ANO xxvIII edição 109 dez 2020
ANO XXVIII - Dezembro 2020 - Nº 109
Sinagoga na Casa Abram Kalantarov, em Samarkand, 1916
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Carta ao leitor Ao receber a Morashá, milhões de judeus estarão prestes a acender as luzes de Chanucá. Durante as oito noites da festa, celebramos a milagrosa vitória dos macabeus sobre os sírio-gregos e o subsequente milagre do óleo ocorrido no Templo Sagrado de Jerusalém. No entanto, nossos Sábios não instituíram a festa para celebrar o milagre do óleo, e sim, a vitória militar dos macabeus. Ao celebrar essa festa por meio do acendimento da Chanuquiá afirmamos que as maiores vitórias do Povo Judeu são alcançadas não com guerras e sim quando alcançamos a paz. Esta festa celebra dois milagres. O primeiro, a vitória militar, ensinando-nos que, com a ajuda de D’us, podemos prevalecer até mesmo sobre os mais poderosos oponentes. E o segundo, o óleo, simboliza uma das maiores aspirações da Torá: a paz. Nossos Sábios ensinam que a paz é uma bênção abrangente, que inclui todas as demais. É por esse motivo que concluímos nossas orações pedindo a D’us que nos abençoe com paz. Embora seja o maior anseio do Povo Judeu, nem sempre a paz esteve ao nosso alcance. Infelizmente em nossa história nem sempre pudemos escolher não guerrear. Mas, em situações em que a verdadeira paz constitui uma opção, ela é infinitamente preferível à guerra. A história do Estado de Israel é, em muitos aspectos, uma réplica da história de Chanucá. Os valentes soldados das FDI são os atuais macabeus: há mais de sete décadas, defendem o Estado Judeu contra países que tentam destruí-lo. Contudo, o mandamento da festa de Chanucá – o acendimento das luzes – nos ensina que nosso objetivo final não é eliminar os inimigos derrotando-os, mas sim, fazer a paz e transformar antigos inimigos em amigos e aliados. O conflito árabe-israelense parecia insolúvel. Parecia que Israel poderia triunfar na guerra, mas nunca conseguiria fazer a paz com os países árabes. Mas nos últimos meses, presenciamos um milagre: o recente tratado de paz entre o Estado de Israel e importantes países árabes. Nações que até então se recusavam a reconhecer a legitimidade de Israel agora o abraçam. Estabeleceram relações de paz e amizade com Israel porque perceberam que o Estado Judeu é uma fonte de luz no Oriente Médio: uma
fortaleza contra o terrorismo e o extremismo, e avançada fonte de tecnologia, pesquisa e inovação. Injustamente difamado por tanto tempo, Israel é hoje apreciado pelo que representa: um farol de luz no mundo. Esperamos que mais países sigam esse caminho para que o Oriente Médio não mais seja uma região de conflitos e guerras, mas de paz e amizade, de crescimento econômico e avanços tecnológicos para todos os envolvidos. Como na história de Chanucá, a vitória militar foi seguida pelo milagre da luz – a paz. Apesar do caos em que se encontra o mundo, causado por um vírus que derrubou todos os países, provocando mais de um milhão de mortes e o caos nas economias, Israel está presenciando um verdadeiro milagre. Como escreveu o Rabino Jonathan Sacks, Z”tl: “Há algo no espírito humano que sobrevive mesmo em meio às piores tragédias e nos permite reconstruir nossas vidas destroçadas, nossas instituições e países tão duramente afetados .... Trata-se do sempre renovado poder da fé, simbolizado por Chanucá e sua luz inextinguível de esperança”. As palavras do estimado Rabino Lord Jonathan Sacks, ZT”l sempre conseguiram inspirar todos em sua volta e continuarão a inspirar no futuro, apesar de ele não estar mais entre nós. No fechamento desta edição fomos abalados pela notícia de seu prematuro falecimento. Palavras não podem expressar a grande perda que isso representa. O mundo perdeu um grande líder e pensador de nosso tempo, cujas palavras serviram de inspiração para judeus e não-judeus e cujas mensagens, de brilho e visão incomuns, transmitiam esperança a todos. Tehi Nishmató Tzurá Bitzror Hachaim, “Que sua alma tenha sido acolhida na corrente da vida eterna”. Nesta festividade que se aproxima, juntamente com milhões de judeus, em Israel e no restante do mundo, acenderemos a Chanuquiá, com a firme esperança de que suas luzes tragam mais luz ao mundo e fomentem a paz entre todas as nações.
