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COMPORTAMENTO NÚMERO 26 • PR EÇ O R$ 13,90 ISSN 2359-5620
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O capacitismo é uma visão equivocada da pessoa com deficiência
ENTREVISTA
Claudia Werneck fala sobre inclusão e a Escola de Gente
QUE SE CUMPRA A LEI!!!
Legislação brasileira é uma das mais completas do mundo, mas falta sua efetivação
UNIVERSO CULTURAL
Conheça publicações que tratam do autismo
NA REDE
::::::::::::::revistadmais.com.br:::::::::::::::::::::: AS NOTÍCIAS MAIS QUENTES PARA VOCÊ A Equipe D+ sempre traz para o seu site novidades importantes e curiosidades na área da inclusão social: cultura, empregabilidade, esporte e comportamento são algumas das pautas que recheiam nosso portal. Curta a nossa página no Facebook e fique ligado: Facebook/revistadmais
INFORMAÇÃO Em nosso portal, você fica sabendo dos eventos do mês, como exposições, apresentações e oficinas culturais em todo o Brasil, assim como campanhas em prol da inclusão e acessibilidade. Os meses de março e abril reservaram uma série de ações voltadas ao segmento da pessoa com deficiência, especialmente no dia 21 de março, conhecido como Dia Internacional da Síndrome de Down. Destaque também para o Abril Azul, onde a questão do autismo é abordada em eventos diversos. Confira isso e muito mais em: revistadmais.com.br
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Balada sertaneja A Revista D+ acompanhou a equipe do Projeto Lazer, que busca proporcionar atividades culturais e de lazer, especialmente para pessoas com deficiência intelectual. E a ocasião não poderia ser melhor! Todos nos divertimos pra valer numa conhecida casa de shows de São Paulo, acompanhando os acordes da banda de Wagner Ruas, que agradou em cheio com suas composições sertanejas. Um sábado perfeito!
Sim Ket
Fotos: Kica de Castro
O editor Paulo Kehdi (direita) com Miriam Ashkenazi, principal organizadora das atividades que o Projeto Lazer proporciona
Maria José Rodrigues, a Zezé (esquerda) e Ana Paula Dias abraçam o editor Paulo Kehdi. Elas são personagens da matéria da editoria Viver Bem que a D+ traz nesta edição
A pista de dança ficou lotada a noite toda. Muita diversão na balada!
Todos nos divertimos pra valer sob o som da banda de Wagner Ruas
Ronaldo Rodrigues, um dos frequentadores do Projeto Lazer, foi convidado por Ruas para dar um show na bateria!
EDITORIAL Referência em Inclusão e Acessibilidade Acesse www.revistadmais.com.br e confira todas as matérias em LIBRAS e ÁUDIO
COMPORTAMENTO NÚMERO 26 • PR EÇ O R$ 13,90 ISSN 2359-5620
O capacitismo é uma visão equivocada da pessoa com deficiência
ENTREVISTA
Claudia Werneck fala sobre inclusão e a Escola de Gente
QUE SE CUMPRA A LEI!!!
Legislação brasileira é uma das mais completas do mundo, mas falta sua efetivação
UNIVERSO CULTURAL
Conheça publicações que tratam do autismo
Edição 26: Fotografia Shutterstock
Lei, ora, a lei!
É
sabido que a defesa dos direitos da pessoa com deficiência no Brasil, e em grande parte do planeta (exclui-se aqui poucos países do chamado primeiro mundo, que já davam a devida atenção ao tema), iniciou-se de forma mais intensa nos anos 1980. Antes disso, a segregação desse segmento era quase que total. Indivíduos confinados a viverem restritos ao ambiente familiar (ou muitas vezes segregados pela própria família), sem direito a uma educação inclusiva ou mesmo um ambiente de trabalho compatível com suas necessidades. Acessibilidade, mobilidade e tecnologia assistiva eram termos desconhecidos até então, sem falar na desconfiança, que ainda persiste, sobre a capacidade das pessoas com deficiência de se desenvolverem e viverem uma vida plena. Partindo-se de ações da Organização das Nações Unidas (ONU), especialmente em 1981, com a definição de que aquele seria o “Ano Internacional das Pessoas com Deficiência”, começou-se a construir um pano de fundo, aqui e no exterior, para que esses direitos passassem a ser considerados prioritários. A partir de então, o Brasil passou a construir um cabedal no campo da legislação que, décadas depois, iria se tornar um dos mais completos do mundo. Temos leis que defendem direitos trabalhistas, educacionais, de acessibilidade, mobilidade, entre tantas outras áreas. Talvez a maior representação desse fantástico “arsenal legislativo” seja a promulgação da Lei Brasileira de Inclusão (LBI), em 2015, e que tem como base principal a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada pela ONU em 2006. Especialistas comemoram o fato de a LBI ter sido construída sobre esse alicerce, porque a Convenção foi amplamente discutida antes de sua formulação final e traz diretrizes importantíssimas para o segmento. O que há de errado, então? Segundo todas as fontes ouvidas pela reportagem, o que falta é sua efetiva implementação. Não só da LBI, como de qualquer outra lei, o que apenas se dará com ações do poder público. Não estamos aqui falando apenas da ação, no sentido da realização. Falta também fiscalização. De que adianta termos uma legislação de primeiro mundo se nossas calçadas são de péssima qualidade (citando apenas um entre centenas de exemplos)? Não só isso, mas também carece da regulamentação de diversos itens da LBI, assim como da efetivação do instrumento de avaliação da deficiência, previsto na Lei. Outro fator a ser destacado é a necessidade de um engajamento maior para, no mínimo, criar uma pressão para serem postas em prática. Vale aqui ressaltar o decreto nº 9.759 de 11 de abril último, que extingue 700 conselhos sociais na esfera federal, incluindo o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade), criado em 1999. A medida, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro, é contraditória, pois afasta o Poder Público da sociedade civil, quando o movimento esperado deveria ser o oposto. Mas não é apenas a legislação específica à pessoa com deficiência que essa edição aborda. Na esteira das datas comemorativas, aproveitamos o Dia Internacional da Mulher, 8 de março, para trazer entrevista com esta mulher que tramita na causa há tanto tempo: Claudia Werneck. Para termos representatividade com relação ao Dia Internacional da Síndrome de Down, comemorado em 21 de março, trazemos o perfil de dois personagens que convivem com a síndrome, além do trabalho realizado pelo Projeto Lazer, que leva cultura e entretenimento para a pessoa com deficiência intelectual. E, claro, não poderíamos deixar o abril azul passar em branco... a editoria Universo Cultural traz duas publicações que explicam muito do autismo. Esta edição está repleta de informações, curiosidades e personagens incríveis! Boa leitura! Rúbem Soares Diretor Executivo
revi
sta
www.revistadmais.com.br DIRETOR EXECUTIVO Rúbem da S. Soares rsoares@revistadmais.com.br REDAÇÃO Editor-Chefe Paulo Kehdi jornalismo@revistadmais.com.br Revisão textual Eliza Padilha Diagramação Estúdio Dupla Ideia Design Departamento de Arte (site e redes sociais) Samuel Ávila arte@revistadmais.com.br
Especial Legislação. Conheça as principais leis voltadas à pessoa com deficiência e o que falta para implementá-las
Ilustrador Luis Filipe Rosa Colaborou nesta edição Kica de Castro (Fotografia Do Lado de Cá ) Tatiana Lebedef (Artigo) Ana Sniesko (Universo Cultural) Cármen Guaresemin (Viver Bem e Esportes) Ravelly Santana (Perfil) Mônica Mantecón (Entrevista e Cereja) Guga Dorea (Comportamento) Márcia Rocha (Mercado de Trabalho) André dos Santos Silva (Espaço da Libras) DIRETOR DE PUBLICIDADE Denilson G. Nalin denilsonnalin@revistadmais.com.br (11) 5581.1739 e 9-4771.7622 COMUNICAÇÃO E MARKETING Rúbem S. Soares Miriã Lima mkt@revistadmais.com.br
04 Na Rede 05 Do Lado de Cá 06 Editorial 08 Expediente & Aqui na D+ 10 Artigo Tatiana Lebedef fala sobre letramento visual e surdez 12 Misto Quente As novidades dignas de nota
ADMINISTRATIVO - FINANCEIRO Leticia Batista Jennyfer Alves Ernandis Pereira dos Santos CONTRATOS E LICITAÇÕES Caroline Palazzin mais@revistadmais.com.br
20 Entrevista Claudia Werneck fala de sua luta pela inclusão e da Escola de Gente 24 Viver Bem Conheça o Projeto Lazer, que leva cultura e diversão para pessoas com deficiência intelectual
TI Herick Palazzin Ivanilson Oliveira de Almeida Jonathan Vinicius
40 Comportamento Entenda o que é capacitismo e como ele prejudica a verdadeira inclusão
CONSULTORIA DE LIBRAS Flaviana Saruta Joyce Alves de Sá
44 Universo Cultural Conheça os livros sobre autismo de Emanoele Freitas e Michele Joia
INTÉRPRETES DE LIBRAS Marco Ramos Rafaella Sessenta Carolina Gomes VIDEOMAKERS Jéssica Carecho Tacila Saldanha ATENDIMENTO AO ASSINANTE E CIRCULAÇÃO Herick Palazzin assinaturas@revistadmais.com.br (11) 5581-1739 RECEPÇÃO Rafaella Daminelli
48 Perfil A trajetória de Paulo Fabião, o comediante cuja inspiração é o próprio cotidiano 50 Mercado de Trabalho A Talento Incluir está há mais de dez anos ajudando a colocar pessoas com deficiência em empresas 54 Esportes O ciclista Edson Nascimento e sua paixão pela handbike
SUCURSAL SUMARÉ Arianna Hermana da Silva (19) 3883-2066 Edição número 26 – Março/Abril de 2019 REVISTA D+, ISSN 2359-5620, é uma publicação bimestral da MAIS Editora CNPJ n° 03.354.003/0001-11 - Rua Loefgren, 1358, Vila Clementino - São Paulo/SP - CEP 04040-001 Distribuída em bancas pela DINAP Ltda. Distribuidora Nacional de Publicação. Rua Dr. Kenkiti Shimomoto, 1678 CEP 06045-390, Osasco – SP Associada a:
Distribuída em bancas pela DINAP-DISTRIBUIDORA NACIONAL DE PUBLICAÇÕES LTDA. Rua Dr. Kenkiti Shimomoto, 1678 CEP 06045-390 - Osasco - SP PARCERIA: A Revista D+ não se responsabiliza por opiniões e conceitos emitidos em artigos assinados ou por qualquer conteúdo publicitário e comercial, sendo este de inteira responsabilidade dos anunciantes
NOSSA CAPA 28
Associação para Desenvolvimento Social, Educacional, Cultural e de Apoio à Inclusão, Acessibilidade e Diferença
58 Acontece Conheça a incrível história de Marcelo de Felipe; o site acessível da Azul e muito mais 62 Espaço da Libras Entenda como funcionam os indicadores de tempo na Libras 64 Aprenda Libras Fique por dentro de expressões ligadas ao universo jurídico 66 Cereja! Conheça a história de Thiago Dorea, músico e poeta
Abril/maio 2019 – Ano IV – n° 26
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ARTIGO
LETRAMENTO VISUAL E SURDEZ Texto Tatiana Bolivar Lebedeff*
A
ntes de falarmos de Letramento Visual, precisamos compreender o conceito de Experiência Visual. Karin Strobel, pesquisadora surda, afirma que a experiência visual é o primeiro artefato da cultura surda. Isso significa que é mais do que usar a visão para a comunicação, significa usar meios diferentes dos ouvintes, ou seja, meios visuais, para interagir, para compreender e interpretar o mundo. Deste modo, podemos compreender os surdos como sujeitos visuais. George Veditz, um dos mais destacados presidentes da Associação Nacional de Surdos dos Estados Unidos, já dizia, em 1910, que os surdos eram o “povo do olho”. A relação entre experiência visual e letramento visual está no fato de que é a experiência visual que precisa basilar as propostas educacionais para surdos. No caso, propostas educacionais que sejam pautadas pelo Letramento Visual. Vários autores discutem o fato de que a imagem, nos livros didáticos e nas salas de aula, aparecem muito como “anexo”, “enfeite”, “exemplo” e não como texto propriamente dito. A imagem também é texto e essa premissa pode ser melhor explorada em salas de aula com surdos. Isso não significa prescindir da palavra escrita, pelo contrário, pois estamos falando de sujeitos e práticas bilíngues. Mas, a imagem e a experiência visual precisam estar mais presentes e com status diferenciado em sala de aula. É preciso lembrar também que,
quando se utiliza o conceito Letramento, compreende-se que existe uma prática social. Dou um pequeno exemplo: uma vez uma professora de artes da escola em que eu trabalhava reclamou que os surdos não sabiam produzir histórias em quadrinhos. Ela não entendia por que os alunos tinham dificuldades de compreender e produzir imagens. A leitura de histórias em quadrinhos requer práticas sociais. Existe toda uma semântica interna que precisa ser desvendada na prática compartilhada. O que significa um balão em formato de nuvem? Ou, pequenas nuvens atrás de um personagem? São significados compartilhados durante uma leitura em conjunto, prática essa muito rara nas famílias com crianças surdas, pois requer uma língua em comum, ou seja, a Língua de Sinais. Outra questão que deve ser levantada é que o Letramento Visual é importante não apenas para os surdos, mas os ouvintes também se beneficiam muito quando práticas de leitura e compreensão de imagens são utilizadas em sala de aula. Dou outro exemplo: um professor de História de uma Escola Pública de Ensino Médio tinha apenas um aluno surdo incluído. A cada novo conteúdo, contextualizava tempos e espaços com as imagens disponíveis na internet. Podiam ser fotografias de cenas de filmes, pinturas expostas em Museus, imagens de esculturas, enfim, recursos que poderiam ser inseridos em uma apresentação PowerPoint. Ao final do primeiro ano que ele lecionou
para a turma, os alunos ouvintes agradeceram pela mudança de estratégia de ensino, relataram não imaginarem que História poderia ser uma disciplina interessante, e que aprenderam muito com esse processo. DEAFSPACE E SIGNWRITING Deafspace é um conceito ótimo e, por enquanto, não chegou no Brasil. Eu, pelo menos, nunca ouvi aqui. Foi desenvolvido na Universidade de Gallaudet em Washington, nos Estados Unidos. Gallaudet é uma Universidade Bilíngue, as aulas são todas dadas em Língua de Sinais, lecionadas por professores bilíngues ou, com apoio de Tradutores e Intérpretes de Língua de Sinais (Tils). Os Arquitetos de Gallaudet compreenderam que o espaço surdo é diferenciado do espaço ouvinte. Nessa proposta, paredes de tijolos são substituídas por vidros, janelas e até tijolos de vidros. Corredores são ampliados e áreas de convivência são abertas e visíveis pra os transeuntes. O espaço dentro de sala de aula, destinado a cada aluno e professores, também é diferenciado, pois leva em consideração o espaço de enunciação da Língua de Sinais. O conceito de Deafspace pode ser utilizado para a construção de novas escolas e para a reforma ou remodelação das já construídas. Já o SignWriting, é um sistema de escrita para as Línguas de Sinais e pode ser adaptado para qualquer uma delas. Parte do pressuposto que o
movimento, dotado de seu significado linguístico, pode ser registrado. A hipótese de escrita da Língua de Sinais desenvolve nas crianças a compreensão de que “o que eu penso e enuncio pode ser registrado”. Pode ser em papel ou computador, e abre as portas para a compreensão de que a outra língua, a oral-escrita, é o registro de um pensamento e de um enunciado de alguém que utiliza aquela outra língua. Possibilita a compreensão de bilinguismo e do porquê elas devem escrever uma língua que não ouvem. É importante destacar que os cursos de Bacharelado e Licenciatura em Letras Libras, no Brasil, ofertam disciplinas de SignWriting. Sobre seu uso em ensino regular, posso citar o exemplo da Escola Estadual de Surdos Reinaldo Cóser, em Santa Maria, no RS. Lá as crianças são imersas em atividades de Letramento utilizando esse sistema de registro. Em relação à inclusão de alunos
surdos em escola regular, experiências em âmbito mundial têm mostrado que a inclusão dos surdos no ensino fundamental é uma falácia. Vamos pensar em situações específicas, por exemplo, uma criança de educação infantil em sala de aula de inclusão, com um Tils. Se o intérprete é a única pessoa que conversa com ela em Língua de Sinais, se é quem passa as informações cotidianas (traduzindo a professora) e faz a mediação entre ela e os colegas, quem esse aluno vai enxergar como seu professor? Com quem criará vínculos? Qual real oportunidade de brincar e se comunicar com pares ela tem? No processo de alfabetização, que leva, em média, do primeiro ao terceiro anos, se as professoras não forem bilíngues e não compreenderem as especificidades da surdez e o fenômeno de interlíngua, não terão condições de proporcionar eventos de letramento e ensino de língua pensados para a surdez. As especificidades linguísticas e culturais da surdez demandam, por exemplo: ensino de português como segunda língua, reflexões metalinguísticas relacionando a Libras com o Português escrito e vice-versa, relações entre experiência visual e Letramento Visual, entre outras ações necessárias. O surdo não pode ser pensado, no processo de alfabetização, como simulacro do ouvinte. São uma minoria linguística e cultural. Tenho excertos de escritas de surdos e indígenas, eu os misturo e mostro para os alunos da graduação em Letras, perguntando qual é o texto do surdo e qual é o do indígena. A maioria não consegue ver a diferença. Os textos são produzidos por “estrangeiros”, por pessoas que
utilizam outra língua. Assim, minha opinião com relação à inclusão de surdos, é que não basta o número de matrícula para estar incluído, é preciso repensar o que estamos fazendo, no Brasil, com os alunos surdos. Temos, no Brasil, uma legislação que garante direitos linguísticos muito importantes, sendo os principais exemplos o Decreto nº 5.626 de 2005, que regulamenta a Lei de Libras e, mais recentemente, a Lei nº 13.146 de 2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão. Ambos garantem a escolarização bilíngue. Entretanto, a escola, na maioria das vezes, é monolíngue, ou dá espaço apenas para as línguas de prestígio, como o Inglês. Precisamos ampliar as discussões sobre a educação de surdos, o papel e o status da Língua de Sinais dentro da escola e sobre as especificidades da surdez que demandam mudanças nas estratégias de ensino.
