6 minute read

O Dilema do Crescimento Econômico

O Dilema do Crescimento Econômico

Antonio Jucá

Advertisement

Os pontos condutores deste texto são, primeiro, a problemática socioambiental do crescimento econômico; depois aborda-se seus condicionantes locais e globais, sociais e ambientais; a seguir, indaga-se se a recuperação e a regeneração permitiriam o desenvolvimento?

Definindo o Dilema

OCrescimento Econômico é associado ao crescimento do PIB, independentemente da questão distributiva, qualitativa e ambiental. Em geral não se opera a dicotomia entre crescimento e desenvolvimento e tal crescimento envolve alguma forma de degradação ambiental, “crescimento significa sempre, irrefutavelmente, alguma forma de degradação do meio ambiente, de perda física” (GEORGESCU-ROEGEN, 1974 apud CAVALCANTI, 2001, p.25). Em ciência, a afirmativa de irrefutabilidade leva sempre a polêmicas e a quebra de paradigmas recai muitas vezes sobre afirmações tidas como irrefutáveis, mesmo que isto seja circunstanciado no lugar de simplesmente negado. A degradação se insere em ciclos retroativos de desorganização-organização, o que não é em geral observado.

O desenvolvimento, o crescimento e a diversificação das espécies atuam sobre os ambientes moldando-os, estabelecendo trocas mutuamente benéficas e reforçando a resiliência dos ecossistemas e paisagens. A degradação de uns é o crescimento de outros, processos no mundo biótico e no mundo abiótico. Assim, o crescimento pode não significar necessariamente degradação, mas até o contrário. Deixa-se, no entanto, a questão relevante: o crescimento do PIB sem limite vem para atender às necessidades sociais?

As necessidades sociais podem ser básicas como em saúde, educação e habitação, mas podem ser criadas, serem consumistas, artificiais e tomadas como prosperidade ao custo do trabalho de pessoas e do trabalho da natureza, ou seja, bens naturais e alheios. A questão da prosperidade é associada à acumulação de riquezas ou acesso a bens e serviços que, do ponto de vista ecológico, devem se articular com os processos naturais. Segundo Binswanger: “desenvolvimento sustentável significa qualificar o crescimento e reconciliar o desenvolvimento econômico com a necessidade de se preservar o meio ambiente” (BINSWANGER, 2001, p.41).

A luta pela natureza — contra a depleção, a poluição, a degradação e as perturbações ambientais - não é alcançada apenas com novas soluções técnicas. Moscovici (2007) aponta para o crescimento populacional e da produção que implicam em esgotamento de recursos finitos, mas não concebe qualquer alternativa sistêmica recursiva e pró-natureza. É notável que desde 1972, Moscovici já escrevera a “Sociedade contra a Natureza” e que esta obra serviu, inclusive, de inspiração ao ecofeminismo. Realizou a crítica ao consumismo capitalista e ao produtivismo socialista e, em um sentido mais epistemológico, colocou a necessidade de descompartimentar o conhecimento, que a teoria da complexidade desenvolve.

Em síntese, isto consiste em questionar o progresso científico enquanto apolítico, ou seja, desde que este progresso vem a devir da política tecnológica, onde se questiona seu direcionamento associado à questão do crescimento econômico, como na energia nuclear (embora muitos físicos a consideram segura) para a geração de energia, do uso de sementes transgênicas e venenos na agricultura e outras que são consideradas tecnologias, em certos aspectos,

perturbações para a vida na biosfera, como hoje a conhecemos. Segundo Moscovici, o que nos informa a história natural é que o crescimento sem reconhecimento de limites, ou descontextualizado, desarticulado, contra-natureza, finda por se colapsar.

Os economistas ecológicos argumentam que a qualidade de vida decresce, a partir de certo ponto, com o crescimento do PIB (DALY, 2001). Contudo, tanto as economias socialistas quanto capitalistas almejam o crescimento contínuo, que faz parte da sustentação política, econômica e geopolítica, enquanto os ecologistas apontam para a melhoria do bem viver por um crescimento qualitativo.

Aqui, Moscovici, se aproxima da proposta de Oswald de Andrade (com a antropofagia cultural), Porto-Gonçalves (com a colonialidade) ou mesmo Joaquim Nabuco, quando fala da reciclagem de despejos culturais, sobre o passado que continua portador de vida (diria: vivo, ou passível de renascimento conforme as circunstâncias) e seu contato nos é necessário (diria: e seu reconhecimento nos é fundamental).