ÍNDICE
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03 carta ao leitor
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A guerra dos Hasmoneus
sabedoria Ensinamentos judaicos para superar os desafios da vida POR Rabino Gabriel Aboutboul
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30 MEMÓRIA
06 nossas festas Acendendo a Chanuquiá nossos sábios
Rabino Lorde Jonathan Sacks Zt”L
Itzhak Rabin, um símbolo POR ZEVI GHIVELDER
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REVISTA MORASHÁ i109
06
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israel Israel, Mossad e a paz no novo Oriente Médio POR jaime spitzcovsky
PERSONALIDADE A Juíza Ruth Bader Ginsburg
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israel No sul de Israel, tâmaras de dois mil anos
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capa Vida judaica no Uzbequistão
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arte Luzes sobre os escritores e artistas de língua iídiche por Maria Luiza Tucci Carneiro
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destaque Judeus povoam Nobel de 2020
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nossas festas
A Guerra dos Hasmoneus A festa de Chanucá comemora uma guerra religiosa que foi travada para preservar a pureza e a integridade da Torá. A guerra dos Hasmoneus foi uma luta em prol do Judaísmo e contra a assimilação – uma luta por uma identidade religiosa judaica.
A
festa de Chanucá comemora a vitória militar dos Hasmoneus, os Chashmonayim, contra os gregos, ocorrida há 22 séculos. O Império Grego – que, à época, ocupava a Terra de Israel – oprimia o Povo Judeu, proibindo-lhe cumprir vários dos principais mandamentos da Torá, e o pressionava a se assimilar ao mundo helênico. Os Hasmoneus, uma família de Cohanim, popularmente conhecidos como Macabeus (Macabim), rebelaram-se contra os gregos e, após várias batalhas, recapturaram Jerusalém e o Templo Sagrado. Enquanto purificavam o Templo Sagrado da idolatria dos helênicos, os Hasmoneus procuraram azeite de oliva ritualmente puro para com ele acender a Menorá.
É importante destacar que Chanucá não constitui a única festa instituída para celebrar vitórias militares do Povo de Israel à época do segundo Templo Sagrado de Jerusalém. No entanto, essas outras datas festivas foram legadas ao esquecimento, ao passo que a festa de Chanucá é uma constante há mais de 2.000 anos, celebrada por geração após geração de judeus. Essa festa, cuja única mitzvá é o acendimento da Chanuquiá – o candelabro de oito braços – pode parecer uma celebração sem muita importância de uma antiga vitória militar. Contudo, nossos Sábios ensinam que será comemorada para sempre, até mesmo na Era Messiânica. Chanucá é uma festa muito querida por todos. Muitos chefes de Estado e líderes políticos, aqui no Brasil, nos Estados Unidos e na Rússia, participam do acendimento das luzes dessa festa. No entanto, há vários conceitos errôneos sobre o que, na verdade, comemora-se em Chanucá. Como a mitzvá da festa é o acendimento, com azeite ou velas, da Chanuquiá, muitos pensam, erroneamente, que se trata da celebração do milagre do óleo. Apesar de ter sido um fenômeno sobrenatural, o fato de que o suprimento de azeite para um único dia tenha queimado por oito
Depararam-se com apenas um recipiente de azeite que não havia sido profanado pelos gregos. O jarro continha quantidade suficiente de azeite para manter a Menorá acessa por apenas um dia, e seriam necessários oito dias para produzir mais azeite ritualmente puro. Mas, milagrosamente, essa quantidade ardeu durante oito dias. Para celebrar a milagrosa vitória dos Hasmoneus, que foi coroada pelo milagre do azeite, nossos Sábios instituíram a festa de Chanucá. 6
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dias foi apenas um entre a enorme quantidade de milagres ocorridos ao longo da história judaica. Muitos dos milagres descritos no Tanach (Torá, Profetas e Escritos Sagrados), no Talmud e no Midrash foram muito mais sobrenaturais e significativos do que o do óleo. Se tivesse sido decretada uma festividade cada vez que ocorreu um fenômeno sobrenatural na História Judaica, todos os dias do ano judaico seriam uma data especial. Nossos Sábios não instituíram a festa de oito dias de Chanucá – em que recitamos todo o Hallel e lemos trechos da Torá – apenas em celebração ao fato de que o suprimento de um único dia de azeite ritualmente puro manteve acesa a Menorá do Templo Sagrado por oito dias. O que Chanucá realmente celebra – evidenciado pelas orações que nossos