*Professora da Área de Libras do Centro de Letras e Comunicação da Universidade Federal de Pelotas e Organizadora do livro “Letramento visual e surdez” (Wak Editora).
MISTO QUENTE
QUEBRANDO BARREIRAS Exposição Ita Vita, Arte Fotográfica e Inclusão Social é um projeto fotográfico realizado com pessoas com deficiência
No dia 12 de março o Memorial da Inclusão, em parceria com o Ministério da Cidadania e o Projeto Ita Vita, inaugurou a mostra Ita Vita: Arte Fotográfica e Inclusão Social. A mostra é fruto de um projeto fotográfico realizado com crianças com deficiência e seus familiares, na cidade de São Paulo, e tem aproximadamente 20 imagens visuais e 12 imagens táteis para pessoas com deficiência visual. Com o objetivo de incentivar o debate sobre a fotografia como ferramenta de inclusão social no Brasil, a mostra
propõe desmistificar crenças populares e errôneas sobre a vida das crianças com deficiência. A exposição, cuja entrada é gratuita, pode ser visitada de segunda a sexta, das 10h às 18h e aos sábados, das 13h às 17h no Memorial da Inclusão, localizado na sede da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, na Avenida Auro Soares de Moura Andrade, 564, Portão 10, na Barra Funda. Os trabalhos estarão expostos até o dia 5 de maio, segundo informação da própria Secretaria.
Jeep ĂŠ marca registrada da FCA US LLC.
No trânsito, a vida vem primeiro.
MISTO QUENTE
PARCERIA PARA CONSCIENTIZAÇÃO SOBRE A ELA
Philips Foundation e Instituto Paulo Gontijo se unem para levar informação à população e especialistas sobre a Esclerose Lateral Amiotrófica
“Uma van personalizada foi usada durante o evento que percorreu quatro cidades paulistas: São Paulo, Ribeirão Preto, Campinas e São José dos Campos”
A Royal Philips, empresa líder em tecnologia da saúde, por meio da Philips Foundation, anunciou em março parceria estratégica com o Instituto Paulo Gontijo (IPG) para a realização da Road Trip Vamos! Vivendo com ELA, de conscientização sobre a Esclerose Lateral Amiotrófica, também conhecida como ELA, para pacientes, cuidadores, profissionais, familiares e população em geral. Degenerativa, a doença provoca a destruição dos neurônios responsáveis pelo movimento dos músculos voluntários, levando a uma paralisia progressiva que acaba impedindo tarefas simples como andar, mastigar ou falar, por exemplo. A ELA acomete 12 mil pessoas no Brasil de acordo com o Ministério da Saúde. Durante um mês, o projeto passou por quatro cidades paulistas: São Paulo, Ribeirão Preto, Campinas e São José dos Campos. A previsão é que a campanha impacte dez mil pessoas diretamente e cerca de um milhão de
brasileiros indiretamente. O pontapé inicial aconteceu entre os dias 20 e 22 de março, na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), na capital paulista, entidade parceira neste evento. Sua última parada foi em São José dos Campos, no dia 12 de abril. O projeto itinerante contou com uma van personalizada, oferecendo programação repleta de atividades interativas, realizadas por profissionais de diversas áreas da saúde, à disposição da população e de pacientes, para prestar esclarecimentos sobre a enfermidade. A ação contou ainda com palestras clínicas para especialistas sobre práticas que contribuem para a melhor qualidade de vida de quem tem a doença. A iniciativa incluiu também testes respiratórios, experiências sensoriais, atendimento de fisioterapia respiratória e motora, assessoria jurídica, psicológica e nutricional, além de terapia ocupacional e assistência social.
“Muitas atividades foram organizadas, procurando informar a população sobre a ELA. Abaixo, à direita, Victor Garcia, que elogiou a iniciativa”
“Com o serviço social, orientamos pacientes com ELA sobre os direitos que eles têm, onde e como buscá-los. Empoderamos familiares e pacientes, dando orientações sobre tratamentos e cuidados paliativos”, comenta Márcia de Paula, assistente social do IPG. “Para doenças neurodegenerativas, os cuidados nutricionais são fundamentais porque a alimentação correta previne a progressão da doença e agrega conforto e qualidade de vida para o paciente”, complementa Vanderli Marchiori, nutricionista voluntária do instituto. A segunda fase do Vamos! Vivendo com ELA será conduzida pelo IPG e incluirá seis meses de monitoramento dos pacientes identificados durante as ações. “Nosso compromisso é identificar desafios globais e utilizar todo o talento, os recursos e a especialidade da Philips para melhorar a vida das pessoas. Partindo deste princípio, queremos contribuir com o acesso à informação sobre a
ELA, auxiliando na prevenção e diagnóstico precoce, garantindo, assim, melhor qualidade de vida aos pacientes e oferecendo um suporte a seus familiares”, explica Renato Carvalho, CEO da Philips do Brasil. De acordo com Silvia Tortorella, diretora executiva do IPG, o objetivo do projeto é atender de forma integral diversos setores da sociedade para tornar a ELA mais conhecida e o atendimento aos pacientes mais acessível. “Para isso, vamos promover rodas de conversa com assistentes sociais da Prefeitura Municipal de São Paulo, aberta a pacientes, familiares, profissionais da saúde e estudantes da área”. Victor Garcia tem 59 anos e foi diagnosticado com ELA em 2018. “O evento é importante para quem tem a doença, já que o paciente é afetado em várias questões, dentre elas, a locomoção, a respiração e o consumo de alimentos. Vir ao projeto me ajudou a descobrir informações essenciais”. Revista D+ número 26
MISTO QUENTE
FUTEBOL DE AMPUTADOS Torneio organizado pela prefeitura paulistana reúne oito equipes
“No alto, à esquerda, o time do Corinthians. À direita, intérprete de Libras no dia da rodada de abertura. E lances das partidas entre Corinthians e o Instituto Só Vida (esquerda) e Ponte e Sorocaba”
O Parque do Ibirapuera foi palco da primeira rodada da abertura do Campeonato Paulista de Futebol de Amputados, realizada no dia 9 de março. O torneio, que tem apoio da Prefeitura de São Paulo, por meio das Secretarias Municipais da Pessoa com Deficiência (SMPED), Verde e Meio Ambiente (SMVA) e Esporte e Lazer (SEME), é organizado pela Associação Brasileira de Desporto para Deficientes Físicos (ABDF). O evento é aberto e gratuito. “Nosso grande objetivo é difundir a prática esportiva para pessoas com
deficiência. Mostrar que, por meio do esporte, todos podem ser ativos e vivenciar a cidade, além da inclusão social que a atividade promove”, afirma Cid Torquato, Secretário Municipal da Pessoa com Deficiência. São oito as equipes participantes: Bola Pra Frente, Corinthians Mogi, Instituto Só Vida, Ponte Preta, Santos, São Caetano, São Paulo e Sorocaba. Serão 7 rodadas, todas realizadas em cidades do interior paulista. A grande final será dia 20 de julho, no Parque do Ibirapuera.
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ENTREVISTA
A busca para “TODOS”
Na luta incansável pela inclusão, a jornalista Claudia Werneck conta sua trajetória na busca pelos direitos das pessoas com deficiência no Brasil por Mônica Mantecón “Claudia Werneck em vários momentos. Seus livros sobre inclusão foram premiados internacionalmente”
T
udo começou em 1991, quando Claudia Werneck era chefe de reportagem da revista PAIS&FILHOS e foi escrever uma matéria sobre a síndrome de Down. Após mergulhar no assunto, surpreendeu-se com o próprio desconhecimento sobre o tema. A reportagem, entretanto, rendeu prêmio da Associação Médica Brasileira, além do interesse de produzir seu primeiro livro, o Muito Prazer, eu Existo, publicado em 1992. Hoje, com mais de 14 livros sobre inclusão lançados em diversos idiomas, Claudia foi a primeira jornalista brasileira a ter publicações recomendadas simultaneamente por Unesco e Unicef. Desde então, ela incansavelmente luta para tirar do tema “deficiência” o estigma de ser um assunto restrito a famílias e profissionais de áreas afins, dando-lhe um status universal, de interesse público. Em 2002 fundou a Escola de Gente, uma organização que atua para que leis e políticas se transformem em práticas inclusivas, focando principalmente na população que vive em situação de vulnerabilidade. A ONG já sensibilizou 500 mil pessoas de 18 países das Américas, África, Oceania e Europa e de todas as regiões do Brasil. Claudia é mãe da atriz e apresentadora Tatá Werneck que, seguindo os passos da família, criou em 2003 uma companhia de teatro acessível, Os Inclusos e os Sisos, quando era estudante de Artes Cênicas. O projeto se desdobrou e virou campanha premiada pela ONU. Sua finalidade principal é estimular a participação de pessoas com deficiência na vida cultural. Confira a entrevista que a Revista D+ fez com Claudia Werneck e conheça mais de seus projetos e suas expectativas para o futuro. D+: Para você, o que é inclusão? CW: Uma situação inversa a esse fluxo secular de violação de direitos em relação a quem não ouve, não anda, tem um cérebro que se movimenta mais lentamente, entre outras
condições. Uma prática adotada pela sociedade, mídia, governos e empresas. Inclusão não é colocar para dentro quem está fora, porque nesse caso estaríamos dizendo que dentro está ótimo, e não está. O melhor estudante da escola também pode ser um excluído, mas nem ele ou sua família se dão conta disso. A inclusão propõe uma revolução e seu público é to-do-mun-do. Em certa medida, grupos e pessoas tradicionalmente excluídas estão em melhor situação do que pessoas que tradicionalmente se sentem “incluídas”, porque esse último grupo está inconsciente, apegado à ideia de que não precisa das mudanças propostas por uma sociedade inclusiva. E aí tudo o que faz é pelos outros, como uma doação caridosa. Chamo atenção sobre esse triste fenômeno em todos os meus livros. Entendo que o tempo todo praticamos discriminação. Em alguns momentos, somos nós os agentes da discriminação. No segundo seguinte, as vítimas, numa dança de troca de pares e de passos sem fim. O que varia é o impacto desse jogo. Ele é muito mais cruel e devastador para quem vive em risco social. D+: Como surgiu a ideia da Escola de Gente? CW: Crianças com deficiência vivendo na pobreza são um dos alvos preferidos da violação de direitos no planeta. São, também, vítimas comuns de desastres naturais, guerras civis e conflitos armados, enfrentam riscos diários e crescentes que agravam suas limitações. A tendência é ficarem mais pobres. É fato, portanto, que existe uma relação inequívoca entre pobreza e deficiência ainda não reconhecida, estudada e, consequentemente, não contemplada nas políticas públicas e nos programas e projetos empresariais de responsabilidade social. Foi no sentido de apontar e de buscar soluções para essa profunda desigualdade que eu criei a Escola de Gente em
2002. Incluir, na prática, é criar leis, políticas e programas que, desde o planejamento orçamentário, contemplem não apenas a presença, mas a participação com liberdade de expressão de qualquer pessoa em todos os espaços coletivos públicos. D+: Quais são as principais ações e os objetivos da Escola de Gente? CW: Dez anos antes da criação da ONG, em 1992, meu marido, Alberto Arguelhes, e eu transformamos o Muito Prazer, eu Existo em um projeto e criamos, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz e a Sociedade Brasileira de Pediatria, o primeiro Banco de Dados sobre as Pessoas com síndrome de Down no Brasil. Criamos também uma editora especializada em inclusão e em livros acessíveis, a WVA. Aliás, foi do investimento social privado da editora que nasceu a Escola de Gente. Decidi que era urgente formar uma nova geração de jovens mais aptos a não discriminar em função de desigualdades e diferenças de quaisquer naturezas. Queria que a juventude brasileira conhecesse e praticasse o conceito de sociedade inclusiva, proposto pela ONU em 1990, sobre o qual eu havia sido a primeira a escrever na América Latina, com o meu livro Ninguém mais vai ser bonzinho, lançado em 1997 pela WVA Editora, e recomendado pela Unesco e Unicef. Era preciso provar que toda pessoa tem o mesmo valor humano e só não desenvolve valor social, econômico e político porque há um esforço muito grande, secular e tantas vezes não percebido e admitido, para impedir que essa pessoa se torne contributiva e participativa. Já distribuímos 95 mil livros sobre inclusão em formatos acessíveis, integramos desde 2005 o Conselho Nacional de Juventude representando o tema “Jovens com Deficiência” e somos referência internacional no tema da comunicação acessível. Trabalhamos incansavelmente para que as sociedades sejam inclusivas e Revista D+ número 26
ENTREVISTA “Claudia Werneck durante entrevista a Jô Soares, em 2015. Inclusão foi o tema principal da conversa”
sustentáveis para quase um bilhão de pessoas com deficiência que vivem no mundo, sendo cerca de 80% em regiões de pobreza, segundo a ONU. D+: Quantas pessoas são atendidas atualmente? CW: A Escola de Gente tem uma atuação ampla e equilibrada em duas diretrizes principais: a incidência em políticas públicas e o trabalho nos territórios, comunidades e cidades, em quase todas as regiões do Brasil e também em alguns países. Concebemos e realizamos projetos que envolvem a formação de jovens como os “Oficineiros da Inclusão, Agentes de Promoção da Acessibilidade”, artistas que integram o grupo Os Inclusos e os Sisos - Teatro de Mobilização pela Diversidade, e de uma série de outros públicos como jornalistas, especialistas em políticas públicas nas áreas de comunicação, cultura, juventude, educação, sempre na perspectiva da acessibilidade, da deficiência e da inclusão. De 2002 a 2018, a Escola de Gente sensibilizou cerca de 500 mil pessoas de 18 países das Américas, África, Oceania e Europa e de todas as regiões do Brasil para o conceito e a prática da inclusão, como foco na população que tem alguma deficiência e vive na pobreza. D+: Como veio o reconhecimento internacional do seu trabalho? CW: Já recebemos mais de 60 premiações e reconhecimentos nacionais e internacionais, incluindo o Prêmio Direitos Humanos e a Ordem do Mérito Cultural da Presidência da República. Em 2014, 2016 e 2019 fomos premiados na sede da ONU, em Viena, pela inovação de nossos projetos de teatro acessível, leitura acessível (em parceria com a WVA) e de formação de jovens com e sem deficiência nas comunidades de baixa renda aqui no estado do Rio. D+: Como foi a criação do grupo de teatro acessível?