Há possibilidade de escolhas, inclusive de não submissão ao progresso associado ao crescimento. Todavia, há a crença de que no caráter ilimitado de resposta do progresso técnico-científico aos problemas (que ele mesmo gera), como se este fosse apolítico e não dependesse de interesses de poder e riqueza. Neste ponto pode-se colocar a tese de que não é preciso ser contra o progresso, mas qualificá-lo ambientalmente, por meio de uma política científica e tecnológica adequada.

Fica implícito que, mesmo para aqueles que necessitam de crescimento por necessidades básicas, este deva se dar no sentido da redução das desigualdades e com a requalificação pró-natureza do mesmo. Associar liberdade ao aumento quantitativo da oferta de bens na sociedade industrial é uma limitação efêmera.

Neste contexto, a centralidade e importância da economia perde importância por seu antropocentrismo patológico. A consideração de que os ecologistas são inimigos do progresso confunde qualidade com quantidade e resulta de uma associação biunívoca entre progresso e crescimento econômico sem contextualização social e ambiental, gerando o crescimento auto-destrutivo, o culto ao consumismo nas economias construídas para o consumo de “gadgets”, inutilidades descartáveis.

Para alguns economistas políticos, o desenvolvimento associado ao crescimento econômico é considerado uma contradição, por aumentar a pressão sobre os bens e processos naturais. Contudo, considerando as necessidades sociais básicas, não há como dispensar o crescimento econômico, onde isto é mister.

Pelo exposto, o dilema ambiental do crescimento econômico se define: por necessidade social de crescimento-distribuição de bens e serviços; que pode significar pressão sobre os ambientes, ou perturbação ambiental, mas não necessariamente.

As estratégias de contorno do Dilema do Crescimento Econômico, como a-crescimento - alguns decrescem para que outros possam crescer -, sobre o que se observa como dificuldade política e sistêmica. Quem desenvolveria tal política, implementaria e coordenaria tais ações? Qual seria seu balanço em termos de emissões, biodiversidade e outros indicadores ambientais? Pode-se ainda associar crescimento econômico à recuperação e à regeneração ambiental e, ainda assim, quem coordenaria tal política? Qual o balanço em termos de emissões, biodiversidade e outros indicadores ambientais?

Das condições locais e globais, sociais e ambientais

As evidências apontam que o ca-

minho é buscar a adequação do desenvolvimento local, considerando o global, tendo em vista questões sociais e ambientais. As formas de encaminhar este processo envolvem uma coordenação sofisticada em várias escalas e um desenvolvimento tecnológico próprio que envolve: a produção de energia limpa; a logística reversa (a produção pensada para a reutilização de seus resíduos); a institucionalização da governança (para conhecimento, adequação das políticas e exame das realidades).

As formas de encaminhar este processo envolvem uma coordenação sofisticada em várias escalas e um desenvolvimento tecnológico próprio que, por sua vez, envolve a educação ambiental (para o desenvolvimento da consciência ambiental coletiva), a luta política e o planejamento integrado de longo prazo.

O planejamento integrado de longo prazo pressupõe a articulação de várias disciplinas do conhecimento para o desenvolvimento de políticas, planos, programas e projetos socioambientais, seus desdobramentos em várias escalas, culminando na institucionalização da gestão planejada, em consonância com a institucionalização da governança.

A recuperação e a regeneração exigiriam para seu desenvolvimento a substituição de combustíveis fósseis; a economia da floresta em pé; a recuperação de áreas degradadas; o reflorestamento associado à pecuária adensada; a mudança de hábitos alimentares; o uso de plásticos biodegradáveis; o saneamento básico e ambiental; o planejamento urbano e da paisagem concomitante a desconcentração das redes urbanas.

Referências

CAVALCANTI, Clovis (Org). Meio ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. São Paulo: Cortez, Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2001.

MOSCOVICI, Serge. Natureza: para pensar a ecologia. Rio de Janeiro: Mauad X: Instituto Gaia, 2007.

PERREAULT, Tom; BRIDGE, Gavin and MCCARTHY, James (editors). Therout ledge handbook of political ecology, New York: Routledge, 2015.

PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A ECOLOGIA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINA: reapropriação social da natureza e reinvenção dos territórios. Revista Internacional Interdisciplinar INTERthesis/UFSC, Vol. 9, Nº1, Jan/Jun 2012. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5007/ 1807-1384.2012v9n1p16

Antônio Jucá é pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais.

This article is from: