MERCADO
O DIVÓRCIO DA INDÚSTRIA COM O CONHECIMENTO POR MAURO C. ANDREASSA
Acompanhe a relação entre indústria e o conhecimento ao longo do tempo e as recomendações do Prof. Andreassa para um caminho mais colaborativo na formação de profissionais
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m dia já estiveram felizes juntos. Tiveram até belos filhos e na década de 1980, a indústria já representou 34% do PIB. O tempo passou e parece que a rotina destruiu mais este casamento. Hoje, a indústria representa parcos 11% (dados de 2020). Mas proponho romanticamente uma receita para recompor este casamento. Mas o nobre leitor encontrará apenas no final.
ARMADILHAS DO CONHECIMENTO Com isto também houve o empobrecimento do conhecimento. Uma fábrica é um ambiente cheio de armadilhas peçonhentas. É preciso de matemática, pois vários são os controles, incluindo o estatístico. Boa comunicação no idioma nativo e até inglês. Conhecimento de fenômenos da física e da química. Segundo a The Economist, palavras de Rafael Cagnin da IEDI (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), “O Brasil é o pior exemplo de desindustrialização prematuro do mundo”. Os trabalhadores mudaram para empregos de serviços de baixa qualificação, em vez de empregos de alta tecnologia e qualificados. Ter cursos de engenharia sem um parque industrial com laboratórios e oficinas que deem continuidade a construção do conhecimento e geração de recursos é ter um cortador de grama no deserto. A pergunta
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fundamental é: como e para que servem universidades de engenharia em um desolado parque industrial? Não cresce o engenheiro, nem floresce a empresa. Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha, quem vem primeiro, a indústria ou os cursos técnicos e de engenharia? Surgem juntos é a resposta certa, caro leitor. VALE DO SILÍCIO PODE SER AQUI O Vale do Silício não surgiu apenas pela HP e outras famosas empresas com Intel, Apple etc. Lembro vocês que Stanford estava lá desde 1885. A lâmpada elétrica foi criada em 1879 apenas para nos referenciar no tempo. A formação do engenheiro, e de outras profissões também, apenas se completa quando, uma vez formados, seguem para o mundo real e são expostos a situações complexas que se distanciam dos exercícios bem-comportados do mundo acadêmico. Nem estágio, nem TCC, nem competições acadêmicas conseguem mostrar a crueza do mundo real, tão fundamental para sedimentação do conhecimento. Por sua vez, uma empresa sem tecnologia e conhecimento destes engenheiros e engenheiras vive a sombra e dependência de uma benevolente globalização. INDÚSTRIA EM BUSCA DA ALMA As empresas brasileiras estão despertando tardiamente para a competição
// REVISTAFERRAMENTAL.COM.BR // MAI / JUN 2022
global. Como dizia Peter Drucker há muito tempo, não importa onde você esteja, hoje você está sempre competindo globalmente. O que você faz aqui, algum chinês ou indiano ou outro, está fazendo muito bem e barato. E veja que Peter Drucker não viveu para ver a pandemia onde a crueldade da globalização foi muito mais exposta. Quando você dá alguns cliques no seu App de compras, não sabe de onde está vindo seu objeto de desejo. Todos nós alimentamos a competição global, e estamos golpeando duramente nossa própria indústria muitas vezes. E não se trata de ser a favor de barreiras artificiais protecionistas que jamais levaram país algum a excelência de produção. Trata-se de ter seus produtos com preços e qualidade competitivas nos Apps de compras. UNIVERSIDADE EM BUSCA DA ALMA O que quero dizer é que cursos cinco estrelas das universidades brasileiras não serão capazes de evitar nossa jornada ladeira abaixo. Além de bons cursos, precisamos das indústrias ao redor com vontade de inovar e criar, em todos seus tamanhos e organizações, pois o término do curso de engenharia se concretiza no ecossistema. É de lá que vem o derradeiro e verdadeiro diploma. Mestrados, doutorados e pós-doutorados não substituem a vida real. Somam, mas não substituem.