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Ÿ CW: O grupo Os Inclusos e os Sisos foi criado pela minha filha, atriz e apresentadora Tatá Werneck em 2003, quando ela era estudante de Artes Cênicas na Unirio, como um projeto de arte e transformação social da Escola de Gente e foi premiado na ONU, em 2013, como um dos projetos mais inovadores do mundo na área da inclusão de pessoas com deficiência. Em 9 de maio de 2017 foi sancionada a lei do Dia Nacional do Teatro Acessível, a ser celebrado em 19 de setembro, anualmente. A data é um desdobramento da campanha Teatro Acessível. Arte, Prazer e Direitos, criada em 2011 pela Escola de Gente para garantir mais autonomia e participação de pessoas com deficiência na vida cultural de suas cidades. Foram quatro anos de luta com a tramitação do projeto de lei no Congresso Nacional. D+: Na sua opinião, qual é a maior dificuldade para incluir a pessoa com deficiência na sociedade? CW: Não há como construir projetos e criar tecnologias sociais sem ter clareza do quanto impomos às pessoas pobres um significativo ciclo de “não participação”, caracterizado por uma sistemática violação de direitos humanos e fundamentais. A pessoa pobre e com deficiência não é percebida por sua vizinhança como parte dela, e sim apenas como um detalhe da vida em comunidade, necessariamente um ônus para sua família e para a vizinhança. Portanto, o desafio é encontrar soluções únicas que ratifiquem
a diversidade humana e combatam as desigualdades sociais. Pobreza e deficiência devem ser enfrentadas conjuntamente. RD: Quais são seus planos para o futuro em relação à inclusão da pessoa com deficiência? CW: Estamos com várias ideias, são tantas as oportunidades que estamos planejando o que priorizar. Sobre os livros, tenho pelo menos três prontos, na minha cabeça, e também uma peça de teatro sobre o quanto é difícil uma instituição como a Escola de Gente, que vive de inovação, se relacionar com a burocracia do governo. Com relação à Escola de Gente, como uma organização da sociedade civil, nos colocamos o desafio permanente da inovação na área de inclusão e acessibilidade. Além do que já fazemos, vamos colocar mais dois projetos na rua. O primeiro é o aplicativo “Vem Cá”, que irá conectar iniciativas culturais com acessibilidade e pessoas que precisam ou desejam usar esses recursos. O outro projeto é a implementação de um recurso de acessibilidade praticamente inexistente na América Latina: a linguagem simples. Cerca de 1% da população tem algum tipo de deficiência intelectual, mas cerca de 40% convive com algum tipo de comprometimento cognitivo para interpretação de informações. São dados ainda descortinados. A linguagem simples avança no direito à comunicação para além do formato da informação, mas também para o seu conteúdo. D+
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Ÿ Legendas em Libras para vídeos Ÿ Reuniões e treinamentos em Libras Ÿ Cursos de Libras (introdução, intermediário e avançado) Ÿ Curso para formação de intérpretes de Libras Ÿ Treinamento para empresas e órgãos públicos Ÿ Capacitação de profissionais da área da saúde
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Ÿ Capacitação de professores e profissionais da educação Ÿ Capacitação de surdos para o mercado de trabalho Ÿ Treinamento de funcionários surdos
Ÿ Serviços de cuidadores educacionais
Ÿ Palestras e workshops para empresas e profissionais de RH (Lei de Cotas) Ÿ Treinamentos em turismo acessível
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VIVER BEM
“Integrantes do Projeto Lazer na Dinos Experience. Abaixo, à esquerda, durante desfile no sambódromo paulistano. À direita, no GP Brasil de Fórmula Um, em 2017”
Projeto Lazer proporciona cultura e sensação de pertencimento a pessoas com deficiência por Cármen Guaresemin
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Projeto Lazer entrou na vida de Miriam Ashkenazi de modo um tanto mágico. Em 2013, ela estava na fila de um cinema aguardando para entrar na sala de exibição quando encontrou uma grande amiga com a qual havia trabalhado antes. A conversa foi rápida e deixou Miriam intrigada. A amiga, que hoje vive em Israel, disse a ela que estava com muitos projetos ao mesmo tempo e que talvez tivesse de abrir mão de um deles. “Ela me disse que eu seria a melhor pessoa para quem poderia passar o projeto. Depois conversamos com calma e ela me explicou que se tratava do Projeto Lazer, voltado a pessoas com deficiência intelectual”, conta. Miriam tem um currículo e tanto: é formada em Comunicação Social pela ESPM, fez pós em Gestão Publica Legislativa (USP) e em Governo e Poder Legislativo (Unesp), mestrada em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da USP, além de ter estudado Direitos Humanos na Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo;
e Arte, Ecologia e Sustentabilidade na Umapaz (Universidade Aberta do Meio Ambiente e da Cultura de Paz) pelo Instituto de Artes da Unesp. Todo este embasamento deu a ela um grande preparo. “Comecei a atuar no projeto em 2014 e posso dizer que a nova versão é bastante diferente daquela que peguei. Eu dei a ele uma cara ‘fora da caixinha’, mais plural e eclética”, exemplifica. IVETE, SAFADÃO E NEYMAR Miriam diz que não tem nada contra fazer o que a maioria dos grupos similares ao dela faz, como visitar shoppings, ir ao cinema ou karaokê, fazer piqueniques, jogar boliche etc. “Tudo isso é legal, mas comecei a querer fazer outras coisas. Por exemplo, levei uma turma para ver uma corrida de Fórmula 1, com isenção total do valor do ingresso. Desfilamos este ano pela escola Camisa 12 no Sambódromo de São Paulo; fomos ver o musical O Fantasma da Ópera; assistimos a um show da Ivete Sangalo e outro do Wesley Safadão,
que chamou ao palco os jogadores Neymar e Gabriel Jesus”, conta ela. E a coordenadora gosta de enfatizar o porquê de suas escolhas: “ o público com deficiência intelectual quer serincluído, de preferência, além do muro. Se tem a possibilidade, a chance de ir a um grande evento, por que escolher a balada na escola? Quem vai em festa escolar? Parentes acompanhando os alunos menores. Nem sempre é para a própria diversão. Não sei se sou ‘da pá virada’, mas quero fazer diferente”. O projeto não é gratuito, os participantes colaboram e os funcionários recebem. Porém, ela afirma que em 99% das vezes os programas contam com isenção integral da entrada. Quando questionada como consegue essa vantagem, ela apenas diz: “Isso não é o mais importante para eles”. Entre os funcionários estão os mediadores, que contribuem de diversas formas, estruturando vínculos, aumentando a autoestima dos integrantes do grupo, bem como possibilitando que eles conquistem autonomia, boas trocas Revista D+ número 26
VIVER BEM
e uma sensação de pertencimento. “Todos são profissionais e são pagos. Há assistente social, psicólogo, professor de educação física e de artes. Para termos bolsistas, precisaríamos ter pessoas ou empresas que subsidiassem a gratuidade, mas não conseguimos isso até hoje”, confessa. O grupo tem em torno de 70 integrantes, mas nem todos vão a todas as atividades. “Os encontros são realizados aos finais de semana, pois a maioria dos membros trabalha. Sempre tem algum tema que satisfaz a maioria”. Fazem parte do grupo pessoas com síndrome de Down, autismo e transtorno de personalidade borderline. Ao ser questionada se ouve não como resposta quando solicita algo, Miriam rebate: “Sou tão ousada nas coisas que faço, que se falarem não, entrará por um ouvido e sairá pelo outro. Porém, eu mesma faço um ‘pente fino’ para escolher os locais e atividades que acredito que serão bons para todos irem”. No entanto, ela confessa que ouve com frequência alguns membros comentarem que são ignorados em seus locais de trabalho, onde sequer ouvem um bom-dia. “Há uma dificuldade homérica no âmbito profissional, nessa tentativa de inclusão. É necessária a flexibilidade, pois é preciso entender que se está lidando com uma pessoa com deficiência, a postura tem de ser diferente”. E o que o Projeto Lazer traz para a vida dos integrantes? “Aqui encontram um oásis, uma sensação de pertencimento, de terem amigos, de poderem ser eles mesmos. As pessoas do grupo fazem coisas que não fariam no dia a dia. Proporcionamos algo diferente, somos um grupo que dá lugar, respeito, dignidade, seriedade e o que de melhor pudermos oferecer”. NAMORO E AMIZADE Ana Paula Dias tem 34 anos e há seis participa do Projeto Lazer. Ela conta que descobriu a iniciativa por
“De cima para baixo: em show de Ivete Sangalo; no Natal Mágico, em 2018; e na apresentação do Ballet da Cidade de São Paulo”
de ir ao teatro, museu e exposições”. Morando sozinho em Higienópolis, outro aspecto que admira no Projeto Lazer é a possibilidade de fazer amizades: “Fiz muitos amigos. A Miriam diz que sou o ‘garoto propaganda’ da turma. Já participei de outros grupos, mas este é especial”.
meio de uma amiga que a indicou. “Ela me falou como era e me despertou o interesse. Fui conhecer, gostei e fiquei. Do que eu mais gosto? Da programação. Eu amo ir ao teatro, aos shows e baladas. Além de interagir com as pessoas, conhecer gente nova e fazer amizades”. Ela, que tem síndrome de Down, trabalha há 14 anos em uma empresa de engenharia como assistente administrativa e também é atriz: “Já atuei em quatro peças”, conta. Apesar disso, admite que não teria uma vida tão rica se não fosse pelo projeto: “eu saía, tinha amigas que iam em casa e tal, mas, com o grupo, muitas portas se abriram para mim. Até conheci meu namorado. Miriam é uma pessoa muito importante na minha vida”.
“No alto, durante a apresentação do musical Rei Leão; no meio, no espetáculo Disney on Ice; e em mais uma das muitas confraternizações do grupo”
GAROTO PROPAGANDA Artur Berl é o mais velho da turma, com 63 anos. Ele fazia parte do grupo antes de ser transferido para Miriam. Aposentado, continua trabalhando na mesma empresa como office boy, totalizando 30 anos. Além de ter deficiência intelectual, ele também tem visual e auditiva, Berl conta que o que mais gosta no grupo é de ir aos shows: “assistimos aos shows do Roupa Nova, da Ivete Sangalo... no do Wesley Safadão, no Espaço das Américas, até fomos ao camarim falar com ele. Também gosto
SAUDADES Zezé, é assim que Maria José Rodrigues, que tem síndrome de Down, é chamada pelos colegas no grupo. Ela tem 43 anos e faz parte do projeto há tanto tempo que não consegue se lembrar do ano em que entrou. “Quando comecei, o grupo era coordenado pelo casal José Henrique e Judite. Depois, passou para a Mary e, em seguida, chegou a Miriam”, conta. E ela sentiu a diferença na programação? “Sim, ficou bem melhor, as atividades mudaram, além de ter entrado mais gente”. Quando questionada se há algo que ela goste mais, Zezé responde rapidamente: “Gosto de tudo, especialmente musicais. Quando não vou por algum motivo, como estar doente ou viajando, sinto saudades”. Ela, que mora em São Caetano do Sul, faz teatro na Adid (Associação para Desenvolvimento Integral do Down) e curso de cartonagem. Zezé admite que sem o Projeto Lazer, sua vida seria diferente: “É maravilhoso estar entre amigos. Se não fosse o grupo, eu teria apenas o teatro e minha família”, finaliza. D+
SERVIÇO Atualmente, o Projeto Lazer só atua com adolescentes e adultos. Para fazer parte: Facebook: www.facebook. com/groups/projetolazer/ E-mail: projeto_lazer@yahoo. com.br
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NOSSA CAPA
QUE SE CUMPRA A LEI!
Legislação brasileira voltada à pessoa com deficiência é uma das mais avançadas do mundo. O que falta é sua efetiva implementação. texto Paulo Kehdi fotos Shutterstock e Divulgação
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ão houve divergências. Todas as fontes procuradas pela reportagem foram categóricas ao afirmar que a legislação brasileira voltada especificamente à pessoa com deficiência é ampla e defende os direitos do segmento. Porém, a unanimidade também se faz presente quando essas fontes são questionadas sobre qual seria o principal problema que enfrentamos atualmente. A resposta? Sua verdadeira efetivação, por meio das políticas públicas, a fiscalização de execução dela, além da regulamentação de diversos pontos, especialmente da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com deficiência (Lei nº 13.146/2015), a LBI, datada de 6 de julho de 2015. “A LBI trouxe importantes avanços na previsão dos direitos, principalmente porque está fundamentada na Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência pela Organização das Nações Unidas (ONU), datada de 2006 e promulgada pelo Brasil em 2009 (Decreto nº 6.949, de 25 de agosto 2009), e que tem natureza constitucional. A prioridade é implementar a LBI e todo o seu avançado conteúdo, especialmente voltado para as condições de acessibilidade, que permitem a participação da pessoa com deficiência em igualdade de condições em todos os domínios do direito. Também é necessário criar o instrumento de avaliação da deficiência previsto na LBI e que permitirá identificar as pessoas com deficiência para exercerem todos os direitos previstos nas políticas públicas, como da moradia, por exemplo”, afirma Maria Gugel, subprocuradora-geral do Trabalho e ligada ao Ministério Público do Trabalho desde 1988.
“A LBI teve a finalidade de revisar e atualizar as nossas leis e decretos ao que determina a Convenção da ONU de 2006. Especialmente, procurou-se tratar cada especificidade como direito humano, sob a percepção do modelo social da deficiência. São 120 artigos dentre os quais destaco a avaliação biopsicossocial da deficiência, sistema de ensino inclusivo com todos os recursos, reabilitação, acessibilidade, moradias e apoios para autonomia e vida independente, medidas de enfretamento à violência, adoção do crime de discriminação em razão de deficiência, tomada de decisão apoiada, auxílio-inclusão e cadastro-inclusão. Porém, vários desses artigos estão pendentes de regulamentação, uma fragilidade da LBI”, complementa Izabel Maior, médica fisiatra e ex-secretária nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Secretaria de Direitos Humanos entre 2002 e 2010. E Izabel ainda afirma que “as maiores lacunas são a falta da transformação das leis em políticas públicas de Estado, que não fiquem ao sabor das trocas de governo. As políticas e programas dependem de gestão responsável e de recursos orçamentários e, igualmente, precisa existir a fiscalização do cumprimento da legislação. Embora existam instâncias de controle social – os conselhos de direitos – são os governos municipal, estadual e federal que não têm feito sua parte como executores diretos e como agentes fiscais das empresas privadas. A falta de acessibilidade nas cidades é um caso emblemático para exemplificar o descaso com os direitos das pessoas com deficiência”.
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NOSSA CAPA
André Luiz Rodrigues de Souza, 51 anos, tem como deficiência a paraplegia, com comprometimento dos membros inferiores, adquirida em 2010 após acidente com moto. Atualmente, ele estuda engenharia na Universidade Estácio. “No dia a dia, meus maiores problemas são de locomoção e acesso aos estabelecimentos comerciais, me utilizo da tecnologia para suprir a falta de acessibilidade. A disposição de aplicar o Desenho Universal em todas as edificações e áreas públicas seria um sonho. Todos poderiam se locomover em um local totalmente inclusivo. Mas também vejo muitos avanços, principalmente na questão do trabalho e transporte público, isso tem melhorado sensivelmente. Porém, ainda há muito a trilhar. Tem que ser respeitado o direito de ir e vir das pessoas com deficiência”, diz.
“No dia a dia, meus maiores problemas são de locomoção e acesso aos estabelecimentos comerciais, me utilizo da tecnologia para suprir a falta de acessibilidade. A disposição de aplicar o Desenho Universal em todas as edificações e áreas públicas seria um sonho” André Luiz Rodrigues de Souza
HISTÓRICO Como mencionou André, apesar das lacunas, os avanços no campo legislativo foram enormes, especialmente a partir dos anos 1980, quando o movimento pelo direito das pessoas com deficiência ganhou corpo. No Brasil, a Emenda Constitucional n° 12/1978, conhecida como Emenda Thales Ramalho, previa aos “deficientes” a melhoria de sua condição social e econômica com a previsão de educação especial e gratuita, assistência e reabilitação e proibição de discriminação, inclusive quanto à admissão ao trabalho ou ao serviço e a salários, além de acesso a edifícios e logradouros públicos. A Organização das Nações Unidas (ONU) editava em 1980 a primeira versão da Classificação Internacional de Impedimentos, Deficiência e Incapacidades, e 1991 foi proclamado como o Ano Internacional das Pessoas com Deficiências, que tinha o tema central: participação plena das pessoas com deficiência na sociedade e a igualdade. Em 1982, a ONU aprova o Programa de Ação Mundial para as Pessoas com Deficiência, e em 1983 a Organização Internacional do Trabalho (OIT) adota a Convenção n° 159 sobre Reabilitação Profissional e Emprego das Pessoas com Deficiência. “Esses avanços internacionais repercutiram no Brasil e foram pano de fundo para que o movimento nacional de pessoas com deficiência se preparasse para as discussões em torno de seus direitos no período pré-constituinte. Fortalecido, o movimento participou da Constituinte que elaborou a Constituição da República de 1988 e que criou comandos constitucionais importantes e instrumentos necessários para exigir do Estado brasileiro o respeito e cumprimento aos direitos à educação, saúde, reabilitação e trabalho, baseados na igualdade de tratamento e oportunidades, além da acessibilidade, até então sequer pensados”, explica Gugel. “A Constituinte de 1988 contou com a participação de associações de pessoas com todos os tipos de deficiência, que inseriram a menção a este segmento em todos os artigos relacionados: Educação, Trabalho, Saúde, Previdência Social
e outros. Essa foi a primeira vez que a Constituição Brasileira contemplou especificamente os direitos desse grupo social. A condição das pessoas com deficiência, em todas as áreas, caracterizava-se pelo assistencialismo e paternalismo, o campo jurídico refletia esses valores. Pessoas com deficiência não eram consideradas sujeitos de direitos, não tinham voz e nem vez. Eram tuteladas, assim como as mulheres e grupos indígenas. Porém, a despeito desse avanço significativo, a questão dos direitos ainda não recebe a atenção a que tem direito”, complementa Marta Gil, Coordenadora Executiva do Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas (www.amankay.org.br) e consultora na área de Inclusão de Pessoas com Deficiência. A partir da Constituinte, importantes leis foram editadas [ver box da matéria], em especial a Lei n° 7.853, de 24 de outubro de 1989, que orienta o Estado em todas as áreas a apoiar as pessoas com deficiência, define crimes e coloca o Ministério Público para fiscalizar a aplicação da lei. AVANÇOS E RETROCESSOS Segundo Izabel Maior, a Lei nº 7.853/1989 foi a primeira legislação específica intersetorial para a integração das pessoas com deficiência e que reestruturou a Corde (Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, existente desde 1986), para articular as ações governamentais. “O marco central, entretanto, foi a ratificação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – CDPD (Decreto nº 6.949/2009), tratado que fez uma revolução no entendimento da deficiência, que deixou de ser um atributo biológico e passou a ser o resultado da interação entre pessoas com diferenças funcionais e as barreiras existentes que obstruem sua participação social. Dessa forma, a defesa dos direitos, nas leis e nas políticas, passou a contar com a força constitucional”. Ainda sobre as lacunas existentes e os retrocessos verificados no período, ela é categórica: “Além da falta da transformação das leis em políticas públicas de Estado e de uma gestão responsável, cito como
“Delegação brasileira que esteve na ONU, durante articulação da candidatura do país a um assento no Conselho dos Direitos da Pessoa com Deficiência, hoje ocupado pela senadora Mara Gabrilli”
“André Souza tem paraplegia e diz serem seus maiores problemas, no dia a dia, a locomoção e o acesso a estabelecimentos comerciais”
“Marta Gil afirma que a elaboração da Constituinte de 1988 contou com a participação de pessoas com todos os tipos de deficiência”
“Para Maria Gugel, existe um movimento de pressão no Congresso Nacional para retroagir em direitos, especialmente trabalhistas, da pessoa com deficiência”
um retrocesso à existência de certo grau de afastamento da luta por direitos. Gostaria que as organizações da sociedade civil representativas das pessoas com deficiência voltassem a ser mais presentes e unidas para enfrentar a persistente falta de cumprimento das leis e a impunidade”. “Os direitos das pessoas com deficiência estão em ascensão nas legislações atuais. No entanto, percebe-se a todo momento um movimento dirigido ao Congresso Nacional para tentar retroagir em direitos, especialmente quanto ao direito ao trabalho, com a mitigação da reserva de cargos em atividades específicas. Para isso, conta-se sempre com o olhar vigilante do movimento de pessoas com deficiência e da aplicação de um princípio internacional que proíbe o retrocesso em direitos conquistados”, complementa Gugel. Nesse cenário descrito pela subprocuradora geral, vale ressaltar o decreto nº 9.759, de 11 de abril de 2019, em que o presidente Jair Bolsonaro extingue mais de 700 conselhos sociais na esfera federal, estabelecidos por meio de decretos anteriores a 2014. Nesse universo de conselhos encontra-se o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade), criado em 1999 e que, portanto, estaria por completar 20 anos. A importância do Conade desde sua criação foi enorme, conforme a matéria mostrará mais adiante. Para especialistas, a medida é equivocada e acena para o caminho oposto do ideal. O Poder Público se afastando da sociedade
civil, e não se aproximando, como deveria acontecer. Porém, Gugel mesma afirma: “Do ponto de vista da capacidade civil da pessoa com deficiência, a LBI é bastante avançada com a previsão da Tomada de Decisão Apoiada. Trata-se de um processo judicial criado para garantir apoio à pessoa com deficiência em suas decisões sobre atos da vida civil e assim ter os dados e as informações necessários para o pleno exercício de seus direitos. Nesse processo, a própria pessoa com deficiência indica os apoiadores de sua confiança a serem nomeados pelo juiz. Sugiro a leitura de duas cartilhas muito interessantes chamadas “Tomada de Decisão Apoiada” e “Curatela”, que estão no site do Conselho Nacional do Ministério Público e que têm como objetivo informar: disponíveis em formato de cartilha www.cnmp.mp.br/portal/ publicacoes/245-cartilhas-e-manuais/9935-tomada-de-decisao-apoiada-e-curatela; ou de fotonovela www.cnmp.mp.br/ portal/publicacoes/250-revistas/9735-tomada-de-decisao-apoiada-e-curatela. Revista D+ número 26
NOSSA CAPA
EMPREGO APOIADO Outro avanço verificado, mas que também carece de fiscalização maior por parte do poder público, é o Emprego Apoiado (EA). “No âmbito trabalhista, a LBI estabelece a importância da colocação competitiva da pessoa com deficiência no mercado de trabalho. Para isso, em tese, obriga que sejam oferecidas ao trabalhador com deficiência recursos tecnológicos e a adaptação ao ambiente de trabalho. O termo “emprego apoiado” não está explícito neste instrumento legal, porém em seu artigo 35 deixa clara a possibilidade da prática do EA quando considera promover e garantir condições de acesso e de permanência da pessoa com deficiência no campo de trabalho. No artigo 37, a metodologia do EA também se faz presente quando expressa que a colocação competitiva da pessoa com deficiência pode ocorrer por meio de trabalho com apoio, observadas as diretrizes de provisão de suportes individualizados, que atendam às necessidades específicas da pessoa com deficiência e o respeito ao perfil vocacional, bem como a oferta de aconselhamento e de apoio aos empregadores, com vistas à definição de estratégias de inclusão e de superação de barreiras, inclusive atitudinais. Existem cursos de capacitação para profissionais que queiram entender a metodologia do EA. Dentre as principais diretrizes, podemos citar a inversão do paradigma de “qualificar e contratar” para “contratar e qualificar”; a qualificação da pessoa com deficiência para a formação da equipe de trabalho e, ainda, as estratégias utilizadas para a inclusão da pessoa com deficiência em uma função competitiva, entre outros pontos”, fala Sonia Toledo, consultora especializada na inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Marco Pellegrini, 54 anos, que foi titular na Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, é considerado o primeiro caso de EA no Brasil. Ele sofreu um assalto em 1991, que o deixou tetraplégico. “O atentado tumultuou completamente a minha vida. Com um filho por nascer e outro completando um ano de idade, no meio do caminho de um curso universitário e atividade intensa como analista de projetos no Metrô de São Paulo, definitivamente, a sequela de tetraplegia não estava no script. Em 1991 não havia políticas públicas nessa área. A Lei de Cotas data do mesmo ano, porém, cumpria período de carência e aprendizado, tendo efetividade somente anos depois. Eu recebia colegas em visitas na UTI, dizendo: ‘Não esvaziem minhas gavetas. Eu vou voltar’. Obviamente, na cabeça deles se passava ‘a ficha dele vai cair, impossível trabalhar nessa condição’. A ficha não caiu.” Empoderado pela tecnologia e conhecimento adquirido, toquei em frente e, apoiado pelo Romeu Sassaki e pela Associação dos Metroviários Amigos dos Excepcionais (AME), surpreendi a equipe do INSS, chegando todo equipado na consulta. A partir de então, o Metrô concordou em iniciar o processo de reabilitação profissional,
baseado na técnica do Emprego Apoiado. O caminho foi árduo, mas com resultado compensador”, afirma Pellegrini. “A minha recolocação foi aprimorando com o tempo. Assumi novas tarefas, progredi na carreira e acabei mudando o foco da minha atuação. Passei a colaborar no processo de inclusão de novos profissionais com deficiência e também nas soluções de atendimento aos usuários com deficiências no sistema metroferroviário. Ter passado por esse processo de recolocação profissional estendeu esses ganhos à população com deficiência, pois foi aprendizado para a empresa, o INSS e todos os demais envolvidos”, finaliza Pellegrini. SECRETARIA NACIONAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA A Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (https://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/ app/sobre-a-secretaria) é um órgão integrante da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e atua na articulação e coordenação das políticas públicas voltadas para as pessoas com deficiência. Dois de nossos entrevistados estiveram à frente da pasta em momentos diferentes. Izabel
“Marco Pellegrini em dois momentos distintos enquanto secretário da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Luta pela causa”
Maior, entre 2002 e 2010, e Pellegrini, que atuou entre abril de 2017 até fevereiro de 2019. Sua origem foi a criação da Corde, em 1986, tendo chegado ao status de Secretaria em 2010. “Como médica fisiatra e ativista do movimento social, acompanhei a criação e atuação da Corde desde seu início, assim como as dificuldades de sua inserção na estrutura do governo federal, mas sempre houve muito empenho técnico e pessoal das equipes. Assumi o cargo de coordenadora em 2002, quando a Corde já havia perdido status, sua equipe era reduzida e contava com baixo orçamento, configurando um cenário adverso. O trabalho foi grande, o envolvimento dos colegas de equipe e a permanente aproximação com as associações foram elementos essenciais para enfrentar as dificuldades. Procuramos reforçar a compreensão das necessidades das pessoas com deficiência no bojo dos direitos humanos e assim, internamente, surgiram condições para transformar a coordenadoria em um órgão gestor com mais capacidade de atuação e negociação política”, diz Izabel. E ela complementa com as ações no período. “De 2002 a 2010 destaco a elaboração dos decretos da acessibilidade, do cão-guia, da indenização de pessoas atingidas pela “Izabel Maior em foto tirada em 2017 e diante do Museu de Petrópolis, em 2013 (abaixo). Médica fisiatra, é considerada um dos maiores expoentes na luta pelos direitos da pessoa com deficiência”
hanseníase, compulsoriamente internadas, a interlocução com estados e municípios, ministérios, Poder Legislativo e Ministério Público, o apoio para criação de coordenadorias nos estados, financiamento dos projetos de fortalecimento e de capacitação das organizações da sociedade. Mantivemos uma linha de publicação e distribuição nacional de títulos impressos e em formatos acessíveis. Participamos da elaboração da Convenção na ONU e coordenamos o processo de negociação da ratificação com equivalência constitucional. Coordenamos a Agenda Social para a Inclusão, implementada de 2007 a 2010, com orçamento de 2,4 bilhões e ações para a educação inclusiva. Menciono ainda o reforço à concessão de tecnologia assistiva no SUS, habitação social acessível, normas de transporte acessível, fomento à empregabilidade e campanhas publicitárias com acessibilidade. Destaco também o livro e o vídeo “História do movimento político das pessoas com deficiência no Brasil”, com audiodescrição, legenda e Libras, como uma contribuição à memória da luta pela cidadania”. Pellegrini, enquanto Secretário Nacional, conseguiu avançar na regulamentação da LBI e em outros pontos. “Setores complexos como hoteleiro, grandes arenas, construção de condomínios, transporte rodoviário, concurso público, entre outros, foram regulamentados por meio de decretos presidenciais. Também avançamos nas políticas de liberação de FGTS para compra de produtos assistivos, reajuste do benefício aos acometidos pela síndrome da Talidomida e o oferecimento do projeto de Lei do executivo estabelecendo o auxílio inclusão. Como chefe da Delegação Brasileira na ONU lancei e articulei a candidatura do Brasil ao Assento no Conselho dos Direitos da Pessoa com Deficiência, ocupado hoje pela senadora Mara Gabrilli. Conquistamos, ainda, a presidência do Comitê para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas com Deficiência da Organização dos Estados Americanos – Cedis-OEA, ocupado hoje por Anderson Santanna. O resultado é a acessibilidade arquitetônica e ao conteúdo, dentro do conceito de desenho universal, que ficou garantida nas viagens, compra de imóveis, hospedagem, participação em concursos públicos, entre outras atividades importantes da vida”, explica. Para o cidadão que quiser ter mais informações, ou mesmo enviar reclamações ou denúncias, entrar em contato com a Secretaria pelos telefones (61) 2027-3684/(61) 2027-3221, ou enviar e-mail para pessoacomdeficiencia@sdh.gov.br. CONADE O Conade, extinto pelo decreto nº 9.759, foi criado em junho de 1999, ou seja, vai completar 20 anos de existência e desaparecer, já que estão previstas atividade até 28 de junho de 2019, quando então será extinto definitivamente. “Sua criação veio da necessidade de fortalecer a relação entre o Poder Revista D+ número 26
NOSSA CAPA “Hélia Braga, do Conade, que no mês de março visitou Conselhos Municipais em três estados: Bahia, Sergipe e Alagoas. Com a extinção do órgão, a relação com a sociedade civil fica prejudicada”
“Sua criação veio da necessidade de fortalecer a relação entre o Poder Público e a sociedade civil. Nessa mesma época, começaram a surgir também os conselhos estaduais e municipais, e ainda a formação de Comissões Especiais para temas específicos” Helia Braga Público e a sociedade civil. Nessa mesma época, começaram a surgir também os conselhos estaduais e municipais e ainda a formação de Comissões Especiais para temas específicos. Esse movimento veio em função da importância de se ajudar na formulação de políticas públicas em prol da pessoa com deficiência e no acompanhamento da execução dessas políticas, com consequente caráter de fiscalização”, explica Helia Braga, atual coordenadora do Conselho, que assumiu o cargo em janeiro cheia de entusiasmo, mas que só irá exercer essa função por mais dois meses. “O movimento de criação dos conselhos foi de suma importância para a conquista de mais direitos para as pessoas com deficiência. Lamentamos a extinção do Conade. No mês de março, visitei os estados da Bahia, Sergipe e Alagoas e
muitos conselhos municipais. Encontrei essa rede de comunicação fragilizada, o que só tende a piorar com a extinção do Conade. Agora é esperar para ver se algum órgão será criado para substituí-lo”, diz Helia. O Conade é composto de forma paritária, são 19 representantes da sociedade civil (com 19 suplentes) e 19 representantes do Poder Público (também com 19 suplentes). Para consultas, reclamações ou denúncias, enviar e-mail para conade@mdh.gov.br, ou entrar em contato pelo telefone (61) 2027-3271. Como o Conselho é ligado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, também é possível utilizar o canal da ouvidoria do Ministério, pelo “Disque 100”, que funciona diariamente, 24 horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados. As ligações podem ser feitas de
CRONOLOGIA E PRINCIPAIS LEIS VOLTADAS ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL
empresas com 100 empregados ou mais;
1978 - Emenda Constitucional n° 12/1978, conhecida como Emenda Thales Ramalho, que previa aos “deficientes” a melhoria de sua condição social e econômica;
2000 - Leis de acessibilidade na comunicação, informação, ambientes, edificações, transportes e tecnologia assistiva (Leis nº 10.048 e nº 10.098/2000, Decreto nº 5.296/2004);
1980 - ONU editava a primeira versão da Classificação Internacional de Impedimentos, Deficiência e Incapacidades;
2002 - Instituição da Língua Brasileira de Sinais (Libras) como oficial para a comunidade surda (Lei nº 10.436/2002). Faz parte das grandes conquistas, e é um divisor de águas para a inclusão;
1981 - Definido pela ONU como o “Ano Internacional das Pessoas com Deficiência”; 1982 - ONU aprova o Programa de Ação Mundial para as Pessoas com Deficiência; 1988 - Elaboração da atual constituição brasileira, que estabelece uma série de direitos à pessoa com deficiência;
1999 - Decreto nº 3.298 – Define o que é pessoa com deficiência, para efeito da cota e fiscalização;
2004 - Decreto nº 5.296 – Altera definições de deficiência (acrescenta baixa visão, ostomia e nanismo) e eleva patamares de perda auditiva; 2006 - A ONU promulga a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD); 2007 - O Brasil assina a CDPD;
1989 - Lei n° 7.853, de 24 de outubro, que orienta o Estado em todas as áreas a apoiar as pessoas com deficiência, define crimes e coloca o Ministério Público para fiscalizar a aplicação da lei;
2008 - O Decreto Legislativo n° 186 ratifica a CDPD, com status de emenda constitucional;
1990 - Reserva de vagas para pessoas com deficiência em concursos públicos (Lei nº 8.112/90);
2015 - Lei nº 13.146 – Conhecida como Lei Brasileira de Inclusão de Pessoas com Deficiência (LBI), que tem como base a CDPD;
1991 - Lei nº 8.213 – “Lei de Cotas” – É considerada “lei” pela sua importância, mas é o Artigo 93 dela que efetivamente tornou obrigatória a inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho formal, em
2009 - O Decreto Executivo n° 6.949 promulga a CDPD, que está em vigência desde 2008;
2016 - Reserva para ingresso nos cursos técnicos de nível médio e superior das instituições federais (Lei nº 13.409/2016).
Revista D+ número 26
NOSSA CAPA
“Maria Isabel durante palestra de esclarecimento da LBI. Conhecer para poder exigir”
todo o Brasil por meio de discagem gratuita, de qualquer terminal telefônico fixo ou celular, bastando discar 100. Porém, como já informado, esses canais funcionarão somente até 28 de junho de 2019. SECRETARIAS ESTADUAIS A maioria dos estados brasileiros tem secretaria ou órgão com status parecido, voltado exclusivamente aos assuntos da pessoa com deficiência. Existem estados, porém, que possuem outras secretarias, como a da Assistência Social, por exemplo, exercendo essa função. Em São Paulo, a secretaria foi criada em 2008 (http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov. br/). Maria Isabel da Silva foi Assessora de Gabinete e Coordenadora de Comunicação institucional do órgão de 2008 a 2018, trabalhando juntamente com a antiga titular da pasta, Linamara Batistella (atualmente o cargo é ocupado por Célia Leão). “A função principal da secretaria é articular políticas públicas com as demais pastas, considerando o universo das pessoas com deficiência em seus âmbitos de atuação. É de sua responsabilidade também propor ações, na esfera governamental, que derrubem as barreiras e dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência no cotidiano”, diz Isabel. Entre as ações do período em que trabalhou com Linamara, ela destaca as principais. “A instituição do Programa Estadual de Combate à Violência contra as pessoas com deficiência, que deu origem à primeira Delegacia de Polícia da Pessoa com Deficiência; o Programa Praia Acessível, que permite o banho de mar e rio com cadeira de banho adaptada; a construção do Centro de Treinamento Paralímpico Brasileiro; programas como o Moda Inclusiva, que levou às
“A função principal da secretaria é articular políticas públicas com as demais pastas, considerando o universo das pessoas com deficiência em seus âmbitos de atuação. É de sua responsabilidade também propor ações, na esfera governamental, que derrubem as barreiras e dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência no cotidiano” Maria Isabel da Silva universidades o conceito de vestuário acessível, e o Prêmio Melhores Empresas para Trabalhadores com Deficiência, que estimulou as empresas a contratarem e adequarem seus postos aos profissionais com deficiência. Ainda nessa área, o Prêmio Ações Inclusivas, que estimulou a criação de ações inclusivas nos municípios. Na educação, destaca o Programa Ensino Médio Acessível, que levou treinamento aos profissionais de educação para atendimento aos alunos com deficiência e o Centro de Tecnologia e Inclusão, que oferta cursos e treinamentos para pessoas com e sem deficiência. Na saúde, a contribuição maior foi com relação à Rede de Reabilitação Lucy Montoro, o mais importante centro de reabilitação do Estado de São Paulo, com selo internacional de qualidade”. Para denúncias, informações ou reclamações, a secretaria paulista disponibiliza seu canal “Ouvidoria” (http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/ouvidoria), ou ainda atendimento por telefone (11) 5212-3730, em dias úteis, das 10h às 12h e das 14h às 16h, ou ainda por e-mail (ouvidoria@sedpcd. sp.gov.br). SECRETARIAS MUNICIPAIS Outro canal para a pessoa com deficiência são as secretarias municipais. Na capital paulista, a Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência (https://www.prefeitura.sp.gov.br/ cidade/secretarias/pessoa_com_deficiencia/) foi criada em caráter especial, pelo Decreto nº 45.811, de 1º de abril de 2005. Em 26 de dezembro de 2007, com a aprovação da Lei nº 14.659, ela se tornou uma secretaria plena, oficialmente um órgão da Administração Pública Direta do Município. “Promover o protagonismo da pessoa com deficiência e sua efetiva
“Cid Torquato, secretário municipal em São Paulo. Programa de estágio para pessoas com deficiência foi uma de suas ações”
participação na sociedade é a sua principal função. Ser referência na concepção e execução de políticas públicas, em prol da acessibilidade e dos direitos da pessoa com deficiência é também um de seus objetivos”, diz Cid Torquato, atual titular da pasta. Entre suas ações, Torquato destaca algumas. “Instituímos o Selo de Acessibilidade Digital, que certifica sites e portais que cumprem com critérios de acessibilidade estabelecidos pelo Modelo de Acessibilidade em Governo Eletrônico. Criamos a Central de Intermediação em Libras (CIL), serviço de intermediação em Português-Libras, por meio de videochamada, que permite a comunicação entre pessoas com deficiência auditiva e servidores públicos. Posso ainda mencionar o Mapa da Rede de Serviços Públicos Municipais, um instrumento que disponibiliza geograficamente os equipamentos públicos acessíveis e que prestam atendimento à pessoa com deficiência em São Paulo; e o Cultura Inclusiva, uma iniciativa em conjunto com a Secretaria Municipal de Cultura que tem como objetivo promover acessibilidade comunicacional em teatros e equipamentos municipais de cultura. No âmbito trabalhista, o Contrata SP para Pessoas com Deficiência, que integra o Programa de Inclusão Econômica (Priec), iniciativa da Prefeitura de São Paulo para a inserção de públicos vulneráveis no mercado de trabalho ou no empreendedorismo na região onde moram. Nessa área, temos também o Programa de Estágio para Estudantes com Deficiência, que tem como objetivo incentivar empresas privadas a criarem programas de estágios para jovens com deficiência. Na área da mobilidade, implementamos rotas de ônibus Circulares Acessíveis, com duas linhas em operação”, informa Torquato.