Sábios embutiram na liturgia judaica – foi a milagrosa vitória militar dos Hasmoneus. E, de fato, nos oito dias da festa, recitamos um trecho adicional na Amidá e no Bircat HaMazon, no qual agradecemos a D’us por Seus milagres. Esse trecho fala da vitória militar dos Hasmoneus, mas nem sequer menciona o milagre do azeite. Mas, por que razão o triunfo militar dos Hasmoneus mereceu a instituição de uma festa judaica? O Povo de Israel teve muitas vitórias milagrosas em sua história. O que de singular 7
houve nessa guerra para que fosse instituída uma festa para celebrá-la? Não foi a vitória militar, em si, mas a natureza da guerra. As guerras, infelizmente, são tão antigas quanto o próprio homem. Mas, até ocorrer o levante dos Hasmoneus, todas as guerras tinham as mesmas motivações: ganância por territórios, recursos e riqueza e a busca pelo poder e a glória. Esse aspecto das guerras não mudou muito. Até hoje, a despeito do que possam alegar os chefes de Estado e os políticos, todas as guerras – com a rara exceção de uma de autodefesa, como a Guerra dos Seis Dias de Israel – têm por motivação razões DEZEMBRO 2020
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territoriais, políticas ou econômicas. A guerra dos Hasmoneus se destaca como um contraste com as demais – foi singular por ter sido a primeira e talvez a única guerra verdadeiramente religiosa da História. Os Hasmoneus, que constituíam uma pequena minoria em meio ao Povo Judeu, empreenderam a guerra contra um inimigo temível – a superpotência militar à época – porque se recusaram a ficar passivos enquanto os gregos proibiam aos judeus o estudo da Torá e o cumprimento de seus mandamentos. Podemos imaginar que sua revolta tenha pegado os gregos de surpresa: tratava-se de um grupo muito pequeno de judeus travando uma guerra contra um poderoso exército, por razões sem precedentes: não lutavam por território nem por riquezas, por independência nem nacionalismo, mas por sua religião. A noção de que a ligação de um povo com sua fé não era puramente sentimental ou cultural – de que
que a religião não era meramente uma questão de hábito e tradição, mas sim, havia se tornado um componente vital da vida. Essa guerra foi um sintoma de uma profunda mudança – uma mudança na percepção daquilo que é mais importante na vida. Se os judeus queriam lutar para proteger sua fé, isso significava que a fé se havia tornado uma motivação central em sua vida. Se estavam dispostos a morrer por sua religião, era uma indicação de que obviamente queriam viver por sua religião. a religião era suficientemente importante para por ela empreender uma guerra – era algo desconhecido antes da guerra dos Hasmoneus. Mas a singularidade do conflito entre os Hasmoneus e os gregos não reside apenas no fato de ter introduzido uma nova razão para a guerra. O levante desencadeou uma mudança na perspectiva das pessoas: a partir de então, ficou claro
É importante notar – e isto tem que estar bem claro – que a guerra dos Hasmoneus em nada se assemelhou às guerras que foram supostamente lutadas por motivos religiosos. Na Europa ou no Oriente Médio – na Idade Média ou em nossos dias – a religião pode ter sido uma razão complementar para uma guerra, mas nunca a sua real motivação. Quando a religião é invocada no contexto de uma guerra, seu propósito é recrutar tolos fanáticos e encobrir seus motivos nefastos. Por exemplo, somente um ingênuo estudante de História poderia crer que as Cruzadas foram lançadas exclusivamente para defender a fé cristã, especialmente pelo fato de que a perda de vidas humanas, que ocorre, inevitavelmente, em qualquer guerra, é uma execração dos princípios da Igreja Católica. As Cruzadas foram supostamente lançadas para reconquistar a Terra Santa, que se encontrava sob domínio islâmico, mas a grande motivação subjacente era a mesma de praticamente todas as guerras – conquista de territórios, especialmente pelo fato de a Europa feudal ser superpovoada.
