolvimento de uma criança, seja ela com deficiência ou não”, enfatiza Rodrigo. Diretor da Bodytech, Alexandre Accioly, 55, relata que todas as academias precisam ser inclusivas, assim como qualquer espaço que recebe públicos, como é nos Estados Unidos e na Europa. “Não ter ambientes adaptados para pessoas com deficiência é colocá-las em processo de exclusão, o que dificulta mais ainda a convivência na sociedade. É fundamental que pessoas com deficiência consigam realizar atividades cotidianas. Sem contar o aprendizado e o envolvimento dos professores que fazem parte deste projeto tão inclusivo”, comenta o diretor. Revista D+ número 19
SAÚDE
“Antes, ele não mostrava atenção nenhuma, não obedecia a comandos, além de ter pouco equilíbrio; agora está mais atento, obediente e se equilibrando melhor” Valéria Lima de Almeida, mãe de Pedro Henrique
Pedro Henrique no colo da mãe, Valéria Lima: “Agora ele está mais atento e com maior equilíbrio”
Família alegre após as atividades! O pai, Pedro Ivo Peitler, com Carolina no colo, e a mãe, Vanessa, com a querida Mariana
O DESENVOLVIMENTO NA PRÁTICA Rodrigo conta que é muito importante focar em como processar o desenvolvimento de cada criança, pois cada uma delas chega à academia de uma maneira. “Tem crianças que chegam aqui e não conseguem nem tirar a meia, subir degrau etc. Isso está relacionado à socialização e à inclusão. A inclusão social tem que começar dentro de casa: é preciso mostrar para a família que é possível evoluir e encorajá-los, para que possam acreditar na criança e estimulá-la”, afirma o educador físico e terapeuta. Segundo Eugênio Cunha, autor de livros sobre autismo e inclusão, publicados pela Wak Editora, se as crianças fazem atividades físicas fora da escola, em alguma academia ou clube, desenvolvem coordenação motora fina e ampla e aspectos ligados à expressão corporal. “Toda atividade física que a criança faz e gosta, trabalha a autoestima. As crianças com deficiência intelectual precisam trabalhar essa característica e mantê-la elevada para poderem prosseguir em um processo de inclusão”, afirma o autor. TODO MUNDO SAI GANHANDO Ao conhecer a Bodytech e o trabalho do professor Rodrigo na internet há dois anos, a moradora da Baixada Fluminense e babá Valéria Lima de Almeida, 40, não perdeu tempo: tinha acabado de descobrir o diagnóstico de autismo do filho Pedro Henrique, quatro anos, e tratou de matriculá-lo. “As atividades trouxeram muitos benefícios. Antes, ele não mostrava atenção nenhuma, não obedecia a comandos, além de ter pouco equilíbrio; agora está mais atento, obediente e se equilibrando melhor”, conta a mãe, sorridente. “Uma médica que a acompanha conhecia esse circuito que tem aqui na Bodytech e entendeu que poderia ser interessante para melhorar seu desempenho motor. Aí viemos conhecer e percebemos que ela gosta, se sente feliz, então é muito válido”, diz Pedro Ivo Peitler, 38, engenheiro e pai da Mariana Peitler, quatro anos, que nasceu com atraso global de desenvolvimento tanto da parte motora quanto da cognitiva. “Ela tem um desequilíbrio, e no desenvolvimento dela, sentimos a necessidade de fazer um acompanhamento com um fisioterapeuta e terapia ocupacional”, complementa o pai. Ele afirma que tudo aquilo que é feito com prazer, dá uma grande confiança para a pequena Mariana. Isso mostra que brincadeira e exercícios é a melhor combinação possível para adquirir qualidade de vida. “Ela está se desenvolvendo bem melhor, ganhou equilíbrio e se envolve mais com as pessoas. Creio que essa aquisição das habilidades, em um ambiente com pessoas que ela gosta somada à atividade em si, traz ganhos: ela se sente mais confiante”, enfatiza, mostrando também a própria confiança no desenvolvimento da filha. Saiba mais sobre o programa inclusivo e outras atividades da Bodytech – Barra da Tijuca aqui: goo.gl/UJSr4n. D+
VOCÊ JÁ FOI ENGANADO POR UM CONTEÚDO FALSO? REVISTAS
Eu acredito!
Os jovens estão preocupados em buscar informações confiáveis, revela a pesquisa Trust in News, realizada em 2017 pelo Kantar Ibope Media. E 72% dos entrevistados confiam mais em revistas que em outras mídias. As revistas impressas, online, no celular ou em vídeo, fornecem conteúdo relevante, investigativo e em um ambiente seguro. AssociAção NAcioNAl de editores de revistAs Revista D+ número 18 #revistAeuAcredito i www.ANer.org.br
NOSSA CAPA
Eles fazem o Rio de Janeiro melhor Por suas escolhas, talentos e estilo de vida, algumas pessoas interessantes e audaciosas que influenciam e tornam a cidade mais inclusiva, mais preciosa texto e fotos TaĂs Lambert
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Rio da beleza, da garota de Ipanema, dos horizontes encantadores. O Rio do samba, do sol, da praia cheia. O Rio de Janeiro da fantasia, do futvolei, das celebridades e do funk. O Rio da violência. Da bala perdida. Do arrastão na areia. O Rio de Janeiro dos morros, do caos político, da corrupção. Um rio de inacessibilidade. Há que se resguardar dos chavões, difíceis de evitar, diante de uma cidade que pulsa energia por todo lado, que arrebata logo de cara quem vem buscar natureza, volúpia e intensidade. Encontra, certeza. Mas também não acha muitas coisas. Falta a Libras nos hospitais, falta o banheiro adaptado, a audiodescrição. Falta o elevador funcionar, o respeito à vaga no estacionamento, o acesso à cultura. Falta o motorista de ônibus parar quando vê um cadeirante dando sinal, falta o preparo da escola regular, o piso tátil. Falta a oportunidade no mercado de trabalho, a honestidade em reconhecer que esse comércio não tem acessibilidade coisa nenhuma. E falta até a rampa. É mais de 1,5 milhão de pessoas com algum tipo de deficiência na cidade do Rio de Janeiro (Censo 2010/IBGE). “Infelizmente, a pessoa com deficiência é invisível para muitos. Às vezes, quando eu saio às ruas, sinto que as pessoas ainda têm um olhar recriminatório, como se eu, com deficiência, não pudesse estar naquele local”, conta Luciana Novaes, 34 anos, a primeira vereadora tetraplégica do Rio e uma das personagens desta reportagem. A grave falta de acessiblidade na cidade como um todo favorece a reclusão das pessoas com deficiência, que favorece a invisibilidade e a desinformação, que, por sua vez, favorecem o cruel discurso de que “não há demanda”, num looping infinito de exclusão e ignorância. Durante o frenesi da Copa do Mundo (2014) e dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos (2016), a palavra de ordem no Rio e em todo o país era “legado”. Usou-se à exaustão. Hoje a realidade se apresenta crua e incômoda. “Mesmo considerando a intensidade das obras que ocorreram na cidade, não podemos considerar que a acessibilidade tenha avançado em termos efetivos. O que aconteceu foi uma acessibilidade focada no entorno dos Centros ou ginásios onde os jogos ocorreram, privilegiando também maior acessibilidade nos transportes que chegam até estes locais”, afirma Geraldo Nogueira, 57 anos, Subsecretário da Pessoa com Deficiência do Município do Rio de Janeiro. A profusão de leis voltadas a assegurar os direitos da pessoa com deficiência é na mesma proporção que o descalabro de seu descumprimento. Desde agosto
do ano passado, a Câmara de Vereadores possui um canal direto com a população por meio do número 0800-2822-896, no intuito de receber denúncias e reclamações da pessoa com deficiência. A iniciativa da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência, presidida por Luciana Novaes, visa a incentivar a fiscalização por parte da sociedade. “O maior número de reclamações diz respeito aos transportes públicos. As pessoas com deficiência são tolhidas no seu direito mais básico, que é o de ir e vir”, conta Luciana. Num cenário em que se discute fiscalização de direitos básicos, falar de qualidade na prestação de serviços públicos é praticamente uma ousadia. Avançar um pouco mais e olhar para a desigualdade no mercado de trabalho e no acesso aos bens culturais da cidade, então, é trilhar a vala comum do descaso. INFLUENCIADORES Quando uma mulher surda torna-se jornalista e apresentadora de um telejornal, ela modifica toda a ordem estabelecida das coisas. Ela prova que a comunicação é verdadeira e possível, que ela pode, quer queiram, quer não. Quando um menino com má-formação nos braços e nas pernas pega uma prancha de surf para fazer aula nas praias e vai para a Califórnia, nos Estados Unidos, transformar-se na primeira criança a competir em um campeonato mundial de surf adaptado, e vencer, ele sinaliza o direito a uma vida plena, com sonhos e possibilidades. Quando uma jovem de 19 anos que recebe uma bala perdida no maxilar enquanto está no campus universitário e se torna tetraplégica, com respiração por aparelho, se lança na política como recurso para acelerar a transformação social, ela fortalece profundamente a máxima “querer é poder”. Quando um rapaz cego se interessa por música e teatro desde criança, participa de novela, aprende a tocar instrumento e sai pela cidade – e outros estados – compondo, fazendo shows e lançando CDs, ele reverte a lógica da incapacidade tristemente estabelecida pelos ignorantes. Estes são os quatro personagens dessa matéria de capa: respectivamente, Clarissa Guerreta, Davizinho, Luciana Novaes e Gabrielzinho do Irajá. Conheça a seguir um pouco da história de quem influencia o Rio com seu estilo de vida, por meio de atitudes que lembram a você, a mim e a todos que eles não estão ali para serem inspiração nem modelo, mas que toda a sociedade está aqui para não permitir que a inclusão se esvazie de significado. Para não permitir que o Rio de Janeiro se esvazie de inclusão.
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Sonhos de menino, alma de campeão
Enfrentar ondas bravias não é para qualquer um. Encarar esportes radicais com sorriso no rosto tendo apenas 12 anos também não. Conheça Davizinho, o jovem carioca que se desafia a cada dia texto e entrevistas Brenda Cruz
“Eu gosto de ter uma vida agitada, uma vida radical!”
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o chegar à praia, a concentração já se inicia ainda na cadeira de rodas, posicionada no calçadão. O instrutor, sem muito papo, chega e o pega no colo, levando-o para o mar, local que é sua verdadeira paixão. Davi Teixeira de Aguiar, o Davizinho, é um jovem de 12 anos, amante de esportes radicais, que acumula, entre tantos prêmios, o título mais recente de vice-campeão de surf adaptado na Califórnia em 2017. “Quando eu estou na onda é só concentração, mas ao mesmo tempo sinto muito prazer”, afirma o jovem surfista. Davizinho nasceu com a síndrome da banda amniótica, que gera a má-formação nos braços e pernas. O carioca de Madureira, já aos três anos de idade, ganhou um skate de sua mãe, Denise Teixeira de Aguiar, para que conseguisse se locomover dentro de casa sem ter que se arrastar pelo chão. O incentivo, desde os primeiros movimentos do menino, foi a base para que seu desenvolvimento fosse inspirado nos diferentes esportes que pratica: skate, natação, surf e por último o golf, que vem treinando há quase um ano. “Eu gosto de ter uma vida agitada, uma vida radical!”, afirma Davi. Descrito por Denise como “louco pelo surf”, o menino descobriu que nasceu para surfar após ganhar de um surfista, na praia do Recreio, uma prancha. A procura por escolinhas de surf para o garoto foi árdua, pois não queriam aceitar uma criança com deficiência, tinham medo do novo. Até que Denise encontrou o projeto AdaptSurf, que oferece aulas de surf adaptado para pessoas com deficiência. Com três meses de aula, isso com nove para dez anos de idade, um dos instrutores, Felipe, falou sobre o 1º Campeonato Mundial de Surf Adaptado. Com apenas competidores adultos, Davi seria a única criança a participar, caso conseguisse ir. A busca de patrocínios foi intensa, quando, nesse intervalo, Davizinho conheceu o surfista Gabriel Medina. Com ajuda do atleta e outros empresários, Davi foi com sua mãe e irmã para a Califórnia, nos Estados Unidos. “No primeiro ano ele já foi vice-campeão mundial do esporte. O Davi foi a primeira criança a competir um mundial de surf adaptado e a primeira criança a ser campeã mundial de surf”, conta a mãe, orgulhosa. O título de vice-campeão em 2017 não foi tão bem recebido. Davi voltou um tanto chateado com o resultado, mas ainda mais determinado a treinar e conquistar o título tão cobiçado. “Agora é treinar bastante para surfar muito e aí não tem desculpa. O próximo campeonato é no Havaí e depois na Califórnia”, revelou o garoto, exigente. Viajar para vários lugares para competir em muitos campeonatos tira o foco de outros esportes, por isso, a dupla de mãe e filho já priorizou uma nova estratégia para futuras competições. “Agora o foco é a natação e o surf, porque vai ter a Paralimpíada e ele vai poder competir na natação. Então ele vai focar na natação e no surf, pois se não entrar neste, ainda tem a possibilidade daquele. De um jeito ou de outro ele vai competir”, garante Denise.
VIDA DE ADOLESCENTE Apesar de a vida esportiva ser bem intensa, Davi não deixa de conciliar com os prazeres da adolescência: sair com amigos, estudar e se divertir fazem parte da vida do menino radical. E justamente por ir e vir em uma cidade caótica em tantos aspectos como o Rio de Janeiro, a visibilidade desses problemas se intensifica na vida de quem precisa de plena acessibilidade. Denise é pontual e lista os problemas: “Em uma calçada, você tem uma rampa, mas nela tem um buraco e para um cadeirante descer sozinho fica complicado. No ônibus, se você vai subir pelo elevador é um desastre: ou está quebrado, ou desaba com o cadeirante em cima, causando acidentes graves, como aconteceu com um colega nosso”. O lazer, por mais que exista, ainda é comprometido pela falta de acessibilidade, como o conforto em salas de cinema. “Há áreas reservadas para o cadeirante, mas são horríveis! O Davi, que é pequeno, mesmo eu colocando almofada, fica com o pescoço muito desconfortável. Se tivesse uma rampa para lugares mais altos da sala, as pessoas teriam livre acesso a outros lugares, poderiam escolher ficar onde quisessem”, pondera. Outra missão é encontrar vagas de estacionamento destinadas à pessoa com deficiência, que não são vastas na cidade. A falta de respeito às vagas também é um dos grandes problemas no Rio. Os desafios de acessibilidade são vividos todos os dias, Davi utiliza uma cadeira de rodas para se locomover e afirma que por conta dos buracos nas calçadas, já caiu diversas vezes da cadeira. “Já estou até acostumado com isso”, afirma. Denise é daquelas mães dedicadas, mas conscientes sobre formar o filho para ser o mais independente possível. “Medo eu tenho todos, pois o que ele faz é perigoso. Mas estou me preparando para soltá-lo no mundo. Eu o crio para o mundo! Quero que ele tenha o próprio carro, aprenda a dirigir, case... Já falei que vou começar a colocá-lo para lavar louça, não quero saber se ele não tem mão, dá-se um jeito!”. Ser uma pessoa com deficiência física que traz como caraterística a ausência ou a má-formação de membros, pode ser muito complicado, como conta a mãe de Davizinho. “Hoje ele lida com os preconceitos muito bem, mas antes, nem mesmo eu sabia como reagir a isso. Era difícil sair com ele na rua, as pessoas olhavam, cochichavam...”, revela. No entanto, juntos aprenderam a driblar os olhares tortos e transformam o lado negativo das pessoas em mudanças de pensamentos. O futuro do atleta mirim está sendo bem traçado. Buscam patrocinadores para o suporte necessário nos treinos e exames periódicos. O sonho do garoto é grande, pensa em se mudar para a Califórnia, onde as “as ondas são mais perfeitas”, a cidade oferece melhores recursos de acessibilidade, e o próprio surf é mais valorizado. Enquanto isso não se efetiva, é possível encontrá-lo surfando nas praias do Rio, onde, no mar, as barreiras de acessibilidade não existem, e a alma de campeão se mistura com a simples diversão de ser garoto.
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“Você é surda ou ouvinte?”
Comunicação sempre esteve em suas raízes. A apresentadora da TV INES leva informação e abre as portas do conhecimento para a comunidade surda texto e entrevista Audrey Scheiner
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cho engraçado, pois a maioria das pessoas, quando me conhece, acha que eu sou ouvinte. Mas sou surda”. Clarissa Guerretta, 39, é apresentadora do Jornal Primeira Mão, do canal especializado no público surdo, da TV INES, desde 2014. Nesses quatro anos exercendo a profissão, afirma que muitas pessoas questionam como ela consegue acompanhar todas as informações suficientes para passar aos telespectadores. Com sua paciência e simpatia, Clarissa explica toda sua rotina jornalística para aqueles que a questionam, desde a pesquisa e traduções do português para Libras até o uso do teleprompter. Nada muito diferente do dia a dia de uma apresentadora ouvinte. “As pessoas ficam maravilhadas! Até sonham em fazer jornalismo e eu sempre as incentivo. Eu digo que é preciso absorver informações e ler muito. Isso instiga todos a conhecerem culturas novas e não ficarem apenas no Rio”, relata a jornalista. O EXERCÍCIO DE LIDAR COM O PRECONCEITO Filha de pais ouvintes, Clarissa nasceu em Aracaju/SE e se mudou para o Rio de Janeiro com seus pais quando tinha um ano. O primeiro contato com o jornalismo ocorreu por meio do pai, que lia bastante jornal e ela o observava quando era pequena. Foi assim que aprendeu que as notícias eram um passaporte para ficar por dentro de tudo o que acontece no mundo. Mais tarde, a jovem apresentadora descobriu como a sociedade à sua volta a enxergava na infância. “Quando eu era criança, não entendia o que era preconceito. Fui saber depois, quando a minha mãe começou a me explicar que, na escola, as mães tinham feito um abaixo-assinado para que eu saísse de lá. Tudo isso por que sou surda”, comenta. Ela enfatiza também que muitas mães não queriam que ela interagisse com outras crianças, pois acreditavam que Clarissa podia contagiá-las com a surdez. “Até hoje eu quero encontrar algumas daquelas mães. Muitas delas não tinham conhecimento sobre a minha deficiência e não entendiam que Libras é uma língua, como inglês, francês”. Clarissa teve contato com a Libras nos anos 1990, pois quando pequena, seus pais queriam muito que ela usasse o implante coclear. A metodologia de ensino na escola em
que frequentava não tinha nenhuma acessibilidade. Clarissa apenas teve contato com a oralização. “Durante a faculdade, eu não sabia da existência dos intérpretes, a única acessibilidade que conhecia eram as legendas ocultas que as televisões proporcionavam. Aquilo me fascinou!”. Por conviver muito com a comunidade surda durante o tempo de graduação, a jornalista desistiu do implante e investiu firme no curso de Libras em 2007 e estuda até hoje. FUTURO TRAÇADO “Nunca pensei que fosse entrar de fato para o mundo do telejornalismo”. Em sua jornada, ficou ciente das responsabilidades de conseguir informações e estar por dentro de diversos assuntos. “É como se nós fôssemos uma enciclopédia, se devêssemos saber de tudo o que acontece no mundo. O jornalismo exige isso e a ética também é parte importante”, complementa a apresentadora. Dentro dessas responsabilidades, vem a ampla visão sobre o que falta melhorar na acessibilidade para pessoas surdas no Rio de Janeiro. Para Clarissa, é preciso compreender
“Quando eu era criança, não entendia o que era preconceito. Fui saber depois, quando a minha mãe começou a me explicar que, na escola, as mães tinham feito um abaixo-assinado para que eu saísse de lá. Tudo isso por que sou surda”
o que a sociedade necessita para programar essas questões. “Há um tempo, fui em uma loja em que a vendedora sabia Libras. É preciso implementar o bilinguismo em muitos locais e colocar placas de sinalização para indicarem se ali há ou não um intérprete. É preciso mudar leis e principalmente o governo do Rio. Faltam muitas coisas para melhorar ainda, principalmente nos hospitais”, diz. Aquiles, filho de Clarissa, tem 12 anos, é ouvinte e sabe Libras desde muito pequeno. O que mais incomoda Clarissa é o fato de as pessoas o usarem como intérprete dela. “Eu sou a mãe. Se a pessoa quer conversar comigo, que se dirija a mim”, afirma. E isso motiva mais a apresentadora a sonhar com uma sociedade bilíngue, para que não tenha esses equívocos de comunicação. O principal desejo de Clarissa é ver as crianças num caminho melhor, vivendo em um estado com acessibilidade,
e que pais de filhos surdos não sintam pena deles. “Antigamente, não existia informação, portanto, as pessoas tinham um pouco de receio se o filho nascesse surdo. Hoje, temos intérpretes em sala de aula. Se você tiver um filho surdo, coloque-o nas escolas para que ele seja mais incluído e aprenda a língua portuguesa”, enfatiza. Segundo Clarissa, as pessoas surdas que querem ingressar na carreira que mais desejam precisam ter muita coragem e determinação, pois se prender demais em seu próprio mundo e na insegurança é perder muito tempo de vida. “É preciso quebrar esse tabu de que o surdo não vai longe. Isso vale também para os ouvintes. É preciso entrar mais no mundo”. E a principal dica que ela dá é o que ela mais fez em toda a sua vida: ler e se informar. “As coisas não aparecem do nada. Temos a vida toda pela frente, portanto, vamos buscar informação”.