“Criamos a Central de Intermediação em Libras (CIL), serviço de intermediação em PortuguêsLibras, por meio de videochamada, que permite a comunicação entre pessoas com deficiência auditiva e servidores públicos” Cid Torquato
A secretaria disponibiliza canal de denúncia de falta de acessibilidade pelo site www.proconpaulistano.prefeitura.sp. gov.br. E ainda o canal “Fale Conosco”, que pode ser acionado de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h. Por e-mail (atendimentosmped@prefeitura.sp.gov.br) ou pelo telefone (11) 3913-4000. CONSELHOS MUNICIPAIS Os Conselhos Municipais da Pessoa com Deficiência (CMPDs) são instâncias de representatividade da sociedade civil, tendo como principais objetivos elaborar, encaminhar e acompanhar a implementação de políticas públicas de interesse da pessoa com deficiência na saúde, educação, trabalho, habitação, transporte, cultura, lazer, acessibilidade ao espaço público e esportes. Cada município brasileiro deve ter o seu Conselho, e ele deve ser procurado na defesa dos direitos da pessoa com deficiência. Entretanto, existem municípios que não possuem conselho algum, mais uma fragilidade verificada na estrutura pública voltada à pessoa com deficiência. Na capital paulista, a Coordenação Geral do Conselho é composta por sete membros, garantida nessa composição a participação de pelo menos um deficiente auditivo, um deficiente físico, um deficiente visual, um deficiente intelectual (ou representante legal) e um deficiente múltiplo ou seu representante legal, além de sete suplentes. Ana Claudia Domingues, 49 anos, cega, é a Presidente do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência de São Paulo. “Atuamos em diversas frentes, como no acesso ao lazer e recreação por meio do esporte, na luta para pela colocação de legendas na TV, na ampliação da frota de veículos acessíveis Revista D+ número 26
NOSSA CAPA
PODER LEGISLATIVO A senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) é a maior representante da pessoa com deficiência no Poder Legislativo. Tetraplégica desde 1994, quando sofreu um acidente de carro, iniciou sua carreira pública em 2005, como a primeira titular da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida em São Paulo. Nesse período, desenvolveu dezenas de projetos nas áreas de infraestrutura urbana, educação, saúde, transporte, cultura, lazer e emprego. “Entre outras ações, conseguimos aumentar a frota de ônibus adaptados, que de 300 saltou para três mil, além da reforma de 400 quilômetros de calçadas, inclusive na Avenida Paulista, que se tornou modelo de acessibilidade na América Latina. Em seguida, fui vereadora paulistana durante quatro anos. Apresentei 43 Projetos de Lei para melhorar a qualidade de vida das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, mas que, no fim das contas, beneficiam toda a população”, afirma Mara. Sete desses projetos foram aprovados e já são leis municipais: a que criou a Central de Intérpretes de Libras e Guias-Intérpretes para surdocegos (Lei nº 14.441/2007); a que tornou Lei o Programa Municipal de Reabilitação da Pessoa com Deficiência Física e Auditiva, determinando a implantação de novos serviços de reabilitação nas 31 subprefeituras da capital (Lei nº 14.671/2008); o Plano Emergencial de Calçadas (PEC), que permite à Prefeitura reformar e revitalizar as calçadas em vias estratégicas onde estão localizados os diversos equipamentos públicos e privados essenciais à população, como correios, escolas e hospitais (Lei nº 14.675/2008); e o que criou o Programa Censo Inclusão, que prevê um levantamento detalhado com perfil socioeconômico dos cerca de 1,5 milhão de pessoas com deficiência na capital paulistana (Lei nº 15.096/2010), programa lançado pela Prefeitura em 2012. Como deputada, em dois mandatos, totalizando oito anos, protocolou 57 projetos de lei e foi relatora de outros 17. “Meu grande legado foi a relatoria da LBI, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, projeto que tramitava havia 15 anos no Congresso Nacional. Com a sociedade civil, reformulei todo o texto e conseguimos construir o que há de mais moderno e completo em termos de legislação da pessoa com deficiência, dando autonomia e
protagonismo a essa população”, diz Gabrilli. Para os próximos quatro anos, Mara quer trabalhar pela regulamentação da avaliação biopsicossocial da deficiência e do profissional de apoio escolar, além de continuar atuando em outras áreas, como educação e moradia, apenas para citar algumas. Para quem quiser entrar em contato com a senadora, basta entrar no seu site (https://maragabrilli.com.br/) e ir em “Contato”. “Recebo diariamente centenas de ligações, mensagens nas redes sociais e e-mails de pessoas com e sem deficiência de todo o Brasil. São denúncias, sugestões, pedidos de ajuda, orientação, reclamações. Qualquer pessoa pode nos procurar. Devido à demanda, nem sempre conseguimos responder tão rápido, mas faço questão de responder o que recebemos”. Perguntada sobre o quadro atual de leis, ela reforça o sentimento de outras fontes da matéria. “A legislação sobre os direitos das pessoas com deficiência no Brasil é uma das mais completas do mundo. Apesar disso, ainda falta muito para que essa parcela da população tenha seus direitos respeitados. O que precisamos é trabalhar para tirar esses direitos do papel e pô-los em prática. E para que isso aconteça é preciso vontade política e conscientização não apenas dos gestores públicos, mas também de toda a sociedade”.
“Recebo diariamente centenas de ligações, mensagens nas redes sociais e e-mails de pessoas com e sem deficiência de todo o Brasil. São denúncias, sugestões, pedidos de ajuda, orientação, reclamações. Qualquer pessoa pode nos procurar. Devido à demanda, nem sempre conseguimos responder tão rápido, mas faço questão de responder o que recebemos” Mara Gabrilli
“Ainda falta muito para que essa parcela da população tenha seus direitos respeitados. O que precisamos é trabalhar para tirar esses direitos do papel e pô-los em prática” Mara Gabrilli
no transporte público, no estímulo à produção cultural com recursos de acessibilidade e na inclusão na cobertura do SUS de ações promovendo a prevenção a fatores causadores ou agravantes da deficiência. Trabalhamos ainda na reserva de 10% de unidades em projetos habitacionais financiados pela Secretaria Municipal de Habitação e na garantia de 5% de vagas nos programas municipais de geração e complementação de renda. Mas ainda há muito o que fazer em todos os setores”, explica Domingues. E ela complementa: “o CMPD é um espaço democrático que busca garantir a melhoria da qualidade de vida das pessoas com deficiência, e mediante esse cenário, qualquer munícipe pode ter acesso ao conselho, por meio de atendimento presencial, ou pelo telefone (11-3913-4038) ou ainda via e-mail (cmpd@prefeitura.sp.gov.br), trazendo qualquer demanda refrente à garantia de direitos”. Para saber mais, acesse https://
www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/pessoa_com_ deficiencia/conselho/ MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO Além de todos os canais de comunicação apresentados aqui, o Ministério Público do Trabalho (MPT) atua na perspectiva do cumprimento da lei, especialmente a lei de reserva (cotas) de postos de trabalho em empresas com cem ou mais empregados, a cota aprendiz, a acessibilidade física, arquitetônica e de atitudes dos ambientes corporativos, dentre todos os direitos ao trabalho. O MPT atua em todas as questões de fraude ao direito do trabalho e do cumprimento da reserva de cargos e discriminação de trabalhador com deficiência. Se algum desses direitos for violado, deve ser denunciado no seguinte endereço http://portal.mpt.mp.br/ wps/portal/portal_mpt/mpt/servicos/denuncias/ D+ Revista D+ número 26
“Lilian Cury, psicóloga e deficiente visual: ‘cego também tem autonomia’”
“Cristiane Lazarão e seu filho Luigi: críticas a um capacitismo sutil”
FOTO: DANIEL HENDLER
“Gisele Fontes: separar as pessoas em “normais” e “anormais” é a pior forma de capacitismo”
FOTO: PAULA MARINA
COMPORTAMENTO
Capacitismo é a crença, ainda presente em nossa sociedade, de que as pessoas estão rigidamente separadas em capazes e incapazes texto Guga Dorea
É
inegável que o início do século XXI ficou marcado por um olhar mais inclusivo para as Pessoas com Deficiência e suas mais flexíveis capacidades, além do número considerável de representantes dessa população que se tornaram efetivamente autônomos em suas vidas cotidianas. A onda da inclusão social e escolar passou a predominar em detrimento à exclusão e segregação do passado. Em contrapartida, vícios de um passado excludente continuam atuais. Um deles é o chamado “capacitismo”, que trata, em linhas gerais, histórica e culturalmente, de enxergar as pessoas pelos estigmas e não pelo que são em si. Ana de Mello Dantas, que tem Atrofia Cerebral, uma deficiência intelectual que gera dificuldades de aprendizagem, viveu situação real que exemplifica bem o capacitismo. “Nunca me esqueci, fui a um Poupatempo fazer a minha Carteira de Trabalho e o atendente, notando minha deficiência, começou a falar com minha mãe, sendo que antes se dirigia a mim”. O sentimento que rondou o imaginário de Ana, que participa de algumas oficinas de artes no Núcleo Morungaba, foi o de ser incapaz de falar por si mesma. “Eu me senti invisível e inútil como pessoa, além de incapaz de responder ou executar qualquer tipo de atividade. Mas quando eu disse ‘moço, eu sei falar’ revelei que sou capaz de me posicionar”. CAPACITISMO: ONTEM E HOJE Apesar de o termo capacitismo ter sido criado no século passado, quando ainda vivíamos uma exclusão mais explícita, é na inclusão que ele aparece com maior visibilidade. É o que pensa a fonoaudióloga Cristiane Lazzarotto Volcão, mestra em reabilitação fonoaudiológica, além de pós-doutora em Letras e professora na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “Hoje as pessoas com deficiência
estão em todos os espaços. Por conta disso, a convivência diária torna o capacitismo mais visível e preocupante”. Com o nascimento de seu filho Luigi, que tem a síndrome de Down, tudo ficou mais claro para Cristiane. “Como profissional, o preconceito sempre me incomodou, mas quando mãe, comecei notar olhares de pena como se meu filho fosse coitadinho, além de chamarem ele de ‘downzinho’ e de ‘anjinho’. São formas sutis de capacitismo”. Separar rigidamente as pessoas entre “nós e eles” também é uma forma de preconceito. “Primeiramente, ‘eles’ não existem. É uma generalização extremamente capacitista. Cada pessoa é singular, independentemente do número de cromossomos em suas células”. O PORQUÊ DO CAPACITISMO Segundo Gisele Augusta Fontes Gonçalves, que é graduada em Direito e mestra em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará, o capacitismo continua real em nossa sociedade porque a separação das pessoas em “normais” e “anormais” permanece, no imaginário das pessoas, como algo natural. “O capacitismo é a crença na falácia de que existem pessoas ‘normais’ e somente as que não o são têm limitações”. Para ela, ao contrário, esse padrão de normalidade é uma “construção histórica que não existe de fato”. E acrescenta: “Tudo o que não se encaixa é tido como uma incapacidade, um valor inferior ao ser humano”. A também fundadora da ONG Singularidade Down e mãe de Luiza, que tem a síndrome de Down, aponta para outra forma de capacitismo, quase imperceptível: acreditar que a pessoa é obrigada a superar a própria deficiência para alçar voos mais altos. “Quando uma pessoa com deficiência entra em uma faculdade, por exemplo, não há que se falar em superação porque a sua condição não desapareceu”. Revista D+ número 26
COMPORTAMENTO
“Sandra Ramalhoso ressalta a importância de combater uma segregação camuflada”
FOTO: FÁBIO NUNES
“Neivaldo Zolico, professor: necessidade do intérprete de Libras para o surdo se comunicar”
FOTO: PAULA MARINA
“Ana Dantas: ‘eu sei falar por mim mesma’”
“Lothar Bajanella: crença que o cego não tem raciocínio lógico”
A CULTURA DO CAPACITISMO Muitas vezes, o capacitismo é sutil, imperceptível e mesmo invisível. Aceitar a visão capacitista é acreditar que existe um único padrão de corpo humano a ser perseguido por todos, o que nos leva a alguns modelos de sociedade impostos em outros períodos da história da humanidade: - MODELO CARITATIVO Esse modelo, que continua atual em muitos aspectos, vem da Idade Média. É acreditar que toda pessoa com deficiência necessita de superproteção por serem inocentes e vulneráveis.
“Naxsuell Santos sofreu com deboches no seu antigo emprego e precisou mostrar a todos que era capaz”
- MODELO BIOMÉDICO Entre os séculos XVIII e o início do XX, não havia a diferença entre doença e deficiência. Pensando nos dias de hoje, é o mesmo que tratar as pessoas com deficiência apenas sobre a ótica clínica, excluindo fatores psicológicos e sociais. Foi nesse período que a Língua Brasileira de Sinais (Libras) foi oficialmente proibida. Acreditava-se que a surdez era sintoma de um estado patológico e, aprendendo a língua oral ou falada (oralismo), os surdos estariam mais próximos da cura. “É um preconceito pensar que surdo não é capaz. Podemos fazer tudo. Precisamos de um intérprete de Libras apenas para nos comunicar”, enfatizou Neivaldo Augusto Zovico, professor da Escola Municipal Bilíngue Helen Kelen e diretor da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis).
EDUCAÇÃO INCLUSIVA E O CAPACITISMO O dilema exclusão/inclusão escolar também foi alvo de mudanças quando o sistema regular de ensino, por conta da legislação, passou a aceitar as pessoas com deficiência em seus bancos escolares. No entanto, muitos consideram que a chamada escola tradicional não está preparada para garantir uma aprendizagem realmente de qualidade. Gisele considera que “criar segmentos educacionais específicos para grupamentos sociais é prática discriminatória enraizada nas sociedades ocidentais”. Mas ela acredita também que “a escola reproduz todas as manifestações de capacitismo que ocorrem na sociedade, afetando as situações de aprendizagem e os relacionamentos interpessoais”. Para Cristiane, “apenas colocar o aluno com necessidade educacional específica para dentro de uma sala de aula e continuar olhando para o chamado aluno padrão não é inclusão. Fica mais marcado que o problema é da pessoa e não de um sistema de ensino que nasceu para excluir”. O que temos de enfrentar, enfatizou Ana Luiza Sodero, coordenadora no Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão (Cefai), da prefeitura de São Paulo, “é um conceito arraigado de que pessoas com deficiência não têm capacidade para pensar, agir e se organizar com autonomia”. O que precisamos, disse ela, “é derrubar barreiras sociais e respeitar o tempo de cada um”. Ana cita seu próprio filho, Marcelo Toledo Soares, que tem displasia esquelética, que gerou déficit auditivo, baixa estatura e deficiência intelectual. “Ele consegue aprender em seu tempo. E hoje vai de metrô e ônibus de casa para o trabalho sozinho”. INCLUSÃO VERSUS PERTENCIMENTO Para a educadora e psicanalista Mirella D’Angelo, fundadora e presidente do Instituto Casa do Todos, que atende pessoas com e sem deficiência, capacitismo é muito mais do que uma simples palavra. “É a crença de que existem pessoas capazes e não capazes”. O que está em jogo, no seu entender, é uma diferenciação entre inclusão e pertencimento. “Uma pessoa com deficiência pode estar junto em uma escola de ensino regular, mas não fazer parte de fato da classe e grupo de amigos. Percebo uma necessidade grande de classificar e padronizar comportamentos e modos de vida, o que fomenta o próprio capacitismo”. Já Lilian Cury, psicóloga que tem deficiência visual e atua como facilitadora de Inclusão e Programas de Treinamento e Desenvolvimento no Centro de Apoio ao Deficiente Visual (Cadevi), afirma que está faltando mais informação. “As pessoas não sabem nem que cego pode andar nas ruas, subir escadas, fazer esporte, nadar ou dançar com autonomia. Ou somos heróis quando, por exemplo, nos tornamos bons cantores, ou somos tratados com nulidade.