Chanuquiá para uso com azeite. Bronze, séc. 5 ou 6 desta Era. Origem desconhecida. Universidade Hebraica de Jerusalém
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De modo similar, as guerras travadas entre sunitas e xiitas não decorrem
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CHANUQUIÁ, ESCOLA DE ARTES BEZALEL, JERUSALÉM, 1908
da interpretação do Islamismo por cada um dos lados. São travadas em busca de poder, território e riqueza. As duas facções islâmicas não lutam para defender o Islã – uma religião que, aliás, se baseia na submissão a um D’us bom e misericordioso e na prática da bondade, generosidade e caridade. Os homens com frequência profanam sua religião usando-a para encobrir suas motivações maldosas e egoístas para a guerra e a violência. A guerra dos Hasmoneus foi uma rara exceção. Diferentemente dos cruzados e dos que empreendem o jihad – a “guerra santa” –, os Hasmoneus não lutaram para conquistar outras terras e povos. Mesmo estando sob ocupação e lutarem em sua própria terra – a Terra de Israel –, seu propósito ao lutar contra os gregos nem sequer visava à independência política. E sobretudo: eles não lutaram para forçar sua religião sobre outros povos, mas para defendê-la.
Não cometeram atrocidades e não disseminaram o terror. Isso fizeram os gregos, perpetrando crimes hediondos contra os judeus. O levante dos Hasmoneus foi único, pois foi uma verdadeira guerra religiosa. Eles lutaram para defender o Judaísmo daqueles que queriam extirpá-lo da face da Terra. Conhecer a guerra dos Hasmoneus – e especialmente a razão para terem lutado – é primordial para se entender o que celebramos em Chanucá. Essa festa, tão bonita e iluminada, é relativamente fácil de ser celebrada. Mas o significado de Chanucá não se resume a acender a Chanuquiá, comer sonhos e latkes, brincar com o dreidel e presentear as crianças. Essa festa levanta uma questão existencial: quais as coisas, na vida, pelas quais vale a pena lutar, mesmo à custa de nossa vida? Uma questão atemporal que devemos nos perguntar. Por alguma razão inexplicável, o ser humano 9
tem um talento para lutar guerras por razões totalmente erradas e raramente pelos motivos certos. Mesmo dentro de um país, há segmentos da sociedade que entram em disputas com outros, às vezes até com violência – mas, raramente, por razões morais ou idealistas. Em encontros públicos ou na mídia, na esfera legislativa ou na judiciária, as pessoas discutem sobre o que é legal e o que não é, o que convém e o que não, mas raramente sobre o que é certo e errado, bom ou mau. Hoje, se algo tem apoio legal, esse algo é praticado sem muita atenção ao fato de ser ou não bom e justo. Em nossa sociedade, há coisas que são perfeitamente aceitas pela lei, mas que são injustas e imorais. A ideia helênica de que o homem é a fonte suprema da verdade e autoridade no universo, sendo, portanto, livre para agir como quiser, confunde a distinção entre a luz e a escuridão. Hoje, em grande DEZEMBRO 2020
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parte do mundo, quase tudo é permissível, quase nada é condenável, e o fruto da árvore proibida está ao alcance do homem, sem que se leve em conta suas consequências. Mas agora que o mundo está desestabilizado, tendo sido colocado por terra por uma pandemia global, o futuro é incerto. Há esperança de uma mudança positiva – individual e coletiva. Um desastre natural provoca mudanças no ambiente. Uma pandemia global deveria causar mudanças ainda mais profundas nos seres humanos. Talvez o momento seja o propício para repensarmos os valores que têm governado a sociedade mundial. Tempos difíceis como estes que estamos vivendo – estranhos, incertos e dolorosos – têm um lado positivo: criam a possibilidade de encontrarmos novos paradigmas para a sociedade. Essa revisão dos valores e prioridades deveria incluir um maior espaço para o relacionamento vertical – entre o homem e D’us – e não apenas para o horizontal – entre o homem e seus semelhantes – que, infelizmente, é o único tipo de relacionamento que guia a vida de tantas pessoas. O tema de Chanucá, que celebra eventos ocorridos há mais de dois milênios, é hoje mais relevante do que nunca. A guerra dos Hasmoneus foi singular por ter sido um sinal do fim da sociedade pagã. Mas hoje, particularmente no mundo ocidental, os valores helênicos são mais fortes e estão mais difundidos do que nunca. Talvez os dramáticos eventos destes nossos dias ajudem a demolir a nova sociedade helênica do Ocidente, nela instilando valores do que é certo e errado, em lugar da legalidade e praticidade.
A guerra contra a assimilação
se assimilado mesmo se os helênicos não os tivessem forçado a fazê-lo.
A luta entre os Hasmoneus e os gregos foi uma guerra religiosa para proteger o Judaísmo, mas não foi um embate intelectual entre a filosofia grega e a Torá. A guerra dos Hasmoneus teve pouca ligação com o mundo grego clássico: foi muito pequena a assimilação dos judeus à alta cultura grega. Os judeus estavam sendo assimilados da mesma maneira que as demais nações do Oriente Médio que abraçaram o Helenismo. Assim como seus vizinhos não-judeus, a maioria dos judeus desconhecia e não se importava em saber quem eram Platão, Aristóteles e Arquimedes. Os judeus não se assimilavam por razões
Hoje, o processo de assimilação dos judeus segue pelo mesmo caminho. Os judeus não se assimilam por terem sido influenciados pelos trabalhos de Kant, Spinoza ou Marx. A maior parte dos judeus não estudaram seus trabalhos e não se importam com o que escreveram. Os judeus se assimilam hoje pela mesma razão que se assimilavam há 22 séculos – abandonando o Judaísmo e abraçando o Helenismo, por ser, quase sempre, a opção mais fácil e conveniente.
ideológicas, filosóficas ou teológicas, mas por estarem interessados no estilo de vida helênico, que era fácil e confortável, e em sua cultura universal. É verdade que os gregos travaram perseguições religiosas, promulgaram decretos horríveis contra os judeus e exerceram pressão para assimilar o Povo de Israel à sua cultura. Mas muitos judeus teriam
Uma nação despida de sua identidade não é uma nação, e a identidade do Povo Judeu é a Torá
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Assimilar-se, em nossos dias, não significa ver-se dividido entre filosofias, ideologias e
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crenças conflitantes. Significa jogar para o alto tudo aquilo no Judaísmo que a pessoa considere trabalhoso e inconveniente. A assimilação judaica hoje, assim como na época dos gregos, significa identificar-se com uma cultura que é essencialmente materialista e hedonista, excessivamente libertária e epicurista, que não faz demandas e não diferencia entre o que é permitido e o que é proibido. O Judaísmo, por outro lado, exige muito dos judeus – tanto em relação a D’us quanto aos outros seres humanos. A Torá exige diligência e disciplina e se baseia em distinções – entre o que é permitido e o que é proibido, entre o bem e o mal, entre uma mitzvá e um pecado. Já o Helenismo, este ensina que tudo é basicamente igual e nada tem importância. É irônico que Chanucá, que talvez seja a festa judaica mais celebrada, é, de certa forma, a de maior religiosidade, pois comemora uma guerra religiosa que foi travada para preservar a pureza e a integridade da Torá. A guerra dos Hasmoneus foi uma luta em prol do Judaísmo e contra a assimilação – uma luta por uma identidade religiosa judaica. Há ainda outra lição sobre a assimilação judaica que depreendemos da guerra dos Hasmoneus. Ainda que, à época, os judeus vivessem na Terra de Israel, eles se estavam assimilando à cultura helênica e perdendo sua identidade judaica. Isso evidencia o fato de que a assimilação judaica não é um fenômeno exclusivo da Diáspora. Ainda que os judeus que hoje vivem em Israel não estejam sujeitos à ocupação estrangeira – como na época da guerra dos Hasmoneus –, eles continuam vulneráveis a influências contrárias ao Judaísmo.
