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Maria Nubea dos Santos Lins, 29 anos, é uma das maiores promessas do judô paralímpico.
NÚMERO 25 • PR EÇ O R$ 13,90 ISSN 2359-5620
9 772359
00025
562003
ENTREVISTA
A secretária dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Célia Leão, fala sobre seus planos
EDUCAÇÃO
Saiba tudo sobre o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade
SONHO DOURADO Confira quem tem tudo para brilhar na paralimpíada de Tóquio, em 2020
UNIVERSO CULTURAL
Tribo de Jah: 33 anos de muito reggae
NA REDE
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número 8 - março/abril
EDITORIAL Referência em Inclusão e Acessibilidade Acesse www.revistadmais.com.br e confira todas as matérias em LIBRAS e ÁUDIO
Maria Nubea dos Santos Lins, 29 anos, é uma das maiores promessas do judô paralímpico.
NÚMERO 25 • PR EÇ O R$ 13,90 ISSN 2359-5620
9 772359
00025
562003
ENTREVISTA
A secretária dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Célia Leão, fala sobre seus planos
EDUCAÇÃO
Saiba tudo sobre o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade
SONHO DOURADO Confira quem tem tudo para brilhar na paralimpíada de Tóquio, em 2020
Edição 25: Foto Kica de Castro
UNIVERSO CULTURAL
Tribo de Jah: 33 anos de muito reggae
Logo aí!
A
paralimpíada de Tóquio será realizada entre os meses de agosto e setembro de 2020. Ou seja, daqui a um ano e meio, aproximadamente. Parece longe, mas na verdade ela está é muito perto. Especialmente para quem vem se preparando para participar da maior festa mundial do esporte. O ciclo paralímpico é longo, de quatro anos. Assim que a chama da pira paralímpica se apagou no Rio, em setembro de 2016, a espetacular maioria dos atletas já começava a enxergar o ano 2020, estabelecendo metas, programando treinos, participando de competições, muitas vezes tendo que superar obstáculos, sejam eles físicos ou econômicos, como a falta de um espaço apropriado para treinos e até mesmo a ausência de um treinador; ou psicológicos, fruto de um desempenho ruim, por exemplo. Na verdade, o que vai determinar a trajetória de um atleta é o tamanho de seu sonho e, principalmente, a perseverança com que vai buscar seus objetivos. A Revista D+ traz nesta edição o perfil de oito promessas, oito sonhos, oito chances de medalha. Pessoas com histórias diferentes, mas com uma vontade comum: brilhar no Japão! O fato de o Brasil ser uma potência paralímpica – ficou entre os dez primeiros colocados nas três últimas edições dos jogos – pouco significa, já que estamos falando de pessoas. Nada se conquista sem determinação, muito suor e sem o apoio da família e de profissionais gabaritados. Todos os nossos personagens se encaixam nesse perfil, esforçando-se em treinos e competições, de maneira até exaustiva, como será possível perceber ao conhecermos seus perfis. E contam também com a ajuda e apoio de parentes, amigos e treinadores. O individual e o coletivo misturando-se, para que a química seja perfeita. Entretanto, a matéria não se limita a mostrar as conquistas ou o planejamento de cada um. Nossa intenção é também mostrar um pouco da trajetória de vida dessas pessoas, desde a infância até os dias de hoje. São histórias de pessoas com deficiência que, ao longo dos anos, foram conquistando seu espaço na sociedade por meio do esporte. Incluíram-se em um país onde ainda existe muito preconceito. Mais do que histórias, são exemplo de vida! Assim como é também a trajetória da nova secretária Célia Leão, que substitui Linamara Rizzo Batistella à frente da Secretaria Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Linamara foi a titular da pasta desde sua criação, em março de 2008. Agora é a vez de Célia, nomeada pelo governador João Doria para o desafio, pôr em prática as ações benéficas ao segmento. Em uma rica entrevista concedida à D+, ela fala não só de seus planos, mas também de como enfrentou adversidades. Célia não só construiu uma trajetória brilhante na política, como constituiu linda família, após ter sofrido o acidente de carro que a deixou paraplégica quando tinha 19 anos. Outro grande exemplo que trazemos é a história de Luciane Molina, braillista e pedagoga. Aproveitamos o fato de se comemorar em janeiro o Dia Mundial do Braille para trazer um breve perfil de Luciana, que nasceu com baixa visão (para depois a perder totalmente), e tem carreira profissional impressionante! Nessa mesma matéria, buscamos também entender qual a situação atual das produções e tecnologias voltadas ao Braille. A própria Luciana fala sobre o que já temos e o que precisa melhorar nesse campo, aumentando o leque de opções à informação da pessoa com deficiência visual ou cega. Ou seja, mais uma edição repleta de assuntos interessantes e de ricas histórias de vida. Divirtam-se e inspirem-se! Boa leitura! Rúbem Soares Diretor Executivo
Primeiro mundo
A Revista D+ visitou o Centro Paralímpico, localizado na Rodovia dos Imigrantes, em São Paulo. E aproveitou para conhecer um pouco da rotina de treinamento de dois atletas que fazem parte da reportagem de capa desta edição: a judoca Maria Nubea e o velocista Vinicius Rodrigues
O editor Paulo Kehdi (esquerda) simula largada de corrida ao lado de Vinicius Rodrigues, recordista mundial dos 100 metros rasos na classe T63, destinada a amputados de membro inferior – Foto: Kica de Castro
No tatame do Centro Paralímpico, da esquerda para a direita: o técnico da seleção brasileira de judô, Reinaldo Costa, a atleta Maria Nubea e o editor Paulo Kehdi - Foto: Kica de Castro
Vinicius Rodrigues em momento de folga, durante os intensos treinos que vem realizando diariamente – Foto: Kica de Castro
A fotógrafa Kica de Castro durante ensaio fotográfico com a judoca Maria Nubea – Foto: Tadeu Casqueira (CBDV)
revi
sta
www.revistadmais.com.br
DIREÇÃO Rúbem da S. Soares rsoares@grupomais.org.br Marcos Vaccari marcos.vaccari@grupomais.org.br Sonia Maria Araujo sonia.araujo@grupomais.org.br REDAÇÃO Editor-Chefe Paulo Kehdi paulo.kehdi@grupomais.org.br
Especial Paralimpíada. Conheça os perfis de oito atletas, promessas de medalha para Tóquio 2020
Revisão textual Eliza Padilha Diagramação Estúdio Dupla Ideia
04 Na Rede
Ilustração Luis Filipe Rosa Colaboração nesta edição Kica de Castro (Fotografia Capa, Do Lado de Cá e Misto Quente – Convênio Detran) Geraldo Nogueira (Conto) Luciano Marques (Artigo Conselhos Municipais) Ana Sniesko (Entrevista) Cármen Guaseremin (Saúde, Viver Bem e Educação) Márcio Gonçalez (Artigo Direito e Cidadania) Ravelly Santana (Por Dentro das Grandes) Mônica Mantecón (Universo Cultural e Cereja) COMUNICAÇÃO E MARKETING Denilson Nalin denilson.nalin@grupomais.org.br Tacila Saldanha tacila.lira@grupomais.org.br FINANCEIRO Leticia Regina Batista COMERCIAL Denilson Nalin denilson.nalin@grupomais.org.br Caroline Palazzin Caroline.palazzin@grupomais.org.br TI Herick Palazzin Ivanilson Oliveira de Almeida Jonathan Vinicius
06 Editorial 07 Do Lado de Cá 08 Expediente & Aqui na D+ 10 Artigo de Geraldo Nogueira presta homenagem às vítimas do terremoto do Haiti, ocorrido em 2010 12 Misto Quente As novidades dignas de nota 19 Artigo de Luciano Marques fala sobre a importância dos Conselhos Municipais dos Direitos das Pessoas com Deficiência 20 Entrevista A nova secretária estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Célia Leão, fala de seus planos para os próximos quatro anos 24 Saúde Entenda a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) e os caminhos para tratá-la
CONSULTORIA DE LIBRAS Flaviana Saruta Joyce Alves de Sá INTERPRETAÇÃO EM LIBRAS Marco Antonio Batista Ramos Rafaella Sessenta
28 Viver Bem Conheça o Morungaba, Centro que promove a inclusão de pessoas com deficiência e em risco social
VIDEOMAKERS Jéssica Aline Carecho Tacila Saldanha ATENDIMENTO AO ASSINANTE E CIRCULAÇÃO Ernandis Pereira dos Santos ernandis.santos@grupomais.org.br (11) 55811739 SUCURSAL SUMARÉ Arianna Hermana da Silva (19) 3883-2066 Edição número 25 – Janeiro/Fevereiro de 2019 REVISTA D+, ISSN 2359-5620, é uma publicação bimestral da MAIS Editora CNPJ n° 03.354.003/0001-11 Rua Loefgren, 1358 -Vila Clementino São Paulo/SP - CEP 04040-001
46 Educação O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é doença e tem que ser tratado como tal 50 Universo Cultural Tribo de Jah faz sucesso há 33 anos e leva o reggae para todas as tribos 54 Por Dentro das Grandes A Atlas Schindler promove a verdadeira inclusão das pessoas com deficiência 58 Acontece O Braille como ferramenta de inclusão sob a ótica da pedagoga Luciane Barbosa 61 Artigo de Márcio Gonçalez questiona a mudança de regras no rodízio de carros para pessoas com deficiência na capital paulista
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NOSSA CAPA 34
Associação para Desenvolvimento Social, Educacional, Cultural e de Apoio à Inclusão, Acessibilidade e Diferença
62 Acontece Instituto Verter promove campanha voltada à saúde ocular 64 Aprenda Libras Fique por dentro de expressões ligadas ao universo paralímpico 66 Cereja! Conheça a história de Maria Goret Chagas, artista plástica premiada que pinta com a boca e os pés
Janeiro/Fevereiro 2019 – Ano IV – nº 25
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ARTIGO
A CONCHA E A PÉROLA por Geraldo Nogueira* foto Shutterstock
A
inda era cedo quando Jarbel entrou no quarto, acordou seu marido e lhe fez um sinal. Gobom sorriu, pulou da cama e beijou-a na boca. Ela desvencilhou-se de seus braços e fez-lhe sinal de que estava atrasada para ir à escola, enquanto seu branco sorriso se destacava em contraste com a cor de sua pele. Gobom lhe sorriu de volta e falou-lhe algo, provocando a insatisfação de Jarbel, que insistia com sinais, lembrando-lhe de sua surdez. Ao sair apressada, Jarbel virou-se para o marido e, por sinais, lhe disse que o amava intensamente e que nada a faria desistir desse amor. Gobom mandou-lhe beijos, enquanto Jarbel, sorrindo, saiu apressada. A Escola Jardim do Amanhã, para crianças surdas, ficava a poucas quadras de sua casa, funcionava em um antigo sobrado que no passado havia sido a moradia de um famoso escritor haitiano que ficou surdo e achou por bem fundar a escola especializada. Naquele dia havia muito trabalho na instituição, pois visitas importantes vindas do Brasil estariam lá. Como a
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professora Jarbel teria que preparar os alunos e as salas de aula para receber os visitantes, precisava correr para dar conta de todos os afazeres. Algumas crianças brincavam na entrada principal e, ao verem a professora chegando, correram ao seu encontro para, agarrados a sua saia, subirem os dois lances de escada que levavam às duas salas superiores. Enquanto se dirigia à mesa dos professores para deixar seu material, observou que alguns alunos faziam o mesmo, indo na direção de suas carteiras. Foi nesse momento que Jarbel percebeu um tremor, fazendo com que os objetos balançassem e as crianças cambaleassem. Por sorte, um dia antes Jarbel havia lido um artigo científico sobre terremotos, por isso sua reação foi imediata. Gesticulou para os alunos, instruindo-os para que deixassem a escola o mais rápido possível. ‘Corram! Corram! Vão para a rua... saiam! Saiam!’ Gesticulava em desespero, enquanto puxava um aluno que tentava organizar seu material. Quando o colocou para fora, sentiu o chão ceder sob
seus pés, enquanto uma pesada coluna de concreto tombava a centímetros de seu ombro esquerdo e uma nuvem de poeira cegava sua visão. ... Fazia um profundo silêncio quando Jarbel abril seus olhos. Um silêncio com que sua surdez jamais havia se defrontado. Uma quietude que a apavorava. Onde estou? O que aconteceu? Sua mente fazia perguntas, mas não encontrava as respostas. Seus olhos pesavam e um sono incontrolável lhe dominava. Lá fora, já fazia alguns dias que Gobom procurava desesperadamente pela mulher. Por várias vezes havia estado nos escombros da escola. Com um pedaço de cano de metal nas mãos, batia nas sobras de concreto, desejando que as vibrações do metal encontrassem Jarbel, levando-lhe uma mensagem de esperança e ânimo. Usando as próprias mãos, Gobom cavou grande quantidade de entulhos, sem, contudo, obter sinal de vida de sua amada. Seus pedidos de ajuda eram em vão, pois todos os que o viam ali sobre os restos da escola achavam sua atitude desesperada e sem propósito. Uma semana havia se passado, quando sua mente encontrou um caminho. Precisava de ajuda e a mentira seria o único jeito para consegui-la. Seguiu cavando até que uma pequena equipe de TV, composta por um repórter e dois auxiliares se aproximou. Quando um dos rapazes lhe perguntou por que estava cavando, imediatamente Gobom respondeu que iria salvar sua mulher. O repórter perguntou-lhe como ele sabia que sua mulher estava ali, viva, sob os escombros. Gobom esforçou-se para dar credibilidade às suas palavras. Virando-se em direção ao repórter, disse: ‘eu a ouvi pedindo socorro!’ Um dos rapazes da equipe saiu em disparada e poucos minutos depois estava de volta acompanhado de alguns agentes estrangeiros especialistas em resgate, dando-se inicio a uma frenética escavação. A cada novo membro voluntário que aderia ao trabalho de resgate, era-lhe informado que haviam ouvido os pedidos de socorro de uma mulher. Muitas horas de árduo trabalho haviam se passado, até que uma mão projetada por uma fresta entre lajes dos escombros foi avistada pelos socorristas. Gobom reconheceu a aliança no dedo esquerdo de sua mulher. Abrindo caminho entre os voluntários, conseguiu chegar até o local e tocou a mão de Jarbel, fazendo-lhe suave pressão. Uma corrente de amor, emoção e segurança correu pela mente de Jarbel, despertando-a de um pesadelo sem imagens. Sua mente atordoada esforçou-se para lembrar-se de onde estava. O terremoto! As crianças! Gobom! Uma sensação de medo se misturou a uma energia de vida que a fez despertar-se completamente. Seu corpo estava preso e não tinha como se movimentar, tentou apalpar para identificar onde estava. Foi quando percebeu que havia uma mão lhe fazendo suave pressão, um toque agradável, familiar. Seria Gobom? De repente reconheceu
que aquele toque íntimo era dele, pois ninguém mais sabia daquela brincadeira que só faziam entre eles. Gobom havia colocado sua mão fechada, em punho, sobre a mão espalmada de Jarbel, forçando-a em seguida, a fechar seus dedos em volta de seu punho. Desde o tempo em que namoravam no portão daquela mesma escola, da qual agora Jarbel se encontrava sob os escombros, Gobom fazia essa brincadeira dizendo que seu punho dentro da mão de Jarbel significava a proteção que recebia de seu amor, que o guardava dos perigos como uma concha protege a pérola. E que a pérola só existia por causa da concha, pois que sem esta, nada seria. Jarbel apertou-lhe o punho com intensidade, respondendo à brincadeira, como sempre fizera, significando que não o deixaria sair da concha, pois essa era uma pérola muito preciosa. Com um movimento de excitação e uma expressão de alegria estampada em seu rosto, Gobom levantou a cabeça para dizer a todos que sua mulher estava bem. Um agente socorrista, que parecia estar no comando da operação de salvamento, perguntou-lhe como tinha tanta certeza disso, pois ninguém havia respondido aos chamados que fizeram. Gobom, excitado, pulando e gesticulando, disse-lhe que ela havia respondido a sua brincadeira. O homem nada entendeu, mas achou que naquele momento isso não tinha importância. Salvar vidas! Essa era sua missão. Algumas horas se passaram até que um branco sorriso surgisse num rosto coberto por um pó cinzento. Enquanto sorria, os olhos de Jarbel procuravam por Gobom, que, ansioso, também lhe sorria. Percebendo a ansiedade do marido, Jarbel procurou acalmá-lo, fazendo-lhe sinais de que estava bem. Por fim, fez-lhe sinal prometendo eterno amor. A este sinal, todos entenderam! O que provocou uma sucessão de aplausos e gritos de comoção! Enquanto isso, o líder das escavações lançava um profundo e emblemático olhar para Gobom, pois havia compreendido que o amor se salvara, renascendo das cinzas como uma fênix flamejante que emerge do pó para lançar-se no azul do céu. Conto dedicado ao povo haitiano, à ativista Zilda Arns e em memória das 200 mil vítimas do terremoto catastrófico ocorrido em 12 de janeiro de 2010. D+ * Formado em Direito pela Faculdade Brasileira de Ciências Políticas, com pós-graduação em Magistério Superior em Direito pela Universidade Estácio de Sá e Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino. É o atual subsecretário da Pessoa com Deficiência no Município do Rio de Janeiro. Revista D+ número 25
MISTO QUENTE
ESPAÇO EXCLUSIVO Centro de Tecnologia e Inovação será o novo endereço dos exames práticos de habilitação para condutores com deficiência
“O novo espaço destinado aos exames de habilitação fica no km 11,5 da Rodovia dos Imigrantes. Abaixo, a antiga secretária, Linamara Batistella, e a atual, Célia Leão, durante assinatura do termo com o Detran”
No dia 18 de dezembro, a Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência e o Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran) assinaram um termo de cooperação com o objetivo de ampliar o número de exames práticos de habilitação para pessoas com deficiência. Com a parceria, as avaliações ganham mais um endereço para serem realizadas, no Centro de Tecnologia e Inovação – Parque Fontes do Ipiranga (CTI), localizado na Rodovia dos Imigrantes km 11,5. Até então, os exames aconteciam apenas na Avenida Aricanduva, 5555. Em 2018, foram realizados cerca de 45 mil exames práticos para condutores com deficiência. A expectativa é que no novo local sejam realizados até 100 exames diários. O termo de cooperação tem vigência de 60 meses.
MISTO QUENTE
CARNAVAL INCLUSIVO! Projeto “Samba com as Mãos” tem como objetivo a tradução para a Libras dos principais sambas-enredo das escolas paulistanas
A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência (SMPED), realiza em 2019 a quarta edição do projeto “Samba com as Mãos”, que irá disponibilizar vídeos com a tradução para a Língua Brasileira de Sinais (Libras) dos 14 sambas-enredo das agremiações que pertencem ao Grupo Especial de São Paulo. O objetivo é incluir pessoas surdas ou com deficiência auditiva na maior festa cultural do país. No mês de janeiro, a SMPED reuniu um grupo de intérpretes de Libras e alguns surdos para fazerem a tradução das composições. A dedicação foi total, dado que o trabalho envolve complexidade, algumas letras trazem palavras de origem africana e ditos populares, exigindo dos profissionais um trabalho em conjunto com o autor da letra, para que nenhum erro fosse cometido. Após essa primeira etapa concluída, ainda em janeiro aconteceu a gravação da tradução dos enredos, em estúdio.
A terceira etapa, desenvolvida em fevereiro, consiste no lançamento dos vídeos em Libras nas 14 escolas. Antes da maior festa da cidade de São Paulo acontecer, os links com os vídeos das traduções dos sambas-enredo ficam disponíveis no site e no Canal da Secretaria no Youtube. Nos dias de Carnaval, durante os desfiles, os vídeos serão disponibilizados em telões no Espaço da Cidade, no Anhembi. “O Carnaval, essa grande festa que faz parte da cultura brasileira, é um bom momento para aumentar a conscientização e sensibilização das pessoas sobre as questões relativas aos direitos das pessoas com deficiência. A atividade inclusiva é um grande estímulo para a participação desse público nas ações da cidade. Com o grande resultado obtido nas edições anteriores, queremos ampliar o projeto e divulgá-lo para que mais pessoas participem e se emocionem”, afirma Cid Torquato, Secretário Municipal da Pessoa com Deficiência.
“Toda a equipe envolvida no projeto “Samba com as Mãos” durante a tradução e gravação das composições em Libras realizadas em janeiro. Serão 14 sambas-enredo disponibilizados em vídeo para a comunidade surda durante os desfiles de Carnaval”
Revista D+ número 25
MISTO QUENTE
REVISTA D+ É PREMIADA! Prêmio “Rui Bianchi”, organizado pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, foi vencido pela publicação com a matéria “Precisamos falar das flores que secam”.
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No dia 10 de dezembro aconteceu um evento para celebrar mais uma edição do prêmio “Rui Bianchi”, direcionado a vários meios de comunicação que abordam o universo da pessoa com deficiência. Organizado pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo, é considerado o mais importante pelos profissionais que trabalham com o segmento. A Revista D+ concorreu na categoria “Impressos” e venceu com a matéria “Precisamos
Falar das Flores que Secam”, que aborda tema de extrema relevância, a violência praticada contra a pessoa com deficiência. Assina a reportagem a então editora da publicação, Taís Lambert, com a colaboração das repórteres Audrey Scheiner, Brenda Cruz e Mayra Ribeiro. A reportagem foi publicada na edição 14 da D+ e enfatiza a intenção de nosso veículo de retratar temas sérios e importantes ligados ao cotidiano dessas pessoas.
CONFIRA QUEM FOI PREMIADO: IMPRESSO: 1º lugar Membros: Taís de Oliveira Lambert; Audrey Candido Scheiner; Brenda Loci Umbelina Cruz; Mayra Baptista Ribeiro Estado: SP Veículo: Revista D+ Reportagem: Precisamos falar das flores que secam WEB: 1º lugar Membro: Ariany Ferraz Freitas Estado: SP Veículo: Fundação FEAC Reportagem: Jovens com Síndrome de Down lideram evento sobre inclusão no mercado de trabalho RÁDIO: 1º lugar Membro: Ewerton Batista Correia Estado: PB Veículo: Programa BandNews 2ª Edição / Rádio BandNews FM Manaíra (João Pessoa-PB) Reportagem: O som da inclusão
“Acima, a equipe responsável pela matéria, com a secretária Linamara. E a editora Taís Lambert durante seu discurso de agradecimento”
TV: 1º lugar Membro: Carlos Henrique Rodrigues Balbino Estado: DF Veículo: TV TST / TV Justiça Reportagem: Reportagem Especial – Inserção de pessoas com síndrome de Down no mercado de trabalho
Revista D+ número 25
MISTO QUENTE
PARQUINHO ACESSÍVEL
O município de Louveira, no interior de São Paulo, inaugurou em janeiro o primeiro parquinho acessível da cidade. O espaço conta com dois balanços, um gira-gira e uma gangorra, todos os equipamentos com lugares para crianças com e sem deficiência, para que a integração seja completa. Rampas de acesso permitem o trânsito de cadeira de rodas no local, além de ajudar crianças com mobilidade reduzida. Além disso, o parquinho, localizado ao lado do estádio municipal José Silveira Nunes, é também vizinho ao principal parquinho da cidade, ajudando na interação entre as crianças do município. A iniciativa foi da vereadora Priscila Finamori, eleita há dois anos. “Assim que assumi, recebi a carta de uma mãe
que tem um filho com deficiência motora e cognitiva. No texto, ela expressava sua vontade, e de outras mães, de ter um espaço acessível para crianças com deficiência em Louveira. Visitei a mãe, conheci seu filho, fiquei sensibilizada com a causa e acabei levando, no início de 2018, o pedido ao prefeito. Ele atendeu prontamente, reconhecendo a lacuna existente. Afinal, todas as crianças querem sentir a alegria da brincadeira, o vento na cara enquanto balançam, o frio na barriga quando estão no gira-gira. E, no projeto, tivemos a preocupação de não segregar, muito pelo contrário. Queremos crianças com e sem deficiência brincando no mesmo lugar”, explica Finamori. Com a inauguração, fica para a população mais essa opção de lazer.
A importância dos CONSELHOS
C
por Luciano Marques*
om a promulgação da Constituição de 1988, a sociedade civil, por meio dos movimentos sociais, ganhava uma valiosa ferramenta para se organizar e avançar em suas lutas: os conselhos. Em Santos, com a promulgação da Lei Municipal 799 de 1991, o movimento das pessoas com deficiência também foi contemplado com esse instrumento de controle social. Nascia aí o Conselho Municipal dos Diretos das Pessoas com Deficiência de Santos, o Condefi. E lá se vão quase 28 anos de trabalho árduo em defesa da Cidadania de aproximadamente 120 mil santistas com algum tipo de deficiência, quase 1/4 da população do município. Ao longo de quase três décadas, passamos por muitas transformações e batalhas. Vale ressaltar que resistimos a vários governos: de esquerda, de direita e de centro. Por muitas vezes, tentaram nos calar e abafar nossas demandas, sem, porém, obterem sucesso. Ao contrário, quanto mais se esforçavam em desqualificar nossas reivindicações, mais nos fortalecíamos. Em sua primeira década de existência, tivemos que lidar com vários obstáculos, tais como: a paridade (50% governo e 50% sociedade civil) o que dificultava, e muito, nossas deliberações contrárias à vontade do Poder Executivo. Além disso, para tentarmos colocar nossas principais pautas em destaque, não contávamos com um fórum ampliado próprio. Na época, nossas propostas eram encaminhadas e debatidas em outras instâncias, no caso, as conferências de Saúde, Assistência, Educação, Esporte etc. Como os temas tratados eram de interesse de vários setores da população, passar pelo crivo das plenárias exigia grandes debates e, por vezes, bem acalorados, gerando, inclusive, antipatia entre as lideranças dos movimentos sociais. Além disso, o Condefi tinha como única atribuição prestar assessoria e consultoria. A partir de 2001, com a realização da nossa própria Conferência, esse cenário foi totalmente modificado. Já na primeira vez que a realizamos, a composição do Condefi e suas atribuições sofreram significativos avanços. Passamos a ser um órgão de deliberação, normatização e fiscalização das políticas públicas para o segmento, além de prestar consultoria e assessoria. Com isso, o Condefi passava a ter maior poder de influência no Executivo e Legislativo. A partir da realização de nossas conferências, o seguimento teve a possibilidade de levantar, com mais clareza, as reais necessidades. Nessa época, também abandonamos a paridade e passamos a contar com um colegiado, composto em 78% por representantes da sociedade civil.
A ATUAL DIRETORIA É COMPOSTA POR: Presidente: Luciano Marques Vice-Presidente: Cristiane Zamari 1º Secretário: Daniel Monteiro 2º Secretário: Celia Regina O Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Santos tem sede na Avenida Conselheiro Nébias, 267 - Vila Mathias - Santos Telefone: (13) 3223-5281 e-mail: condefisantos@yahoo.com.br A composição atual do Condefi é feita por seis representantes do governo, mais os representantes da sociedade civil Pessoa Jurídica, que são catorze no total, a saber: seis entidades prestadoras de serviços, mais seis entidades de movimentos e duas entidades de apoio. Além delas, temos os representantes da Sociedade Civil e Pessoa Física: são cinco representantes regionais e quatro representantes das pessoas com deficiência, um para cada deficiência. Nesses quase 30 anos de existência do Conselho, avançamos em várias áreas da nossa política publica. O que não quer dizer que está tudo perfeito. Pelo contrário, temos muito a caminhar rumo a nossa cidadania plena. Sem dúvida alguma, o avanço mais expressivo nessa caminhada foi o cumprimento do Decreto Federal 5296, no que tange ao transporte público. Atingimos em Santos 100% da frota acessível em 2012. Atualmente, temos uma parceria bem sólida com o Ministério Público, por meio da Promotoria das Pessoas com Deficiência e a Ordem dos Advogados de Santos. Em setembro desse ano realizaremos a VIII Conferência Municipal, de onde surgirão prioridades para avançarmos na implantação e implementação das políticas públicas dessa parcela da sociedade, bem como a eleição dos conselheiros para os próximos quatro anos. *Luciano Marques tem 59 anos, é deficiente físico e atua no movimento das pessoas com deficiência desde 1984, quando se tornou presidente fundador da Associação dos Deficientes Físicos de Santos (Adfisa). É conselheiro do Condefi de Santos desde sua criação, em 1991. É o atual presidente do Conselho, exercendo esse cargo por quatro mandatos consecutivos. Revista D+ número 25
ENTREVISTA
Uma luta pelo semelhante
Célia Leão encontrou na política uma maneira de fazer da sua luta um ideal de igualdade para todos. É sobre esse viés que ela assume a Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo Texto Ana Sniesko | Fotos Divulgação
L
inearidade não costuma ser uma condição de vida. Quando acreditamos que o nosso destino está traçado, os acontecimentos nos obrigam a uma adequação e reinvenção da nossa história. Assim aconteceu com a paulistana Célia Leão, que encontrou na vida política a força necessária para transformar a sua luta em uma missão. Após sete mandatos na Assembleia Legislativa de São Paulo e mais de 35 anos na vida pública, ela foi convidada para estar à frente da Secretaria dos Direitos
da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo. “Ir para a política foi um chamado por uma luta, através da qual buscava e ainda busco garantir direitos e justiça social. Seguir esse caminho numa cadeira de rodas era a condição que eu tinha naquele momento”, conta sobre o início da sua trajetória, que começou em Campinas (SP). Um dos grandes desafios da secretária é descentralizar a política e ampliar a visibilidade desse público para além dos limites da capital. A nova gestão já
iniciou o seu trabalho e quer criar espaço para ouvir quem realmente será impactado por essa política. “A causa da pessoa com deficiência sempre foi a nossa primeira bandeira e, nesse sentido, ao longo dos anos, sempre demos a ela prioridade absoluta”, destaca. Célia conversou com a D+ sobre como pretende ampliar a voz da pessoa com deficiência no seu mandato, contou um pouco de sua história e o que podemos esperar para os próximos quatro anos de gestão.
“Célia Leão tem mais de 35 anos de vida pública e foi escolhida por João Dória para comandar a Secretaria Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência pelos próximos quatro anos”
D+ Secretária, por favor, conte-nos um pouco sobre a sua trajetória e como chegou a esse nível de representação da pessoa com deficiência. Eu era uma jovem como todas as outras, cheia de vida, sonhos, dúvidas, ávida por viver a vida plena como qualquer pessoa “normal” do meu tempo. Nessa época, há 40 anos, as pessoas com deficiência sequer eram vistas, pois a sociedade ainda era permeada por desconhecimento do assunto e muito preconceito. Esse mundo não fazia parte da minha vida e por muitas vezes ele passava despercebido. Aos 19 anos de idade, um acidente de carro me colocou, por livre e espontânea pressão, em uma cadeira de rodas. Naquele instante, o que para mim parecia o fim, com o tempo revelou ser apenas o começo de uma trajetória pautada pela luta e a determinação de manter as rédeas da vida em minhas próprias mãos. O primeiro instante é um choque, não só para mim, acredito, mas também para qualquer pessoa que passe pela situação de um acidente que tire seus movimentos. O começo foi bem difícil pela não aceitação do problema, eu evitava sentar em uma cadeira de
rodas a qualquer custo, vivia sendo carregada por amigos e parentes. Mas a vida é cheia de reviravoltas e muitas vezes nos ensina lições. Tive que encarar e enfrentar com garra e coragem essa minha nova realidade. A luta para redefinir os meus sonhos e redirecionar os meus caminhos havia sido traçada. Foi quando, então, o destino me aplicou mais um duro golpe: meu pai veio a falecer, também em um acidente de carro, exatamente um ano depois do que aconteceu comigo. Porém, a vida exige que continuemos o nosso caminho, com ou sem percalços. E foi o que eu fiz. Estava determinada a lutar pelos direitos e melhores condições de vida para as pessoas com deficiência. Das dores, tristezas e sofrimento, pessoal e familiar, sobrou o mais importante: a vida! Casei em 1984 com o Daniel e tivemos três filhos: Rodrigo, Diogo e Stephanie, hoje todos médicos de formação. Em 1987, me formei em Direito pela PUC de Campinas. Não foi fácil, mas com muita luta, dedicação e apoio da família, consegui seguir em frente. Ao longo da minha trajetória, com mais de 60 anos bem vividos, mãe de três filhos, esposa de um marido mais que especial, tenho que enaltecer e celebrar a vida. Nesses mais de 40 anos em que eu me locomovo por meio de uma cadeira de rodas, apesar de todas as dificuldades, posso dizer com muita propriedade que a felicidade existe sim e tem que ser para todos. E ela não está em duas pernas, em dois olhos ou em uma função que se exerça numa etapa da vida. A felicidade está em partilhar a vida com o nosso próximo.
D+ Os seus desafios a encorajaram para entrar na vida política? Em que momento percebeu que a sua luta poderia ser a de outras pessoas? Vida pública, pelo menos para mim, é missão e tarefa. Quando menina, nunca vislumbrei meu futuro na condição de política, muito menos na de paraplégica. Ambas as coisas cruzaram meu caminho. Ir para a política foi um chamado por uma luta, eatravés da qual buscava e ainda busco garantir direitos e justiça social e, seguir esse caminho numa cadeira de rodas era a condição que eu tinha naquele momento. A vida política acabou vindo de uma maneira natural, em razão de eu já fazer parte de grupos de ativistas que lutavam pelos deficientes na época. Passei a ser conhecida pela minha forte atuação nesse segmento, acabei me filiando a um partido político e me tornei vereadora em Campinas, em 1988. Em 1990, fui eleita Deputada Estadual, sendo uma das mulheres mais votadas para a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Em 1996, fui candidata à Prefeitura de Campinas e cheguei ao segundo turno do pleito. Perdi as eleições, mas foi a maior votação já obtida por uma mulher na cidade até hoje. A política está em meu sangue. Na Assembleia Legislativa passei a ocupar comissões importantes. Em 1999, cheguei a presidir a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que é a mais importante do Legislativo. Recentemente, em maio de 2018, voltei a ser eleita presidente da comissão. Enfim, já somamos oito mandatos seguidos, sendo um de Revista D+ número 25
ENTREVISTA
vereadora e mais sete como Deputada Estadual por São Paulo, que remetem ao reconhecimento, carinho e respeito do eleitor paulista pelo nosso trabalho. D+ Você já está no seu 7º mandato na Alesp. Quais projetos de lei destaca na sua trajetória? Vida pública, como o próprio nome diz, é o trabalho realizado pensando no bem comum. Quem é investido de um mandato popular tem obrigação de estar constantemente informando à comunidade sobre seu trabalho, seus feitos, realizações e posições. Ao longo dos mais de 20 anos representando o povo paulista, tenho trabalhos realizados e uma parte da missão já cumprida. A vida é dinâmica e a política segue esse caminho. Portanto, a todo instante estamos criando dentro dos mandatos, inovando e renovando as ideias e solicitações que nos chegam, elaborando projetos. Por mais que foquemos num determinado tema, o tempo dentro do Parlamento nos abre novos caminhos e obrigações. A causa da Pessoa com Deficiência sempre foi a nossa primeira bandeira e, nesse sentido, ao longo dos anos, sempre demos prioridade absoluta. Algumas leis que destaco de nossa autoria são: a Lei 9086, que determina, desde 1995, que órgãos da administração direta e indireta (como escolas, praças, fóruns, etc.) adequem seus projetos, edificações, instalações e mobiliário, atendendo às pessoas com deficiência; a Lei 11263, de 2003, (conhecida como Lei de Acessibilidade) que trata de várias questões, inclusive sobre as vagas de estacionamento demarcadas para uso exclusivo de pessoas com deficiência, ou seus condutores; o Decreto 62.874/17 é o resultado de várias reuniões e a nossa indicação (832/14) para garantir a isenção de IPVA para quase todos os grupos de pessoas com Deficiência (condutores ou não), valendo inclusive para os carros usados; a Lei 10.953/01 (Lei da Recompensa) que
“Célia cumpriu sete mandatos seguidos como deputada estadual. Abaixo, à direita, fazendo discurso. À esquerda, logo depois do acidente de carro que a deixou paraplégica”
criou o programa de recompensas por informações sobre foragidos da Justiça em SP; por fim, a Lei nº 11.517/03, que torna proibida a veiculação de propaganda de bebidas alcoólicas à beira das rodovias estaduais. D+ Como você recebeu o convite para assumir a Secretaria da Pessoa com Deficiência? Recebi com muita responsabilidade, consciente do compromisso, com muito orgulho e alegria também por poder estar à frente de uma Secretaria
que luta para garantir os direitos das pessoas com deficiência, com apoio da sociedade civil, nossas entidades e instituições. Será um trabalho com bons resultados, atendendo ao nosso grande objetivo, que é a integração desse público e das suas famílias. D+ Quais são os principais desafios que espera enfrentar neste cargo? Mais do que um cargo ou função, é uma tarefa e certamente teremos
“Ao lado, com os cachorros da família, mais uma de suas paixões. E com a família reunida”
bons momentos e outros mais difíceis. Porém, o mais importante é o compromisso com a causa e com o segmento. Hoje somos milhares de pessoas com algum tipo de deficiência – bebês, crianças, adolescentes, adultos e idosos. Seremos um grupo pronto para atuar dentro da secretaria, com a nossa equipe e parceiros, para que as políticas públicas cheguem a todos os municípios do Estado de São Paulo. Esse é o nosso grande desafio. D+ Levar soluções além dos limites da capital é um desafio. Como pretende estreitar os laços com os demais municípios do Estado? Com um novo formato, o governador João Dória repensou as diversas Secretarias de Estado, e em meio a essa acertada decisão, criou a Secretaria de Desenvolvimento Regional, que é um braço direto com todos os municípios do Estado, por intermédio dos prefeitos e Câmaras de Vereadores. Com esse caminho traçado, o nosso plano é estreitar a parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Regional, onde o secretário Marco Vinholi tem mais do que disposição. Sua competência e agilidade nos facilitarão chegar aos municípios e descentralizar a gestão.
D+ O Direito da pessoa com deficiência vai muito além das questões de acessibilidade. Quais políticas você destaca em relação à educação e trabalho desse público? Na verdade, os direitos das Pessoas com Deficiência se mesclam aos direitos de toda a sociedade. Brancos, negros, homens, mulheres, ricos, pobres. Significa dizer que o trabalho pensado e voltado a esse público tem que ser sempre transversal, passando pela segurança, saúde, educação, turismo, cultura, ação social, mobilidade urbana... portanto, acessibilidade não é o único quesito a ser debatido. O estudo, segundo a Constituição Federal de 88, é um direito de todas as crianças, independentemente da questão de gênero, etnia ou credo. Uma vez garantido, a criança com deficiência nas escolas comuns deve contar com reforço se necessário. Ela será preparada para a segunda etapa de sua vida, onde, de fato, gozará de sua independência quando o mercado puder absorvê-la. Portanto, a empregabilidade é um dos temas fortes a ser desenvolvido no mercado, para que a Constituição, que tem 30 anos, seja cumprida na íntegra.