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“Eu gostaria de me mudar para a Califórnia, onde as ondas são grandes, perfeitas” Davizinho, surfista
Davi e o mar: paixão pelo surf e pela liberdade que o esporte proporciona
“Dizem que o gabinete é um espaço do povo, mas foi preciso fazer muitas mudanças para eu conseguir entrar lá” Luciana Novaes, vereadora
“Com menos de três anos de idade eu me apaixonei por Nana Caymmi. Carrinho? Não! Queria um CD da Nana!” Gabrielzinho do Irajá, músico
Gabrielzinho do Irajá, aos dois anos e meio de idade, já se sentia atraído pela música
A mãe Denise: “No primeiro ano de competição nos Estados Unidos, ele já foi vice-campeão mundial do esporte”
A vereadora Luciana Novaes com sua irmã, Jorgiane: batalhas diárias e conquistas expressivas no campo político
“Eu sou a mãe. Se a pessoa quer conversar comigo, que se dirija a mim. Meu filho não é meu intérprete” Clarissa Guerretta, apresentadora Informação é poder: a garotinha surda que desde cedo se interessou por jornalismo é hoje apresentadora de telejornal em Libras
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Queda de braço
Gabrielzinho do Irajá, o músico cego apaixonado por samba de partido-alto faz da sua vida uma grande rima de talentos texto Taís Lambert
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u fiz um partido com um cara branquinho/ que é do asfalto criado com vó,/ mas quando o moleque pegou o cavaquinho/ feriu de mansinho o acorde de dó./ Foi no meu barraco, numa terça-feira,/ que eu recebi um tremendo negão,/ porém nosso samba ficou de primeira,/ e o preconceito rolou pelo chão./ Quem dera que o mundo plantasse no peito amor e respeito pelo seu irmão./ É de pele branca, é de pele preta,/ é noite sem lua, é pó de carvão./ É África pura, é dor, amargura, mas é a cultura que dá nosso chão”. Gabriel Gitahy da Cunha, o Gabrielzinho do Irajá, 22 anos, cego, compôs o partido-alto acima, intitulado Queda de braço, com outro sambista, Marcelo PQD. Cantado sem microfone, informalmente, na palma da mão, o vídeo faz sucesso no Youtube e coleciona pedidos para que a música seja gravada, trabalhada. O rapaz chegou na Praça Mauá, no Rio de Janeiro, vestindo uma camisa branca com flores sutilmente coloridas, chapéu com seu nome e o cavaquinho a tiracolo. A entrevista aconteceria entremeada por demonstrações graciosas da arte de fazer música de qualidade. Aos nove meses de idade, Gabrielzinho já estava no Instituto Benjamin Constant, referência nacional na área de deficiência visual, para vivenciar a estimulação necessária a crianças cegas. Aos dois anos e meio, o menino surpreendeu a família por se encantar pela música. “Eu era bebê e estava vendo a novela Por Amor, e a Nana Caymmi estava cantando. Eu me apaixonei pela voz! Ficava o dia inteiro pedindo para a minha mãe me levar ao show! Carrinho? Não, de jeito nenhum: queria um CD da Nana Caymmi”, conta, sorrindo. Gabriel cantava MPB, fascinado por Dorival e Nana Caymmi, mesmo a família sendo amiga de Zeca Pagodinho e frequentando as rodas de samba de Xerém. “Eu ia, mas pedia para a irmã dele cantar Nana para mim. Não ia para ver o Zeca”. O garotinho foi apresentado a uma cantora de samba, de quem ganhou um CD. Ela tinha um programa de rádio e os ouvintes podiam ligar para pedir músicas. Foi assim que, para participar do programa – coisa que adorava – Gabrielzinho foi ouvindo samba e se apaixonando mais e mais. “Comecei a seguir os outros sambistas, como Arlindo Cruz e Fundo de Quintal. Passei a ir às rodas de samba e a ficar conhecido. Às quartas-feiras, havia o Samba da Abolição, no Botafogo, mas eu não podia entrar. Então, pedia para minha mãe ir e filmar; depois eu assistia. Na quinta, tinha a Casa da Mãe Joana, onde eu ia assistir aos shows, mas não podia cantar por causa do juizado de menores. Eu tinha cinco, seis anos! Então, eles desciam com o microfone e eu cantava da plateia”. A roda de samba mais tradicional de Irajá era o Pagode da Tia Ciça, de onde Gabrielzinho tirou toda a sua banda.
“Eu comecei a me apresentar com sete pessoas. No começo a gente fazia no formato de roda de samba: eram quatro percursionistas, um cavaco, um banjo e um violão. Tinha uns seis anos nessa época. Meu primeiro cachê foi de R$ 100, em Niterói, aos sete anos de idade”. PARTIDO-ALTO Quando Gabrielzinho começou a frequentar o famoso Cacique de Ramos, aprendeu a fazer versos com Renatinho Partideiro, já falecido. “Hoje, Os Partideiros do Cacique são a nata do partido-alto. Na época, o Renatinho disse que eu tinha talento para improvisar, então comecei a fazer aula de partitura alta para aprender as técnicas, saídas de rimas únicas”. Aos 15 anos, começou a aprender a tocar cavaquinho. “Se eu enxergasse, veria a movimentação da corda dos outros e copiaria. Mas, não. A pessoa tem que botar meu dedo. ‘Bota o dedo aqui. Faz, agora muda. Bota o outro dedo em baixo...’. É preciso praticar bastante até ser uma coisa natural. Fico uma semana fazendo a mesma técnica para decorar e conseguir realizar de forma mais fácil”. Quando criança, Gabrielzinho participou da novela América (2005), de Glória Perez, e fez muito sucesso. Embora goste de atuar, a paixão maior é a música. “Meus shows são em qualquer lugar. Vou para as favelas, casas de festa fechada, viajo pelo Brasil inteiro. Eu já fui em quase todas as favelas: Rocinha, Complexo do Alemão, Morro do Dendê. O público da comunidade é super receptivo”, conta o sambista. Facinado por História e mangás, o rapaz foi alfabetizado em braile e hoje conta com o aplicativo de leitura de tela em seu iPhone para ler e-mails, Facebook e mensagens do WhatsApp. “Acho essencial o cego ser alfabetizado em braile, o surdo em Libras, assim como a pessoa que enxerga aprende a escrever em português, com tinta”. Para Gabriel, o Rio de Janeiro precisa melhorar muito em acessibilidade e inclusão da pessoa com deficiência. “A cidade tem muitos buracos, as calçadas altas, com degraus, são inacessíveis para o cadeirante, que tem que ser carregado. A maioria não tem rampa. É difícil. E não é só na rua: vou ao cinema e não tem audiodescrição. Tenho que ir com alguém, mas e se não tiver alguém para ir comigo? Não vou, não dá para ser independente”. A música Queda de braço fala de vários tipos de preconceito: racial, sexual, político e religioso. “Você está gostando do nosso partido,/ tem tanto partido que não é do bem./ Na queda de braço de esquerda e direita,/ a corda arrebenta para o lado de alguém./ Tem rico, tem branco, tem pobre, tem negro/ na alça de mira do nosso país,/ sem educação, segurança e saúde,/ como é que esse povo pode ser feliz?”. Em 2018 Gabrielzinho do Irajá pretende gravá-la e lançar seu terceiro CD. Mais uma queda de braço para vencer, outra rima para compor.
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Quando o mal transforma-se em bem Uma bala perdida não conseguiu parar a vida de Luciana Novaes, que é a primeira vereadora com tetraplegia do Rio de Janeiro texto Mayra Ribeiro entrevista Taís Lambert
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ão pergunte o porquê e sim ‘para quê?’”. Esse é o conselho que Luciana Novaes, aos 19 anos, ganhou da irmã, Jorgiane Gonçalves de Novaes, no leito do hospital ao receber a notícia que havia sido atingida por uma bala perdida enquanto tomava um lanche na cantina da faculdade. O acidente ocorreu em maio de 2003, durante um tiroteio entre policiais e traficantes do Morro do Turano, na Universidade Estácio de Sá, localizada na Zona Norte do Rio de Janeiro. Por consequência, ela ficou um ano e nove meses na UTI sem falar ou se alimentar via oral. “Eu e minha família ficamos perdidas. Me deram 1% de chance de sobrevivência. Caso o milagre acontecesse, eu vegetaria em cima de uma cama”, revela. Contudo, os médicos erraram o diagnóstico e hoje, aos 34 anos, destaca-se por ser a primeira vereadora com tetraplegia do município carioca. É filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT). Luciana se interessou pela política no hospital. Na época, uma menina faleceu vítima de um preso em liberdade condicional e a mãe dela foi ao complexo de saúde para arrecadar assinaturas a fim de mudar o Código Penal. “Eu decidi ajudá-la e pela primeira vez me senti útil desde o acidente”. Quatro anos após a internação, a vereadora começou uma faculdade inspirada por um amigo também tetraplégico. Em vez de voltar para enfermagem, devido à falta de acessibilidade nos estágios do curso, foi para a área de assistência social. Afinal, o importante era trabalhar diretamente com as pessoas. A aproximação com o setor público veio por meio de uma trajetória profissional em prol de outros, pois desta maneira é possível alcançar o máximo de pessoas. “Se Deus me deixou viva, foi com a intenção de que eu ajudasse a sociedade aqui na terra”. A estreia na política aconteceu em 2012. Mas, os 8.284 votos não foram o suficiente para vencer. Por outro lado, ela começou a ir ao encontro do movimento da pessoa com deficiência quando conseguiu fazer parte da Secretaria de Assistência Social, no Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Condef).
O sucesso chegou a partir de mais duas tentativas de candidatura, sendo uma delas para deputada estadual. Dessa forma, ela assumiu o cargo de vereadora com uma ideia em mente: o Rio de Janeiro precisa de um avanço em larga escala no quesito de acessibilidade e inclusão. A CADA AMANHECER Segundo a vereadora, as principais denúncias recebidas no gabinete pelo 0800 são em relação aos transportes públicos. “Quando há rampas nas calçadas, são extremamente íngremes. As plataformas de embarque dos veículos são perigosas por falta de apoio. O elevador de acesso não funciona em algumas estações do metrô. É uma vergonha! A cidade não está adaptada”. O despreparo percorre as regiões cariocas como se fosse uma epidemia. Passa pela saúde, cultura, lazer, educação e mercado de trabalho, o que afeta com frequência a vida dos cidadãos com deficiência. Os hospitais não têm atendimento para surdos e cegos. Às vezes, nem mesmo um acesso para os cadeirantes. Os espaços culturais não disponibilizam legenda, intérprete de Libras ou audiodescrição. As crianças e jovens são aceitos nas escolas apenas para o cumprimento da Lei Brasileira de Inclusão (LBI) e ainda assim, certas instituições cobram pela
“O meu sonho é um Rio de Janeiro mais acessível. Enquanto não acontece, peço que as pessoas com deficiência não desistam”
assistência extra. Há Lei de Cotas no ambiente organizacional, porém não é respeitada. “As empresas acham que a pessoa com deficiência produz menos. Então, reclamam da falta de mão-de-obra qualificada. Mas, as vagas não são divulgadas para a sociedade. Portanto, como vão encontrar alguém apto ao cargo?” Perante o cenário desafiador, Luciana aposta na fiscalização. No final do ano passado ela lançou uma cartilha formada pelos direitos básicos da pessoa com deficiência para que a sociedade ajude a relatar as irregularidades. O objetivo é intensificar essas ações em 2018 e desenvolver novos projetos ao longo do ano. Para dar conta das demandas diárias, Luciana tem uma rotina pré-estabelecida, em que prioriza a conciliação do trabalho e do tratamento. Pela manhã, ela toma um banho com o auxílio de duas assistentes, porque não sustenta a cabeça. O procedimento leva em torno de duas horas. Em seguida, a seção de fisioterapia começa. Quando os exercícios de reabilitação terminam, é hora de se alimentar e ir ao trabalho. Como o serviço de Home Care não a acompanha fora de casa, a irmã vai com ela ao gabinete. Engana-se quem pensa que há privilégios para políticos com deficiência. Na verdade, eles também estão submetidos ao descaso e com a vereadora não foi diferente. No início, a sala de trabalho era nota zero em acessibilidade. “O gabinete fica em uma casa com mais de 100 anos. Dizem que é um espaço do povo, mas diversas mudanças foram promovidas para eu conseguir entrar”. Apesar dos esforços iniciais, ainda existem motivos para militar. Antes, a Câmara tinha uma rampa na entrada, porém, por conta da arquitetura, trocaram-na por uma plataforma elevatória. “Em casos de emergência ou de quebra, como já chegou a acontecer, eu não conseguiria passar. Estamos brigando por uma mudança, pois coisas não podem estar acima de pessoas. Eles não enxergam a pessoa com deficiência, por isso estou lá”. No cotidiano a vereadora usa uma cadeira de rodas manual e um aparelho de respiração. O respirador funciona por meio de energia elétrica ou bateria, que pode ser interna ou externa, com duração de quatro horas. “Minha vida depende do aparelho. Eu consigo ficar apenas segundos sem ele”. No trabalho ela o mantém ligado na tomada e leva uma bateria extra. Enfim, a rotina termina por volta das 20h, com mais instantes de higiene pessoal e fisioterapia. Depois, ela se despe da carga de preconceitos e intolerâncias adquirida durante o dia para descansar. Afinal, a luta recomeça a cada amanhecer. “O meu sonho é um Rio de Janeiro mais acessível. Tenho esperanças, principalmente por ser uma cidade tão vista pelo mundo. Enquanto não acontece, peço que as pessoas com deficiência não desistam”. D+
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COMPORTAMENTO Giselle de Macedo, 32 anos, e a filha Bruna Spíngola, 14, com translocação cromossomial, celebraram a chegada de uma nova bebê na família durante um ensaio fotográfico em 2015
Amor em forma de click Fotógrafa cria projeto a fim de mostrar que crianças e jovens com deficiência existem, vivem uma vida comum e precisam participar das esferas sociais texto Mayra Ribeiro fotos Tatiane Moraes
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microcefalia e a paralisia cerebral são meros detalhes para Tatiane Moraes quando o assunto é a filha. Desde o nascimento, Ana Beatriz Rocha, de cinco anos, é a responsável por preencher o coração da mãe com boas sensações. “A gestação foi tranquila e eu trabalhei até quase os nove meses. Já o momento do parto foi de alegria, mas também de dúvidas. Sabíamos que havia algo diferente. Após um período cheio de incertezas e medos, os diagnósticos chegaram ao terceiro mês. Com a notícia, o meu foco foi iniciar os tratamentos para dar uma qualidade de vida melhor a ela. Eu não podia me entregar às dificuldades porque a Ana precisava de mim. Costumo dizer que fomos do luto à luta e hoje sou cheia de amor.” O sentimento maternal que a menina trouxe para a vida de Tatiane cresceu ao ponto de precisar expandir, o que levou a fotógrafa de 38 anos a criar o Borboleta Pequenina. A iniciativa consiste em fotografar gratuitamente crianças e jovens com deficiência em ensaios individuais ou com a participação da família. “Como a Ana tem uma deficiência motora grande, fotografá-la sempre foi um desafio. Porém, os registros que eu faço dela nas redes sociais são elogiados pela leveza e sorriso. Então, apesar de a minha filha não sentar ou andar sozinha, compreendi que é necessário encontrar melhores formas, melhores ângulos”, revela. A partir dessa percepção, a mãe passou a conversar com outros pais de crianças com deficiência e constatou que eles compartilhavam o desejo de fotografar os filhos, contudo, não encontravam um profissional adequado no mercado. “Cheguei a ouvir de uma família que o fotógrafo
largou o ensaio na metade porque não teve paciência. Comigo a história é outra, eles se sentem seguros porque eu tenho o mesmo olhar sobre as crianças com deficiência. Vivemos a mesma realidade. Por fim, decidi me dedicar a essas famílias”. SOB UM NOVO ÂNGULO O objetivo do Borboleta Pequenina é simples: mostrar por meio das lentes da câmera que as crianças e jovens com deficiência existem, vivem uma vida comum e precisam estar inseridas nas esferas sociais. “Ainda ouço muito frases como “Coitadinha, a criança com deficiência precisa ficar em casa. Por que você quer levá-la ao parque se ela não entende nada?”. Mas quem falou que ela não entende? Elas são lindas, felizes e querem estar nas ruas”, afirma Tatiane. A fotógrafa acredita que a inclusão deu um pequeno avanço desde a época em que os pais escondiam as crianças com deficiência nas residências por conta da não aceitação social. Entretanto, a caminhada ainda é longa. “Falta um acolhimento da deficiência. O preconceito vem da cabeça dos pais e não dos pequenos. Portanto, se não conseguirmos mudá-las, a sociedade não vai se transformar”.
“Cheguei a ouvir de uma família que o fotógrafo largou o ensaio na metade porque não teve paciência...” Tatiane Moraes, fotógrafa Revista D+ número 19
COMPORTAMENTO
Leonardo Gicovat, de seis anos, com paralisia cerebral, foi o primeiro a estar em frente à câmera no Borboleta Pequenina
Tatiane Moraes, 38, é fotógrafa há seis anos, mas apenas com o nascimento da filha encontrou um sentido para a carreira
Os pais Rosemary e Sérgio Siqueira acompanhados do filho Rafael, 26, com deficiência intelectual severa, foram os únicos adultos a serem fotografados no Borboleta Pequenina
Ana Beatriz Rocha, de cinco anos, com paralisia cerebral e microcefalia, em uma das suas poses (fofíssimas!) para a câmera da mãe, Tatiane Moraes
A mãe Jaqueline Silva, 43, com Leonardo Gicovat em um segundo ensaio fotográfico no Borboleta Pequenina
É uma ‘massagem no ego’ da pessoa com deficiência e dos familiares, pois mostra que a beleza está em todos nós... Jacqueline Gomes da Silva, contadora
João Pedro da Costa, de 11 anos, com paralisia cerebral, divertiu-se muito ao lado da mãe Andrea Torquato em um ensaio no Campo de São Bento, Niterói
A Nívia Silva, de 12 anos, com paralisia cerebral, entrou no clima do Borboleta Pequenina com a mãe Francisca Silva
Nesse cenário, a iniciativa surgiu para auxiliar a mobilização social em prol do respeito e da igualdade. Quanto ao nome do projeto, foi mais uma demonstração de carinho para a filha. “Eu chamava a Ana de minha borboletinha, na gestação. A decoração do quarto foi com borboletas. Elas são um símbolo de beleza, felicidade e transformação. Não tinha escolha melhor!” “MASSAGEM NO EGO” Segundo Tatiane, a chave para conseguir captar bons clicks das crianças e jovens com deficiência é ter paciência. É necessário entender as limitações e respeitar o tempo de cada um. “Reservo uma hora para a família, mas nem sempre é possível cumprir o horário estipulado porque cada participante tem uma particularidade e reage da sua maneira. Portanto, na maioria das vezes os ensaios se estendem um pouco mais”. Outro ponto muito importante no segmento da fotografia é garantir que a família leve acessórios ou brinquedos que o participante aprecie. “Eu conheço o comportamento da criança ou do jovem apenas no momento de tirar as fotos. Então, se tiver algum item conhecido, a interação com eles é facilitada”.
A fotógrafa também disponibiliza alguns acessórios durante os registros, que podem ser utilizados de acordo com a fluidez do ensaio. Ou seja, o processo acontece de forma livre, sem amarras. “O meu único pedido é uma troca de roupa para fotografar com dois looks diferentes”. No término, as imagens são enviadas via internet para a família. Ao todo, cerca de 15 famílias foram registradas durante três anos no Campo de São Bento, em Niterói, no Rio de Janeiro. Entre os fotografados está Leonardo Gicovat, de seis anos, com paralisia cerebral. Ele e a mãe, Jacqueline Gomes da Silva, 43, estrearam a iniciativa. O primeiro ensaio fotográfico foi feito em 2014. Porém, a dupla pegou gosto pelos holofotes e realizou uma segunda participação no Borboleta Pequenina dois anos depois. “É uma ‘massagem no ego’ da pessoa com deficiência e dos familiares, pois mostra que a beleza está em todos nós. Tenho imagens incríveis do Léo”, diz a mãe, orgulhosa. Para mais informações, mande um e-mail para: projetoborboletapequenina@gmail.com ou acesse facebook/projetoborboletapequenina. D+ Revista D+ número 19
EDUCAÇÃO
Inovação na educação
online para surdos O INES recebeu duas premiações do renomado Reimagine Education, considerado o “oscar” da educação mundial Texto Audrey Scheiner Fotos Divulgação
P
rincipal referência em educação para surdos no Brasil desde 1857, quando foi fundado pelo conde francês Ernest Huet, que era surdo, o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) recebeu em setembro de 2017 duas premiações. O Instituto faturou o primeiro lugar com o projeto do Curso Online de Pedagogia Bilíngue (Bilingual Education Course Brazilian Sign Language/ Portuguese Language) na categoria Educação Híbrida (Hybrid Education): quando o curso é ofertado misturando as duas modalidades, online e presencial. Ainda mais importante, o projeto alcançou a primeira colocação na categoria geral (Overall Award Winner), com a proposta mais inovadora nas áreas de tecnologia e educação do mundo. Considerado o “oscar” da educação mundial, o Reimagine Education é um programa de premiação internacional. O concurso é organizado pela instituição QS, responsável por avaliar e ranquear todas as instituições de ensino superior no mundo, e tem parcerias com Google, Microsoft e IBM. O concurso envolveu mais de mil projetos inscritos, das mais renomadas universidades em 73 países. “É a primeira vez que uma instituição brasileira conquista o primeiro lugar geral na premiação. Dentre os participantes, o INES superou instituições renomadas, como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Harvard, Oxford, dentre outros”, afirma Dirceu Teixeira, Professor do Magistério Superior na área de Educação à Distância do INES, onde atualmente exerce a função de coordenador do curso online de Pedagogia Bilíngue Libras-Português. POTENTE DIFERENCIAL Uma das grandes novidades do curso online é o Ambiente Virtual de Aprendizagem, desenvolvido de forma totalmente bilíngue, em Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa. “Tivemos de desenvolver diversas ferramentas bilíngues, como fórum, mapa mental, ambiente pessoal de aprendizagem, jogos, dentre outras. Nós utilizamos uma abordagem
de Educação Online onde são trabalhadas diversas possibilidades de interação, colaboração, mediação pedagógica e virtualização”, comenta Teixeira. Assim, a comunicação entre os estudantes surdos e ouvintes é verdadeiramente bilíngue. Nesse ambiente virtual de aprendizagem, os estudantes surdos e ouvintes são divididos em três grupos de dez alunos e, para cada grupo, são propostas trilhas de aprendizagem específicas com ferramentas diferentes para que eles possam aprender e construir tanto seus caminhos singulares, quanto seus caminhos em grupo. “Como cada estudante aprende de forma diferente, investimos em um ambiente que possibilite uma educação personalizada”, conclui o professor. O curso online de Pedagogia Bilíngue terá início em março deste ano, com ingresso anual de 390 alunos, distribuídos em 13 polos: no próprio INES, Instituto Federal de Goiás (IFG), Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), Universidade do Estado do Pará (UEPA), Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Universidade Federal de Lavras (UFLA), Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Desta forma, os polos estão distribuídos pelas cinco macrorregiões do país, e vão abranger estudantes surdos e ouvintes. O processo seletivo foi realizado com a nota do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem.