Chanuquiá em metal de fábrica fundada em 1880, ainda em funcionamento, na cidade de Geislingen an Steige, Alemanha
Há mais de dois milênios, os Hasmoneus entenderam algo que tantos judeus hoje não entendem, mesmo muitos dos que vivem em Israel: para ser judeu não basta viver no Estado Judeu e falar hebraico. Se o Judaísmo for comprometido, se substituirmos as leis e valores
da Torá pelos da cultura ocidental, legado dos helênicos, tudo estará perdido. Uma nação despida de sua identidade não é uma nação, e a identidade do Povo Judeu é a Torá. Curiosamente, esse ponto
CHANUQUIÁ DA POLÔNIA OU RÚsSIA, PRIMEIRa METADE DO SÉC. 19
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foi defendido por um dos mais respeitados pensadores católicos nos Estados Unidos. Há uma década, Charles Chaput, à época arcebispo da Filadélfia, visitou as salas de estudo da Yeshiva University, em Nova York, onde centenas de alunos passam o dia estudando Torá. De volta à sua congregação, o Arcebispo Chaput fez um sermão sobre o que tinha visto. E disse que percebera que “o Povo Judeu continua a existir graças ao seu pacto...que era a base e elemento aglutinador de seu relacionamento entre si, com seu passado e com seu futuro. E quanto mais fiéis eles forem à Palavra Divina, mais certos podem estar de sua sobrevivência como povo”. Essa percepção – de que a única garantia da sobrevivência do Povo Judeu é a sua fidelidade à Torá – foi o que desencadeou a guerra dos Hasmoneus contra os gregos. Mas apesar de seu triunfo
militar – apesar de terem retomado Jerusalém e o Templo Sagrado e do milagre do azeite – a guerra não levou a um final definitivo. Essa guerra continua a ser lutada em todas as gerações, inclusive na nossa. Todo judeu, mesmo os que têm o privilégio de viver em Israel, tem de optar entre o Judaísmo e o Helenismo – entre nossa herança e identidade espiritual ou a aculturação e a assimilação. O que mudou desde a época dos Hasmoneus foi que a guerra entre o Judaísmo e o Helenismo não mais é um confronto militar. Hoje é uma guerra espiritual e as forças que querem extinguir a luz do Povo de Israel são muito mais insidiosas. Em todas as gerações passadas houve inúmeros judeus que, como os Hasmoneus, estavam dispostos a dar a vida para defender sua fé em D’us, sua integridade espiritual e a santidade da Torá. Para eles, o Judaísmo não era apenas a 12
motivação central de sua vida. Era sua própria vida e, de fato, mais importante ainda que sua vida. Em nossa geração, apesar das ameaças enfrentadas pelo Estado de Israel e dos hoje frequentes surtos de antissemitismo que surgem na Diáspora, nós, judeus, não precisamos sacrificar nossa vida pelo Judaísmo. Mas se algo podemos aprender da luta dos Hasmoneus, esse algo é que se houve, em nosso passado, judeus dispostos a morrer por nossa religião, nós temos hoje que, no mínimo, viver por ela. BIBLIOGRAFIA
Rabbi Adin (Even Israel) Steinsaltz Hanukkah – lighting a new kind of candle https://blogs.timesofisrael.com/hanukkahlighting-a-new-kind-of-candle/ Rabbi Adin (Even Israel) Steinsaltz Eight Days, Eight Lights – Day 1 https://steinsaltz.org/essay/ hanukkah-5776/ A Former Catholic Dances With the Torah, Rabbi Meir Soloveitchik, artigo no The Wall Street Journal, 8/10/2020
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acendendo a Chanuquiá Todas as noites, antes de acender as velas pronunciam-se as seguintes bênçãos:
Baruch Atá A-do-nai, E-lo-hê-nu Mêlech haolam, asher kideshánu bemitsvotav, vetsivánu lehadlic ner Chanucá.
A cada noite, após recitar as bênçãos, acendem-se as velas da Chanuquiá com o shamash, que é colocado na Chanuquiá de modo a ficar mais alto do que as demais chamas. Após acender as velas, recita-se em seguida Hanerot halálu:
Bendito és Tu, Eterno, nosso D’us, Rei do Universo, que nos santificaste com Teus mandamentos, e nos ordenaste acender a vela de Chanucá.
Baruch Atá A-do-nai, E-lo-hê-nu Mêlech haolam, sheassá nissim laavotênu, bayamim hahêm, bazeman hazê.
Bendito és Tu, Eterno, nosso D’us, Rei do Universo, que fizeste milagres para nossos antepassados, naqueles dias, nesta época. Apenas na primeira noite, depois de recitar as duas bênçãos, recita-se o shehecheyánu:
Baruch Atá A-do-nai, E-lo-hê-nu Mêlech haolam, shehecheyánu vekiyemánu vehiguiyánu lazeman hazê.
Bendito és Tu, Eterno, nosso D’us, Rei do Universo, que nos deste vida, nos mantiveste e nos fizeste chegar até a presente época.