Antes de pré-julgar, acrescenta, “é preciso dar oportunidade e deixar que as pessoas com deficiência visual mostrem que é possível”. O analista de sistemas, professor de xadrez e diretor de relações públicas no Cadevi, Lothar Bajanella, vai ainda mais longe: “Muita gente acredita que cego não tem raciocínio logico. Somos vistos como incapazes até para programar computador ou jogar xadrez”. DESCONSTRUINDO O CAPACITISMO A conselheira do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência de São Paulo, Sandra Ramalhoso, que tem deficiência física, acredita que estamos diante de uma “segregação dissimulada que infantiliza e vê pessoas com deficiência física como improdutivas”. Integrante da Pastoral da Pessoa com Deficiência, Sandra não gosta de escutar que é “heroína” apenas porque sai às ruas sozinha. “Também como mulher, tenho que ter sempre um esforço duplo para provar que sou capaz. É muito desgastante”. Mesmo otimista, porque sempre encontrou quem o ajude no trabalho, o aluno da Escola Municipal Bilíngue Helen Keller, Naxsuell da Silva Santos, relatou que, no início, não acreditavam nele em seu antigo emprego. “Chegavam a debochar de mim, mas, quando comecei a mostrar o que posso, ficaram surpresos”. Ele não está atualmente no mercado de trabalho e quer se preparar para realizar um sonho: o de ser mecânico. O capacitismo, diz Mirella, só perderá a sua força quando compreendermos que “todas as pessoas são produtivas, cada uma com sua beleza, seu talento e ideia de mundo”. É no que Gisele também acredita: “O que nos iguala é que somos todos humanos, mas ninguém é igual a ninguém. Nossa sociedade precisa se preparar para receber todas as diferenças”. D+ Revista D+ número 26
UNIVERSO CULTURAL
As autoras Emanoele Freitas e Michele Joia mostram como as escolas e professores devem se preparar para receber os alunos autistas com autonomia e independência texto: Ana Sniesko
A
bril já inicia com o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, celebrado no dia 2. Embora os avanços nos últimos anos tenham sido grandes, ainda faltam passos largos para dizer que as instituições e profissionais de educação estão prontos para lidar com a inclusão desses alunos. Como contraponto, duas autoras se destacam pelo seu trabalho a favor das boas práticas na relação com crianças que tenham o Transtorno do Espectro Autista, conhecido como TEA. A busca por um diagnóstico preciso para o filho Eros Micael foi a principal motivação para Emanoele Freitas ampliar as suas pesquisas. “Depois de tanta peregrinação, aos 12 anos conseguimos fechar o diagnóstico completo do Eros. Nesse período eu já tinha começado os meus estudos sobre o cérebro e os efeitos que isso causava pós-AVC intrauterino. Comecei a buscar crianças parecidas com ele, que é autista nível 3, com Transtorno Opositivo Desafiador (TOD) e Afasia Infantil congênita. Ou seja, três dos mais complexos transtornos do neurodesenvolvimento eram parte do meu filho. Infelizmente, não havia informações nem para o autismo, imagine para o TOD e para a afasia congênita. Eu tinha que ajudá-lo e a outras crianças que possivelmente se encontravam no mesmo quadro”, conta.
Hoje, Emanoele é pesquisadora da etiologia do autismo e dos transtornos do neurodesenvolvimento, neurocientista, formada em psicanálise clínica, fundadora e presidente da AAPA (Associação de Apoio à Pessoa Autista). “Quando o Eros Micael nasceu eu já era mãe da Ohanna Kali, e achava que já sabia tudo sobre ser mãe. Ela foi precoce em seu desenvolvimento. Eros foi no início, mas depois foi se tornando uma incógnita para mim. Quanto mais eu fazia, menos ele correspondia, não havia som, não havia beijo, não havia abraço espontâneo”, compartilha. UMA NOVA OPORTUNIDADE DE APRENDIZADO Depois de tanto procurar por respostas, Emanoele se empenhou em estudar e fez uma série de especializações, inclusive fora do Brasil. “Minha paixão, a neurociência, veio para mostrar as reais possibilidades do cérebro humano. A primeira vez que ouvi a palavra neuroplasticidade foi em um treinamento na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, sobre neuroeducação, e senti que era o caminho para ajudar meu filho. Lembro de dizer pra mim mesma ‘tem um jeito, tem um caminho’”, conta. Toda a sua experiência está no seu mais recente lançamento, o livro Transtornos do Neurodesenvolvimento – Conhecimento, planejamento e inclusão real (WAK Editora).
“No sentido horário: à esquerda, Emanoele com o filho Eros; em momento de descontração; e suas publicações, resultado de intensas pesquisas e da própria vivência”
Revista D+ número 26
UNIVERSO CULTURAL
“Muitos falam sobre a escola não estar preparada, então coloquei um fluxograma para mostrar como se preparar; outros dizem que não sabem como fazer a análise, então coloquei os testes e protocolos para tal aspecto; mostrei como o profissional pode adaptar e se preparar para o seu novo aluno. E, claro, quis abordar os transtornos porque ouvi muito que autistas não aprendem porque não querem ou porque não têm inteligência ”, relembra. Os estudos mostraram a Emanoele uma nova forma de ver esses alunos e seu próprio filho. “O cérebro não parou de vez, ele pode achar outro caminho para corresponder. A neurociência abriu as portas para que eu pudesse entender como seria a forma de aprendizado para o meu filho e, hoje, para milhares de crianças e jovens. Os sistemas funcionais, a parte neuroquímica, as pesquisas e novos exames estão abrindo as portas para mostrar como aprendemos de forma mais prazerosa e adequada. Como uma criança com paralisia, microcefalia, pode melhorar sua qualidade de vida e desenvolver suas funções cognitivas dentro de suas capacidades!”, comemora. Na sua primeira obra, Mediador Pedagógico - recriando a arte de ensinar (WAK Editora), a autora debruçou sobre o importante papel desse profissional, que ainda é um ponto de atrito entre as instituições de ensino. “O mediador escolar necessita não só ter conhecimento dos aspectos pedagógicos do ensino, mas também das especificidades de cada transtorno e síndromes, ter conhecimento de farmacologia e seus efeitos, conhecimento em comportamento, adaptação de materiais, leis, e muitas outras áreas que não se fala muito por aí. Ele está lidando com uma pessoa com deficiência que necessita de adaptações especiais, e, claro, com uma família que nem sempre sabe realmente o que está vivenciando e como pode ajudar o próprio filho”, pondera. Até mesmo as escolas não entendem o real papel desse profissional. “Já cheguei a ouvir que eles servem apenas para dar comida e levar ao banheiro. Esse profissional é de suma importância, já que cria oportunidade de trabalhar uma a uma as competências da criança conforme ela necessita e no tempo dela, tendo a convicção que ela assimilou o conteúdo, aprendeu mesmo as etapas e que está progredindo em seu desenvolvimento”, completa. O material serve de apoio para escolas e profissionais que pretendem se preparar para receber não apenas alunos autistas, mas outras crianças e jovens com necessidades educacionais específicas. “Eu sempre vou ter esperança, sempre vou acreditar, porque sim, temos profissionais muito especiais, que amam seu trabalho e amam as crianças que estão sob sua responsabilidade. Eles fazem a diferença e mostram a todos que, mesmo que as vitórias sejam pequenas, elas acontecem todos os dias”, acredita. Como mãe, Emanoele traz uma mensagem de otimismo para os pais que compartilham da sua luta. “Meu filho foi
recusado por 11 escolas e então veio a 12ª, que o aceitou. Não desisti, falei que ia ser difícil, mas eles não recuaram. As nossas crianças na AAPA estão estudando e nós estamos junto, dando suporte às escolas e aos professores que nos procuram. Hoje vemos mais e mais profissionais buscando cursos para se aprimorar, com brilho e determinação nos olhos. Isso é amor”, conclui. EXPERIÊNCIA NO BANCO DA ESCOLA A carreira como diretora escolar mostrou à Michele Joia um universo de crianças que mereciam um cuidado a mais e pediam por profissionais especializados e prontos para lidar com as suas dificuldades sociais. “Com a formação em Psicopedagogia, a demanda de atendimento foi aumentando e, com isso, a necessidade de se especializar. Hoje atendo diversos pacientes e tenho alunos com autismo, sou apaixonada pelo universo do espectro e pretendo passar por muitas vidas e poder mudar a realidade dessas famílias”, conta. Psicopedagoga Clínica e Institucional, Michele é Educadora Especial, especialista em autismo. Professora e orientadora de Pós-graduação na área de Educação Inclusiva e palestrante na área de Saúde e Educação. É autora do livro A Inclusão de Crianças na Escola - O papel do educador diante das dificuldades de aprendizagem (WAK Editora), onde discorre sobre os principais desafios nesse caminho. “Entender a mudança de percepção das singularidades que o espectro traz, ou seja, um aluno com autismo nunca será igual ao outro; observar o invisível em relação a esses alunos, aquilo que não se pode ver a olho nu, aprendizagens que não são ditas verbalmente, habilidades antes não percebidas. Ensinar a interagir é muito difícil, pois é natural da criança manifestar o interesse por outras crianças. No autismo, em alguns casos, isso não acontece. E para o professor ainda é a parte mais difícil, ensinar a uma criança autista o que é natural para as demais”, explica. Para ajudar a mudar essa realidade, Michele comanda um projeto no Rio de Janeiro que atende todas as dificuldades de aprendizagem, comportamento e linguagem, o Criar e Recriar. Baseia-se em consultoria inclusiva e auxilia escola e gestores a lidarem com as demandas da inclusão (mais informações podem ser conseguidas por meio dos telefones (21) 96744-8049 ou (21) 97671-6902). “Treinamos profissionais da escola, atendemos e oferecemos apoio aos responsáveis e adaptamos tanto a parte física, quanto pedagógica. Temos uma resposta positiva de 90% quanto ao nosso trabalho. Com esse projeto, lançamos as mais diversas ferramentas para que a inclusão se tornasse completa: material adaptado na área de linguagem, curso de qualificação em mediação e treinamentos mensais de mediadores”, explica. Embora a realidade já esteja sendo transformada nessas instituições, Michele acredita que ainda há muito a ser feito.
“Michele Joia e seu livro, que aborda o papel do educador em uma sala de aula, sob sua visão de psicopedagoga”
são obrigadas a incluir, mas não têm base para isso”, opina. Segundo a autora, muitas vezes o professor depara, quando entra na sala de aula – sem muita experiência para atuar –, com alunos com diversas dificuldades, não só o autismo, e precisa aprender e “se virar” para atender às especificidades de cada criança. “Isso gera frustração, desmotivação e até mesmo, em alguns casos, a vontade de desistir da profissão. Precisamos urgentemente modificar a grade de formação!”, defende. Além de aulas teóricas, a profissional acredita que também são necessárias práticas de educação especial. Aos que já estão formados, a necessidade de se renovar é constante. “Não é só fazer um curso e achar que está preparado, é necessário estar sempre estudando. As discussões em volta do autismo são variadas e modificam o tempo todo, por isso, o profissional precisa sempre se reciclar. A busca pelo aprendizado não o torna somente um profissional diferenciado e capacitado, mas uma pessoa melhor”, aconselha. D+
PARA SABER MAIS
“No Brasil, o trabalho ainda é falho. A formação do educador precisa ser mais incisiva, mais prática e voltada para a realidade. A escola precisa entender que ao receber um aluno com autismo é necessário adaptar-se a ele e não só ele à escola. A demanda desses alunos é muito grande, a exigência legal de mediador faz com que as escolas se assustem. A ideia é modificar a estrutura da inclusão desde a base. As escolas
Transtornos do Neurodesenvolvimento Conhecimento, planejamento e inclusão real O livro tem como proposta uma reflexão e um aprendizado sobre a real condição da pessoa com transtornos do neurodesenvolvimento no processo de desenvolvimento da aprendizagem. É uma abordagem adequada aos profissionais da educação, bem como uma orientação pedagógica desde o planejamento até a execução das etapas de ensino. Autora Emanoele Freitas, WAK Editora, R$ 48. Mediador Pedagógico - recriando a arte de ensinar O livro tem como tema central a Mediação Escolar na prática educacional, apresentando o real sentido do trabalho desse profissional, que ainda é muito recente de atuação, mas que vem se tornando de suma importância no processo de inclusão e desenvolvimento escolar de crianças e jovens com deficiência. Autora Emanoele Freitas, WAK Editora, R$ 32. A Inclusão de Crianças na Escola - O papel do educador diante das dificuldades de aprendizagem Inclusão, uma palavra muito citada na atualidade, mas não colocada realmente em prática. O motivo não é o professor ou a escola não quer fazer, mas inclui falta conhecimento, informação adequada e uma linguagem clara. A formação inicial do educador não prevê, em sua totalidade, que, no caminho da docência, esse receberá crianças com dificuldades escolares, tampouco como atuar com elas. Autora Michele Joia, WAK Editora, R$ 38.
Revista D+ número 26
PERFIL
Paulo Fabião diverte plateias com seu Stand Up Comedy, cujos quadros são baseados em seu cotidiano por Ravelly Santana fotos Ravelly Santana e arquivo pessoal
“Paulo Fabião durante ensaio fotográfico na sua casa, em São Paulo (SP). Na página ao lado, da esquerda para a direita: trabalhando, com a namorada Regiane e aos 5 anos de idade”
“Q
ue eu seja um comediante, mas um comediante que pensa”, já dizia Charles Chaplin. Assim como ele, mas com piadas na ponta da língua, um sorriso estampado no rosto e muita simpatia, Paulo Fabião, 32, transforma sua vida em show. “Esperando Sentado” é o nome dado pelo humorista cadeirante ao seu espetáculo de Standy Up Comedy. O artista baseia o humor em seu cotidiano enquanto deficiente físico, e, principalmente, em como a sociedade o enxerga e trata. Com muita ironia e sarcasmo, conta, de forma camuflada ou não, a maneira preconceituosa com que a sociedade encara a pessoa com deficiência em situações comuns do dia a dia. Em seus relatos, o humorista ainda esclarece dúvidas e quebra tabus ao falar de temas como acessibilidade, relacionamentos e sexo. O título
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“Esperando Sentado” se deve ao fato de o humorista viver, literalmente, sentado em uma cadeira de rodas. Apesar do grande sucesso, Fabião, que hoje conta com mais de 28 mil seguidores no Instagram, começou a apresentar-se há apenas dois anos, após ser incentivado por um amigo que sempre o achou engraçado e ótimo escritor. “Um amigo meu que faz humor sempre disse que eu escrevia bem, que tinha boas sacadas e que não havia cadeirantes na comédia. Ele ficou um ano na minha orelha dizendo “voce vai se dar bem fazendo Stand Up!”, e eu sempre dizia que tinha vergonha de subir no palco e falar em público”, diz Paulo. Em contrapartida, estava insatisfeito com as ofertas de emprego pelo mercado de trabalho. Então, apesar de tímido, decidiu tentar. E assim uma nova jornada iniciou em sua vida: a de colocar todas as suas
ideias e pensamentos no papel para em seguida expô-las. Apresentou-se pela primeira vez no início de 2016, em um show para iniciantes no bar Seasons One, localizado na rua Augusta, no centro de São Paulo. Durante sua curta carreira, já se apresentou em grandes palcos, como: Teatro Ruth Escobar, Teatro Ressurreição, Bar Ao Vivo Music, Bar do Rone, Comédia Império, Beverly Hills, Sorocaba Comedy Club, Hillarius Comedy Club e Curitiba Comedy Club. Também faz parte do grupo Paralamas da Comédia, foi vencedor do I Prêmio Arte e Inclusão da Secretária da Pessoa com Deficiência de São Paulo 2018 e atração da Virada Inclusiva 2018. INFÂNCIA E NAMORO Nascido prematuro e com paralisia cerebral, só descoberta após um ano, Fabião relata que sempre teve uma vida normal. Desde a infância, nunca houve distinção da família, amigos e da escola onde estudou. “Uma coisa que admiro muito nos meus pais é que eles nunca me trataram de forma diferente ou me disseram que não podia fazer algo. Desde pequenininho sempre fui para a escola regular”, fala Fabião. Conta também que sempre foi uma pessoa bem resolvida e que se algo o incomodou alguma
vez, foi na adolescência, por questões ligadas a relacionamento e autoestima. “Eu nunca fui complexado por não andar, mas por um momento, achei que ninguém se interessaria por mim pelo fato de eu ser cadeirante”. Pois assim que uma garota se interessou, a autoestima que faltava começou a transbordar. Fabião conheceu sua atual namorada, Regiane Batista, 35, por um aplicativo de relacionamento e desde então não desgrudaram mais. O casal lida diariamente com o preconceito. “Quando as pessoas nos veem juntos, sempre me perguntam se sou cuidadora dele, é difícil aceitarem que somos um casal. Acham que ele é um peso na minha vida, mas é totalmente o oposto disso: torna as coisas leve. Eu cuido dele sim, mas ele também cuida de mim”, relata Regiane. Independentemente do olhar de parte da sociedade, Fabião é superconfiante e seguro de si. No seu cotidiano, uma das suas maiores alegrias é a escrita, isso explica sua formação em jornalismo. Aos 28 anos, publicou sua primeira obra, O último samba-enredo. E usa esse dom para outros fins, pois além de livros e roteiros para seus shows, escreve sambas com seus amigos. Paulo também já foi cronista de carnaval, cobriu desfiles de escola de samba, escreveu para revistas e, ao falar da importância de seu atual trabalho como humorista, aproveita para abordar temas que a sociedade se recusa a entender. “A pessoa com deficiência só tem lugar de fala quando é para discorrer sobre acessibilidade e afins. Nas minhas atividades, aproveito a oportunidade para informar e conscientizar as pessoas de que nós temos vida social, trabalhamos, estudamos...”. Sobre o futuro, com um brilho nos olhos ele diz que pretende se casar e que ter filhos é uma pauta a ser analisada. Sobre a vida profissional, tem vários planos “Me vejo daqui a uns anos escrevendo livros. É algo que nunca vou parar de fazer, mas também quero continuar com o humor, não acho que preciso abrir mão de uma coisa para realizar outras”. E assim ele segue, realizando uma grande função social: fazer as pessoas pensarem. D+ Revista D+ número 26
COMPORTAMENTO MERCADO DE TRABALHO
SOBRE LIMÕES E LIMONADA
Carolina Ignarra tinha acabado de se formar em Educação Física quando um acidente mudou radicalmente sua vida. Quase duas décadas depois, ela trabalha em prol da inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho texto Márcia Rocha
“A equipe da Talento Incluir: há mais de dez anos ajudando a pessoa com deficiência no mercado de trabalho”
D
epois de um trágico acidente de moto em 2001, que a deixou paraplégica, a paulistana Carolina Ignarra precisou se reinventar. E fez isso com maestria. Hoje, aos 40
anos, é uma empresária bem-sucedida, formou uma família e é autora de dois livros sobre temas que permeiam sua vida pessoal e profissional: Inclusão – Histórias e Talentos das Pessoas com Deficiência,
disponível para download no site de sua empresa, e Maria de Rodas – Delícias e Desafios na Maternidade de Mulheres Cadeirantes. Na época em que tudo aconteceu, Carol (é assim que a maioria
“Carolina quer criar a Talento Sênior, focada em profissionais mais experientes”
das pessoas a conhece) atuava em uma consultoria de qualidade de vida no trabalho. Uma de suas atribuições era dar aulas de ginástica laboral para os funcionários das empresas clientes, havia acabado de se formar em Educação Física. Quando conseguiu se livrar da maratona hospital, cirurgia e sessões de fisioterapia, retomou a rotina. “Felizmente, o pessoal foi muito compreensivo e respeitou meu momento. No início, ia trabalhar uma vez por mês. Só entrei no ritmo normal cerca de um ano depois”, lembra. Carol continuou com as aulas de ginástica laboral, mas, aos poucos, as pessoas começaram a procurá-la para perguntar sobre o mercado de trabalho para pessoas com deficiência. Depois de um tempo, a ginástica laboral acabou perdendo espaço para suas palestras sobre o assunto, caminho que, em 2008, culminou na fundação da Talento Incluir. Com sede em São Paulo, a consultoria oferece treinamentos sobre inclusão socioeconômica de pessoas com deficiência e também desenvolve programas de inserção dessa população nas
organizações. Accenture, Alcoa, AmBev e Bradesco, entre outras grandes corporações, fazem parte do portfólio de clientes. “Criamos a empresa para ajudar as pessoas com deficiência a serem incluídas com dignidade”, afirma Carol. O OUTRO LADO DA QUESTÃO Um ponto polêmico é sua posição com relação à Lei de Cotas. “Não sou a favor da Lei e trabalho para ela não existir no futuro. Mas, com isso, não quero dizer que ela não seja necessária nesse momento. Se não fosse a lei, não estaríamos fazendo essa entrevista. Ela é importante para criar a cultura de inclusão. Só que a inclusão deve ir além da obrigatoriedade. Isso quer dizer selecionar os candidatos por suas competências e qualidades, contratá-los pelo perfil, não pela deficiência. Na Talento, pensamos também na evolução da carreira, já que a inclusão não acontece só com a contratação”. O preconceito, para Carol, tem por base um comportamento que as pessoas repetem automaticamente, sem
UM LONGO CAMINHO PELA FRENTE De acordo com dados do Censo Demográfico de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 23,9% dos brasileiros (ou seja, 45,6 milhões de pessoas) têm algum tipo de deficiência. Apesar da importância e do que determina a Lei de Cotas, que entrou em vigor em 24 de julho de 1991, a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho formal ainda segue a passos lentos – embora os índices estejam subindo ano a ano. Segundo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho, em 2017, 441,3 mil estavam empregadas, número que corresponde a menos de 1% do total de pessoas com deficiência no país. No entanto, representa aumento de 5,5% em relação a 2016.