“É a primeira vez que uma instituição brasileira conquista o primeiro lugar geral na premiação” Dirceu Teixeira, coordenador do curso online
Equipe de profissionais que projetou o curso online do INES
Da direita para esquerda, em primeiro plano: Dirceu Edras, Bruno Galasso e Nunzio Quacquarelli, coordenadores do curso e pedagogos do INES
Ganhadores de todas as categorias do prêmio Reimagine Education
Segundo Bruno Galasso, 33, coordenador do Núcleo de Educação Online (NEO) do INES, cerca de 600 alunos, somando os estudantes da Educação Básica e do Ensino Superior, podem se matricular no curso, que tem duração de quatro anos. De acordo com Galasso, há 51 disciplinas que compõem o currículo em uma perspectiva bilíngue. “Temos disciplinas comuns ao currículo dos cursos de Pedagogia tradicionais e outras mais específicas, como História da Educação de Surdos, Educação Bilíngue e Libras”. O coordenador enfatiza que os materiais do curso online são todos bilíngues, produzidos primeiramente na Libras. “Utilizamos apresentadores surdos e/ou bilíngues em todos os materiais didáticos, colocando de maneira inovadora a língua de sinais no patamar de primeira língua. A produção desses materiais envolve um longo processo com 15 etapas, desde a pré-produção, a tradução, até a pós-produção”. IMPORTÂNCIA DO PRÊMIO E PLANOS FUTUROS “Esse prêmio é de grande relevância, pois traz visibilidade à Comunidade Surda, colocando a Educação de Surdos em destaque no cenário mundial”, comenta o professor Dirceu Teixeira. Ele destaca que o prêmio tem uma importância enorme não somente para o Instituto, mas para a Educação do país de maneira geral. “Esse reconhecimento mostra que temos profissionais de excelência no nosso instituto, engajados em projetos de grande relevância mundial”. Bruno Galasso relata que é uma pena que esse prêmio não tenha sido amplamente divulgado nos mais diversos
canais de comunicação. “Muitas vezes ouvimos dizer que o Brasil não é um país de grandes conquistas e quando algo dessa magnitude é alcançado, raramente chega ao conhecimento do grande público. Por isso agradecemos à Revista D+ pela oportunidade de divulgá-lo”. Além do Curso Online de Pedagogia Bilíngue, o INES lançou recentemente o livro O Panorama da Educação de Surdos no Brasil – Ensino Superior, do qual Dirceu e Bruno são autores. “Este livro apresenta um retrato fiel da situação dos estudantes surdos (deficientes auditivos, surdos e surdocegos) no país. Pela primeira vez em nossa história os dados do Censo da Educação Superior, realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), foram trabalhados sob a perspectiva da educação de surdos. Tal pesquisa, baseada no instrumento mais preciso e completo acerca das instituições de ensino superior, reflete a realidade dos alunos surdos entre os anos de 2010 e 2015”, enfatiza Dirceu. Ainda no início de 2018, o INES também lançará o livro A Escolarização de Estudantes Surdos no Brasil. “Desta vez, apresentamos um retrato dos estudantes surdos na Educação Básica em nosso país. Acreditamos que essa publicação será de grande importância para estudantes, professores e pesquisadores da área da surdez”. Além disso, ao mapearem o número de alunos atendidos pelas escolas das redes municipais e estaduais, o Instituto auxilia o Governo Federal a distribuir de maneira mais igualitária os recursos destinados à educação especial. D+ Revista D+ número 19
VIVER BEM
O projeto social Velejando Por Um Mundo Melhor ensina crianças surdas a velejarem e ainda pretende inserir cadeiras integradas aos barcos para que cadeirantes também sejam incluídos na ação Texto Audrey Scheiner Fotos Taís Lambert e Divulgação
Inspiração para o crescimento do projeto, Raphael Martins abriu portas para muitas crianças surdas aprenderem a velejar
A
o receber o desafio de ensinar vela para seu primeiro aluno surdo, Luísa Gandolpho, 20 anos, estudante e atleta da Nova Geração da Vela Brasileira com foco para preparação olímpica, entrou em um impasse: buscou metodologias para ensiná-lo a velejar, porém, não as encontrou. A professora de vela, que atua na área desde os 16 anos, viu no Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), uma oportunidade de aprender Libras, adaptar as
aulas e, assim, poder ensinar mais crianças surdas a velejar. “Tudo começou em março de 2017, quando recebi o desafio de ensinar o Raphael Martins [aluno surdo]. Comecei a criar por conta própria movimentos com bandeira para que fosse possível fazer o contato com ele durante as aulas práticas. Assim, dei início ao projeto para mudar essa realidade – por meio de uma metodologia inovadora e pioneira no Brasil, de inclusão da vela”, conta Luísa.
Luiza Gandolpho com Vitor Prudêncio. À direita, Nabila e Marcos Prudêncio junto ao filho
Em julho do ano passado, o projeto Velejando recebeu Vitor Prudêncio, 22, que aos 15 anos teve um AVC hemorrágico espontâneo e, em decorrência do acidente, ficou com sequelas motoras importantes por causa do sangramento intenso – incluindo a fala. No entanto, a parte cognitiva de Vitor está preservada: ele entende absolutamente tudo e, por causa disso, mantém seu amor por atividades radicais. “Desde criança ele gostava de surfar. Quando um amigo que faz pranchas o colocou em cima de uma, há três anos, ele pegou impulso com um movimento na água e isso foi incrível”, conta Nabila Omran Prudêncio, 52, arquiteta e mãe de Vitor. A convite de Leonardo Gandolpho, a família de Vitor o levou para velejar em um barco mais estável que Luísa encontrou, adaptado à condição física dele. “Depois que ele entrou no barco, foi uma alegria só. Coloquei-o primeiro no cabo da vela, e depois no leme. Ele foi gargalhando! Foi legal que ele se sustentou sozinho: tentava se manter reto, sem escorregar”, comenta Luísa. “O Vitor foi muito estimulado. Hoje, ele movimenta um pouco o corpo, só não tem tônus muscular”, relata Marcos Prudêncio, 55, engenheiro e pai do jovem. De acordo com ele, o filho passou a evoluir mais depois que se dedicou aos esportes. “Quatro anos atrás, o Vitor mal interagia com a gente. Hoje, ele é empresário, tem um site, está ganhando o dinheiro dele”, enfatiza. Segundo a neurobióloga Marta Relvas, 55, autora de livros pela Editora Wak, o cérebro tem um papel fundamental
para promover os exercícios motores, pois é através das atividades mentais que se estabelece a relação entre o corpo e a mente, resgatando-se movimentos até então perdidos. “A atividade física promove uma melhor qualidade no resgate da memória muscular, pois ao pensar como aquele movimento era realizado antes de um acidente cardiovascular, pode-se auxiliar as células neuronais e as neuroglias a realizarem plasticidade neuronal intencional, ou seja, uma capacidade do cérebro ‘reprogramar-se’ para uma determinada atividade”, explica. Marta enfatiza que, dependendo da área do cérebro afetada, nem sempre se tem 100% de garantia de que os movimentos sejam recuperados totalmente. “Mas a atividade física garante uma melhor qualidade da saúde mental”. O pai de Vitor comenta que o esporte, para o filho, se baseia na repetição dos movimentos e dos estímulos. “O esporte fez nosso filho retomar essa motivação para os movimentos e tem ajudado bastante. É preciso tentar de tudo. Até alpinismo querem fazer com ele! Se tiver algum cadeirante participando, estaremos lá para acompanhar o Vitor fazendo essas coisas!”, finaliza o pai, aos risos. Em parceria com a PUC-Rio, Luísa planeja fazer mais cadeiras adaptadas para que pessoas como o Vitor possam aproveitar a vela. Conheça mais sobre Vitor Prudêncio: www.vitorprudi.com.br
Revista D+ número 19
VIVER BEM “O velejo é muito importante pra mim. Quero um dia poder chegar às Olimpíadas. A minha professora de vela é muito legal!” Raphael Martins, aluno surdo
EM BUSCA DA INOVAÇÃO Velejando Por Um Mundo Melhor nasceu e se tornou um projeto esportivo, usando os resultados das pesquisas que Luísa fez no INES. “Com o auxílio do instituto e parcerias com a PUC-Rio, o Instituto Gênesis e o Instituto Tecgraf, criei uma nova metodologia que consiste em utilizar movimentos com bandeiras coloridas e criar simbologias em Libras para facilitar a comunicação à distância no barco a vela”, enfatiza a atleta. Segundo ela, as aulas de vela faziam parte da grade de educação física de uma turma com sete alunos do Ensino Fundamental I do INES e foram separadas em dois módulos: teóricas e práticas. As aulas teóricas tinham a duração de 90 minutos e apresentavam palestras, trabalhos de respiração, filmes e atividades para que as crianças pudessem sentir o vento. “O ensino prático durava duas horas e teve o apoio do Clube Naval Piraquê, onde as crianças tiveram acesso às embarcações e puderam desenvolver os ensinamentos do primeiro módulo”. Sempre com a preocupação de demonstrar respeito e incluir o aluno surdo nas aulas, Luísa esteve acompanhada de um professor responsável pela turma de alunos surdos, com o domínio da teoria e dos conteúdos de uma aula de educação física, além de habilidade pedagógica para auxiliar nas aulas teóricas e práticas. “O objetivo é que as ações realizadas durante as aulas resultem em materiais pedagógicos e vídeos em Língua de Sinais, que irão compor um Guia de Ensino Oficial [Glossário], específico para o ensino da vela para surdos, que será encaminhado para a Confederação Brasileira de Vela e distribuído em clubes náuticos no Brasil”, adianta a atleta. Luisa lembra que no início não foi fácil estruturar a metodologia. “As crianças eram muito dispersas, agitadas e por isso não conseguiam focar em uma coisa só. Mas no decorrer das aulas, elas começaram a entender o propósito das instruções e focaram mais”. Foi quando Luísa começou a incluir métodos mais lúdicos, como desenhos e pinturas, o que também facilitou. De acordo com Leonardo Carmo Santos, professor de Educação Física da turma de terceiro ano do Ensino Fundamental do INES, ele acompanhou de perto as aulas das
Gaysa e Leonardo Gandolpho junto a filha e do Vitor, precursor do velejo adaptado para cadeirantes
Luísa Gandolpho fez muito para concretizar o projeto Velejando Por Um Mundo Melhor, mas se engana quem pensa que ela está sozinha nessa. Seus pais, Gaysa e Leonardo Gandolpho estiveram ao seu lado ao longo dessa jornada pela inclusão. “Meus pais sempre me apoiaram, e isso é muito bom! Se não fosse pela ajuda deles, o projeto não estaria no patamar que está. A inclusão social é algo necessário, todas as pessoas deveriam ter essa consciência inclusiva”. Para Gaysa, ver o trabalho que a filha faz é uma experiência maravilhosa. “Cada dia nos surpreendemos mais! A adaptação deles foi fácil e as crianças estão sempre prontas para aprender”, relata a mãe, orgulhosa. “A vela é um esporte que possui muitas variáveis, como o vento, a maré e as ondas, por isso, cada dia é diferente, a influência das intempéries não se repete. Tal como na vida, ao aprender a velejar o jovem aprende também a tomar decisões e ser responsável por suas consequências, boas ou ruins”, acredita Leonardo. O pai diz também que a deficiência, em muitos casos, vem acompanhada de transtornos que são trabalhados de forma global para o progresso do jovem. “Isso ajuda também na sua integração com a família, muitas vezes, suprindo necessidades de outras carências”, finaliza.
Luisa comunica-se com um de seus alunos durante sua aula de velejo Raphael Martins em aula com a professora Luisa. Atualmente, Raphael já consegue velejar sozinho e participa de campeonatos
Virar o barco Optmist é uma das aulas dadas por Luisa no Clube Piraquê
De acordo com Luísa, o Velejando Por Um Mundo Melhor irá se dedicar à elaboração de um glossário das expressões náuticas, que ficará de legado para a inclusão de jovens e crianças na prática do esporte, além de criar oportunidades de trabalharem no setor náutico. Para a idealização e validação desse material, será preciso fazer um registro de todas as expressões ao lado de intérpretes e especialistas do INES. “O conteúdo do livro será toda a trajetória do projeto, apresentando detalhes sobre as aulas práticas e teóricas, a história dos 160 anos do INES, o olhar dos professores sobre a melhoria comportamental dos alunos integrantes do projeto em sala de aula e a história dos apoiadores do Projeto”, relata a idealizadora. Conheça mais em www.velejandoporummundomelhor.com.