D+ As escolas públicas estão preparadas para integrar os alunos com deficiência? As escolas públicas são cobradas, a cada dia, por seus interessados (pais, familiares, alunos) de que todos tenham, não só acesso às dependências da instituição, como, dentro dela, os profissionais da área da educação estejam qualificados a receber esses alunos com algum tipo de deficiência. Esse preparo é uma luta diária, para que cada dia mais tenhamos o reconhecimento das escolas acessíveis. Ainda há muito por fazer. D+ Qual é o seu maior sonho? O sonho tem que ser vivido todos os dias e eu busco realizá-lo o mais rápido possível. Se posso chamar a Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência como um lindo sonho, quero acordar daqui a quatro anos com o nosso trabalho bem realizado. Certamente não atingiremos a todos e não conseguiremos realizar “tudo” o que sonhamos, mas trabalharemos bravamente para que possamos realizar grande parte de nossas tarefas e compromissos. D+ Revista D+ número 25
SAÚDE
Para enfrentar de frente A Esclerose Lateral Amiotrófica, conhecida como ELA, é tratável e nem sempre fatal
texto Cármen Guaresemin fotos divulgação
“Stephen Hawking durante evento que aconteceu na Nasa, em 2008. Físico inglês conviveu décadas com a doença”
M
uitos devem se lembrar de algo inusitado que tomou conta das redes sociais em meados de 2014, o chamado “Desafio do Balde de Gelo”. Uma pessoa desafiava outra a jogar sobre sua cabeça um balde cheio de água gelada ou com gelo. Tudo começou nos Estados Unidos quando um jogador de golfe propôs o desafio à prima, cujo marido tem esclerose lateral amiotrófica (ELA). Se ela fizesse a brincadeira, ganharia uma doação em dinheiro. Foi assistindo ao vídeo que o ex-jogador de beisebol, e também com ELA, Pete Frates, vislumbrou uma grande chance não só de divulgar a doença, como alavancar as pesquisas sobre ela. Frates e o amigo Pat Quinn, que também tem ELA, divulgaram o desafio: pessoas teriam que doar dinheiro para pesquisas sobre a doença ou tomar um banho de gelo. Não demorou muito para anônimos e celebridades do mundo todo entrarem na campanha e tornarem o desejo de Frates realidade. Aqui no Brasil não foi diferente. E o desafio fez não só a doença ser mais conhecida como também ajudou nas doações para pesquisas. O que também colaborou para que a enfermidade ficasse mais conhecida mundialmente foi o filme A Teoria de Tudo, de 2014, sobre a vida do físico inglês Stephen Hawking, que viveu décadas com a doença. Mas, afinal, o que é esclerose lateral amiotrófica? Considerada uma doença rara, pois acomete uma pessoa a cada 100 mil, costuma surgir por volta dos 50 anos e é mais comum em homens. O paciente costuma viver cerca de três anos após o diagnóstico. Hawking foi um ponto fora da curva, duplamente, pois adoeceu aos 21 anos e sobreviveu por décadas. A ELA, também conhecida como Doença de Charcot ou de Lou Gehring, é resultado de uma degeneração progressiva dos neurônios, especialmente aqueles que controlam as atividades motoras do corpo. Por isso, os
“Muitos genes, relacionados à mesma mutação, apresentam quadros clínicos diferentes além da ELA, como Alzheimer, Parkinson, doenças psíquicas e até casos de suicídio em uma família. E há outras nas quais se encontra a mutação, mas a doença não se manifestou”, Acary Souza Bulle de Oliveira, conselheiro da Abrela (Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica)
primeiros sinais a aparecerem são o endurecimento dos membros (esclerose), em um dos lados do corpo (lateral) acompanhados da atrofia muscular (amiotrófica). Outros sintomas muito comuns são câimbra, espasmos, tremor muscular e perda da sensibilidade. Sua origem não é clara, mas cerca de 10% dos casos são hereditários. Desse total, a mutação genética é conhecida em apenas 20%, o que aponta que somente 2% de todos os pacientes com ELA possuem alteração genética. “Uma pessoa pode ter o gene da doença, mas não desenvolvê-la, pois há outros fatores envolvidos. Cientistas estão pesquisando por que uma pessoa a desenvolve e outra não”, afirma o neurologista Francisco Rotta, Coordenador Médico do Instituto Paulo Gontijo, entidade fundada em 1999 pelo engenheiro de mesmo nome e que tinha a enfermidade. “Muitos genes, relacionados à mesma mutação, apresentam quadros clínicos diferentes além da ELA, como Alzheimer, Parkinson, doenças psíquicas e até casos de suicídio em uma família. E há outras nas quais se encontra a mutação, mas a doença não se manifestou”, aponta o neurologista Acary Souza Bulle de Oliveira, conselheiro da Abrela (Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica). Rotta lista outras condições que podem dar origem à doença, além da suscetibilidade genética: fatores de risco ambiental ou associados, como exposição a agrotóxicos, a campos eletromagnéticos de alta intensidade, ao fumo, bem como a prática excessiva de esportes, o que explicaria a incidência da doença ser um pouco mais comum em atletas. “Pesquisas mostraram que veteranos de guerra e pessoas que trabalham dentro de aviões também são mais suscetíveis à doença”, completa o médico. DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO O diagnóstico da doença é demorado e difícil. Em grande parte dos casos, o paciente faz exames físicos típicos e complementares, como eletroneuromiografia (estimulação dos nervos periféricos, sensitivos e motores, ao longo da coluna vertebral, por meio do uso de uma corrente elétrica), ressonância magnética do cérebro e da coluna. É comum o paciente passar por quatro a cinco médicos em um ano, antes de fechar o diagnóstico e iniciar o tratamento. Isso porque os sintomas iniciais são parecidos com os de outras doenças. E, como na maioria das vezes, o diagnóstico precoce ajuda muito no caso da ELA. “Geralmente, quando a pessoa procura o médico pela primeira vez e perguntamos quais os sinais que a levaram, ela cita que não tem mais a força de antes, que cai constantemente, etc. Infelizmente, ela já está com o comprometimento neurológico 50% afetado”, afirma Acary. Sobre o tratamento da doença, Rotta explica que o ideal Revista D+ número 25
SAÚDE
é um que seja personalizado e multidisciplinar. Ou seja, que além do atendimento de um neurologista, o paciente também tenha o acompanhamento de clínico geral, fisioterapia (motora e respiratória), terapia ocupacional, pneumologista, fonoaudiólogo e nutricionista. Em termos de medicamentos, há uma boa dose deles disponíveis e aprovados no Brasil pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Vale lembrar de que, infelizmente, a ELA não tem cura. Porém, com os cuidados acima citados, é possível amortizar a progressão da doença e, assim, aumentar a sobrevida dos pacientes. “A cada dia temos novidades sobre o assunto. Mas se você pensar em cura como a doença indo embora e não voltando, isso não vai ocorrer. O mais provável é encontrarmos um tratamento que controle e produza a estagnação da doença”, admite Rotta. RECEBENDO A NOTÍCIA Ouvir do médico o diagnóstico final e saber que se tem ELA pode ser algo mais devastador que ter câncer. Porém, como esta outra doença, o modo como o paciente lida com a notícia faz toda a diferença: “O importante é não alimentar a enfermidade”, afirma Acary. O médico, que diz não dar um prognóstico de vida ao paciente, cita dois casos. Primeiro, Hawking: “Ele tinha uma cabeça esplêndida, enfrentou obstáculos e sabia que tinha um objetivo a cumprir. Logicamente, ele foi rodeado por pessoas do bem, conseguiu formas de ampliar a comunicação e expressar o que pensava”. O segundo exemplo é o do general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército Brasileiro, que não
revela sua enfermidade, mas que, pelas características, é muito similar à ELA: “Todos os dias ele tinha uma enxurrada de informações a passar, uma missão a cumprir. São pessoas espetaculares, que pagam o débito que a vida cobra. O tratamento está dentro da pessoa e faz com que ela viva e sua marca fique”, finaliza Acary. 22 ANOS E CONTANDO Natalina Herrerias, de 70 anos, é paciente do doutor Acary e tem a doença há 22 anos. Atualmente, tem dificuldade para falar, mas seu marido, Dárcio Herrerias, com quem está casada há quase 50 anos, conta que ela nunca se entregou: “O primeiro médico que nos atendeu, quando recebeu o diagnóstico, comentou que era uma doença incurável. Ela ficou inconsolável e, quando não estava olhando, o médico me fez sinal para ligar para ele, pois não havia clima para continuar a consulta”. Chegando a sua casa, deixou a esposa e ligou de outro local para o médico, que afirmou que ela teria de três a cinco anos de vida apenas. “Natalina começou a tomar remédio, a batalhar e disse que continuaria a ter uma vida normal. E foi o que fizemos. Ela nunca trabalhou fora, mas fazia artesanato ou vendia congelados. Nós vamos ao cinema, jantar fora, visitar os filhos e netos. Hoje, ela usa cadeira de rodas, mas ainda faz alguns pequenos trajetos dentro de casa andando”, conta ele. Para o casal, não houve uma fase considerada mais difícil, mas agora, além dos membros inferiores e superiores de Natalina estarem comprometidos, há também
“Na página anterior, da esquerda para a direita: Malu Ribeiro; e os doutores Francisco Rotta e Acary Souza. Ao lado, Natalina com a neta. Mais de vinte e dois anos convivendo com a doença”
SERVIÇO INSTITUTO PAULO GONTIJO Endereço: Rua Major Prado, 42 – Indianápolis – São Paulo Site: www.ipg.org.br/ Facebook: www.facebook.com/ InstitutoPauloGontijo ABRELA Endereço: Rua Botucatu, 395/397 Vila Clementino - São Paulo Site: https://www.abrela.org.br/ Facebook: www.facebook.com/ abrela.escleroselateralamiotrofica/
a paralisia bulbar, que acomete os músculos envolvidos na respiração, deglutição, fala e movimentação da língua. “Usamos um aparelho para ajudá-la a respirar, mais para ela economizar energia. Porém, continuamos saindo de casa e ela não precisa levá-lo”, finaliza. UM DIA DE CADA VEZ Em junho de 2017, quando tinha 22 anos, Malu de Araújo Ribeiro soube que tinha ELA. Porém, os sintomas começaram a surgir em 2015. “Eu tropeçava, caía, não conseguia correr, sentia dor nas pernas, câimbra...”, conta ela. Na época, estudava Engenharia de Energia e trabalhava como assistente de transporte. Tinha uma rotina supercorrida. Em novembro de 2016, sentindo fortes dores no peito, foi levada a um pronto-socorro. “Notaram uma enzima
“Notaram uma enzima em um dos exames, pois eu estava com inflamação nos músculos. Fui internada e começaram a investigar. Eu me lembro de que andava parecendo um pinguim”, Malu de Araújo Ribeiro
em um dos exames, pois eu estava com inflamação nos músculos. Fui internada e começaram a investigar. Eu me lembro de que andava parecendo um pinguim”, confessa. A neurologista do hospital fez uma série de perguntas, mas foram meses de espera para confirmar o diagnóstico. Nesse período, acabou perdendo o emprego. Ela faltava muito, mas a justificativa da empresa foi que haveria um corte no quadro de funcionários. Em seguida, ela trancou a faculdade. Malu diz que na época não tinha visto a campanha do desafio do balde, mas que começou a pesquisar e ia ficando abalada com o que encontrava. Até que o resultado saiu: “Nessa época já me tratava no Hospital das Clínicas. E quando o médico me disse o que eu tinha foi um momento muito silencioso. Ele me convidou a participar de uma pesquisa sobre ELA e aceitei”. A moça tem feito terapias, entre elas fisioterapia e psicanálise, esta desde que ainda investigavam sua doença e, desde outubro de 2017, usa cadeira de rodas. Algo que a abalou foi precisar entrar na Justiça para que o convênio médico bancasse não apenas consultas. Porém, perdeu e hoje não tem mais o plano de saúde. “Não digo que aceitei, mas vivo com a ELA. Antes, tinha um ritmo acelerado. Agora, aprendi a viver o hoje. Como diz minha cuidadora: viva um dia de cada vez”, finaliza. D+ Revista D+ número 25
VIVER BEM
“O grupo de passeio organizado pelo Morungaba. A atividade tem como principal objetivo ajudar na inclusão da pessoa com deficiência ou em risco social, não só na sociedade, mas também no meio que a cerca”
Três décadas promovendo a diversidade Morungaba promove uma série de ações para a inclusão de pessoas em risco social e com deficiência por Cármen Guaresemin fotos Divulgação
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orungaba, em uma língua indígena originária do tupi, significa colmeia da abelha morunga. E foi esse o nome escolhido por Renata Macedo Soares, em 1989, para batizar um projeto que ela vem gerindo há 30 anos. Afinal, assim como o grande abrigo onde as abelhas vivem e fazem mel, o Morungaba também queria reunir muitos “operários” do bem para ajudar quem precisasse. Para criar a própria colmeia, Renata uniu experiência de vida com conhecimentos teóricos e práticos nas áreas de fonoaudiologia, educação e dança. Hoje, o Morungaba atua com pessoas em situação de vulnerabilidade, sejam elas crianças, com deficiência (especialmente intelectual), refugiados, indígenas ou estando em situação de rua. “Queremos estabelecer encontros, desenvolver o humano, sairmos enriquecidos das experiências, trabalhar a diversidade e a tolerância, criar uma ponte de duas vias. Perguntar ‘posso fazer algo por você?’”, afirma Renata. A coordenadora do Morungaba conta que é comum ouvir gente falando que não sabe lidar com pessoas com
deficiência, e que isso faz com que não se envolvam. “Porém, ser diferente não nos impede de estabelecer relações, e isso faz com que o preconceito vá por água abaixo”, aponta. Para ela, a pedra principal é respeitar o tempo de cada um, valorizar e ver o que o outro traz, o que gosta, enfim, descobrir quem é aquela pessoa. E tudo começou quando ela passou a se interessar pelas crianças vizinhas à escola onde estudava quando pequena e que vinham de uma favela. Renata adorava brincar com elas na calçada, pois queria saber quem eram, como viviam e tudo mais. Adulta, estudou Fonoaudiologia na PUC de São Paulo e começou a dar aulas de dança, ao mesmo tempo em que já trabalhava com crianças em situação de abandono na antiga Febem. Sua tese de mestrado uniu seus dois lados, a dançarina e a fonoaudióloga, e foi voltada a pessoas surdas. “Desde os meus 16 anos eu trabalho com pessoas diferentes de mim. E, na verdade, eu não consigo ver diferença em relação a pessoas com deficiência. Vou pela facilidade, com a sensibilidade
de me colocar no lugar do outro e fazer o caminho junto dele”, explica Renata. Para desenvolver seus vários programas, o Morungaba conta com a ajuda de estagiários de Psicologia, voluntários, inclusive de outros países, e o apoio de parceiros financiadores. “Alguns projetos que oferecemos são gratuitos e temos taxas de colaboração para a manutenção da casa. Os professores são pagos e as famílias contribuem na medida da realidade delas”. OS PROGRAMAS OFERECIDOS Entre os programas oferecidos pelo Morungaba, um que faz muito sucesso é o Use Sua Cidade, que busca promover a apropriação dos espaços urbanos e dos transportes públicos a grupos com diferentes condições de desenvolvimento físico, cognitivo e afetivo. Cada grupo tem dez participantes, que se encontram semanalmente sob a coordenação de um psicólogo. O objetivo é desenvolver potenciais por meio de vivências e situações cotidianas. Entre elas, andar de metrô e ônibus, lidar com dinheiro e conhecer pessoas e lugares. Assim, dar mais Revista D+ número 25
VIVER BEM “A diretora Renata com Daniel, que tem síndrome de Down”
autonomia, condições de acessibilidade, inclusive cultural, e de convivência aos membros. “São cinco grupos divididos, não por faixa etária, mas pela afinidade entre eles”, afirma o mediador do grupo, o psicólogo Primo Renan Nogueira de Araújo. “Somos em 15 pessoas, pois além dos dez participantes e de mim, há um voluntário de outro país, estagiários de Psicologia e estudantes do Colégio Santa Cruz”. Ele conta que uma vez por mês eles também formam o Grupo de Balada. Mas nada de levar o termo ao pé da letra. “Podemos ir a uma danceteria na Rua Augusta, ou a um food truck comer crepe. Todos trazem opções e a mais votada ganha. O interessante é ser um passeio à noite”. Outro projeto é o Carta & Livro, que promove a troca de cartas entre crianças e jovens em situação de acolhimento e pessoas com deficiência e voluntários desconhecidos. Além de incentivar a leitura e a escrita, como forma de criar vínculos, após três meses de troca de correspondência, a dupla se conhece durante a Festa da Troca. Entre Atividades Manuais, sob a orientação de Adriana Nalin, o Morungaba oferece aulas de tear, crochê,
“Visitas a museus fazem parte das atividades oferecidas”
“Eventos culturais e populares são vivenciados pelos participantes do Morungaba”
“Julia vem se tornando cada vez mais autônoma. Produz artesanato e tem loja virtual”
“Da esquerda para a direita: Guga Dorea, Vania (mãe de Julia) e o psicólogo Primo Renan”
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tricô, costura, macramê, bordado e tapeçaria. A intenção é que os praticantes desenvolvam a concentração, a paciência, a criatividade e a integração. As aulas de Música e Canto Coral, ministradas por Marcio Miele, unem e harmonizam os participantes. Já na Dança de Salão, coordenada por Marcos Vinícius, o grupo aprende passos e ritmos e amplia repertórios de movimentos, promovendo a consciência corporal e socialização. Outro programa querido da maioria é a Oficina da Palavra que oferece técnicas de redação, em que os participantes desenvolvem textos em gêneros livres, como poesia. “Procuro mediar os interesses do grupo, pois todos têm muito potencial criativo. Aprendi a respeitar o tempo de cada um. Todos nós temos limites, mas não sabemos quais antes de experimentar algo”, afirma o
“Elza com a cuidadora Vanda. Abaixo, com os amigos que também frequentam o Morungaba”
coordenador do curso, o sociólogo e jornalista Guga Dorea. Outros temas que também farão parte do cronograma em 2019 são: Mosaico, com Patrícia Hessel; Culinária Sensorial, com Inês Andaluz Dias e Arte Expressiva, com Adriana Puzzilli. A MUDANÇA PARA QUEM FREQUENTA Para Vânia Mansechi, mãe de Julia Mansechi Vicentino, de 28 anos, que tem síndrome de Down e frequenta o espaço desde os 16, a filha melhorou muito: “Ela aprendeu a usar o metrô e passou a visitar museus, coisa de que não gostava. Julia foi crescendo e se tornando autônoma, decidindo o que queria fazer. Além disso, aprendeu a fazer mandalas e isso virou um negócio para ela”. “Eu tenho uma loja artesanal e digital, a Mandala da Julia. Nela vendo artesanato. Assim, ganho meu próprio dinheiro”, afirma a garota. E quando questionada sobre o que mais gosta de fazer no Morungaba, ela elenca uma lista. “Lá eu me sinto acolhida, confortável, participo de vários grupos, como dança, culinária, mosaico, cerâmica e Use a Sua Cidade. Quando saímos, ficam olhando para nós, mas não me importo com o que pensam de mim. Sou feliz do jeito que eu sou”. Sobre os inevitáveis olhares ao grupo quando vão para algum passeio, Daniel Chusyd, de 27 anos e que também tem síndrome de Down, afirma: “Para nós, isso é nota zero, ficamos chateados, algumas pessoas dão risadas.
Outro dia estávamos com índios e ficaram rindo no metrô”. Daniel frequenta o Morungaba desde criança. Parou durante um período e voltou em 2013. Ele elogia principalmente o programa Use a Sua Cidade: “Ajudou muito no meu desenvolvimento com outras pessoas, aprendi a interagir melhor. Tenho dificuldade em matemática, em fazer contas e até nisso ajuda. Para mim, o Morungaba é minha segunda casa, assim como a Renata é minha segunda mãe e o Primo, meu segundo pai”. Thiago Dórea, de 21 anos, é filho do coordenador Guga e também tem síndrome de Down. Graças ao Use a Sua Cidade, pegar metrô e ônibus ficaram bem mais fáceis. Mas ele gosta mesmo é de música: “Além das aulas de dança, toco percussão, de preferência MPB ou forró”. Elza Talamo tem 73 anos e há 12 vai ao Morungaba acompanhada de sua cuidadora, Vanda Maria de Farias. Ela tem deficiência mental e dificuldade de aprendizagem. Quando questionada sobre o que mais gosta de fazer por lá, começa citando o Carta Livro, afirma que também aprecia dançar e tocar violão. Porém, seu preferido é o Use a Sua Cidade, pois ela adora o coordenador, Primo. A cuidadora afirma que antes do Morungaba, Elza era muito agitada e nervosa. “Ela não queria esperar o sinal verde para atravessar, por exemplo. Depois do Use a Sua Cidade, melhorou muito. Ela fica feliz no dia em que vem aqui. Acorda cedo e até escolhe uma roupa bonita para vestir”. D+
SERVIÇO NÚCLEO MORUNGABA Rua Cristiano Viana, 977 – Pinheiros – São Paulo – SP Telefone: (11)3083-6274 Site: morungaba.com.br/ E-mail: contato@morungaba.com.br Facebook: https://www.facebook.com/NucleoMorungaba/ Instagram: https://www.instagram.com/nucleomorungaba/
Revista D+ nĂşmero 25
NOSSA CAPA
OURO À VISTA
Oito atletas, oito sonhos. Confira quem tem tudo para brilhar na paralimpíada de Tóquio 2020 texto Paulo Kehdi fotos Divulgação colaboração CPB
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les são diferentes, mas têm um sonho comum: brilhar na paralimpíada de Tóquio, Japão, que acontecerá entre os dias 25 de agosto e 6 de setembro de 2020, evento que está tão longe, mas ao mesmo tempo tão perto, já que o chamado ciclo paralímpico é longo, de quatro anos. Ou seja, assim que a paralimpíada do Rio foi encerrada, em setembro de 2016, muitos desses atletas, alimentados por sonhos, ou mesmo por frustrações, passaram a mirar a chamada terra do sol nascente. O ano de 2019 é decisivo para a grande maioria deles, seja por conta da necessidade de conseguir a tão desejada vaga na delegação brasileira, seja para aprimoramento e disputa de competições importantes, nacionais e internacionais. Nas últimas três paralimpíadas, Pequim 2008, Londres 2012, e a do Rio, em 2016, nosso país teve um desempenho fantástico, terminando na nona colocação geral em 2008 (16 ouros e 47 medalhas no total), na sétima em 2012 (21 ouros e 43 medalhas no total) e na oitava em 2016 (14 ouros e 72 medalhas no total). Porém, não há milagre. Por trás disso, uma rede de clubes e associações, cada vez oferecendo melhores condições de preparo para nossos atletas. E, tão ou mais importante que isso, a possibilidade de surgimento de novos talentos. É o esporte como profissão, ou como importante meio para a inclusão. No topo dessa estrutura está o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), organizando eventos, como as paralimpíadas escolares, e proporcionado locais e profissionais para treinamento, como o Centro de Treinamento Paralímpico, localizado na capital paulista, com estrutura de primeiro mundo. O professor Alberto Martins, diretor técnico do CPB, explica como são reconhecidos e tratados os novos talentos, que podem virar atletas de alto rendimento. “Os atletas são monitorados durante as competições (regionais, nacionais, paralimpíadas escolares etc) e a partir disso são chamados para semanas de treinamento, camping e também são monitorados
nesse período pelos técnicos nacionais das respectivas modalidades. Os clubes também nos indicam atletas com potencial para o desenvolvimento do esporte paralímpico”. E ele completa. “Esses talentos podem ser convidados a treinarem no Centro de Referência, no CT Paralímpico, alguns recebem bolsa (Time Caixa, Time São Paulo e alguns estados também têm bolsas de apoio). Cursos são ministrados constantemente, para maior capacitação dos treinadores. Estamos desenvolvendo o projeto Centro de Referência Paralímpico Brasileiro, para que tenhamos mais locais pelo país, com treinamentos de qualidade para os atletas”. Falando sobre 2019 e 2020, Martins explica quais serão as ações do CPB. “Vamos continuar monitorando os nossos atletas durante as competições nesse ano, principalmente nos mundiais de atletismo, natação e halterofilismo, bem como nos Jogos Parapanamericanos. Nós ainda não temos uma programação fechada para 2020, porque os coordenadores-técnicos avaliarão os atletas durante 2019, especialmente nos respectivos mundiais, para assim montar o planejamento do próximo ano. Os Jogos Paralímpicos serão em agosto de 2020, nós temos em média oito meses para afinar as equipes que irão para os Jogos”. Sobre a expectativa de medalhas, Martins levanta algumas questões que podem influenciar na classificação final. “Nós trabalhamos com a projeção de superar o número de medalhas dos Jogos do Rio, mas existem muitas variáveis, como as mudanças de classificação dos atletas. Desde 2018, os atletas da natação, por exemplo, estão passando por novas classificações – após a mudança das regras – e nem todos os nossos atletas já fizeram a reclassificação. Isso pode alterar as nossas projeções. Mas posso afirmar que a nossa principal meta é ficar no top dez dos Jogos Paralímpicos”. Confira agora quem pode e deve ajudar o Brasil a alcançar essa espetacular classificação! Revista D+ número 25
NOSSA CAPA
VAGA GARANTIDA Ana Gabriely Brito Assunção, 28 anos, é a atual pivô da seleção brasileira de goalball. Nascida com albinismo, teve como consequência problemas na visão, acarretando em miopia, estrabismo e astigmatismo. “Não bastasse os problemas de visão que tive, minha mãe, Cleide (hoje com 49 anos), teve que me criar sozinha, já que meu pai biológico sumiu após o meu nascimento. Ela era empregada doméstica em Brasília (DF), teve que se desdobrar, ser pai e mãe ao mesmo tempo. Havia também o desconhecimento da minha situação, foram várias consultas até termos certeza do que acarretava a baixa visão”, diz Ana. Orientada pelos profissionais que atenderam sua filha, Cleide levou Ana para o Rio de Janeiro, para ter uma consulta no Instituto Benjamin Constant (IBC), centro de referência nacional na área da deficiência visual. Na época, ela tinha três anos. Dois anos depois, Cleide e Ana mudavam-se definitivamente para o Rio. “Passei a frequentar não só o Centro Médico do IBC, mas a escola em si, onde fiquei até o 9º ano, o último do Ensino Fundamental. Foi lá, com 6 anos, que comecei a praticar esportes, mais especificamente a ginástica olímpica e a natação, mas acabei ficando só com a natação, já que o projeto da ginástica olímpica não foi para frente, a modalidade nunca fez parte dos jogos Paralímpicos”, explica Gabriely. Na natação, competia nas provas de 50 e 100 metros livre e 100 metros peito. Foram várias conquistas, já mostrando total aptidão para o esporte. Porém, a natação e as competições ficaram de lado quando Ana começou a fazer o Ensino Médio técnico, onde formou-se em magistratura, ficando habilitada a dar aulas para alunos que frequentam do 1º ao 4º ano do Ensino Fundamental. “Foram seis anos longe do esporte, em que eu me dediquei aos estudos e, posteriormente, ao trabalho. Para complicar, quando eu tinha 19 anos, fique grávida da minha filha Ana Clara, atualmente com 8 anos. Ela é a coisa mais importante da minha vida, mas filho dá trabalho! (risos). Não bastasse, o governo estabeleceu que, para que se pudesse exercer o magistério, haveria agora a necessidade de um diploma superior. Eu até comecei a fazer a faculdade, mas não consegui terminar por conta dos muitos afazeres que tinha, trabalhava também como secretária. Com uma família formada, limitada a ser uma assistente em sala de aula, decidi voltar ao esporte seis anos depois de ter parado com a natação, acreditando que teria um futuro pela frente. Escolhi o goalball, que nunca havia praticado, mas que conhecia e adorava assistir. Porém, dessa vez com um objetivo claro na cabeça: chegar à seleção brasileira”. Dessa forma, em 2014, Ana ingressou no Urece Esporte e Cultura, entidade carioca fundada por paratletas. Entretanto, percebeu que a estrutura não era aquela que queria para seu desenvolvimento técnico, tático e físico. Com essa ideia procurou, em 2015, o Sesi da cidade de Suzano, no interior
“Ana Gabriely durante a conquista do bronze, no Mundial de Goalball realizado na Suécia, em 2018”
“Ana com a mãe Cleide, que a criou sozinha. Ao lado, com a filha, o irmão, o padrasto e sua mãe”
de São Paulo. Aceita para defender a entidade, evoluiu em todos os aspectos e tornou-se bicampeã brasileira (2016 e 2017). Em 2016, o sonho virava realidade, era convocada pela primeira vez para a seleção. “Mas eu era muito “crua” ainda, tinha pouco tempo de goalball, acabei cortada do grupo que defendeu o Brasil na paralimpíada do Rio. Em 2017, voltei a ser convocada e nunca mais deixei a seleção”, comemora Gabrieli. Em 2018, a conquista mais importante: o bronze no Mundial da modalidade, disputado na Suécia e a vaga para Tóquio 2020 garantida! “O goalball feminino brasileiro é campeão sulamericano e parapanamericano, mas nunca tinha ganho medalhas em mundiais ou em paralimpíadas. Foi uma alegria muito grande! Agora que temos a vaga garantida, 2019 será o ano de aprimoramento para todas nós. Teremos três competições internacionais, além das nacionais e do Parapan em Lima (PER), em agosto. Serão 12 convocadas, mas só seis atletas estarão no grupo que irá ao Japão. Estamos treinando firme, seja no clube, seja na própria seleção, com a ideia fixa de brilhar em Tóquio. Queremos levar o goalball feminino brasileiro ao mesmo patamar do masculino, que é bicampeão mundial e tem dois bronzes conquistados nas duas últimas paralimpíadas. Agora, se conquistarmos o ouro, aí sim será o êxtase máximo para todas nós. Eu acredito, o grupo é forte, estamos confiantes!”.
“ FOI O ESPORTE QUE ME ENSINOU A ENCARAR OS OBSTÁCULOS, SEGUIR EM FRENTE. FOI UMA FERRAMENTA DE APRENDIZADO PRIMORDIAL PARA MEU DESENVOLVIMENTO FÍSICO E PSICOLÓGICO”. DÉBORA BEZERRA DE MENEZES
“Débora recebe orientações de seu técnico Diego Morine durante treino”
“À esquerda, com seu professor e técnico no lançamento de dardo, em 2015. E com a companheira Mayara Souza, com quem está há mais de dois anos”
FERRAMENTA DE TRANSFORMAÇÃO A paulistana Débora Bezerra de Menezes, 28 anos, é a maior promessa brasileira de medalhas no parataekwondo, modalidade paralímpica que será disputada pela primeira vez em Tóquio. Nascida com deficiência congênita no braço direito, Débora fala que sua infância não foi das mais fáceis. “Sou a caçula de quatro irmãos, a única com algum tipo de deficiência. Ou seja, na minha família já havia um desconhecimento de como lidar com a situação, apesar, claro, de todo o amor e carinho que recebia de meus pais, Waldemar e Maria, e irmãos”, fala Débora. Na escola sofreu com brincadeiras desagradáveis, a tal ponto que quis desistir de estudar. “Eu era uma criança, não sabia como agir diante de tudo aquilo. Minha mãe foi especial demais nesse sentido. Acredita que ela frequentou as aulas comigo por um ano, para que eu continuasse com os estudos? Dedicou-se a mim de corpo e alma!”. O processo de adaptação na sociedade e da aceitação de si própria foi lento, mas contou com um aliado importantíssimo: o esporte. “Tinha adoração por futebol, então na própria escola, durante as aulas de educação física, eu praticava futsal e society. Dos 8 aos 18 anos defendi as equipes do São Caetano, São Paulo e da Associação Sabesp, uma incentivadora do esporte feminino. Foi o esporte que me ensinou a encarar os obstáculos, seguir em frente. Foi uma ferramenta de aprendizado primordial
para meu desenvolvimento físico e psicológico”. Menezes parou com as modalidades futebolísticas por conta de sua entrada na faculdade. Na Uninove, onde fez educação física e frequentou entre 2009 e 2012, acabou ampliando seu leque de conhecimento, especialmente no último ano do curso. ”Foi por meio de um trabalho que tive contato com as artes marciais, entre elas o taekwondo. Mas comecei por hobbie mesmo, duas vezes por semana, numa academia perto de casa. Coincidentemente, nesse mesmo ano de 2013 foi que comecei a alimentar de maneira mais forte o sonho de defender o Brasil numa paralimpíada, mas o taekwondo não fazia parte do programa de jogos. Então optei pelo atletismo, mais especificamente o lançamento de dardo, que já praticava nos tempos da faculdade”, explica Débora. Dessa forma, entre 2014 e 2016, passou a praticar taekwondo e o arremesso do dardo em paralelo às suas atividades profissionais, já que lecionava em escolas e associações assistencialistas depois de formada. Em 2016, bateu o recorde brasileiro do dardo duas vezes e ficou a apenas cinco centímetros do recorde das Américas, que era de 29,95 metros, em sua categoria. Animada, passou a se dedicar de maneira cada vez mais intensa para a seletiva que aconteceria em julho, que selecionaria as atletas que iriam defender o Brasil na paralimpíada do Rio. A uma semana do torneio, a decepção maior: o evento foi cancelado por falta de participantes. Porém, se de um lado a tristeza imperou, do outro a grande notícia apareceu! Naquele mesmo período foi anunciado que o parataekwondo faria parte da paralimpíada no Japão, em 2020! Dali em diante foi dedicação total. Passou a treinar com Alan Nascimento, técnico da seleção brasileira e, posteriormente, com Diego Morini, seu atual técnico, da equipe “Brasil Lutas”. Em 2017, começou a disputar torneios nacionais e internacionais. Em 2018, foi campeã brasileira e conquistou o bronze no Parapan da modalidade, realizado nos Estados Unidos. “Esse terceiro lugar me deu vaga para o Parapanamericano de Lima, no Peru, que será disputado em agosto. Esse ano de 2019 será essencial para as minhas pretensões, tem o Mundial da categoria em fevereiro, o Parapan e outros torneios nacionais Revista D+ número 25
NOSSA CAPA “LEMBRO QUE UM MÊS DEPOIS EU VOLTEI PARA A ESCOLA, NÃO SABIA COMO SERIA RECEPCIONADO, ACHEI QUE MEUS AMIGOS IAM FICAR ME “ZOANDO”. MAS NADA, FUI RECEBIDO DE BRAÇOS ABERTOS, COM MUITO CARINHO, ALGO EMOCIONANTE QUE JAMAIS ESQUECEREI”. GABRIEL CRISTIANO SILVA DE SOUZA e internacionais de ponta. Preciso pontuar, porque somente as quatro primeiras colocadas do ranking mundial terão lugar garantido em Tóquio. Atualmente eu sou a oitava colocada”. Débora, que vive há dois anos com sua companheira Mayara Souza, demonstra outra qualidade, o reconhecimento do valor de quem a cerca. “Mayara é minha companheira no amor e na vida, me ajuda demais nos meus objetivos. Quero aqui aproveitar para agradecer de coração a toda a equipe multidisciplinar da “Brasil Lutas”. Conto com nutricionista, fisioterapeutas, preparadores físicos, treinadores, enfim, profissionais gabaritados que estão me ajudando a conquistar meus sonhos. Se eu conseguir uma medalha, ela será de todos que me ajudam nessa difícil trajetória. Pode ser um caminho penoso, que exige demais, treino de seis a oito horas por dia, seis vezes por semana. Mas o esporte é a minha vida, minha profissão, o que amo fazer”. ENCARANDO DESAFIOS Gabriel Cristiano Silva de Souza, 23 anos, fechou a temporada de 2018 na terceira colocação do ranking mundial dos 50 metros livre na sua categoria, a S8, para nadadores amputados de membro superior. Mas não é apenas nessa prova que Cristiano se destaca. Ele tem marcas expressivas nos 100 metros livre e nos 100 metros borboleta e está “com a faca nos dentes”, mirando as seletivas que irão acontecer em 2020 para conseguir vaga e, posteriormente, medalhas em Tóquio. “Sempre fui muito determinado, gosto de enfrentar desafios, tenho a mente positiva, encaro os obstáculos de frente, essa é a minha personalidade”, fala Gabriel. Essa personalidade forte, positiva, foi determinante para que o garoto de nove anos, nascido e morador do município de Guarujá (localizado no litoral sul paulista) não desanimasse após um terrível acidente. “Sempre fui uma criança muito ativa, arteira mesmo, dei bastante trabalho para meus pais, Maria José e Anísio. Adorava a rua, jogava bola, empinava pipa, andava de skate, coisas normais para um menino. Porém,
tínhamos uma brincadeira nada convencional e perigosa. Minha casa ficava a 30 metros da linha férrea. Era ouvir a sirene do trem para sair correndo e se pendurar na escada lateral dos vagões, com a composição em andamento. Fiz isso várias vezes até que numa delas não percebi a presença de uma árvore. Bati a cabeça, caí desmaiado, com o braço esquerdo estirado na linha férrea. Bastou a passagem de uma das rodas do trem para que meu braço fosse decepado na altura do ombro”, explica Cristiano. Foi socorrido por guardas portuários que o levaram ao hospital do Guarujá, que não tinha condições de atendê-lo. Por sorte, um estagiário de medicina da USP estava no local e conseguiu a sua transferência para o Hospital das Clínicas, na capital paulista. Mas, infelizmente, não havia mais como reimplantar o membro, que acabou contaminado por bactérias pela demora nos deslocamentos que teve naquele dia de março de 2004. Ali, entretanto, começava uma nova etapa de vida que Gabriel encarou com coragem. “Lembro que um mês depois eu voltei para a escola, não sabia como seria recepcionado, achei que meus amigos iam ficar me “zoando”. Mas nada, fui recebido de braços abertos, com muito carinho, algo emocionante que jamais esquecerei”.
“Gabriel Cristiano durante disputa do Circuito Loterias Caixa, em 2018”
“Gabriel praticando surf, uma de suas paixões. Ao lado, no Guarujá (SP), com os amigos Rudy, André e Pirata, que também praticam o surf adaptado”
Cristiano continuou com sua vida normal, brincando na rua e dando andamento nos estudos (tem o Ensino Médio completo e pretende fazer faculdade, só não sabe qual). Em 2010, passou a frequentar a escola de surf adaptado de Alcino Neto, surfista amputado da perna, conhecido no Guarujá por ensinar pessoas com deficiência a surfarem. Foi lá, nesse mesmo ano, que a ex-esposa de Alcino, Maria Gabriela, apresentou a natação para ele. “Ela me levou para o Vila Sousa, clube de natação convencional. Comecei a nadar os estilos livre, peito e borboleta, mas os nadadores lá não tinham deficiência alguma. Só em 2012 é que fui apresentado ao paradesporto por um fisioterapeuta do CPB, chamado Marquinhos. Continuei treinando no Vila Sousa, mas agora era filiado à Associação Paradesportiva da Baixada Santista, a APBS. Dessa forma, comecei a disputar os torneios de natação paralímpica a partir de 2013”, fala Gabriel. Dali em diante, com treinos fortes e muita dedicação, Cristiano começou a se destacar em competições e a diminuir seu tempo de forma assustadora, em todas as provas que competia. Só para que se tenha uma ideia dessa evolução, em 2013 nadava os 50 metros livre em 34 segundos. Quatro anos depois, em 2017, quebrou o recorde das Américas com o tempo de 27’06”, ou seja, sete segundos mais rápido! E numa prova curta! “Fui evoluindo com o passar dos anos. Fui convocado em 2016 para a paralimpíada do Rio, terminei em 10º lugar nos 50 metros livre, serviu como aprendizado, uma experiência fantástica!”. Desde 2017, Cristiano está vivendo em São Paulo, chamado pelo técnico da seleção Brasileira de Natação, Leonardo Tomasello. “Está sendo maravilhoso poder treinar no Centro Paralímpico, com outros atletas de alto rendimento. Pude comprovar minha melhora de desempenho em 2018, quando disputei etapas na Itália e Inglaterra, além de ter disputado o Pan-Pacífico na Austrália. Alcancei meus melhores tempos nos 100 metros livre (1’01”64) e 100 metros borboleta (1’04”37). Em 2019, terei duas competições importantíssimas, o Mundial da Malásia, em julho e, no mês seguinte, o Parapan de Lima (PER). Será um ano muito intenso, preparatório para as seletivas para Tóquio, que serão disputadas ano que vem.
“Maria Nubea lutando nos jogos Parapanamericanos, no Canadá, ano passado. Ela conquistou o ouro em sua categoria”
Estou focado nos meus objetivos, energia a mil. Treinando forte para fazer meus sonhos virarem realidade, quero uma medalha no Japão de qualquer jeito, seja no nado livre, seja no nado borboleta. Ou, quem sabe, nas duas categorias, seria a glória suprema!”. NOVO CAMINHO Maria Nubea dos Santos Lins, 29 anos, é uma das maiores promessas do judô paralímpico, ela tem baixa visão e compete na categoria até 57 quilos. Porém, curiosamente, a modalidade faz parte apenas dos últimos quatro anos de sua vida. Nascida com toxoplasmose congênita, no município de Italva, interior do Rio de Janeiro, sofreu com a deficiência visual nos primeiros anos de vida. “Eu tinha três anos quando comecei a frequentar a escola. Não enxergava o que a professora escrevia ou desenhava na lousa e tinha vergonha de expressar essa dificuldade. Chorava muito, não queria ir para as aulas”, explica Nubea. Seus pais, Edvaldo e Angela, só foram perceber o problema da filha quando ela tinha 5 anos. Vieram então para a capital fluminense em busca de informações e tratamentos. Foi quando indicaram para eles o IBC. “Ali eu comecei meu desenvolvimento normal, a adaptação foi muito boa. Completei o Ensino Fundamental no Instituto. Como a prática esportiva é incentivada e eu sempre gostei de esportes, acabei escolhendo a natação para treinar”. Não só treinar, mas também a competir na sua classe, a S13. Suas provas preferidas eram os 100 metros costa, 100 metros peito, 200 metros medley e 50 metros livre, ou seja, nadava os quatro estilos. Sua trajetória na natação foi rica, prata no Mundial Jovem nos 50 metros costa, e recordista brasileira nos 100 metros costa, 100 metros borboleta e 200 metros medley. “Nadei até os 21 anos, mas não consegui defender o Brasil numa paralimpíada. Dei uma parada nos esportes, por conta da faculdade. Com 24 anos, quando me formei em Administração de Empresas pela Unigranrio, decidi que queria ter um filho”, fala Nubea. Seu marido, Marcio, que ela conheceu nas rodas de amigos, é formado em educação física, acabou sendo seu treinador e preparador físico na natação. Apaixonaram-se e seguem a vida lado a lado há dez anos. Marcio é, inclusive, seu atual preparador físico. Com o nascimento do filho Nicolas, hoje com cinco anos, Nubea teve uma vontade enorme de se reinventar. “Resolvi que tudo ia ser diferente a partir dali. Acabei decidindo recomeçar no judô, mas com metas claras na minha cabeça. Queria ser convocada para a seleção brasileira e representar meu país numa paralimpíada. Dessa forma, procurei trabalhar com profissionais do mais alto gabarito”, conta. E assim foi feito! Nubea procurou o Instituto Reação, criado pelo medalhista olímpico Flávio Canto, com seu técnico e amigo Geraldo Bernardes, para promover o desenvolvimento humano e a inclusão social por meio do esporte e da Revista D+ número 25
NOSSA CAPA “Com o marido Marcio, que também é seu preparador físico, e o filho Nicolas, com 5 anos”
educação, fomentando o judô desde a iniciação esportiva até o alto rendimento, de forma gratuita. “Sou a única paratleta do Instituto, estou lá há quatro anos e meu desenvolvimento foi fantástico, porque treino com os melhores! Além do Flavio, existem outros judocas de ponta, como a Rafaela Silva, medalha de ouro no judô convencional no Rio. O progresso é constante”, explica. Nubea começou a participar de competições paralímpicas em 2016 e vem colecionando resultados impressionantes. Foi bicampeã brasileira, em 2016 e 2017. O primeiro título lhe valeu a convocação inédita para a seleção brasileira. Desde então, nunca mais deixou de ser convocada. No Mundial da categoria, disputado ano passado, ficou em 5º lugar, ajudando a equipe a trazer uma valiosa medalha de bronze por equipes. Ainda em 2018, foi campeã Parapanamericana, em torneio disputado no Canadá. Ela considera o ano de 2019 primordial para suas pretensões de estar em Tóquio. “Esse ano é foco total, de segunda a sexta faço treinos técnicos e táticos e três vezes por semana complemento esses treinos com aprimoramento físico. Teremos duas Copas do Mundo, no Azerbaijão e no Uzbequistão, uma em cada semestre, o Parapan de Lima em agosto, além das provas tradicionais do calendário e competições nacionais. Tenho que ir bem nesses torneios, porque apenas as nove primeiras colocadas do ranking mundial vão para o Japão. Se fosse hoje, estaria classificada, sou a 5ª colocada. Mas tenho convicção de que estarei lá, quero muito essa medalha. Para tanto, conto com apoio da minha família, marido, filho, pais e irmãos, além de toda a estrutura do Instituto Reação e do Comitê Paralímpico, quando treinamos em São Paulo. Tenho certeza que minha opção pelo judô foi acertada, mesmo com a desconfiança dos meus pais na época. Hoje eles estão muito contentes com o sucesso que venho obtendo, são grandes incentivadores e, se Deus quiser, vão comemorar comigo essa sonhada conquista paralímpica!”.
DOS 20 AOS 120 Mariana D’Andrea, 21 anos, nasceu em Itu, interior de São Paulo, com nanismo (ela mede 1,30 metro). Seus pais, Carmine e Cristina, têm estatura normal, mas é sabido que pessoas com altura padrão podem ter filhos anões e vice-versa. Frequentando a escola pública desde pequena, completou o Ensino Médio e diz que nunca foi vítima de preconceito. “Jamais sofri bullying, sempre tive muitas amizades e contei com o respeito de meus colegas e professores. Mesmo fora da escola, também tive uma convivência tranquila em sociedade”, diz Mariana, que pretende em um ou dois anos prestar vestibular para psicologia. Sua trajetória esportiva começou relativamente tarde. “Até o fim de 2014 eu não fiz nenhuma atividade esportiva. Porém, quis o destino que um tio meu fosse trabalhar numa academia do Valdecir Lopes, um dos técnicos da seleção brasileira de halterofilismo paralímpico. Valdecir faz as duas atividades em paralelo, comanda a academia e também o Centro de Treinamento do Halterofilismo que o CPB mantém aqui em Itu. Só que nessa época eu não sabia de nada disso. O fato é que eu estava passando em frente a academia com minha mãe e ele me convidou para entrar e conhecer a modalidade. Quando vi aquilo pela primeira vez, achei que não era para mim, que jamais conseguiria levantar um peso”, diz Mariana. Resistiu, disse que não gostava, mas todos insistiram, especialmente os pais, que viram ali uma possibilidade de ela iniciar alguma prática esportiva. “No início de 2015 comecei a frequentar os treinos, meio contrariada. Lembro que nem mesmo a barra, que pesa 20 quilos, eu conseguia levantar. Segui em frente meio obrigada até que o Valdecir resolveu me levar para ver um campeonato da categoria, no Recife (PE), em março. Vi um monte de gente igual a mim, percebi que aquele era meu mundo, passei a me dedicar e a gostar cada vez mais dos treinos. Comecei a disputar torneios na categoria júnior. Só que, como as medalhas nessa categoria são para pessoas entre 18 e 21 anos, eu participava, mas não ganhava medalha. Isso até 2016, quando completei 18 anos”. Nesse mesmo ano, começou a se destacar nas competições nacionais, batendo o recorde de suas adversárias constantemente. Isso acabou valendo um convite para participar da paralimpíada do Rio. “Essa foi a maior surpresa da minha vida, minha expectativa de ir para o Rio era zero, estava começando a disputar torneios. Foi uma experiência incrível, mas não fui bem. Nervosa, nunca havia disputado uma competição internacional, acabei queimando minhas três tentativas e fui desclassificada. Mas isso não me abateu, muito pelo contrário, serviu como incentivo para que meus resultados melhorassem progressivamente”. Em 2017, na Hungria, em sua primeira experiência internacional depois do Rio, ganhou o ouro na categoria júnior e a prata na categoria adulto. No Mundial da modalidade, disputado no México, não foi bem, mas tudo ia servindo como experiência e base de referência de resultados, já que estava
“Mariana D’Andrea durante a disputa da paralimpíada do Rio, em 2016. Ela acabou queimando suas tentativas, mas adquiriu enorme experiência na competição”
competindo entre as melhores. Nas competições nacionais, seu domínio era absoluto, como é até hoje. Mas foi em 2018 que Mariana arrebentou! Venceu simplesmente todas as competições que disputou, com destaque para o campeonato Europeu, na França, onde ganhou nas categorias júnior e adulto. Foi no ano passado que ela estabeleceu sua melhor marca em competições: 116 quilos, que é recorde mundial júnior, brasileiro e das Américas em sua categoria, até 67 quilos. Mas em treinos já chegou a levantar 125 quilos (o recorde mundial absoluto é de 140 quilos). Em 2019, tem competições internacionais importantíssimas, entre elas a Copa do Mundo em Dubai (fevereiro), o Campeonato Mundial no Cazaquistão (junho) e o Parapan de Lima (agosto). “Para que eu vá a Tóquio, preciso estar entre as oito melhores colocadas do ranking mundial. Atualmente sou a 4ª, mas não tenho nada garantido, preciso ir bem nessas competições que se aproximam. Para tanto, estou treinando cinco vezes por semana, sendo que nas terças e nas quintas tenho jornada dupla, em que, além dos treinamentos técnicos, faço sessões de musculação intensas. Estou me esforçando ao máximo e contando com o apoio todos à minha volta para ir a Tóquio, esse é meu sonho maior. A medalha será consequência do meu trabalho”.
“COMECEI A DISPUTAR TORNEIOS NA CATEGORIA JÚNIOR. SÓ QUE, COMO AS MEDALHAS NESSA CATEGORIA SÃO PARA PESSOAS ENTRE 18 E 21 ANOS, EU PARTICIPAVA, MAS NÃO GANHAVA MEDALHA. ISSO ATÉ 2016, QUANDO COMPLETEI 18 ANOS”. MARIANA D’ANDREA EXPECTATIVAS A MIL Millena França dos Santos, 22 anos, a maior promessa de medalha brasileira no tênis de mesa para 2020, mora em Goiânia (GO) desde seus primeiros dias de vida. Seus pais, Helena e Milton, já sabiam durante a gravidez que a filha tinha um encurtamento no fêmur da perna esquerda. O fato de ter uma perna mais curta que a outra não trouxe grandes complicações durante sua infância. “Lembro de uma brincadeira de mau gosto ou outra na escola, mas quando ocorria, os professores me defendiam, evitavam consequências maiores. No âmbito familiar, sempre tive o carinho de todos. Aos sete anos fiz uma cirurgia de alongamento, que diminui um pouco a diferença entre as pernas”, diz França, que estudou em escolas públicas até se formar no Ensino Fundamental. No Ensino Médio, sua mãe conseguiu uma bolsa integral numa escola adventista. Ligada nos estudos e no seu futuro, ela se formou em educação física no ano passado, na Universidade Estadual de Goiás. Mas já começou outro curso superior, de psicologia, também com bolsa integral, na Universidade Estácio de Sá. “Me preocupo com meu futuro, sei que a carreira de atleta é curta. E não quero depender de ninguém, meu espelho é minha mãe. Meus pais se separaram quando eu tinha 13 anos, meu pai praticamente desapareceu, foi ela quem cuidou de mim e de minha irmã mais nova, Mirelle. Mas se Deus fecha uma porta, abre outra, ela se casou novamente e meu padrasto, José Moraes, considero a melhor pessoa do mundo!”. Nos esportes, Millena começou aos 11 anos. Ela frequentava um hospital de Goiânia, estava na fase final das sessões de fisioterapia. Sua fisioterapeuta, sabendo que era necessária uma prática esportiva para seu desenvolvimento, indicou para ela o tênis em cadeira de rodas. Dessa forma, uma vez por semana ela começou a ir ao Clube de Engenharia de Goiás, onde passou a treinar a modalidade e a defender a Associação Paralímpica do Futuro. Aos 13 anos, disputou seu primeiro campeonato, as paralimpíadas escolares, e foi muito bem, conquistando a 2ª colocação. Isso fez com que todos vissem nela um grande potencial. Revista D+ número 25
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Passou a treinar duas vezes por semana e a obter bons resultados. Em 2013, no Parapan de Jovens, na Argentina, foi vice-campeã individual e em duplas mistas. Lembra com carinho da Copa Guga Kuerten, onde conheceu o ídolo Guga e também da vitória na Copa Uberlândia (MG). Em 2014, quando tinha 17 anos, foi apresentada ao tênis de mesa” Comecei a praticar no Sesc/Senac de Goiânia, em paralelo ao tênis em cadeira de rodas. O fato é que o tempo foi passando e eu não só cada vez mais gostava do esporte, como vislumbrei maiores possibilidades de crescimento e de conseguir o auxílio da bolsa-atleta”. Sendo mais acessível que o tênis em cadeira de rodas, Millena começou a praticar o tênis de mesa todos os dias. Quando dois campeonatos brasileiros, um de tênis de mesa e outro do tênis em cadeira de rodas, aconteceriam simultaneamente, ela teve que se decidir definitivamente por um deles. Dessa forma, o tênis em cadeira de rodas tornou-se passado. E o tempo mostrou que sua escolha foi acertada. Treinada por Lincoln Lacerda, passou a disputar e ganhar tudo na sua categoria, a Classe sete. Destaque para os campeonatos brasileiros disputados entre 2015 e 2018. Ela ganhou simplesmente todos, nem se lembra qual foi a última vez que perdeu de uma mesatenista brasileira. “Não participei da paralimpíada do Rio porque fui reclassificada em 2015, para a Classe 8, onde as atletas têm menor grau de comprometimento. Nesse mesmo ano aconteceu uma seletiva para o Parapan de Toronto, que daria vaga para o Rio. Na nova classe fiquei em terceiro lugar e acabei não indo a Toronto. Mas no final de 2015 corrigiram o erro e voltei à Classe sete. Agora a minha expectativa é para o Parapan de Lima (PER), lá é que vou tentar a vaga para Tóquio. Mas ainda aguardo confirmação do CPB, já que iriam 12 atletas, agora só vão nove. Espero sinceramente estar na equipe, conquistei essa vaga no Parapan com muito suor. Minha preparação e meu calendário para 2019 dependem dessa confirmação, que deve vir em fevereiro. Mas estou confiante, pensamento positivo. Tenho fé que estarei em Tóquio, defendendo meu país, meu sonho maior”, diz Millena, que é a atual 13ª colocada do ranking mundial da modalidade. RECORDE MUNDIAL Março de 2018. A competição em questão era na capital paulista, o famoso “Desafio de Atletismo”, realizado entre atletas paralímpicos e do chamado atletismo convencional. O tempo estava nublado, meio chuvoso, a pista úmida. Vinicius Gonçalves Rodrigues se concentra para a largada dos 100 metros rasos, o tiro de largada é disparado. Na chegada, o placar mostrava o tempo do atleta: 11’99”. A marca impressionante fazia de Rodrigues recordista mundial na classe T63, destinada a amputados de membro inferior, e
o primeiro atleta fazer em menos de 12 segundos. “Foi uma sensação indescritível a que senti no momento, parecia um sonho. E olha que tive duas falhas técnicas, não me saí tão bem e a chegada não foi a ideal”, fala Vinicius. O acontecido só fez aumentar ainda mais a vontade do atleta de defender o Brasil em Tóquio, como querendo apagar algumas frustrações que teve, especialmente em 2016, ano da paralimpíada do Rio. Para entender melhor, vamos conhecer desde o início a trajetória do atleta, hoje com 23 anos, que começa na cidade de Primavera, no interior de São Paulo. Lá viveu seus primeiros cinco anos de vida. Depois, mais cinco no município de Iepê, também no interior paulista. Com dez, foi com a mãe Luziane e a irmã Livia para Maringá, no Paraná. “Tive uma infância normal, como de qualquer outra criança, tinha amigos, brincava na rua, adorava jogar bola e, claro, ia para a escola, apesar de não gostar muito de estudar (risos)”. Concluído o Ensino Médio, resolveu pôr em prática um sonho que alimentava havia muito tempo: ser policial militar. “Acho as profissões de médico, professor e de policial as mais nobres que existem, simplesmente não
“Millena durante disputa em Brasília, em 2017. São quatro campeonatos brasileiros consecutivos, entre 2015 e 2018”
“Millena com a irmã Mirelle (esquerda) e a mãe Helena. E durante as paralimpíadas escolares, em 2013, quando ainda praticava o tênis em cadeira de rodas”
“Vinícius em três momentos: treinando sua largada; com a mãe Luziane; e a filha Ana Luisa, seu maior amor”
há sociedade sem elas. Depois que vi o filme Tropa de Elite, aí que a vontade cresceu de vez”, diz ele, que, com o tempo, percebeu que marketing era sua verdadeira vocação e que pretende cursar num futuro próximo. Aos 18 fez exército, já pensando na carreira de policial, sabia que teria que ter um excelente preparo físico para ser aprovado no concurso que se aproximava. Quando tinha 19 anos, o acidente de moto e a amputação da perna esquerda acima do joelho. “Os três primeiros dias depois do acidente foram terríveis, me vi sem chão. Foi quando, ainda no hospital, recebi a visita da Terezinha Guilhermino (velocista cega, multicampeã paralímpica, um dos maiores nomes do paratletismo brasileiro e mundial). Tínhamos amigos em comum, ela soube do acontecido e resolveu me dar uma força, me presenteou com o uniforme que tinha competido em Pequim (2008). Aquilo foi decisivo para mim, as esperanças voltaram com tudo!”. Em março de 2014 veio a São Paulo para fazer o exame físico para ser PM. “O processo do concurso estava praticamente no fim, então resolvi fazer o teste físico mesmo amputado. Não deu certo por conta da corrida que não consegui realizar, o que viria a ser uma ironia na minha vida... mas não desanimei, a visita da Terezinha já tinha plantado na minha cabeça a vontade de ser atleta paralímpico, sempre amei esportes”. Se Terezinha ele considera sua “madrinha”, o alemão Heinrich Popow, medalhista de ouro na sua categoria em Londres (2012), seria seu “padrinho”. “Ele ficou um mês aqui no Brasil, fui aprendendo com ele o que teria que fazer para conseguir um bom resultado numa pista de atletismo”. Popow, entretanto, não foi o único a colaborar nesse sentido com Rodrigues. Desde 2015 ele é treinado por Amaury Veríssimo, um dos técnicos da seleção brasileira
“TENHO CERTEZA QUE ESTAREI EM TÓQUIO E, SINCERAMENTE FALANDO, FICAREI DECEPCIONADO SE NÃO TROUXER O OURO. NÃO ME INTERESSA OUTRA COLOCAÇÃO QUE NÃO A PRIMEIRA”. VINICIUS GONÇALVES RODRIGUES de paratletismo. “Amaury me ensinou toda a parte técnica, além de ser o responsável pela programação de treinos e competições, visando ao chamado “pico de performance” nos torneios”. Os anos de 2016 e 2017 foram de alegrias e decepções. “Em 2016, na véspera da última seletiva para a paralimpíada do Rio, nasceu minha filha Ana Luisa, a maior alegria da minha vida. Porém, não me classifiquei por dois décimos. A mesma situação ocorreu no Mundial de Londres (ING), em 2017, não me classifiquei por dois décimos novamente”. Entretanto, 2018 foi o ano da virada definitiva! Além do recorde mundial, ganhou os Opens de Paris (FRA) e Berlim (ALE) e todas as provas, nacionais e internacionais, disputadas em solo brasileiro, encerrando o ano na primeira colocação do ranking mundial! Treinando seis vezes por semana, seis horas por dia, contando com uma equipe multidisciplinar completa e a tecnologia de ponta da Ottobock (empresa alemã com sede no Brasil desde 1975) nas Revista D+ número 25
NOSSA CAPA
“ALÉM DO MUNDIAL, TENHO QUE IR BEM NOS OUTROS TORNEIOS PARA AO MENOS MANTER MINHA POSIÇÃO NO RANKING MUNDIAL, ATUALMENTE SOU O 5º COLOCADO NA MINHA CATEGORIA E SOMENTE SEIS IRÃO A TÓQUIO. VITOR GONÇALVES TAVARES
“Vitor, durante embarque para a Espanha, em 2017, na sua primeira viagem internacional. Abaixo, com os pais José Américo e Olivia e a irmã Maria Alice”
próteses de competição, ele sonha com o ouro paralímpico. “Quero apagar as decepções que tive, especialmente em 2016 quando a festa era no quintal da minha casa e não pude participar. Estou focado demais, 2019 terei três competições internacionais importantes, o Open do Brasil em abril, que dará vaga para o Parapan, e o Mundial, em agosto e novembro, respectivamente. Tenho certeza que estarei em Tóquio e, sinceramente falando, ficarei decepcionado se não trouxer o ouro. Não me interessa outra colocação que não a primeira”. PAIXÃO À SEGUNDA VISTA Vitor Gonçalves Tavares, 19 anos, reina absoluto em competições nacionais de parabadminton, desde 2017, quando disputou seu primeiro campeonato nacional. “A modalidade é pouco conhecida no Brasil, jogamos com equipamentos iguais ao do badminton convencional, raquetes e uma peteca. A rede, de 1,55 metro de altura, separa a quadra. Em algumas categorias paralímpicas, as medidas da quadra e da rede mudam, mas na minha (Vitor é da classe SS6, para pessoas com baixa estatura) é como se eu jogasse o badminton mesmo. Tive a sorte de conhecer o esporte na escola pública que frequentava em Curitiba (PR), minha cidade natal. Uma colega de classe jogava, mas eu quase não tinha ideia de como era o jogo”, explica Tavares, que sempre gostou de esportes. Nascido com hipocondroplasia, uma forma mais amena de nanismo (Vitor mede 1,40 metro), leva vida normal, desde sempre. “Nunca me importei com minha estatura, até mesmo os olhares desconfiados eu encaro na boa. Comecei na prática esportiva como a maioria dos brasileiros, jogava futsal, adoro futebol! Essa fase foi até meus 12 anos, quando resolvi praticar mountain bike, que alia o desafio do esporte em si, com as belas paisagens naturais com que temos contato. Mas encarava as atividades esportivas como lazer, nunca fui atleta de competição, alta performance. Importante dizer que meus pais, José Américo e Olívia, sempre me
apoiaram em todas as decisões que tomei na vida, incluindo a opção pelo parabadminton”, fala Vitor, que completou o Ensino Médio e pretende cursar educação física e fisioterapia num futuro próximo. Foi justamente um ano antes de completar o Ensino Médio que ele começou na modalidade. “A escola que eu estudava oferecia treinos depois do horário das aulas. O técnico na época, Vladimir Rodrigues, me chamou para participar. Para ser sincero, não gostei muito quando experimentei as primeiras vezes. Mas o gosto foi crescendo, fui me envolvendo cada vez mais com tudo aquilo e acabei me apaixonando. Posso dizer que foi paixão à segunda vista (risos)”. Em março de 2017, na primeira competição, o campeonato nacional de parabadminton, seu resultado foi surpreendente, conquistou dois ouros, um individual, outro em dupla. Dali em diante, a paixão só fez aumentar. E os ótimos resultados não pararam mais. Em setembro do mesmo ano, mais dois títulos nacionais, novamente em simples e duplas. Na última etapa do brasileiro, em dezembro, conquistou mais uma vez dois ouros. Em março de 2018, fez sua primeira viagem internacional,
para defender o Brasil num torneio na Espanha. Não foi bem, mas adquiriu grande experiência com a oportunidade. Em agosto, em torneio internacional realizado em São Paulo, superou-se e ganhou três medalhas de ouro, em simples, duplas e duplas mistas! “Repeti o resultado no Panamericano da categoria, disputado em novembro, em Lima (PER), conquistei três ouros novamente. Considero esse o meu resultado mais expressivo, pela qualidade dos atletas que lá estavam”. Em 2019, o grande desafio será o Campeonato Mundial da categoria, a ser disputado em julho, na Suíça. “Meu atual treinador, Ítalo Hauer, está montando toda a programação de treinos e competições para esse ano, que é por demais importante. Além do Mundial, tenho que ir bem nos outros torneios para ao menos manter minha posição no ranking mundial, atualmente sou o 5º colocado na minha categoria e somente seis irão a Tóquio. Para tanto, estou treinando
cinco vezes por semana, três horas por dia. Os treinos são físicos e técnicos, muito intensos, não tem outro jeito. A dedicação tem que ser total nessa reta final, já visando à vaga na paralimpíada”, comenta Vitor. Em 2020, terá três competições importantíssimas, uma no Brasil, e outras duas no exterior, uma no Peru e outra na Espanha. “Temos que saber lidar com a pressão do resultado. O raciocínio é simples, se eu não for bem nos torneios, incluindo o circuito nacional, não irei a Tóquio. Preciso me manter entre os seis primeiros do ranking e todos os torneios que participo contam pontos. Mas a vida de quem pratica esporte de alto rendimento e quer obter bons resultados é assim mesmo. Muita dedicação e cabeça boa para suportar a pressão, que é enorme. E, claro, trabalho em equipe. Ninguém conquista nada sozinho e conto com apoio de ótimos profissionais e da família nessa caminhada ao tão desejado ouro paralímpico”. D+
CURIOSIDADES • A evolução do atletismo brasileiro é impressionante. De Sydney 2000 até Rio 2016, as conquistas praticamente quadruplicaram. Em Sydney foram nove pódios; em Atenas, 16; em Pequim, 15;e em Londres, 18. No Rio, foram 8 ouros, 14 pratas e 11 bronzes, totalizando 33 pódios! • A entidade que administra o parataekwondo é a WTF (Federação Mundial de Taekwondo, em inglês. Aqui no Brasil é a CBTKD (Confederação Brasileira de Taekwondo). A modalidade é disputada por atletas com deficiência visual, intelectual, física, baixa estatura e surdos. Porém, somente a deficiência física faz parte dos jogos paralímpicos. • Atletas que usam prótese não podem se utilizar dela durante as competições de natação. Nas disputas entre atletas com deficiência visual, é permitida a presença do chamado “tapper”. São técnicos ou voluntários que se posicionam nas extremidades da piscina, com um bastão revestido de espuma, para alertar os nadadores da proximidade da virada ou da chegada. • Uma equipe de goalball é formada por três atletas, alas direita e esquerda e o chamado pivô. Todos os jogadores, independentemente do grau de deficiência visual, jogam de venda. • O judô é uma modalidade paralímpica destinada apenas a pessoas com deficiência visual ou cegas. A
diferença para o judô tradicional é apenas no início e reinício das lutas, onde os atletas já começam agarrados um ao kimono do outro. Ou seja, não há a disputa pela “pegada”, que marca as lutas entre videntes. • No halterofilismo paralímpico o atleta tem três tentativas para levantar determinado peso. O movimento tem que ser considerado válido por pelo menos dois dos três juízes, que podem levantar a bandeira branca (movimento válido), ou a vermelha (movimento inválido). • O tênis de mesa já estava presente na primeira edição dos Jogos Paralímpicos, em 1960, Roma (ITA). Atletas de todas as deficiências – exceto os deficientes visuais – competem em diversas classes, em pé ou sentados. Homens e mulheres competem individualmente, em duplas, e também em times. O jogo tem cinco sets com 11 pontos cada. Vence o jogador ou dupla que ganhar três dos cinco sets. • As regras do parabadminton são as mesmas do badminton convencional, regidas pela Federação Mundial de Badminton. As principais adaptações estão relacionadas às categorias (seis no total), nivelando os atletas de acordo com sua deficiência; à quadra, com diminuição da área de jogo quando necessário; e equipamentos adicionais, como cadeira de rodas específica para a modalidade, muletas e próteses.
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NOSSA CAPA EDUCAÇÃO
“Post-its podem ser uma ferramenta a ser usada na organização de estudo ou trabalho. Abaixo, à esquerda, a capa do livro de Margarete. Ao lado, o psiquiatra Ênio Andrade atendendo uma criança com TDAH. Quanto mais cedo o tratamento for iniciado, maiores são as chances de sucesso”
Uma vida melhor
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade é doença e não tem cura, mas é possível controlá-lo e viver bem texto Cármen Guaresemin fotos divulgação
M
uitas pessoas até hoje não aceitam que o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é uma doença. Acreditam que seja apenas uma característica, e isso pode atrapalhar ou até mesmo inviabilizar o tratamento. Claro que qualquer um pode apresentar características como distração, esquecimento e impulsividade. Porém, em quem tem TDAH, esses sinais surgem juntos e de forma mais intensa e frequente, prejudicando muito a vida daquele indivíduo. TDAH é um transtorno neurobiológico que costuma surgir na infância, mas que acompanha a pessoa por toda a vida. Ele se caracteriza pela combinação de alguns sintomas como desatenção, falta de concentração, esquecimento, inquietude motora e impulsividade, entre outros. Como não tem cura, é necessário um tratamento multidisciplinar para controlá-lo e, assim, ter uma qualidade de vida satisfatória. Para o psiquiatra Ênio Roberto de Andrade, diretor do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, não é uma surpresa que algumas pessoas não encaram o TDAH como doença: “Ninguém gosta de ter uma doença mental, não é mesmo?”. Andrade conta que, como a maioria das doenças psiquiátricas, o TDAH tem uma carga genética e outra ambiental. “Tecnicamente, a herdabilidade é de 70%. Isso significa que filhos de pais com o problema têm mais chances de ter a doença, mas não obrigatoriamente”. Outra característica do transtorno é atingir mais meninos: “Acredito que seja por causa do cromossomo Y, pois eles têm um X e um Y, enquanto as meninas têm dois XX. Já na adolescência, doenças mentais costumam ficar mais graves nas garotas. Por isso, acreditamos que há um fator hormonal atuando”, fala o médico. Já para Cezar Henrique de Azevedo Melo, psicólogo clínico na Unidade da Medicina Preventina da HapVida, em Maceió (AL), pós-graduado em Psicopedagogia pela Universidade Católica Dom Bosco de Mato Grosso, a hipótese é a de que, por eles serem mais hiperativos, enquanto as meninas são mais desatentas, os pais levem mais os meninos ao médico. Algo que ele frisa é que já foi mostrado que mulheres que fumaram na gravidez têm mais chances de ter filhos com a doença.
PERALTICE OU TDAH? Mas como distinguir uma criança “peralta” de uma com TDAH? “Se a criança for mal na escola, se não se relacionar bem com outras crianças, se for impulsiva, se os pais tiverem dificuldades para educá-la, se ela se machucar com frequência, são sinais a serem investigados”, alerta Andrade. O transtorno tem três níveis: Leve, se apresentar seis sintomas do critério de desatenção ou seis do critério de hiperatividade e impulsividade. Moderado, se apresentar uma combinação dos sintomas de cada critério. Ou grave, quando apresenta mais de seis sintomas de cada critério. “Se os pais dizem que a criança só mostra problemas em casa ou só na escola, por exemplo, não caracteriza o TDAH. Ela tem de apresentar em todas as situações”, afirma Melo. “Se ela precisa levantar para ir à escola, mas procrastina, pode não ser preguiça, como muitos pensam. Se demora em se trocar, tomar café, pegar cadernos e perde a perua escolar, pode ser um sinal”, adverte o psicólogo. O tratamento do TDAH é multidisciplinar, ou seja, envolve médico, psicólogo, fonoaudiólogo, professores, pedagogos etc. E quando chegam ao consultório, costumam fazer queixas comuns: “Acho que sou burro e não consigo acompanhar as aulas, são queixas comuns entre crianças. Já os adultos dizem que se sentem inseguros e não é raro usarem drogas e álcool sem perceberem que isso é uma forma de se ‘automedicar’”, afirma o psiquiatra. Infelizmente, muitos só percebem que têm a doença na fase adulta. E pesquisas já apontaram que adultos com o problema acabam prejudicados profissionalmente, pois não conseguem avançar na carreira ou competir com os colegas de igual para igual: “É frequente receber adultos no meu consultório particular com TDAH. Alguns já formados, mas com dificuldades profissionais”, diz Andrade. Melo também atende muitos adultos com o problema: “Eles contam que o empregador reclama que não consegue fazer as tarefas, terminar um trabalho. Dizem que na infância, na escola, não era respeitado e não entendia o que se passava consigo”. Quanto às crianças, diz que reclamam não conseguirem aprender e nem prestar atenção na aula, se comparam com os amigos e se sentem menores que os outros. Ou seja, todos chegam com a autoestima muito baixa. Revista D+ número 25
EDUCAÇÃO
“Margarete Chinaglia, autora do livro que traz o TDAH sob a sua ótica: a de uma mãe que tem um filho com a doença”
Como TDAH não tem cura, quem tem o distúrbio precisa manter o tratamento a vida toda. E se medicar é parte importante do processo. “A ideia é nunca parar, pode ser que a pessoa nunca fique 100%, mas, com certeza, ela terá uma melhor qualidade de vida”, finaliza o psiquiatra.
“O psicólogo Cezar Melo, da Hapvida”
LIVRO CONTA DESAFIOS Margarete Chinaglia descobriu que sua filha, hoje com 27 anos, tinha TDAH aos nove. A família buscou apoio em médicos, psicólogos, psicopedagogos e em parentes. Mas ninguém conseguiu diminuir as angústias e medos que sentia. “Desde o diagnóstico, minha vida foi obter conhecimento, estudar e aprender a lidar com o diferente, para ajudar minha filha com um único objetivo: que ela fosse feliz”. A vivência a incentivou a escrever o livro “Transtorno do Déficit de Atenção – TDAH: sob o ponto de vista de uma mãe”, com o propósito de ajudar outras pessoas que vivem o mesmo drama. O primeiro desafio foi a aceitação do desconhecido, pois na época pouco se sabia sobre o transtorno. Já na adolescência, precisou enfrentar uma escola despreparada para receber crianças com esse tipo de transtorno. Teve de lidar ainda com a depressão de sua filha pela baixa autoestima e o isolamento. Margarete aconselha os pais a sempre buscarem diferentes opiniões médicas, para tentar ajudar os filhos, com paciência e persistência. “Quem tem TDAH não aprende com os seus erros. Porém, uma hora amadurece. Incentive e elogie quando merecer. Não se atenha só nas críticas, elas destroem a autoestima”.
era muito resistente, não queria que eu fizesse terapia, falava para me colocarem no judô. Minha mãe que insistiu, e ela estava certa. Não sei como minha vida seria hoje sem a insistência dela”. Ele comenta que sofria bullying, mas que não aceitava provocações: “O problema é que não conseguia me concentrar, me desconectava, minha mente voava e eu acabava atrapalhando os demais. Era uma bagunça, mas, com o tempo, foi diminuindo”. Entre os sete e os nove anos, começou a fazer um ritual japonês, a Cerimônia do Chá, que tem influencia do zen budismo e do taoísmo. Ela demanda muita concentração nos movimentos, gestos e posturas, como um tipo de meditação em movimento: “Esse ritual me ajudou muito, porque exige que você fique muito concentrado”. Ele comenta que tomou Ritalina aos 17 anos, medicamento considerado controverso pelos médicos, mas que fez muito mal: “Fiquei deprimido e foi bem na época em que tive meu primeiro namorado. Era como se o interruptor estivesse ligado, mas a luz, apagada. Péssima experiência”. Hoje, toma oxalato de escitalopram, que ajuda muito em termos de concentração. Danillo está na segunda faculdade, mas sempre teve muita dificuldade com matemática. Fez dois anos de Ciência da Computação, mas não era o que esperava. Trancou a faculdade e agora estuda Análise de Sistemas. Apesar de lidar bem com o transtorno, confessa que não comenta com muita gente que tem TDAH: “Ainda há muita discriminação. Melhor que não me coloquem rótulos. Para mim, é uma característica extra. Tenho, vou ficar triste? Não vou!”, finaliza.
CERIMÔNIA DO CHÁ A mãe de Danillo de Faria, a jornalista Ida Nuñez, descobriu que o filho tinha TDAH quando ele começou a frequentar uma escolinha, aos oito meses. A psicóloga do local a chamou para comentar que o menino era muito agitado, não deixava os demais quietos e que achava que ele tinha o transtorno. Diagnóstico que logo se confirmaria. Danillo passou então a estudar em escolas especiais. “Mas a maioria dos professores era despreparada. Eu levava livros sobre o tema e grifava as partes mais importantes, mas mesmo assim, não entendiam”, conta Ida. “Eu me lembro que desde os quatro anos ia à psicóloga, e depois na fonoaudióloga, que me ajudou com a organização mental”, afirma Danillo, hoje com 24 anos. “Meu pai
APRENDIZADO EM EXCESSO S.C. tem 39 anos e é gerente de marketing. Ela não quer seu nome publicado porque ainda sofre muito preconceito das pessoas em relação à doença. Conta que ninguém notou seu problema na infância, mas que já apresentava algumas características. “Por exemplo, eu lia mais livros que o restante das crianças; sempre fui muito ‘prodígio’ em certas atividades, como balé e tudo o mais que me propunha a fazer. Mas sempre tinha de me isolar para conseguir ter foco. Adulta, percebi que tudo estava muito difícil e confuso. E por conta de outro problema (transtorno bipolar tipo 2), também fui diagnosticada com TDAH”, conta. A parte difícil é fazer várias coisas ao mesmo tempo ou lidar com temas cotidianos. Ela acaba esquecendo até as
”Danillo de Faria: medicação equivocada quando era adolescente lhe causou depressão”
mais rotineiras, mas conta com o tratamento para ajudá-la: “Tomo uma medicação própria para TDAH diariamente. É incrível como ajuda, mas, mesmo assim, não faz milagres. Continuo perdendo ou esquecendo o carro nos estacionamentos de shopping. Tenho alguns problemas com horários, e tarefas muito simples são demasiadamente difíceis de concluir. Não faço terapia, mas me trato para o transtorno bipolar também. Então, posso dizer que os remédios me ajudam a ter uma vida normal e a entender essa ‘facilidade’ monstruosa que tenho em aprender coisas novas”. Ela fala dois idiomas fluentes sem nunca ter estudado em uma escola. Passou em um concurso concorrido, lê muitos livros ao mesmo tempo e rapidamente. “Atrapalho-me profundamente, mas me dei conta que posso tirar proveito daquilo que outras pessoas não têm: a facilidade de aprendizado. Então, foco nisso, e para as pequenas atrapalhadas cotidianas eu deixo de dar muita atenção”. Como na maioria dos casos, o TDAH atrapalha a carreira de S.C. Ela confessa que sempre está com trabalhos atrasados e tarefas esquecidas. O que a ajuda é anotar tudo que precisa fazer. “Diria que dependendo da profissão, você precisa ter um retrabalho e checar tudo a todo instante, para não virar uma ‘bola da bagunça’. Como o cérebro de quem tem TDAH é naturalmente desorganizado, para melhorar, precisamos fazer coisas que o ajudem a se organizar, como ter rotina, listas de tarefas, horários certos”, ensina. CONHECIMENTO PROFISSIONAL Milene Nurbegovic tem 41 anos, é professora, psicóloga e psicopedagoga, e sempre trabalhou com educação. “Pela minha prática em sala de aula com crianças e pré-adolescentes, do conhecimento adquirido e por ter uma filha mais velha, cedo percebi sintomas de desatenção do meu filho. Ele tinha quatro anos e entrava de forma mais intensa na Educação Infantil. Entretanto, exatamente pelo meu trabalho, a família e meu marido resistiam às minhas observações, pois diziam que eu era “exagerada”, via coisas onde não existiam, e assim por diante”, diz Milene. O diagnóstico clínico veio de um neuropediatra quando ele tinha por volta de sete anos, confirmando as suspeitas. “Hoje, ele está com 15 anos e atravessou diferentes períodos de queixa. Desde baixa autoestima, por causa de dificuldades escolares, por sentir-se diferente dos outros, por
“Milene Nurbegovic, psicopedagoga, percebeu os sintomas de TDAH no filho quando ele tinha quatro anos”
questionar o uso da medicação e até por ter que frequentar o médico ou terapeuta, com uma frequência maior que a desejada. Atualmente, consegue entender a necessidade dos ajustes pedagógicos e da medicação, por isso, e também por estar mais amadurecido emocionalmente, lida bem com a situação. Já fez terapia, mas no momento, por opção própria e por estar bem, faz apenas eventualmente”. Milene diz que o filho consegue acompanhar os colegas na vida escolar, com desempenho dentro da média. “Porém, é importante mencionar que isso se dá porque a escola flexibiliza as práticas pedagógicas, de acordo com as necessidades, e ele também mantém uma rotina de estudo constante. Por ser psicóloga e professora, a elucidação da situação foi maior. Porém, o papel de mãe é diferente do da profissional. Por isso, momentos de dúvidas e ansiedades por ele também me permeiam. Meu conselho aos pais é primeiro buscar o diagnóstico correto e seguir, com confiança, o tratamento proposto. E, além de acreditar na conduta profissional, observar o filho. Os pais são os maiores termômetros se algo não caminha bem. Buscar ajuda e parceria na escola faz bastante diferença no progresso da criança e do adolescente. Alinhado a tudo isso, é preciso desmistificar o fantasma do desconhecido. TDAH é um transtorno fácil de lidar, que não incapacita ninguém de ter sucesso pessoal. Basta aceitar a condição e otimizar os caminhos quando necessário”. D+
SERVIÇO ABDA - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DO DÉFICIT DE ATENÇÃO – Site: https://tdah.org.br Ipq HCFMUSP – Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP - Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 785 – São Paulo-SP – Site: http://ipqhc.org.br/fale-conosco/contatos/ IPPMG/UFRJ – INSTITUTO DE PUERICULTURA E PEDIATRIA MARTAGÃO GESTEIRA – Universidade Federal do Rio de Janeiro - Rua Bruno Lobo, 50 Cidade Universitária, Rio de Janeiro-RJ – Site: http:// www.ippmg.ufrj.br
Revista D+ número 25
UNIVERSO CULTURAL
Reggae para todas as tribos
Com mais de 30 anos de carreira, a Tribo de Jah comenta a trajetória precursora do gênero musical no Brasil, a superação da deficiência e os futuros projetos da banda texto Mônica Mantecón fotos divulgação
Í
cone do reggae nacional, a banda Tribo de Jah completa 33 anos de estrada em 2019, levando na bagagem grandes shows nacionais e internacionais. Formado em 1986, o grupo atualmente composto por Fauzi Beydoun (vocal, guitarra e composição, sendo o único artista sem deficiência), Pedro Beydoun (guitarra e voz), Netto Enes (guitarra), Aquiles Rabelo (baixo), João Rodrigues (bateria) e Bives (teclado) é um dos precursores do gênero no Brasil, levando mensagens de cunho social, político e espiritual sem fugir do estilo raiz. A história da banda começou na Escola de Cegos do Maranhão, onde os quatro músicos com deficiência visual e um com visão parcial começaram a desenvolver o gosto pela música. Depois de muitos acordes, passaram a realizar shows nos bailes populares da cidade de São Luiz (MA), fazendo covers de seresta, reggae e lambada. Até que um dia, o radialista Fauzi Beydoun conheceu os amigos em uma loja de instrumentos musicais e fundou a Tribo de Jah, que fez enorme sucesso no Estado, para depois se expandir pelo país. “O reggae cresceu muito como cultura musical no Brasil. Claro que com características diferentes em cada região. No Maranhão, o gênero é ainda cultura de massa e tem toda uma identidade muito diferenciada. O Pará, por sua vez, tem uma cena muito consistente e segue em menor escala nesse mesmo padrão. No Ceará, bandas locais acabam tendo o protagonismo. No Sul e no Sudeste há um contexto mais focado nas bandas nacionais e nos artistas de fora que vêm eventualmente. No geral, temos uma cultura reggae bem difundida, cenário bem diferente do que a Tribo encontrou no início da carreira quando muita gente nem sabia o queria dizer a palavra reggae”, explica o vocalista Fauzi Beydoun.
Com referências de variados estilos musicais, todos os integrantes começaram a carreira em bandas de baile, tocando sucessos da época dos anos 80, como pop, dance, samba, lambada e especialmente o reggae, que era obrigatório no Maranhão, conhecido como ‘a Jamaica Brasileira’. Mas, cada um tem suas especificidades, diz Beydoun: “O guitarrista, Neto, sempre teve uma veia mais rock’n roll, o Joãozinho, baterista, sempre foi mais ligado no reggae roots. Eu, particularmente, sempre gostei muito do blues, do rock da década de 70.” Perguntados sobre conjuntos que misturam ritmos e gêneros, a Tribo opina sobre o que realmente esperam de um som qualificado: “Apreciamos uma boa execução musical, por exemplo, a musicalidade do Roupa Nova, não é por uma questão de estilo, mas pela boa performance com seus instrumentos e pelo vocal impecável. Não é a mistura de ritmos que faz a qualidade do trabalho, mas a execução que faz o resultado em que se possa apreciar o talento,” declara Fauzi. Na trajetória de mais de 30 anos de estrada, com 15 CD’s e dois DVD’S, o grupo revela qual foi o momento mais desafiador da carreira. “A Tribo foi a única banda brasileira que se apresentou no Reggae Sunsplash, na Jamaica, considerado o maior festival do gênero do mundo. Esse, sem dúvida, foi o momento mais marcante”, conta o vocal. “Depois, foi a turnê que a banda fez durante quase três meses tocando em mais de dez cidades americanas, e ainda no México, Canadá e depois seguindo para a Europa, onde passamos por Suíça, Holanda, Portugal, França, Itália, entre outros. Nessa ocasião, passamos nos maiores festivais de reggae existentes, como o Bob Marley Day, em Los Angeles e San Diego. Depois, no Paris-Bercy, na França, no Rototon Sunsplash, na Itália, e no Montreux Jazz Festival”, revela. Revista D+ número 25
UNIVERSO CULTURAL
“A banda durante a gravação do clipe “Confissões” de 2016”
“Pedro Beydoun, guitarrista e vocalista, durante apresentação da banda”
Foto: Elias RPS
“Fauzi Beydoun, pai de Pedro, vocalista e líder da Tribo de Jah”
DESAFIOS Questionados sobre sofrer algum tipo de preconceito por conta da deficiência visual, ao longo da trajetória, Fauzi tem resposta bem direta: “Existiu, sim, principalmente no início da carreira. Na época, tivemos uma proposta de uma grande gravadora nacional, mas eles não queriam os músicos com deficiência, apenas eu, o vocalista, que não apresentava deficiência alguma, um absurdo. Na real, não éramos aquele estereótipo de garotos bonitinhos e bem cuidados de classe média. Mas eu acho que o trabalho superou essas barreiras e a banda se impôs pela autenticidade da sua proposta musical”. Com os desafios da falta de acessibilidade, a banda conta as curiosidades e estratégias adotadas nos palcos para nenhum integrante se perder ou machucar: “A deficiência nunca foi um problema nas apresentações e situações que artistas musicais passam. Sempre soubemos nos adaptar a cada circunstância da forma mais natural. Em princípio, o ideal é que uma pessoa com visão conduza uma sem visão. Mas acontece que, às vezes, um vidente precisa guiar dois ou até três cegos em fila indiana. Óbvio que essa nunca foi a situação ideal, mas acontece até hoje. Nunca existiu demarcação no palco. O guitarrista e o baixista são colocados de frente para seu microfone e essa passa a ser a sua referência no palco, já o baterista e o tecladista ficam em seus instrumentos”, explica o vocalista. Embora a Tribo de Jah seja um modelo de inclusão, os integrantes não pensavam na possibilidade de ser porta-voz dessa questão social. Beydoun comenta sobre a
“Ao lado, João Rodrigues, baterista. E Fauzi, soltando a voz em mais um show da Tribo de Jah”
vontade da banda de atuar no segmento: “A verdade é que nunca nos preocupou ser referência de coisa alguma, mas é claro que chega um momento em que você acaba tomando consciência do que o trabalho representa, da sua importância. A gente gostaria de interagir mais com esse público, porque a banda tem uma história muito interessante, inclusive até palestras nós já fizemos, muito positivas e divertidas. O problema é que não conseguimos desenvolver projetos nesse sentido porque no momento atual sobreviver no mercado consome todos os recursos e energia. Com tantos órgãos públicos tentando implementar iniciativas, muitas vezes duvidosas, acho que a Tribo poderia ser mais bem aproveitada como um exemplo bem-sucedido da inclusão social da pessoa com deficiência por meio da música e da cultura.” FUTURO Com a crise econômica brasileira, o segmento musical também sente algumas dificuldades para se manter. Fauzi fala sobre o futuro, projetos da Tribo e a dificuldade de se manter no cenário musical: “O principal plano é sobreviver enquanto banda. Isso já é grande coisa. Somos independentes e seguimos pela graça de Deus. Já em termos de planos, pretendemos gravar o primeiro Acústico Tribo de Jah com a participação de convidados. Fora isso, todos os discos agora devem ser lançados em inglês, espanhol e português”, completa. Para acompanhar a agenda de shows da Tribo, acesse www.tribodejahoficial.com.br D+
TRIBO DE JAH DISCOGRAFIA • Regueiros Guerreiros (LP) - 1992 • Roots Reggae - 1995 • Ruínas da Babilônia - 1996 • Reggae na Estrada - 1998 • 2000 Anos Ao Vivo - 1999 • Além do Véu de Maya - 2000 • Essencial - 2001 • A Bob Marley - 2001 • Ao Vivo 15 Anos - 2002 • Guerreiros da Tribo - 2003 • In Version - 2004 • The Babylon Inside - 2006 • Love to the World, Peace to the People - 2007 • Refazendo - 2008 • Live in Amazon - 2009 • Pedra de Salão - 2014 • Confissões de um velho regueiro - 2016 • Tribo de Jah 30 anos - 2017 • Confesiones de un Viejo Reguero - 2018
DVD • Ao Vivo 15 Anos - 2002 • DVD Live in Amazon - 2009
Revista D+ número 25
POR DENTRO DAS GRANDES
A construção e manutenção de um ambiente corporativo participativo A multinacional Atlas Schindler trata todos os colaboradores com igualdade texto Ravelly Santana fotos divulgação
É
sabido que, nos últimos anos, muitas empresas passaram a enxergar a pessoa com deficiência como alguém com potencialidades, procurando, dessa forma, equiparar os critérios de seleção, elaborar planos de carreira para todos, fazer campanhas de conscientização dentro e fora do ambiente de trabalho e ser incessante na busca por um ambiente acessível e inclusivo. A Atlas Schindler, por exemplo, é uma delas. Mais interessados no talento do que em ter ou não uma limitação, a empresa sempre trabalhou com um número elevado de colaboradores com deficiência. A fabricante suíça de elevadores, escadas e esteiras rolantes atua em todos os continentes há mais de 140 anos, com foco em privilegiar a mobilidade urbana e oferecer segurança, conforto e agilidade para cada pessoa que interage com a marca. Desde que chegou ao Brasil, em 1918, o grupo conta com mais de 5.500 colaboradores e duas fábricas, sendo uma em São Paulo e outra em Londrina (PR). Além de possuir 12 filiais, 150 postos de atendimento avançado e contar com três mil técnicos especializados. Na Atlas, pessoas com deficiência podem se candidatar a todos os cargos que a empresa oferece, sem necessariamente ser uma vaga exclusiva para esse segmento.
Celso Martins, 44, graduado em administração de empresas e pós-graduado em planejamento estratégico, tem visão monocular, adquirida após um acidente de trabalho na empresa em que trabalhava anteriormente. Ele é um dos colaboradores que não precisou da Lei de Cotas para ser contratado. “Entrei na Atlas Schindler como estagiário e cinco meses depois já estava efetivado como assistente administrativo. Na época não existia a lei de cotas e mesmo sendo identificado com essa deficiência a empresa não colocou obstáculos”, afirma ele. A Atlas Schindler tem foco na construção e manutenção de um ambiente corporativo participativo, produtivo e igualitário, em que trabalhadores com e sem deficiência, juntos, contribuem para uma economia sustentável e humanizada. Celso trabalha na empresa há mais de 23 anos e conta que durante todo esse período teve a oportunidade de transitar por diversas áreas e que em nenhuma delas teve problemas com adaptação ou discriminação. Para Rafael Urbano, especialista em inteligência de negócios da vagas.com, “A Lei de Cotas é um grande avanço e é muito importante para o acesso e inclusão, mas as empresas precisam abrir mais oportunidades para pessoas com deficiência”, afirma ele. Como o lema da empresa é o alto nível de segurança,
“Na recepção da Atlas Schindler já é possível perceber a preocupação da empresa com a pessoa com deficiência”
“Todos os ambientes são pensados de forma a oferecer acessibilidade para seus funcionários”
Revista D+ número 25
POR DENTRO DAS GRANDES
“O piso tátil é mais um elemento da acessibilidade na empresa”
“A Atlas Schindler oferece acesso apropriado ao deficiente físico”
apenas algumas restrições são impostas, como em caso de risco, por exemplo, nas atividades de campo, como manutenções diretas, onde uma pessoa com deficiência visual pode correr riscos maiores de acidentes. Isso torna o grupo um dos poucos que se preocupa, verdadeiramente, com o bem-estar do trabalhador. PROCESSO SELETIVO E CONTRATAÇÃO Todos os candidatos passam pelo mesmo processo de seleção, independentemente da condição. Hetyene Pereira, 29, formada em administração, e que trabalha
como auxiliar administrativa na empresa há três anos, conta como foram suas etapas. “Inicialmente fiz uma série de entrevistas (consultoria, gestores, coordenadora de RH), depois fiz avaliação psicológica e exame médico”. PLANO DE CARREIRA Independentemente da área de atuação, a Atlas oferece cursos profissionalizantes para todos os 5.500 colaboradores que, por meio da intranet, podem consultar planos de carreira para o desenvolvimento profissional. Assim, os funcionários podem construir a carreira com base nos interesses pessoais, objetivos, capacidade, desempenho e cargos disponíveis. Se uma pessoa entra na empresa como assistente, por exemplo, ela tem todo o suporte para a evolução e acaba conhecendo outras áreas e outras pessoas. A companhia conta também com parcerias com universidades e cursos de idiomas, que oferecem bolsas de estudo para os contratados e atribuem especial importância à identificação, progresso e preparação de profissionais talentosos em todos os níveis da organização, para que eles possam assumir mais responsabilidades dentro da companhia. O programa de capacitação técnica e comportamental conta com centros de treinamento e desenvolvimento da matriz, fábrica e em todas as filiais. Além das habilidades profissionais, são ensinadas competências como: orientação para lidar com clientes, pessoas e resultados, liderança, impacto e autoconfiança. AMBIENTE DE TRABALHO Todos os seus prédios proporcionam total acessibilidade arquitetônica e a empresa também disponibiliza recursos de acessibilidade de acordo com a necessidade do profissional com deficiência e orienta todos os funcionários. Diego Paiva, 30, analista de desenvolvimento de sistemas, tem osteogênese imperfeita – mais conhecida como ossos de vidro – uma anomalia causada por genes defeituosos, é um exemplo sobre a preocupação que a
“Da esquerda para a direita: Diego Silva, Marcelo dos Santos, Hetyene Pereira, Celso Martins e Luiz César. Todos plenamente integrados e produzindo, de acordo com o plano de diversidade estruturado pela empresa”
empresa tem em deixá-los confortáveis, “Não foram necessárias adaptações no ambiente. O que foi feito, por ideia do pessoal de segurança e ambientação, foi a criação de um suporte para eu deixar minhas muletas, ficando mais fácil de pegá-las e sem risco de derrubá-las”, afirma Diego. A meta é ter colaboradores motivados e engajados, liderados por ótimos profissionais em um ambiente de trabalho que seja confortável, desafiador e interessante, tanto para os colaboradores atuais quanto para os futuros. CAMPANHAS DE INCLUSÃO Um plano de diversidade estruturado significa, sem dúvida, a reafirmação do compromisso com a valorização de cada um dos colaboradores. Marcelo Parpulov, gerente de recursos humanos da Atlas, contou que na companhia existe um Comitê Formal de Diversidade, onde gestores e funcionários discutem questões como acessibilidade, inclusão e afins. Recentemente, por exemplo, a Fundação Dorina Nowill para Cegos esteve na empresa realizando palestras sobre conscientização e comportamento. E, uma vez por ano é feita uma pesquisa de satisfação para saber como os colaboradores se sentem em relação à empresa, se estão confortáveis e felizes em trabalhar na Atlas. Luiz César, 36, graduado em Recursos Humanos, tem visão monocular, começou a trabalhar na multinacional este ano e afirma estar muito satisfeito. “A Atlas, posso dizer, foi um sonho realizado. Conheci por meio de sites de empregos, porém, quando a vaga destinada ao RH me foi proposta, fiquei ainda mais interessado na empresa, lutei durante um ano até a contratação em janeiro de 2018, desde então executo meus afazeres com muito amor e compromisso”. É importante que exista a disseminação de informações, a conscientização geral e o aprendizado no sentido de lidar com diferentes grupos e cenários. Assim, a cultura do respeito e do acolhimento melhoram a autoestima dos funcionários que passam, também, a valorizar muito mais a empresa da qual fazem parte. D+
LEI DE COTAS Só quem tem alguma deficiência e quer se colocar no mercado de trabalho sabe o quanto é frustrante deparar com os mesmos tipos de vagas, para os mesmos cargos. Estes, na maioria das vezes, oferecidos nas áreas operacionais, estão disponíveis apenas para o cumprimento da Lei de Cotas, que estabelece que entre 2% e 5% do quadro total de funcionários das empresas devem ser destinadas a profissionais com deficiência. As ofertas de empregos dificilmente chegam aos cargos de liderança, mesmo o candidato tendo total capacidade de assumir o posto, concorrido pelos demais, conforme sua área de atuação. De acordo com pesquisas e levantamentos de portais que oferecem vagas de emprego, 80% das vagas exclusivas para pessoas com deficiência são para postos operacionais e auxiliares. Há apenas 3% de oportunidades de trabalho para os cargos de coordenação, supervisão, gerência e direção. Os números mostram que ainda poucas empresas se preocupam em dar espaço para profissionais com deficiência em posições de alto nível hierárquico. Lei 8213/91 - Mais conhecida como Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência, foi criada em julho de 1991 e determina que empresas com 100 funcionários ou mais incluam de 2% a 5% dos cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiências habilitadas na seguinte proporção: Nº DE FUNCIONÁRIOS até 200 de 201 a 500 de 501 a 1000 de 1001 em diante
PORCENTAGEM 2% 3% 4% 5%
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ACONTECE
FERRAMENTA DE INCLUSÃO Sistema Braille é imprescindível para a inclusão e educação das pessoas com deficiência visual texto Paulo Kehdi fotos arquivo pessoal
Q
uatro de janeiro é considerado o Dia Mundial do Braille e sua importância para pessoas cegas ou com deficiência visual é enorme. Foi no Instituto Real dos Jovens Cegos de Paris, fundado em 1784, que, em 1825, o sistema Braille iria se configurar como o método mais eficaz de leitura e escrita para essas pessoas, pela genialidade do jovem francês Louis Braille, nascido em 1809 em Coupvray. Braille havia perdido a visão aos três anos em razão de um acidente na oficina de seleiro de seu pai. Considerado
um gênio, idealizou o sistema quando tinha apenas 15 anos! Entretanto, a adoção oficial do Sistema só ocorreu em 1854, dois anos depois da morte de seu inventor, aos 43 anos de idade, vítima de tuberculose, sem que ele conseguisse contemplar o sucesso de sua criação. Comprovadamente, o sistema Braille teve plena aceitação entre os cegos, que se incumbiram da sua expansão e divulgação pelo mundo. A educação das pessoas com deficiência visual no Brasil surgiu de forma tímida, numa tentativa de institucionalização, o que representava,
“Recebendo o IV Prêmio Sentidos, em 2011. Abaixo, com a mãe Lucia em passeio pela cidade de Caraguatatuba (SP)”
“Luciana em praça sensorial localizada em Caraguatatuba (SP), lendo pelo Sistema Braille uma placa de sinalização”
no fim do século XVIII e início do século XIX, o reconhecimento de que essas pessoas podiam também aprender. Para Luciane Maria Molina Barbosa, braillista e pedagoga com deficiência visual, foram conquistados avanços desde então. “Na perspectiva da escola inclusiva, por exemplo, notamos certo avanço somente a partir do final dos anos 1980, com a transposição do paradigma da integração para a inclusão. Mais recentemente a convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, da ONU, em 2006 e a Lei Brasileira de Inclusão, de 2015, fizeram transpor o conceito médico da deficiência para o conceito social, corroborando ainda mais para o fortalecimento do processo inclusivo”, diz Luciane, reforçando que o Sistema Braille só resistiu quase 200 anos porque foi se modificando mediante as transformações sociais e tecnológicas. “Hoje temos diferentes materiais de produção da escrita e desenhos em relevo, além de tabelas e gráficos mais complexos, gerados em computadores. Temos produção em larga escala de material Braille nas principais imprensas Braille do país, como é o caso da Fundação Dorina Nowill e do Instituto Benjamin Constant. Além disso, o Braille em relevo no papel não é mais a única representação do alfabeto de Louis: é possível escrever usando a lógica de combinação de pontos na tela de um smartphone ou no teclado de um computador. Entretanto, se o Braille conquista um patamar de alcances, se limita a uma comunicação entre seus pares. Enquanto que, com o uso da informática, especialmente de computadores e dos dispositivos móveis, por meio da síntese de voz, é possível ler e ser lido em tempo real, consultar e-mail, digitalizar textos, identificar cédulas de dinheiro, produzir trabalhos acadêmicos, fazer pesquisa na internet e realizar interação em redes sociais, por exemplo”. Luciane destaca o que precisa ainda ser melhorado. “São três eixos de melhoria: ampliar a formação de professores,
para que estejam capacitados a exercerem o ensino do sistema Braille e produzirem material adequado; reduzir o custo dos materiais, tanto os de produção Braille quanto os de tecnologia, que ainda têm valor elevado ao consumidor final; e uma maior divulgação sobre os aspectos que se relacionam à deficiência visual, para que a sociedade consiga lidar mais naturalmente, ajudando as pessoas com deficiência visual a conquistarem a autonomia”. No campo educacional, ela destaca que os avanços estão principalmente nessa ruptura de paradigma e no reconhecimento da escola inclusiva. “Hoje, as salas de recursos multifuncionais implementadas pelo atendimento educacional Revista D+ número 25
ACONTECE
“Luciane no mar, lugar que mais ama. Ao lado, com os pais Luciano e Lucia”
especializado são fruto da política de educação especial na perspectiva da educação inclusiva, de 2008”. Porém, ela enfatiza que nem tudo é um mar de rosas. “Ainda há muitas escolas, principalmente as particulares, que negligenciam o direito dos alunos com deficiência visual ao acesso ao currículo por meio de recursos e ferramentas adequadas às necessidades devido à cegueira ou baixa visão. E ainda encontram-se muitos mecanismos de exclusão dentro das universidades, no que se refere ao material didático, à ausência de uma comunicação inclusiva e algumas barreiras atitudinais”, conclui Luciane, ela mesma é um exemplo de que o desenvolvimento da pessoa com deficiência visual pode ser pleno! RICA TRAJETÓRIA Nascida em Guaratinguetá (SP), em 1982, com deficiência visual, percorreu as nuances da baixa visão até a cegueira. “Nasci com glaucoma congênito, mas desde cedo fui bastante estimulada a construir diversos repertórios, conhecendo o mundo à minha maneira, ora pelo tato, ora aproximando-me do objeto de exploração, ora enxergando pelos olhos de alguém que fazia os apontamentos verbais e descrições. Estudei em escola regular, numa época em que não se falava em Educação Inclusiva, nem mesmo havia políticas públicas
que fortaleciam o movimento escola para todos”, diz ela, que aprendeu o Braille por volta dos 13 anos. Apesar das dificuldades de encontrar profissionais especialistas atuantes com educação especial e inclusiva para alunos cegos ou com baixa visão, tornou-se professora em 2005. Em 2012, concluiu sua primeira especialização “Lato Sensu” em Atendimento educacional especializado na Perspectiva da Educação Inclusiva, pela Unesp de Marília. Em 2015, finalizou a segunda especialização “Lato Sensu” em Tecnologias, Formação de Professores e Sociedade pela Universidade Federal de Itajubá. Em 2017, ingressou no Mestrado Profissional em Educação, na Universidade de Taubaté. No campo profissional, inúmeras atividades com destaque para o período entre 2009 a 2012, quando integrou a equipe de educação especial e inclusiva da Secretaria de Educação de Lorena (SP), participando da implantação das salas de recursos multifuncionais neste município e na formação de professores. “Também sou braillista, profissional e consultora em audiodescrição. Atuei de 2014 a 2016 na equipe técnica da Secretaria Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e do Idoso de Caraguatatuba (SP), sendo responsável por fomentar a comunicação inclusiva por meio de recursos e tecnologias para pessoas com deficiência visual. Fui também presidente do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência desse mesmo município. Desde abril de 2017 integro a equipe de tutoria do Núcleo de Educação à Distância da Universidade de Taubaté. Sou pesquisadora em tecnologia assistiva e em práticas pedagógicas inclusivas para estudantes com deficiência visual”, completa. D+
MUDANÇA NA LIBERAÇÃO DA ISENÇÃO DE RODÍZIO PARA A PESSOA COM DEFICIÊNCIA Texto Márcio Gonçalez
A
notícia alarmou todo o setor e ela se refere à concessão do benefício de isenção de rodízio na capital de São Paulo. A legislação vigente que trata do tema engloba pessoas com deficiência dependentes da liberação e é explícita em decreto que existe desde 3 de outubro de 1997, sob o número 37.085. O decreto sempre beneficiou o segmento, principalmente nos quesitos de liberação para locomoção de atendimento médico na capital de São Paulo. Esse foi, inclusive, o principal fundamento da liberação do rodízio para pessoas com deficiência. Pois bem, agora a prefeitura paulistana reformulou o decreto. A mudança define que não haverá liberação para qualquer pessoa com deficiência, mas somente as que atenderem às condições descritas na nova legislação, caracterizada pela dificuldade de mobilidade. Ou seja, o que está determinado no decreto (ver abaixo) é que pessoas com doenças crônicas que comprometem a mobilidade terão direito ao rodízio. Formulada assim, a lei deixa de fora da isenção deficientes físicos que tenham comprometimento apenas nos membros superiores, por exemplo, ou, ainda, deficientes visuais ou cognitivos que não apresentem dificuldade de mobilidade. Essa é a questão: reforçarmos. O decreto limita a pessoas que tenham problemas apenas nos membros inferiores o benefício da isenção. É preciso reforçar que não é a primeira vez que essas mudanças
acontecem na contramão das necessidades do universo da pessoa com deficiência. Ao invés de facilitar e tratar de forma igualitária, observamos o próprio Poder Público diferenciar as pessoas com deficiência. Gostaríamos de tentar entender a formulação do novo decreto, tendo em vista as dificuldades que qualquer cidadão tem, desde a sua locomoção até a utilização do transporte público precário. Se o transporte público não está preparado para servir à população em geral, o que dizer então da pessoa com deficiência? Por meio do decreto 58.584/18, que passou a valer a partir de 21 de dezembro de 2018, a liberação do rodízio se dá na seguinte condição: CAPÍTULO II DAS EXCEPCIONALIDADES Alínea “a” - Estão isentos do rodízio veículos conduzidos por pessoas que realizem tratamento continuado debilitante de doença grave ou portadora de doença crônica que compromete a sua mobilidade ou por quem as transporte; com complemento no decreto 58.604/19, que, por sua vez, passou a valer a partir de 16 de janeiro de 2019, estabelecendo a seguinte condição: Artigo 1º: Referente à alínea “d”, os conduzidos por pessoa com deficiência da qual decorra comprometimento de mobilidade ou por quem as transporte. Caro leitor, é nítido que a Constituição Federal em seu artigo 5º está sendo
infringida. Vale ressaltar que a isonomia é um dos principais fatores dos direitos de todos os brasileiros. Ora, vejamos, se o órgão público federal ou estadual não faz essa distinção, então por que a prefeitura age dessa maneira? Tais mudanças impactarão grandemente o segmento. Esperamos que as autoridades competentes revejam esses decretos, pois se a funcionalidade da liberação do rodízio para as pessoas com deficiência é trazer benefício a estas, essa maneira não é eficaz. Vamos aguardar as cenas dos próximos capítulos, tendo em vista os governantes estarem de olho nas isenções de impostos de modo geral. É fato que mudanças ocorrerão e dificilmente a favor dos beneficiários.
Márcio Gonçalez Lopes Novaflex Isenções e assessoria Especialista em isenções de impostos para pessoas com deficiência e taxista, há 13 anos. www.novaflexisencao.com.br www.cnhdeficientesp.com.br Revista D+ número 25
ACONTECE
CUIDANDO DOS OLHOS
Instituto Verter promove ações preventivas e corretivas na saúde ocular. O público-alvo do programa são as crianças e adolescentes, inclusive com deficiências intelectuais texto Paulo Kehdi fotos divulgação
“Os atendimentos oftalmológicos são feitos dentro dos CEUs”
“A criança com deficiência intelectual exige um preparo específico do profissional que for realizar o exame”
“Exames minuciosos são realizados nas crianças e adolescentes”
“A intenção do projeto é atender 20 mil crianças até junho de 2019”
“O ‘Ver na Escola’ possibilitará a divulgação de dados a serem utilizados em produção científica”
O
Instituto Verter foi fundado em 2005 tendo os objetivos de produzir conhecimento e capacitar profissionais para atuar e desenvolver assistência e pesquisas nas áreas da promoção da saúde visual, da reabilitação e da inclusão de pessoas com deficiências visuais, especialmente crianças e adolescentes. Nesse contexto, foi criado o projeto Ver na Escola, cuja primeira edição foi elaborada em 2006 e posta em prática entre outubro de 2007 e abril de 2008. Naquela ocasião, as ações concentraram-se no Jardim Ângela, bairro localizado na periferia da capital paulista e mais de mil crianças foram atendidas. Desde então, o projeto nunca mais parou. Em agosto de 2018, uma nova versão do Ver na Escola foi posta em prática, mas com metas ainda mais expressivas. “Nossa intenção é atender 20 mil crianças e adolescentes, de 3 a 15 anos, alunos de EMEIs (Escola Municipal de Educação Infantil) e EMEFs (Escola Municipal de Ensino Fundamental), instaladas em 16 CEUs (Centro de Educação Unificado), até junho de 2019. A iniciativa conta com três fases, que incluem palestras de promoção de saúde ocular para educadores, pais e alunos, atendimento oftalmológico dentro do CEU e entrega dos óculos doados adaptados. Nossa intenção maior, porém, são as ações preventivas. Queremos evitar o agravamento da deficiência visual dos alunos”, explica Rodrigo Galvão Viana, gestor executivo do Instituto Verter. Dentre as crianças e adolescentes atendidos, expressiva parcela tem deficiência cognitiva. “Desenvolvemos conhecimento relacionado a esse segmento. Um exame oftalmológico realizado numa criança sem deficiência é completamente diferente de um realizado em uma com deficiência intelectual. O tempo de duração costuma ser bem maior e é necessária toda uma capacitação do profissional da área da saúde que irá realizá-lo”, diz Viana.
PESQUISAS E DIVULGAÇÃO Financiado em parte pelo Fumcad (Fundo Municipal da Criança e do Adolescente) e conveniado com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, o Ver na Escola é, primeiramente, apresentado ao Conselho da Criança e do Adolescente, que o aprova. Por meio de um edital, empresas interessadas passam a contribuir com o projeto, doando parte de seu Imposto de Renda para que ele possa ser viabilizado. “Em paralelo ao trabalho de campo, o programa possibilita uma coleta sistemática de informações relevantes sobre as doenças prevalentes na população e faixa etária atendida. Todas as crianças atendidas têm termos de consentimento assinado pelos pais e esses dados serão aplicados em produção científica. O Ver na Escola contribuirá positivamente para a ampliação das informações sobre saúde ocular em crianças e jovens e, além de reforçar a necessidade de discussões sobre o tema, poderá contribuir para melhorias nas políticas públicas”, fala Viana. Questionado sobre as ações futuras do Instituto, Rodrigo é enfático. “A visão do Instituto é, em 2020, tornar-se referência nacional em ensino, pesquisa, facilitação do acesso à assistência e inclusão, por meio da capacitação de profissionais na área da promoção da saúde visual. Para isso, há uma oficina de projetos a serem encaminhados entre 2019 e 2020, em que pretendemos ampliar nossas ações”. D+ Revista D+ número 25
APRENDA LIBRAS por Flaviana Borges da Silveira Saruta e Joyce Alves de Sá ilustrações Luis Filipe Rosa
MUNDOPARALÍMPICO A paralimpíada é a maior festa do esporte paralímpico. A diversidade é total nos mais variados sentidos. São praticamente todas as deficiências contempladas, em inúmeras modalidades. É também uma ótima oportunidade de congraçamento entre os atletas e turistas de diversos países. Escolhemos algumas expressões ligadas a esse grande evento, para que o leitor possa conhecê-las na Língua Brasileira de Sinais. Que 2020 chegue logo!
Atletismo
Goalball
Badminton
Halterofilismo
Medalha
Recorde
Tênis de mesa
Pódio
Taekwondo
Tóquio 2020 Revista D+ número 25
CEREJA! “Maria Goret em plena atividade artística. Ela quer ver suas obras pelo mundo e tocar o coração das pessoas com seus belos quadros”
ARTE COM A BOCA E OS PÉS Esbanjando cor, a artista plástica Maria Goret Chagas encanta multidões com suas pinceladas texto Mônica Mantecóm fotos arquivo pessoal
A
pesar do diagnóstico de tetraplegia decorrente de uma paralisia cerebral, Maria Goret Chagas, 67 anos, nunca tirou o sorriso do rosto, nem os pincéis e tintas de perto. Desde criança, tinha muito interesse pela arte e, principalmente, nasceu com o dom de pintar. Embora a deficiência tenha feito com que os movimentos de seus braços ficassem limitados, utilizou a boca e os pés para dar vida às suas criações. Formada em Letras, Educação Artística e Semiótica, a artista plástica integra, desde 2005, a Associação de Pintores com a Boca e os Pés (APBP), com obras premiadas no Brasil e no exterior. “É uma realização muito grande ser membro da APBP, porque eu senti que ali é meu lugar. Além disso, ver minhas criações estampadas na capa de calendários e cartões no mundo todo é muito gratificante, pois estou atravessando fronteiras com a arte”, comenta. Em 2016, Maria Goret recebeu a comenda internacional ‘Honra às Mulheres e Homens de Valor’, da ‘Divine Academie Française des Arts, Lettres et Culture – Madame Diva Pavesi’, em reconhecimento pelos serviços prestados à sociedade. Além disso, seus quadros ficaram expostos no ‘Le Carrousel
du Louvre’, galeria que fica no subsolo do Museu do Louvre, em Paris (FRA) o que abriu ainda mais portas em sua carreira. Suas maiores inspirações são as flores em aquarela. Já dos estilos, gosta do impressionismo de Monet e os traços expressionistas de Van Gogh. Quando questionada sobre qual seria o quadro preferido de sua autoria, responde em tom de curiosidade: “Gosto muito de vários, mas tem um especial, a tela com a pomba branca que simboliza o Espírito Santo, uma grande influência na minha vida, pois um milagre divino aconteceu comigo e sou muito feliz”, fala a artista. Maria não andava até os cinco anos de idade, o que não a impedia de brincar com os amigos e viver de forma plena e sem qualquer discriminação “Se eu passei pelo preconceito, ele ficou para trás. Sempre tive muito apoio da minha família e quando temos autonomia e significado, nos impomos e não damos bola para isso,” explica. Além de pintora, Maria Goret Chagas é escritora e palestrante. Já publicou livros sobre inclusão infantil, motivação, superação e liderança. Seu grande diferencial é a forma que aborda sua realidade: “Eu realmente tenho a entrega, ou seja, falo o que realmente estou vivendo. Por isso acho que minhas palestras fazem sucesso”, diz. Para o futuro, a artista plástica quer continuar pintando e espalhando sua arte pelo mundo, em suas viagens: “Quero ultrapassar os quadros e as palestras, quero realmente tocar o coração das pessoas”. D+