Revista D+ número 26
MERCADO DE TRABALHO
“Alexandre Gomes, que trabalha em indústria farmacêutica: ele quer ser protagonista. Abaixo, com a esposa e a filha” “Ignarra durante palestra sobre diversidade e inclusão. Abaixo, no seu escritório em São Paulo”
parar para pensar por que estão agindo daquela maneira. É daí que vêm rótulos como “inválido”, “coitado” ou “incapaz”, por exemplo. Além disso, também é preciso considerar o “autopreconceito”, o preconceito que a pessoa com deficiência sente em relação a si mesma. Ela entende que é preciso trabalhar para mudar a cultura das organizações, porque só assim essas pessoas serão vistas de outra maneira.
CAMINHO NATURAL Ignarra conta que sua carreira foi fundamental para a recuperação e reinclusão social. “Tive sorte de ser funcionária de uma empresa que respeitou minha nova condição. Retomei a rotina sem pressão e, depois de um tempo, as aulas de ginástica laboral perderam espaço para conversas sobre o que havia acontecido comigo. Das conversas para as palestras foi um pulo – e
eu comecei a perceber que havia uma oportunidade profissional ali. O caso é que a consultoria em que eu trabalhava não parecia disposta a investir nesse “braço”. Com isso, a ideia de empreender começou a fazer cada vez mais sentido para mim. Fui para o Empretec no final de 2007 – a Juliana Camargo, minha melhor amiga, era minha colega no programa e se tornou minha sócia em 2016”.
“Carol com Tabata Contri (esquerda), amiga de longa data”
Desde então a consultoria vai de vento em popa! A Talento Incluir já atendeu mais de 300 empresas e colocou mais de 5.500 pessoas com deficiência no mercado. “Em 2018, tivemos um número superior a 8.700 participantes em nossas palestras e treinamentos, e, em comparação com 2017, nossa taxa de crescimento foi de 57%. Todo mês somos procurados por cerca de 10 organizações e conseguimos colocar no mercado de 80 a 100 profissionais”, fala Carol. Ela enfatiza que sua luta é para que as empresas acreditem que a pessoa com deficiência pode trabalhar em qualquer função. A baixa escolaridade, aliás, é uma grande questão para esse público. Para que o leitor tenha uma ideia, segundo dados do
IBGE de 2010, 61% das pessoas com deficiência não têm instrução ou não concluíram o Ensino Fundamental, e apenas 6,6% têm Ensino Superior Completo. E ela fala sobre um de seus projetos. “Queremos ampliar nossa área de atuação e criar a Talento Sênior, divisão focada na empregabilidade de profissionais mais experientes. Afinal, a população está envelhecendo e, cada vez mais, fazendo isso com saúde. Temos até uma consultora dedicada a esse projeto, que pretendemos tirar da gaveta ainda este ano”. Questionada sobre a maturidade adquirida depois do acidente, ela diz que não gostaria de passar por tudo novamente, mas acha que o fato trouxe mudanças positivas. “Eu amadureci e fiquei mais próxima da família, também acho que a qualidade das minhas relações melhorou bastante – conheci pessoas incríveis, me tornei mais seletiva e passei a priorizar o que realmente importa. Quando tudo aconteceu, eu tinha apenas 22 anos, não era casada. Terminei meu namoro na época e, algum tempo depois, já estava namorando meu marido. Hoje, temos uma filha linda de 13 anos, a Clara”. OUTRA REALIDADE O próximo diploma que a paulistana Giuliana Rossin, de 26 anos, quer conquistar é o de graduação em hotelaria e turismo. Desde setembro do ano passado, ela é auxiliar administrativa em um fabricante de louças,
TALENTO INCLUIR Endereço – Avenida Leôncio de Magalhães, 1004, CJ 72/74, Jardim São Paulo, SP, CEP 02042-001 Telefones: (11) 2950-8312 ou (11) 2283-1004 Site: www.talentoinlcuir.com.br Facebook: www.facebook.comtalentoincluirdiversidadeeinclusao
de metais sanitários e de painéis e de pisos de madeira. Está muito satisfeita com o novo trabalho. “A empresa anterior não estava preparada para me receber”, afirma. Tanto que ela acabou pedindo demissão depois de apenas três meses de casa. Entre outras situações delicadas, ouviu os colegas fazendo comentários a seu respeito. “Eles não notaram que dava para escutá-los perfeitamente”, conta ela, que sofre de otosclerose, perda progressiva de audição. Giuliana diz que precisou se adaptar, pois o problema que, no seu caso, é hereditário, surgiu e se agravou quando já era adulta. “Antes, era monitora de qualidade e passava grande parte do dia ao telefone.” OLHO NO OLHO Formado em Tecnologia em Gestão Comercial na Uninove, em São Paulo, Alexandre de Sales Gomes, de 33 anos, trabalha desde janeiro na área comercial de uma conhecida indústria farmacêutica. Atualmente, é analista de serviços da força de vendas, mas tem outros planos em mente. “Estou me preparando para ir a campo em vez de ficar na equipe de apoio aos vendedores. Quero ser propagandista, o profissional que visita os médicos”, diz ele, que tem má-formação congênita na mão esquerda. Antes, Alexandre atuou durante cinco anos na área comercial de uma empresa de telecomunicações. Diz que, em linhas gerais, não pode reclamar de preconceito no ambiente profissional, mas conhece histórias diferentes da sua. Apesar de reconhecer os benefícios da Lei de Cotas, pondera: “Mas ela também pode ter um lado bem perverso, já que as pessoas começam a olhar você não como o profissional que tem competência para ocupar aquele cargo, mas como alguém que está lá para fazer a empresa cumprir a cota. Isso precisa mudar”. D+ Revista D+ número 26
ESPORTE
“Edson Nascimento em três momentos com sua hanbike. Ele foi o primeiro handbiker do mundo a fazer a prova Gran Fondo Nova York, com 88 quilômetros de distância”
PAIXÃO EM TRÊS RODAS Conheça a modalidade que mudou a vida de Edson Nascimento texto Cármen Guaresemin fotos Marcelo Rangel
E
ram por volta das dez da noite do dia 25 de janeiro de 2005 e Edson Nascimento estava dentro de seu carro, parado no um sinal em uma rua do Méier, no Rio de Janeiro, quando uma Kombi desgovernada chocou-se com o seu automóvel. O carro dele derrapou, capotou e, mesmo usando cinto de segurança, Nascimento foi arremessado para fora do veículo. Bateu a coluna no meio fio, teve o baço fraturado e o pulmão perfurado. Por sorte, estava próximo do Hospital Salgado Filho e foi socorrido rapidamente. Após o atendimento de emergência, foi transferido para o Barra D’Or onde ficou internado por dois longos meses. Na época, tinha 32 anos, trabalhava desde os 18 em um banco, era divorciado e tinha um filho de oito anos. Durante a internação, precisou passar por uma artrodese de coluna, procedimento cirúrgico no qual são introduzidos parafusos de titânio dentro das vértebras, no caso dele, da T7, T12 e T9 completa. Quando recebeu a notícia do médico de que havia ficado paraplégico, entrou em depressão e não quis receber visitas por dois dias. “Comecei a pensar para quem na família eu seria um peso. Estava deprimido, porém, tinha um filho pequeno. Foquei meu pensamento nele. Lembrei que sempre havia trabalhado, que era um homem honrado e de caráter, e que precisava passar isso para meu menino e ser o mesmo homem que fui antes”, comenta. Como não conseguiria mais trabalhar no antigo posto, ainda não havia cotas para deficientes e ele não poderia ter seu salário diminuído, foi aconselhado pelo Sindicato dos Bancários a se aposentar por invalidez. Após passar por perícia a cada seis meses, aposentou-se em 2007. Em 2008, passou a trabalhar em esquema freelancer, cuidando da administração da Casa do Médico. Foi então que sentiu necessidade de ter um carro adaptado. “Para
mim, foi um marco, pois passei a ter mais liberdade”, conta ele. Porém, sua cadeira de rodas era de um modelo pesado, o que o impossibilitava de entrar e sair do carro sozinho. Problema que resolveria meses depois, ao adquirir uma mais leve e se tornar independente. DUAS PAIXÕES Foi nesse período que conheceu Claudia, “a pessoa mais maravilhosa do mundo”, nas palavras dele. Na verdade, ambos moravam no mesmo bairro e se conheciam “de vista”. “Um dia, estava dirigindo e começou a chover, eu a vi e ofereci uma carona. Começamos a conversar e ela me disse que estava se formando em Enfermagem, contei sobre meu acidente e que havia ficado paraplégico, trocamos telefones e nos despedimos”. Nessa época, Nascimento fez um tratamento pela Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR) que consistia em tomar injeções para melhorar a sensibilidade medular. E ele precisaria de alguém para aplicá-las. Foi então que perguntou se Claudia poderia fazer isso. “Depois de uma semana de aplicações, começamos a namorar”, conta. Meses depois, foram morar juntos. Tanto ele quanto Claudia já tinham um filho do primeiro casamento, ambos os meninos da mesma idade, Guilherme e Gustavo, respectivamente. O trabalho na Casa do Médico era bom, mas para chegar à sua sala, Rocha precisava subir escadas. Mesmo sendo carregado, era algo estressante e que provocava dores, o que acabou por fazê-lo desistir do emprego. Passou então a procurar algo para fazer. Foi aí que conheceu o projeto Praia Para Todos, idealizado pelo Instituto Novo Ser. “Eu fazia fisioterapia em casa, mas quando descobri o Praia Para Todos, tudo mudou. O projeto faz um trabalho de inclusão de deficientes físicos, intelectuais e visuais. Nós Revista D+ número 26
ESPORTE
“Edson durante seus treinamentos. O sonho é defender o Brasil na paralimpíada de Tóquio, em 2020”
frequentamos a praia e socializamos. Eu vou ao Posto 3, na Barra da Tijuca. Lá há uma tenda enorme onde acontece a mágica”, brinca. No local fica uma equipe formada por fisioterapeutas, enfermeiros, professores de educação física, psicólogos e voluntários treinados, criando um espaço para que cada um possa desfrutar a praia. “Existem cadeiras anfíbias que comportam uma pessoa de até 120 quilos. Também há outras opções como surf e frescobol adaptados, vôlei sentando na areia e handbike”, conta ele. E foi esta última, a bicicleta pedalada com as mãos, adequada a pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, que se transformou em uma paixão para Nascimento: “Na primeira vez que pratiquei, a ideia inicial era fazer uns 15 minutos de handbike, mas eu me empolguei e fui do Posto 3 ao Posto 1. Voltei suado e chorando, me sentindo vivo! E a partir desse dia, passei todos os fins de semana no projeto”. HANDBIKE Ele ficou tão feliz com a descoberta que logo pensou em ter a sua própria handbike. Porém, naquela época, isso só era possível por meio de importação. E o valor
era bem salgado, algo entre 3 e 5 mil dólares. Ele pediu uma emprestada, chamou um colega e ambos criaram um modelo parecido, entretanto, bem mais pesado. Enquanto a original pesava em torno de 10 quilos, a versão deles chegava aos 30. Ele, então, passou a poupar dinheiro para comprar uma original. Não demorou muito tempo e descobriu uma loja em Brasília que vendia a handbike e, finalmente, comprou a sua. O ano era 2011 e ele logo começou a participar de competições de ciclismo, de 5 km e 10 km. No ano seguinte, recebeu um convite da Assim Saúde, uma das empresas do Grupo Assim, para ser um dos atletas patrocinados pela empresa. “Foi então que pensei em romper barreiras e lancei um desafio: queria fazer triathlon. Correr, pedalar e nadar. A empresa me ajudou e consegui uma cadeira de rodas melhor e um reboque para transportá-la”, conta. Ele, então, passou a treinar com o ex-atleta olímpico de natação Luiz Lima, no Posto 6. Participou da prova Rei e Rainha do Mar, na categoria paradesportista, ficando no quinto lugar geral e primeiro entre os cadeirantes. Porém, o esforço físico acabou causando uma úlcera de pressão, mais conhecida como
escara. “Os médicos me aconselharam a escolher uma categoria apenas e eu optei pela handbike”, diz Rocha. Desde 2013 ele vem participando de campeonatos e já foi três vezes vice-campeão brasileiro de paraciclismo pela CBC (Confederação Brasileira de Ciclismo). E as maratonas também fazem parte da vida de Nascimento há anos. “Temos pedido para os organizadores de maratonas incluírem as pessoas com deficiência com handbike. Eles decidem se podemos participar ou não, mas a maioria tem concordado”. E foi assim que Rocha chegou a uma das mais famosas competições do mundo, a Maratona de Nova York. Em sua estreia, em 2014, ficou em 15º lugar. Em 2015 e 2016, alcançou a 8ª colocação. Em 2017, além da Assim, passou a contar com o apoio da BRL distribuidora de vacinas, e ficou na 6ª posição. No ano passado, em 3º lugar. E para este ano ele quer o primeiro lugar. Em 5 de agosto de 2018 ocorreu no Brasil a segunda
PRAIA PARA TODOS O objetivo do projeto é desenvolver, mediante parceria entre os setores público e privado, uma infraestrutura acessível para as pessoas com deficiência em pelo menos um posto de cada praia da cidade do Rio de Janeiro. A ideia resumida era que em cada posto de salvamento tivessem recursos assistivos (cadeiras anfíbias, esteiras, material desportivo e de apoio) e uma equipe técnica para desenvolver atividades para pessoas com deficiência e facultar toda segurança necessária. Além disso, o posto e seu entorno fossem dotados de todas as exigências normativas de acessibilidade, não só para o deficiente físico, mas para todos. A temporada mais recente teve início em dezembro de 2019 e término em abril de 2019. LOCAIS: Barra da tijuca, posto 3 Copacabana, posto 5,5 (em frente à Rua Júlio de Castilhos) ATIVIDADES: Barra da Tijuca: banho de mar, frescobol adaptado, vôlei sentado e pisicina infantil Copacabana: banho de mar, handbike, stand up paddle e piscina infantil Quando: aos sábados e domingos, das 9 às 14 horas. SITE: www.praiaparatodos.com.br
edição do GFNY (Gran Fondo Nova York) em Conservatória, sul fluminense. Trata-se de uma marca global da maratona de ciclismo com eventos realizados em vários países do mundo, como EUA, Alemanha, Chile etc. “Eu fui o primeiro handbiker do mundo a fazer essa disputa. É uma competição de alta performance e resistência. Foram 88 km de subidas e descidas em montanhas; dois mil metros de altimetria, em uma velocidade de 70.3 km/h, e terminei após 4h50min, pois, devido a minha lesão medular, tenho algumas necessidades, como parar para me hidratar. Foi muito duro, mas fiquei muito orgulhoso de completar a prova”. PREPARO E DEDICAÇÃO Agora, Nascimento já está com o pensamento nas paralimpíadas de Tóquio, em 2020. O calendário de ciclismo deste ano está cheio de provas, em vários países do mundo, que valem pontos para se alcançar uma vaga para competir no Japão. Nascimento tem se dedicado à preparação física com afinco. Treina de terça-feira a domingo, seja pedalando ou fortalecendo a musculatura na academia. Em abril participa da Meia Maratona do Rio de Janeiro e da Copa Brasil de Paraciclismo, em Brasília. Em maio, é a vez da Copa do Mundo de Paraciclismo de Estrada UCI 2019 na Itália e, em setembro, a Maratona de Berlim, entre outras provas. Para alguém que passou por um trauma como o dele, seria compreensível se entregar à depressão e à revolta. Não que isso não tenha acontecido, como deixou claro seu desabafo no começo da matéria. Porém, ele conseguiu algo muito raro, encontrar forças dentro de si mesmo para se reinventar. E teve a grande sorte de encontrar outras paixões e entender que valia a pena estar vivo. “Depois de receber a notícia e de cair a ficha de como eu ficaria, pedi para ficar sozinho, para não receber visitas e fui rude com o médico. Tempos depois, voltei para pedir desculpas a ele. Durante aqueles dois dias, minha cabeça parecia ter erupções”, confessa. Seu conselho para alguém que esteja passando por algo similar: “se for alguém cristão, agarrar-se a Deus. Ou a algo forte. Eu foquei meu pensamento em meu filho. Então, olhe as pessoas que te amam e que precisam de você”. Claro que cada novo dia é uma batalha, ele não nega: “Se tenho limão, faço limonada. Há 14 anos estou aprendendo a lidar com a minha situação. Por exemplo, eu tenho incontinência fecal e urinária, ou seja, não consigo controlar meu corpo. Porém, ele me dá alguns sinais que aprendi a interpretar. É preciso lidar com isso. O corpo está falando, mas de forma diferente”, finaliza. D+ Revista D+ número 26