“O projeto Velejando é relevante ao oportunizar vivências de um esporte de elite, como a vela, em uma escola pública no Brasil” Leonardo Carmo Santos, professor de Educação Física no INES
crianças no velejo e acha a ação genial. “O projeto Velejando é relevante ao oportunizar vivências de um esporte de elite, como a vela, em uma escola pública no Brasil. Apenas esse fator já o torna raro. Mas ele avança essa barreira ao contemplar alunos surdos e procurar adaptar as aulas de acordo com as especificidades visuoespaciais e linguísticas que esse grupo necessita”, enfatiza Leonardo. Para ele, o projeto abre as portas para que mais atletas surdos possam participar de competições olímpicas. GAROTO ESTOPIM Raphael Martins, 12, tomou gosto pela vela por causa do pai, Márcio Martins, 52, auditor fiscal da Receita Federal, que pratica o esporte desde 2001. “Há três anos, ele sempre pedia para velejar comigo. Ele curtiu bastante e me pediu para matriculá-lo na escola de vela do Clube Piraquê, onde conhecemos a professora Luísa. A partir disso, ele começou a velejar na classe Optmist, para iniciantes”, conta o pai. Segundo Martins, todas as crianças surdas deveriam poder experimentar, pois proporciona o contato com a natureza. “É um esporte em que a deficiência auditiva não interfere em praticamente nada. Todos os sinais das regras do velejo são feitos por embandeiramento, a linguagem é visual. Não vejo problema em ver uma equipe de velejadores surdos competindo de igual para igual, como qualquer outro velejador”, enfatiza. Raphael ama ter aulas com a professora Luísa. “O velejo é muito importante pra mim. Quero um dia poder chegar às Olimpíadas. A minha professora de vela é muito legal. No começo, para eu aprender foi um pouco difícil, mas a Luísa me ajudou bastante!”, comenta o aluno com alegria. O pai de Raphael é enfático: “Enquanto ele estiver feliz e à vontade, vamos apoiá-lo. É preciso motivar as crianças com deficiência auditiva a virem para a vela, pois não há qualquer tipo de barreira para quem tem essa deficiência. É preciso melhorar a sociedade para isso”, finaliza o pai. D+ Revista D+ número 19
ACESSIBILIDADE
A falta de padronização e acessibilidade nas calçadas do Rio de Janeiro não dá outra opção para a pessoa com deficiência: o jeito é ir pelas ruas
Os amigos Aílton Saturnino e Luiza Zwang militam na causa da pessoa com deficiência há 27 anos. Na foto, carro estacionado ilegalmente em vaga específica
Buracos, bueiros, poças de água, pedras portuguesas, cadeiras de restaurantes e comércios irregulares contribuem para a falta de acessibilidade nas calçadas de Copacabana
Acima, a poça de água na rampa do cruzamento da Rua Miguel Lemos com a Aires de Saldanha torna inviável a passagem do cadeirante, assim como a de uma pessoa idosa ou pais com carrinhos de bebê. Só mais um dos muitos empecilhos para a mobilidade autônoma
O trajeto do absurdo O desafio começa no momento de sair de casa, passa pelas barreiras arquitetônicas e atitudinais e desemboca no descaso. Conheça a real mobilidade no Rio de Janeiro sob as rodas de dois cadeirantes texto Mayra Ribeiro
fotos e colaboração com a entrevista Taís Lambert Revista D+ número 19
ACESSIBILIDADE Nesta sequência de três imagens fica claro que atravessar a rua é possível... Mas como subir e andar pela calçada?
D
e acordo com Rodrigo Vieira, secretário de Estado de Transportes do Rio de Janeiro, em termos de acessibilidade o sistema de ônibus oferece à pessoa com deficiência uma plataforma elevatória para cadeira de rodas em itinerários urbanos e de transbordo em traslados rodoviários. Por sua vez, o metrô está entre os mais acessíveis do mundo ao lado de Hong Kong, Londres e Barcelona. “São 331 equipamentos de mobilidade nas 41 estações. Há também a presença de rampas, pisos táteis, elevadores e agentes de segurança treinados para um atendimento personalizado”, enquanto que os trens adquiridos recentemente ou reformados têm assentos preferenciais, locais exclusivos para cadeirantes e sinalização visual e sonora nas portas. O Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), que está sob os cuidados da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (CDURP), apresenta um botão para prolongar a abertura das portas a fim de facilitar o desembarque; nivelamento na plataforma, rampas com sinalizações em braile, piso tátil e recursos internos conforme a Lei Brasileira de Inclusão (LBI). Apesar de o discurso sobre características acessíveis em veículos públicos estar na ponta da língua das autoridades, é possível perceber que a temática de inclusão social ainda engatinha. Infelizmente, os benefícios citados pelos de altos cargos no Estado não condizem com a realidade daqueles que precisam ir para as ruas trabalhar, estudar, namorar, sair com os amigos... afinal, não é só de consultas médicas que a pessoa com deficiência vive. “A questão da acessibilidade é complexa e começa no momento de sair de casa. Quando conseguimos alcançar
As rampas aparecem em meio aos mais diversos obstáculos, como de frente para uma grade, muro, poste, hidrantes...
os transportes públicos, a utilização é inviável porque, além de demorar muito, ao chegar o motorista do ônibus sempre tem alguma desculpa para a pessoa com deficiência não embarcar. Quando essas desculpas acabam, partem para o lado pessoal, o que deixa claro que as empresas não estão preocupadas em qualificá-los para trabalhar de forma inclusiva. Ainda falta muito para que nós consigamos transitar nas ruas sem dificuldade”. O relato é de Luiza Zwang, 52, assistente administrativa. A moradora de Triagem, na Zona Norte do Rio de Janeiro, tornou-se cadeirante por conta de um erro médico e milita na causa da pessoa com deficiência há 27 anos, ao lado do halterofilista e praticante de badminton Aílton Saturnino, 45, com poliomielite. Ela e o paratleta de Belfort Roxo se conheceram na antiga Sociedade Amigos do Deficiente Físico (Sadef). “Sinto-me completamente impotente como cidadã porque sempre tem uma questão que impede o meu direito de ir e vir. É difícil deparar com os mesmos desafios de 30 anos atrás”, afirma a militante. Isso sem contar um acontecimento recorrente: cadeirantes precisam que alguém sem deficiência dê sinal para o ônibus enquanto eles se escondem no ponto, porque essa é a maneira mais garantida de o transporte finalmente
“Me sinto completamente impotente como cidadã...” Luiza Zwang, assistente administrativa
Para Luiza Zwang, de 52 anos, com mobilidade reduzida, é difícil se deparar com os mesmos desafios de 30 anos atrás. De novo, tem que ir pela rua
“A funcionalidade na acessibilidade é tratada como um mero detalhe” Aílton Saturnino, paratleta parar, já que é comum motoristas não pararem ao avistar que quem dá o sinal é um cadeirante. A fim de exemplificar o descaso a que está sujeita diariamente, Luiza recorre ao bairro que reside. “Na estação de metrô o elevador do térreo com acesso à plataforma de embarque não funciona, pois foi feito em uma rua que costuma alagar. Ou seja, energia e água é acidente na certa. Entretanto, para ajudar a pessoa com deficiência foram construídas rampas. A boa vontade seria válida se elas não estivessem no relento, de baixo de sol e chuva. Eu entendo que existem pessoas com deficiência que precisam de auxílio, mas, ao sair de casa sozinha, ela está provando que é capaz. Então, a acessibilidade plena precisa estar lá para recebê-la”. As falhas nos transportes públicos também se fazem presentes na rotina de Saturnino e ele puxa na memória um dos episódios que o marcou. O paratleta e um amigo cadeirante haviam ido para a estação Central do Brasil. Assim que o trem parou, esvaziou-se e não tinha ninguém para ajudá-los a sair. A passagem autônoma era impossível por conta dos 25 centímetros de desnível entre o veículo e a plataforma. A alternativa foi gritar por socorro e ter a sorte de um funcionário da limpeza que estava nos arredores ouvir. O senhor chamou os agentes para tirá-los dali. “É
A questão da acessibilidade é complexa e está longe de ser resolvida. Locais com muita inclinação demandam extremo esforço e no elevador da Estação Cantagalo, só entra um cadeirante por vez. No metrô, sem um forte impulso não se vence o degrau
Revista D+ número 19
ACESSIBILIDADE
Para Aílton Saturnino, de 45 anos, com poliomielite, a acessibilidade em transportes públicos merece nota três. “Sendo muito generoso”
desanimador. Para um cadeirante ter autonomia nos transportes públicos é necessário de três a cinco anos. Mas, mesmo assim, ainda há situações de risco. Principalmente em regiões mais afastadas, como a Zona Oeste e Baixada. O governo diz que não tem demanda...”. A pessoa com deficiência fica entregue à invisibilidade na maior parte do ano, contudo, quando as eleições batem à porta, passam a ser vistas. A insatisfação com as autoridades chega inclusive aos órgãos responsáveis pelos direitos do segmento. “Defendem a nossa cidadania em 10%”, diz Luiza. Um dos pontos de descontentamento é a gratuidade nas passagens. Ela é válida apenas no município com a apresentação de um laudo médico da Clínica da Família. Portanto, para tê-la é necessário fazer um acompanhamento periódico. Diante das barreiras arquitetônicas e atitudinais, a sociedade carioca parece passar uma mensagem às pessoas com deficiência: “Vocês não fazem parte”. Nesse cenário, a Revista D+ embarcou em uma jornada pelas ruas do Rio de Janeiro com o casal de amigos para sentir na pele a verdade nua e crua em transportes públicos da cidade. Em plena manhã de um domingo ensolarado, o trajeto escolhido foi nada menos do que “a princesinha do mar” de Tom Jobim, Copacabana, e o futurista Museu do Amanhã – dois fortes marcos da Cidade Maravilhosa. NA PELE Do Posto 5 de Copacabana ao Museu do Amanhã via metrô e VLT leva cerca de 50 minutos. Porém, foram necessárias três horas e 30 minutos para completar o trajeto que iniciou às 10h30, na Avenida Atlântica. “As pedras portuguesas são apenas para embelezar a cidade, elas prendem a cadeira de rodas e fazem os andantes tropeçar”, conta Luiza, sobre o famoso calçadão da praia de Copacabana. Além da dificuldade na mobilidade, a falta de padronização é outro desafio que não se restringe à zona turística. “Às vezes há uma rampa a cada dois metros, outras a cada cinco. Elas não atendem à lei que determina 90 graus de inclinação. Ou seja, a funcionalidade na acessibilidade é tratada como um mero detalhe”, completa Saturnino.
“As únicas estações de metrô adaptadas foram as utilizadas na Paralimpíada” Aílton Saturnino, paratleta Ao virar à esquerda na Rua Miguel Lemos, a afirmação de falta de sensibilidade pública é concretizada no cruzamento com a Rua Aires de Saldanha a partir de uma rampa mal feita com água suja empoçada. Ao continuar o trajeto pela Avenida Nossa Senhora de Copacabana a situação piora. Há duas rampas em bueiros, sendo que uma delas termina rente a uma parede e ao lado de um hidrante. A passagem é totalmente inviável. No trajeto, Luiza e Aílton foram obrigados a disputar espaço com os carros, ônibus e motos no meio do asfalto, expondo-se ao perigo iminente e, também, às buzinadas e xingamentos dos motoristas. Tudo isso porque na calçada é impossível transitar. Depois de inúmeros percalços, chegamos à estação de metrô Cantagalo, na Praça Eugênio Lima. Logo de início uma peculiaridade chama atenção: no elevador de entrada cabe apenas uma pessoa com mobilidade reduzida. Por consequência, um casal de cadeirantes não pode utilizá-lo. Após essa primeira etapa, outras surpresas desconfortáveis: a rampa e o elevador que dão acesso à plataforma de embarque estavam desligados e em péssimas condições de uso, o agente de suporte não tinha a chave para ligar a rampa eletrônica. No embarque continua a tradição de desnível entre a plataforma e o veículo. “É preciso dar um bom impulso com a cadeira de rodas para conseguir entrar, e o piso tátil empaca o processo”, diz o paratleta. Em tese, o caminho mais fácil para o Museu do Amanhã é descer na Uruguaiana e ir a pé. Contudo, não é acessível. “As únicas estações de Metrô adaptadas foram as utilizadas na Paralimpíada. Elas estão indicadas no mapa por um símbolo da pessoa com deficiência”, reforça o paratleta. A Cinelândia é uma delas, sendo que em seguida é necessário embarcar no VLT. Ao todo, foram oito estações e uma dor de cabeça para encontrar o elevador de desembarque que estava sem sinalização e desligado. Já a partir da Avenida Rio Branco, dentro do VLT, são quatro paradas para chegar à dos Museus. Durante o percurso não houve acessibilidade para surdos e cegos. O espaço destinado aos cadeirantes também não estava especificado. Por outro lado, o final do trajeto deu um motivo para sorrir: havia uma rampa para facilitar a saída. “Hoje muitas pessoas com deficiência estão enclausuradas em casa por conta de humilhações que resultaram em desânimo. Mas elas não devem agir como vítimas. Todo cidadão, independentemente da condição, deve ir atrás
De acordo com o casal de amigos, há uma dificuldade em “passar o bastão” da militância porque as pessoas com deficiência costumam optar por ficar em casa, pois já se sentem presas pela inacessibilidade. Depois de quase quatro horas, finalmente, no ponto de chegada
dos direitos. Somente aumentando as forças vamos conseguir modificar a realidade”, pondera Saturnino, sobre os próximos passos a serem tomados em relação ao cenário dos transportes públicos. O caminho não é diferente segundo Luiza. “O segredo está na fiscalização e cobrança”. Segundo Geraldo Nogueira, Subsecretário da Pessoa com Deficiência no município do Rio de Janeiro, sediar jogos olímpicos e paralímpicos e uma Copa do Mundo não foi o suficiente para conscientizar as autoridades públicas sobre a necessidade de promover a acessibilidade. “Todas as ações feitas concentram-se nos espaços esportivos. Uma curta visão de gestão que traz consequências negativas para a independência do cidadão. Ainda é preciso uma mudança no processo evolutivo da sociedade carioca”. Para Nogueira, houve um avanço nos últimos anos, mas o momento de crise atrapalha o progresso. “Estamos falando de uma mega cidade, não temos a ilusão de resolver a inacessibilidade de uma hora para outra”. Enquanto isso, sair de casa continua um desafio. D+ Revista D+ número 19
NOSSA CAPA RUMOS & DESCOBERTAS
Jardim Botânico do Rio de Janeiro
Para ver, sentir e se divertir Os prazeres do lazer podem estar na beleza do destino, na diversão pelas atividades que ele proporciona ou no fascínio que o novo nos gera. A Revista D+ não poderia deixar de olhar os destinos turísticos que o Rio traz para os seus moradores e visitantes, que vão além de suas belíssimas praias. Separamos para esta edição três lugares onde certamente o visitante irá se surpreender. Embarque conosco e se inspire a ir nesses locais acessíveis a todos texto Audrey Scheiner e Brenda Cruz fotos Taís Lambert
Revista D+ número 19
NOSSA CAPA RUMOS & DESCOBERTAS
A beleza do sentir
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o passar pelo imponente portão de ferro do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, o visitante logo se vê em um ambiente bem diferente da zona urbana. A arquitetura clássica do início do século 19 traz poucas casas em meio à vegetação vasta, são 54 hectares para visitação do total de 137. As espécies de plantas são organizadas por ambientes característicos, como a região amazônica, o caminho da mata atlântica e herbários. A primeira parada é a Centro de Visitantes, onde folhetos informativos são distribuídos para o visitante realizar o tour. À pessoa com deficiência ou mobilidade reduzida, são disponibilizadas quatro cadeiras de rodas e também um carrinho de passeio adaptado que a permite entrar sem a necessidade de fazer transferência da cadeira de rodas para o carrinho, como conta a chefe do Serviço de Atendimento ao Visitante, Marcia Faraco Alves. “Ao chegar ao Centro de Visitantes, basta solicitar a cadeira e o serviço. O carrinho vai deixando a pessoa nos pontos de parada e a espera ou a busca depois para seguir para os outros pontos”, contou. A menina dos olhos é o Jardim Sensorial. O lugar que abriga plantas e flores que aguçam os sentidos do olfato, tato e paladar tem como objetivo proporcionar novas experiências ao público. Ulisses Carvalho de Souza, 35 anos, responsável técnico pelo local, conta que ele foi criado em 1985 por Cecilia Beatriz, que já na época pensou em um recorte para atender as pessoas cegas. “Hoje nós somos referência para outros jardins botânicos, escolares, pedagógicos e institucionais por termos tido esse pioneirismo”, conta Ulisses.
Aos visitantes são oferecidas vendas para os olhos e os guias, quatro monitores cegos, então disponíveis para orientar durante o percurso. “Temos placas em braile, os pisos táteis, uma adequação maior do espaço para que os monitores cegos possam se localizar, já que eles ficam aqui diariamente, portanto são os anfitriões, vendam as pessoas e sabem onde está tudo”, pontua o responsável técnico. O desafio do jardim é tornar o mais acessível possível os caminhos naturais, e Marcelo Ferreira, coordenador de restauração, obras e manutenção, é quem averigua periodicamente as condições de terreno, poda e nivelamento (se possível) dos lugares. Ele conta que a portaria localizada na Rua Pacheco Fonseca foi planejada com base na norma NBR ABNT 9050/2004 de acessibilidade. “Nós trouxemos o pessoal do Instituto Benjamin Constant e a Comissão de Acessibilidade da OAB para avaliar. Essa é a portaria mais moderna referente à questão da acessibilidade”, afirmou Ferreira. Ao longo de todo o passeio, toda a beleza da natureza vai causando surpresa e encantamento. É um lugar para ir sem pressa, sem outros compromissos ao longo do dia, pois há muito para ver, mas muito mais do que isso, há muito para sentir.
JARDIM BOTÂNICO DO RIO DE JANEIRO Rua Jardim Botânico, portões nº 920 e nº 1008; Rua Pacheco Leão, nº 101 www.jbrj.gov.br
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6 5 1. O objetivo do jardim é proporcionar uma experiência sensorial diferente a adultos e crianças 2. Escolas e instituições podem agendar uma visita guiada no jardim 3. Ulisses Carvalho de Souza, responsável técnico do Jardim Sensorial 4. O piso tátil da bilheteria auxilia a pessoa cega a se locomover em segurança 5. O Caminho Acessível da Mata Atlântica oferece rampa de acesso 6. Banheiros adaptados estão espalhados pelo jardim 7. Marcia Faraco Alves, chefe do Serviço de Atendimento ao Visitante e Marcelo Ferreira, coordenador de restauração, obras e manutenção 8/9. No Jardim Sensorial há piso tátil e placas em braile para auxiliar tanto os monitores cegos quanto os visitantes 10. A bilheteria da Rua Pacheco Fonseca foi planejada dentro das normas de acessibilidade da ABNT
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Um oceano de possibilidades
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onsiderado o maior aquário marinho da América Latina, o AquaRio do Porto Maravilha é completamente moderno e multifuncional no quesito educação, pesquisa, conservação, lazer, entretenimento e cultura, que cria a oportunidade da Cidade do Rio de Janeiro oferecer a visitação de um espaço único com atrações e tecnologias inovadoras pouco vistas no Brasil. O AquaRio, que possui 26 mil m² de área construída e 4,5 milhões de litros de água, tem 8 mil animais de 350 espécies diferentes em exposição. Diversas atrações inéditas, recintos e tanques grandiosos e toda a infraestrutura necessária dão conta de proporcionar um entretenimento educativo e prazeroso ao público. O Recinto Oceânico e de Mergulho, tanque principal do local, possui 3,5 milhões de litros de água e um túnel disputadíssimo passando por seu interior. A combinação da impressionante massa d’água com a grande quantidade de peixes se revela uma experiência marcante, visto que aproxima visitantes de diferentes peixes, raias e tubarões. Há ainda outros 24 tanques secundários e áreas específicas – como os três tanques de toque – onde o público, especialmente as crianças, poderá interagir com alguns dos animais expostos. Além da estrutura espaçosa para cadeirantes, rampas e elevadores com botões em braile, o projeto de aces-
AquaRio Praça Muhammad Ali, Gambôa, Rio de Janeiro www.aquario.rio
sibilidade do aquário marinho carioca vem implementando um projeto para colocar pisos táteis e mais representações de animais marinhos em impressão 3D, para que pessoas cegas possam sentir as formas. Por enquanto, os animais são representados por brinquedos e bichos de pelúcia, além da casca de uma lagosta que fez uma troca de pele: assim, visitantes cegos podem saber como são as estruturas de diversos seres que vivem no oceano. São ações singelas que visam a incluir da maneira que é possível nesse momento. O local também proporciona visitas de pessoas autistas por meio da ação Sessão Azul, em que a cada primeiro domingo do mês, crianças e adultos com autismo podem fazer uma visita especializada. “O circuito é modificado, as luzes ficam acesas, temos um guia sensorial que mostra as coisas para eles. Isso é para todas as idades. Eles gostam bastante e ficam maravilhados! Os sons dos ambientes também são adequados, ficando um pouco mais amenos”, afirma Karin Pinheiro, educadora e responsável pelo projeto de acessibilidade no aquário. No subsolo do aquário, o local que desperta maior frisson nos visitantes é um dos tanques de toque. Nele, é possível tocar em diversas espécies de peixes, raias, estrelas do mar, conchas e algas. E quem estava lá era Tiago Freitas Ribeiro, 32, empresário que há quatro anos perdeu a visão do olho esquerdo e tem 60% de visão do direito, devido ao diabetes. Foi ao aquário pela primeira acompanhado de três irmãs. “Estou adorando tudo isso! Afinal, tenho essas audiodescritoras ao meu lado para me ajudar a curtir esse espaço”, afirma o jovem, referindo-se a
suas companheiras de passeio. Segundo ele, a experiência de tocar seres do mar ajuda a matar um pouco a curiosidade. “É uma experiência incrível. Pretendo voltar aqui com os meus pais, que são do Mato Grosso do Sul e vieram me visitar aqui no Rio”, conta o rapaz. Para ajudar na eficiência do atendimento especializado para pessoas com deficiência, o AquaRio recebe a colaboração do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), do Instituto Benjamin Constant, que atende pessoas cegas, e do Oscar Clark, que trabalha com a reabilitação de pessoas com diversos tipos de deficiência. Segundo Karin Pinheiro, “a ajuda deles é fundamental para sabermos como podemos implementar cada recurso. Contamos, por exemplo, com intérprete de Libras e sensibilização dos funcionários, mas estamos caminhando para melhorar. Ainda há muito o que fazer”, reconhece a educadora.