ACONTECE
AMOR PELA DANÇA Marcelo de Felipe Martins, 25 anos, mora em Espírito Santo do Pinhal (SP), tem síndrome de Down e alugou um espaço na cidade para ensinar dança a quem se interessasse
A
notícia, dada de forma direta, concisa, é consequência de uma trajetória de vida que se confunde com o amor pela dança. “Já nasci com essa paixão, está no meu DNA. Minha mãe comenta que eu já dançava na barriga, pois mexia muito quando ela ouvia músicas. Assim que consegui ficar em pé, já dançava do meu jeitinho. Meus pais comentam que quando eu tinha uns três anos, íamos para a praia e, ao passar pelos quiosques que tocavam música, eu começava a dançar, dava um show! As pessoas paravam para me ver”, explica Martins. Porém, ao buscar atividades relacionadas à dança, deu de frente com o preconceito. “Quando pequeno, fui matriculado no balé, mas sofria bullying dos meus colegas de turma, que falavam que era uma ‘dança de menina’ e que eu chamava muita atenção pela minha aparência física, devido
à síndrome. Recordo-me que fazia natação e descobri que tinha na mesma academia aulas de axé. Quando ouvia a música, fugia de sunga molhada e corria para a aula (risos). Por fim, minha mãe acabou me matriculando e eu fiz axé até que a aula saiu da grade, o que me deixou muito triste”. Triste sim, mas longe de abandonar seus sonhos. Em 2014, conheceu a Zumba, um programa de fitness inspirado principalmente pela dança latina. Uma empresa de mesmo nome, Zumba, oferece não só aulas de dança do programa, como também dá cursos para quem quer se tornar instrutor. Quando soube dessa possibilidade, Marcelo comunicou aos pais sua intenção: queria ser um! “Quando decidi, eles se assustaram com a notícia. Achavam que a minha paixão pela dança era apenas um hobby, mas na verdade eu queria mais. Logo, me inscrevi para fazer o curso
“Marcelo com o criador da Zumba, Beto Perez, e dando aulas para suas alunas na academia. Seu sonho era trabalhar com inclusão na dança”
SOBRE A EMPRESA ZUMBA A Zumba tem escritório central em Miami e nasceu em 1999. O objetivo é proporcionar diversos benefícios físicos e psicológicos por meio da prática da aula. É a maior dança de aula do mundo, com mais de 15 milhões de praticantes, presente em mais de 185 países. A empresa fornece treinamentos para instrutores, que se tornam aptos a dar aulas em academias. PARA CONHECER MAIS ACESSE: www.zumba.com/pt-BR
em Campinas, distante 100 quilômetros da minha cidade”. Inscreveu-se, frequentou o curso com muito esforço e dedicação e recebeu seu certificado. Desde 2017, dá aulas na sua cidade natal. “Hoje tenho cinco turmas que totalizam uma média de 30 a 40 alunas e as aulas são pagas. Já ouvi de alguns alunos que, pelo fato de eu ter a síndrome, minhas aulas deveriam ser gratuitas. Um absurdo!”. E Marcelo completa. “Não quero parar nunca, sempre que posso estou me especializando para ser melhor para mim e para todas as pessoas que vou ensinar. Há algumas semanas recebi uma aluna cadeirante na turma e desde então adapto as aulas para ela. Pensando nisso, propus uma aula em que todos ficassem sentados e dançando, movimentando apenas os membros superiores, porque é uma forma de compreenderem como é estar no lugar dela. O mais gratificante foi perceber o quanto todas as outras alunas gostaram da ideia, percebi algumas até emocionadas. Sonho também em ir para Miami (EUA) dançar com o criador da Zumba, o colombiano Beto Perez. Também quero fazer uma faculdade de Educação Física e trabalhar com inclusão em academias”. Quem quiser ver um vídeo do Marcelo dançando acesse: www.youtube.com/watch?v=R6yFzm94Xlk&t=52s Revista D+ número 26
ACONTECE
PALESTRA NA ONU NO DIA INTERNACIONAL DA SÍNDROME DE DOWN Rodrigo Hübner defendeu a educação inclusiva em Nova York
“Q
uais são os fatores-chave de sucesso observados em escolas que se destacam no atendimento de estudantes com deficiência?”. Foi sobre essa questão que Rodrigo Hübner Mendes, fundador do Instituto Rodrigo Mendes, palestrou na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, em 21 de março, Dia Internacional da Síndrome de Down. A data é um dia de luta, uma oportunidade para fazer um balanço do quanto a sociedade avançou na eliminação das barreiras que impedem a participação das pessoas com deficiência, sobretudo com síndrome de Down, da vida cotidiana. “As baixas expectativas depositadas em estudantes com deficiência são uma das barreiras centrais que precisam ser desconstruídas para que todos tenham a oportunidade de alcançar o seu melhor. A aposta diária em altas expectativas, desenhadas considerando as singularidades de cada aluno, precisa ser um mantra da escola que pretende
ser inclusiva”, diz Mendes. Em 2019, o evento das Nações Unidas foi marcado pelo mote “Não Deixe Ninguém Para Trás na Educação” (Leave No One Behind In Education, em inglês). O compromisso está alinhado com a agenda de Desenvolvimento Sustentável, formada pelos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que devem ser implementados por todos os países do mundo até 2030. “As discussões que tive na ONU, com especialistas de várias partes do mundo, só reforçam nossa convicção de que a escola comum, em interação com todos, é o caminho que devemos almejar para as crianças com deficiência”, completa Hübner. Segundo dados do Ministério da Saúde (Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE), vivem cerca de 270 mil pessoas com a síndrome de Down no Brasil. Para saber mais sobre o evento: www.worlddownsyndromeday2.org (em inglês).
SITE DA AZUL ESTÁ ACESSÍVEL EM LIBRAS Quatro milhões de palavras traduzidas
D
esde setembro do ano passado, a Azul passou a oferecer em seu site o serviço de tradução simultânea do português para Língua Brasileira de Sinais (Libras) e se tornou a primeira e única companhia aérea na América do Sul a oferecer esse serviço. De lá pra cá, mais de quatro milhões de palavras foram traduzidas pelo Hugo, o simpático intérprete 3D da página. Os maiores índices de traduções aconteceram em novembro e dezembro, quando quase 2,5 milhões de palavras foram traduzidas. “Quando trouxemos essa inovação para o site da Azul, e nos tornamos a primeira companhia aérea da América
Latina a oferecer esse tipo de acessibilidade, não imaginávamos que a receptividade seria tão alta. Claramente existia uma demanda reprimida de clientes com deficiência auditiva que se sentiram mais acolhidos com o auxílio do Hugo para navegar em nosso site”, explica Claudia Fernandes, diretora de Marketing e Comunicação da Azul. Para os usuários que usam a Libras, basta entrar no site da Azul (https://www.voeazul.com.br/) e clicar no ícone de acessibilidade, localizado na lateral da página. A partir daí, clicando no texto desejado, o Hugo fará a tradução simultânea por meio de uma janela que fica em destaque no site. “Claudia Fernandes, diretora de Marketing da Azul, e o Hugo. Atenção com a inclusão por meio do site acessível”
Revista D+ número 26
ESPAÇO DA LIBRAS LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS
O tempo na Libras: Nem todos os sinais que indicam tempo ocorrem no mesmo lugar na Oração
A
Língua Brasileira de Sinais tem um sistema de comunicação independente e, em suas estruturas, são observadas relações que lhe são inerentes. As particularidades da Libras podem ser percebidas desde as unidades distintivas até a composição do Período (por analogia) e, quanto mais se compreende a articulação de certas unidades em uma dimensão da língua, mais favorável se torna o estudo de outras unidades. Discutidos em artigos anteriores, o Sujeito, o Verbo e o Objeto parecem constituir a estrutura básica da Oração, comumente se apresentando em ordens distintas da Língua Portuguesa. Sabendo-se, contudo, que há, na estrutura sintagmática da Oração, outros Sintagmas, como se comportariam eles em relação à estrutura básica da Libras? Para responder a essa questão, muitos estudos precisam ser feitos, observando a relação das unidades significativas da Oração. Reflitamos, aqui, sobre um dos Sintagmas: o que significa o “tempo” como um “ser”, denominado Adjunto Adverbial de Tempo (AAT) em Língua Portuguesa. São comuns Orações em que o AAT apresenta-se após o Sujeito na Língua Portuguesa, o Verbo e o Objeto (SVO), como é o caso de: (1) Ele comprará um carro amanhã. Nota-se o tempo significado pelo AAT “amanhã” após o SVO. Não se teria problema, porém, de outras construções em que “amanhã” ocupasse outras posições nessa Oração: (2) Amanhã, ele comprará um carro; (3) Ele, amanhã, comprará um carro; (4) Ele comprará, amanhã, um carro. Deve-se
Especialista em Dialética da Língua Portuguesa (UnG), Bacharel em Letras/Libras (UFSC/Unicamp), Graduado em Letras-Português/Inglês (UnG), Professor e Orientador de cursos (IST) e Intérprete de Libras (FIRB)
* Para participar com perguntas e sugestões, escreva para contato@revistadmais.com.br
Figura 1
Ilustrações Luis Filipe Rosa
André dos Santos Silva
notar que a troca de posição do AAT é marcada por vírgulas na Oração. Na Libras, contudo, certos AAT parecem dar preferência a outra posição com relação à estrutura considerada como estrutura de topicalização: Objeto, Sujeito e Verbo (OSV). Interessantemente, não são raras as vezes em que certos AAT, como o caso de (1), costumam anteceder o OSV: AMANHÃ CARRO EL@ COMPRAR (figura 1). Nota-se na estrutura do Verbo “comprará” o morfema {rá} que indica o Futuro do Presente (segundo o gráfico Estrutura da Parte Flexional do Verbo de Fernandes Jr. 2010), assim, apenas pela forma verbal já se pode perceber que o comportamento de comprar é futuro. Na Libras, contudo, esses morfemas denominados Desinência Modo Temporal não se apresentam, de forma que não se pode notar pela forma do Verbo se o comportamento é anterior ou posterior ao momento da sinalização. O sinal COMPRAR, então, é feito da mesma forma na tradução das palavras em Língua Portuguesa: “compraremos, comprou, comprasse, comprara etc”. A maneira de se saber o Tempo e Modo do Verbo, nesses casos, é analisando a estrutura sintagmática da Oração em que o Verbo está, ou de uma Oração anterior ou ainda pelo contexto em que se dá o discurso. Assim, poderia-se depreender que o fato de o AAT preceder o OSV estaria relacionado à falta da presença de um morfema na estrutura lexical do Verbo, indicando o tempo da ocorrência do comportamento, mas há ainda sinais
como “JÁ, AINDA-NÃO, NUNCA e SEMPRE” que parecem dar preferência à posição posterior ao OSV, colocando em dúvida essa afirmação. Há de se notar certos padrões na composição dos Verbos em Libras, quando se apresentam no Gerúndio. O sinal pode apresentar mais repetições do movimento que o constitui, como é o caso de ESTUDAR (figura 2), significando “estudando”. Essa Desinência (Verbo Nominal) parece se apresentar (também) no Parâmetro Movimento. A concordância entre pessoas do discurso também pode ser marcada em alguns Verbos (chamados Verbos com Concordância). Portanto não se deve entender que os Verbos na Libras não apresentam variação em sua estrutura, mas se deve estudar as variações que eles podem ou não apresentar. É importante que se tenha em mente que nem todas as Orações em Libras apresentam um AAT posicionando o tempo do comportamento significado pelo Verbo. Uma vez que o próprio discurso se instaurou em um momento referente à sinalização, por meio de outros recursos linguísticos, outros Tempos e Modos também podem ser inferidos durante o diálogo em Libras. Um estudo aprofundado do AAT é necessário para que se compreendam suas relações na Oração e fora dela, assim como seus impactos em todo o discurso, o que pode ser um bom caminho para que o próprio surdo consiga compreender o uso das Desinências presentes na estrutura do Verbo. D+
Figura 2 Revista D+ número 26
APRENDA LIBRAS por Flaviana Borges da Silveira Saruta e Joice Alves de Sá ilustrações Luis Filipe Rosa
DIREITOS E DEVERES
O universo da pessoa com deficiência conta com um aliado importantíssimo: as leis, que garantem a elas uma série de direitos, nas mais variadas áreas: educação, saúde, trabalho, lazer e tantas outras. E a justiça está pronta para agir, caso esses direitos sejam desrespeitados. E é obrigação do Poder Público preservar e pôr em prática tudo o que a legislação brasileira prevê nesse sentido. Conheça aqui algumas palavras voltadas ao tema e aprenda um pouco mais da Libras!
Ambiente de trabalho inclusivo
Constituição Federal
Decreto
Direitos e deveres
Direitos sociais
Julgamento
Emprego Apoiado
Lei
LBI
Tribunais
Lei de Cotas Revista D+ nĂşmero 26
CEREJA!
ENTRE BATUQUES E POESIA Conheça Thiago Dorea, um jovem com síndrome de Down que vive música e poesia para se conectar com o mundo Texto Mônica Mantecón fotos divulgação
A
história de Thiago Dorea com a arte começou antes mesmo de nascer. Seu pai, o jornalista e sociólogo Guga Dorea, colocava todos os dias perto da barriga de sua companheira o aparelho de som que reproduzia melodias do compositor e artista Arnaldo Antunes. Hoje, com 22 anos, o seu caminho não poderia ser diferente: rodeado de música e poesia. A síndrome de Down é apenas uma de suas características. Uma qualidade marcante é escrever poesias, verdadeira paixão. Iniciou sua trajetória pelo mundo mesclando sentimentos e palavras por incentivo do pai, que passou a realizar oficinas de escrita criativa para pessoas com deficiência. Seus rascunhos abordam sua visão sensível de mundo e principalmente o seu desejo de conexão com as pessoas. Preconceito é uma palavra que ele não viveu diretamente, mas a exclusão ainda está presente: “Tivemos experiências positivas dentro da sala de aula, inclusive os próprios colegas de sala barravam atitudes preconceituosas. Mas a inclusão na escola ficou por aí. Do Ensino Fundamental para frente, o Thiago não era convidado para festas. Houve esse distanciamento”, explica o pai. INSPIRAÇÃO Como todo artista, ele também tem sua inspiração: a música. “Comecei com as aulas de bateria com o músico Paul Lafontaine, no projeto Alma de Batera, onde toquei em público e em diversas “Viradas Inclusivas”. Tenho ainda uma banda de rock da escola de Ensino Médio que cursei. Ainda na linha da percussão, participo do Bloco do Fuá, tocando tamborim no carnaval paulistano. Neste ano, compus o enredo
FUÁ no Coração, musicado pelo integrante do bloco, Márcio Mieli”, explica Thiago. Para o futuro, a expectativa é criar novos interesses. “Não tem uma obrigatoriedade de cursar uma faculdade, mas dou muito estímulo para nunca parar de estudar música e escrever. Procuro deixar ele sempre livre para experimentar”, diz Guga. E assim, entre oficinas de escrita, percussão e o estímulo familiar, Thiago vai formando sua obra poética.
LETRA DE FUÁ NO CORAÇÃO Eu sou FUÁ no coração Quero tocar a alma das pessoas Acordei borboleta mutante Viajando no futuro Poesia e felicidade Em noite de estrelas Lindo Universo Cantando a paz e o amor Meu carnaval é com o FUÁ E o coração a pensar Luz nos olhos a enxergar A terra a brilhar E o outro a respeitar Negros e índios FUÁ, FUÁ, FUÁ