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1. O Túnel é um dos pontos mais desejados durante o trajeto do circuito. Raias e tubarões garantem o encantamento 2. O AquaRio promove atividades acessíveis para cegos e também para quem quer conhecer o braile 3. Thiago Ribeiro, com deficiência visual, ao lado do tanque de toque 4. Durante o circuito, muitos aquários com diferentes espécimes de vida marinha 5. Karin Pinheiro, principal organizadora do sistema de acessibilidade do AquaRio 6. Objetos que representam animais marinhos para crianças cegas os conhecerem por meio do tato 7. Karine Freitas, intérprete de Libras do AquaRio
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NOSSA CAPA RUMOS & DESCOBERTAS
História em arte e em Libras
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Museu de Arte do Rio promove uma leitura transversal da história da cidade, seu tecido social, sua vida simbólica, conflitos, contradições, desafios e expectativas sociais. Suas exposições unem dimensões históricas e contemporâneas da arte por meio de mostras de longa e curta duração, de âmbito nacional e internacional. O museu também promove a missão de inscrever a arte no ensino público, por meio da Escola do Olhar. O MAR está instalado na Praça Mauá e tem atividades que envolvem coleta, registro, pesquisa, preservação e devolução à comunidade de bens culturais – sob a forma de exposições, catálogos, programas em multimeios e educacionais. Em 2018 a instituição completa cinco anos de existência, e na relação com as pessoas com deficiência, desenvolve linhas conceituais que integram o Programa de Acessibilidade do MAR. O museu realizou em 2015 seu batismo em Libras, escolhendo com o público surdo o sinal que o identificaria. “A partir de então, o MAR estabelece com a comunidade surda uma plataforma de participação. Nessa relação criou-se o MAR em Libras: uma conversa na galeria, em Libras, que é traduzida para português, para a qual convidamos mensalmente uma pessoa surda a fim de promover uma visita ao público geral a partir de suas percepções e observações sobre a mostra”, afirma Janaína Melo, gerente de educação do museu. O MAR em Libras acontece no último domingo do mês a partir das 14h e a programação, que também conta com vídeo convite (em Libras, apresentando o tema do mês), fica disponível no site e nas redes sociais do museu.
De acordo com Janaína, também foram realizados o Primeiro e o Segundo Fórum de Cultura Surda, encontro anual de discussão com a comunidade surda sobre as diretrizes de programação. “Também fazemos a Semana de Cultura Surda e Educação, que ocorre há dois anos como desdobramento do Fórum e conta com palestras, debates e oficinas práticas e teóricas ministradas por surdos e com algumas ações exclusivas para pessoas surdas”. Dentro da ação do Setembro Azul, a gerente de educação comenta que o MAR ilumina sua cobertura fluida com a cor do movimento que há dois anos recebe no seu pilotis e espaços expositivos a concentração de todas as pessoas que participam da Caminhada do Orgulho Surdo da Cidade do Rio de Janeiro. A partir das discussões realizadas no Fórum de Cultura Surda, o MAR integrou ao seu programa de formação curso com professores intérpretes de Libras. Também realizam em parceria com o curso de Letras-Libras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) programa de extensão universitária visando à formação em literatura, arte e cultura para pessoas surdas.
MUSEU DE ARTES DO RIO Praça Mauá, 5, Centro, Rio de Janeiro www.museudeartedorio.org.br
O programa de visitas educativas do MAR desenvolve uma agenda específica para escolas inclusivas, denominada Encontro de Saberes. Nesse programa as visitas são realizadas juntamente com alunos e professores e têm desdobramentos no museu e na escola. “Por causa da relação com as escolas inclusivas, de pessoas com deficiência que frequentam o museu, artistas com deficiência, alunos e professores de escolas inclusivas e seus familiares, o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência é repleto de comemorações no MAR e sinaliza para todos nós a oportunidade de avanços das ações e programações inclusivas que podemos desenvolver”, finaliza Janaína. D+
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1. Audiodescrição e interpretação em Libras disponíveis no lado externo do museu 2. Maquete tátil para cegos conhecerem as estruturas arquitetônicas do MAR 3. Foto que compôs a exposição fotográfica “Por Contato”, de Pernambuco, resultado do trabalho do grupo FotoLibras 4. Janaína Melo promove debates e fóruns sobre a cultura surda há dois anos 5 e 6. Os fóruns também oferecem oficinas práticas e teóricas com exclusividade ao visitante surdo 7. Todos os banheiros são acessíveis para cadeirante
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“EU AMO CORES VIBRANTES! PARA O VERÃO, ACHO QUE TEM TUDO A VER!” Texto Brenda Cruz
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oradora do bairro Rocha Miranda, na Zona Norte do Rio, Michelle Fernandes de Andrade tem 33 anos. Nasceu com mielomeningocele e, no mesmo dia do seu nascimento, após uma cirurgia, ficou paraplégica. Para se divertir, a carioca aposta em lugares onde a música seja o foco, principalmente se tiver um bom samba. Michelle participa dos desfiles de carnaval pela Portela e não dispensa um toque colorido também no rosto: “Na minha make não falta, de jeito nenhum, o batom. Até para ir à padaria eu passo!”. DICA DE QUEM SABE “Looks coloridos, compostos de laranja e pink transmitem uma imagem divertida e lúdica, sugerindo uma pessoa sociável e criativa. Para harmonizar o visual, opte por adotar as cores em intensidades diferentes ou uma delas como predominante no look. Outra opção, quando usar as duas cores em tons vibrantes, é complementar com acessórios ou outras peças em tons neutros, como creme e caramelo”. Anna Barros, consultora de imagem e estilo. D+
Fotos Divulgação
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9 1. Pincel multiuso, da quem disse, berenice?. R$ 27,90 2. Tutto Fúcsia, da coleção Tropic, da DNA Itália. R$ 4,80 3. Bolsa, da Schutz. R$ 690 4. Pincel para pó, da quem disse, berenice?. R$ 39,90 5. Anel, da Swarovski. R$ 749
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6. Artist Shadow, cor D-850, da Make Up For Ever. R$ 95
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7. Blusa, da Fedra. R$ 1.365 8. Sandália de couro, da Shoestock. R$ 239,90 9. Batom cor 304, da Make Up For Ever. R$ 83 10. Esmalte Coral, da Eclat, livre de tolueno, formaldeído e dibutilftalato. R$ 16,20 11.Hello Brilliant Deo Colônia, da Mary Kay (50 ml). R$ 69
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12. A “bola de neve”, da Beauty & The Bay, contém iluminador, máscara para cílios, pós, sombra e iluminador. R$ 211 13. Batom líquido Rouge, da Sephora Collection. R$ 69
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14. Short cintura alta com fivela, da Canal. R$ 389 15. Batom Lápis Pink Fashion, da coleção Color Matte, Eudora. R$ 14,99
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APRENDA LIBRAS por Célio da Conceição Santana e Joice Alves de Sá ilustrações Luis Filipe Rosa Colaboração Carolina Gomes de Souza Silva
Nosso Rio 40 graus
Segundo pesquisa do Ministério do Turismo realizada no ano passado, o Rio de Janeiro é o principal destino de lazer do Brasil. A natureza é tão exuberante que não há turista que resista! Aprenda aqui como sinalizar alguns de seus muitos pontos turísticos e aproveite para fazer uma visita inclusiva!
AquaRio
Arpoador
Cinelândia
Copacabana
Cristo Redentor
Ipanema
Jardim Botânico
Leblon
Maracanã
Morro do Corcovado
Museu do Amanhã
Pão de Açúcar Revista D+ número 19
CEREJA!
Risada no escuro Texto e fotos Brenda Cruz
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o palco do teatro, um foco de luz, piso tátil no chão e nas... paredes? Isso mesmo, o show de stand up Ponto de Vista, do comediante Jefferson Farias, brinca em seu cenário com a operacionalidade do piso, que auxilia pessoas cegas a se locomoverem nas cidades e em diversos ambientes. “O piso tátil é para dar uma contextualizada, nós não queríamos encher o palco com várias coisas para nada, mas também não queríamos apenas o clássico. Então, brinco com a sua utilização e também tenho nele um auxílio para me localizar”, conta Jefferson em uma entrevista exclusiva para a Revista D+, na noite de estreia do seu espetáculo no Teatro Miguel Falabella, no Norte Shopping. Nascido em São Gonçalo, região metropolitana do estado do Rio de Janeiro, o comediante ficou cego aos 11 anos devido a uma trombose cerebral, que por consequência, causou a atrofia dos seus nervos óticos. “Ninguém que adquire uma deficiência reage de forma tranquila: ‘Ah, tudo bem! Eu não gostava desse braço mesmo!’. Isso não existe. Eu levei quatro a cinco anos para usar a bengala, pois era um estigma, eu tinha muito preconceito comigo mesmo”. Ele ainda completa: “Antes da pessoa querer tirar o preconceito do outro é necessário que ela tire de si própria”. O teatro entrou na vida de Jefferson, o Jeffinho, como é mais conhecido, em 2008 em um curso de teatro após ele terminar o Ensino Médio. Desde então, ele nunca mais parou. A comédia só veio em 2009 quando pela primeira vez se apresentou em uma esquete de humor, no teatro Miguel Falabella, onde oito anos mais tarde, na noite dessa entrevista, ele voltaria com o seu show solo. “Naquele ano eu conheci o stand up, que é esse humor de ‘cara limpa’, sobre nós mesmos, que não está atrás de um personagem. É você que escreve suas piadas, que são geralmente sobre você
mesmo. Eu comecei a fazer e gostar de falar sobre mim, ser deficiente visual tem muita coisa para explorar”. As histórias que ele traz para o show são sobre seu cotidiano, situações que uma pessoa cega passa. “Podem falar: ‘É um humor autodepreciativo’, pois lógico, eu vou ficar me sacaneando com as coisas que acontecem na rua, mas muitas pessoas riem delas mesmas, pois percebem que já fizeram algo do tipo com uma pessoa cega, mesmo na tentativa de ajudar. É quase didático algumas vezes, mas outras é só a busca do riso mesmo”. Jeffinho viaja por várias capitais para apresentar seus shows e fala que os problemas de infraestrutura são evidentes em todo o Brasil, mas antes de querer mudar as estruturas físicas, para ele, é necessário trabalhar a questão da inclusão na mente das pessoas. “Eu me sinto muito mais incluído em um lugar que mesmo tendo um degrau, tenham pessoas dispostas a me incluir, do que em um com todos os equipamentos e ninguém falar comigo. Entra o cego e ninguém fala com ele, se é uma loja, acha que entrou por engano, pois ‘cego não é consumidor’, então essas coisas me incomodam mais. Óbvio que tem de lutar, sim, pelo lado físico, pois se o lugar é adaptado para a pessoa com deficiência, ele é adaptado para todo mundo, independentemente de ter deficiência”. O show de aproximadamente uma hora é divertido, faz pensar sobre as realidades do próximo de maneira leve e participativa entre público e comediante. A luz é apagada no meio do show, mas quando a piada é boa, os olhos, mesmo no breu, riem felizes junto com todos os outros sentidos. Acompanhe Jeffinho Farias nas redes sociais e fique ligado na agenda de shows em sua cidade: www.facebook. com/cegojeffinho. D+