Costuma-se colocar a Chanuquiá sobre uma mesa no lado esquerdo da porta de entrada, em frente à mezuzá, ou na janela que dá para a via pública. Os seguintes horários são referentes apenas a São Paulo. 1ª noite 25 de Kislev Quinta-feira, 10 de dezembro, a partir de 19:06 horas 2ª noite 26 de Kislev Sexta-feira, 11 de dezembro, 18:27 horas, antes de
acender as velas de Shabat
3ª noite 27 de Kislev Sábado, 12 de dezembro, a partir das 19:36 horas após a Havdalá
Hanerot halálu ánu madlikim, al hanissim veal hapurkan, veal haguevurot veal hateshuot, veal haniflaot, sheassita laavotênu, bayamim hahêm, bazeman hazê, al yedê cohanêcha hakedoshim. Vechol shemonat yemê Chanucá, hanerot halálu côdesh hem, veen lánu reshut lehishtamesh bahem êla lir’otam bilvad, kedê lehodot lishmêcha, al nissêcha, veal nifleotêcha, veal yeshuotêcha.
Acendemos estas luzes em virtude dos milagres, redenções, bravuras, salvações, feitos maravilhosos e auxílios que realizaste para nossos antepassados, naqueles dias, nesta época, por intermédio de Teus sagrados sacerdotes. Durante todos os oito dias de Chanucá, estas luzes são sagradas, não nos sendo permitido fazer qualquer uso delas, apenas mirálas, a fim de que possamos agradecer e louvar Teu grande nome, por Teus milagres, Teus feitos maravilhosos e Tuas salvações. 13
4ª noite 28 de Kislev Domingo, 13 de dezembro, a partir das 19:08 horas 5ª noite 29 de Kislev Segunda-feira, 14 de dezembro, a partir das 19:08 horas 6ª noite 30 de Kislev Terça-feira, 15 de dezembro, a partir das 19:09 horas 7ª noite 1 de Tevet Quarta-feira 16 de dezembro, 19:09 horas 8ª noite 2 de Tevet Quinta-feira, 17 de dezembro, 19:10 horas
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nossos sábios
Rabino Lorde Jonathan Sacks Zt”l O Rabino Lorde Jonathan Sacks deixou este mundo no Shabat, 7 de novembro deste ano de 2020. O Judaísmo e Israel perderam uma de suas vozes mais poderosas. Um dos grandes pensadores de nosso tempo, foi um embaixador global dos judeus. Era uma voz moral para todos os povos, uma voz que inspirava judeus e não judeus, com igual paixão. Ele representava o que há de melhor nos seres humanos.
R
abino-chefe do Reino Unido durante 22 anos, o Rabi Lorde Jonathan Sacks Zt”l foi um defensor feroz de Israel e do Povo Judeu. O Rabino Sacks, como era simplesmente conhecido, descrevia o Judaísmo como uma fortalecedora tradição de esperança e fé radical na liberdade dos homens. Preconizava a tolerância religiosa e social e foi grandemente influenciado pelo Lubavitcher Rebbe, Menachem Mendel Schneerson, que lhe ensinou a importância de partilhar lições da fé judaica não apenas com os judeus, mas com toda a humanidade. E, como o Rebe, também acreditava na compatibilidade da ciência com a religião.
Foi um dos primeiros líderes religiosos a ter um website. Seu intuito não era apenas oferecer um vasto conteúdo religioso, queria tornar conhecidas as suas posições sobre questões e eventos mundiais. Um defensor vocal contra o antissemitismo e o antissionismo, era também um apoiador apaixonado da educação acerca do Holocausto. Acreditava ser nossa obrigação sempre recordar esse terrível período de nossa história. Pouquíssimos intelectuais judeus e não judeus de nossa geração poderiam competir com seu conhecimento. E, devido à sua extensa e abrangente instrução judaica e secular, o Rabino Sacks tinha as ferramentas para debater com qualquer oponente do Judaísmo e de Israel. Seus encontros com o famoso biólogo evolutivo ateu, Richard Dawkins, viraram debates públicos transmitidos pelo rádio e televisão.
Rabi Sacks era um homem de muitos talentos e de uma mente brilhante, privilegiada. Era um escritor prolífico e perspicaz e um orador eloquente e carismático, que, por décadas, levou a público uma percepção espiritual do Judaísmo. Ele era a combinação ideal de um grande comunicador com um pensador original. Escreveu mais de 30 livros e centenas de artigos, além de ter presença constante tanto na mídia impressa quanto no rádio e na televisão, em seu país e no mundo afora. Transmitia a sabedoria judaica em um programa regular, que produzia para a BBC, antes de Pessach e das Grandes Festas.
Após deixar, em 2013, a posição de Rabino-chefe das Comunidades Judaicas Unidas da Grã-Bretanha e da Commonwealth, que ocupava desde 1991, o Rabino teve mais tempo de visitar as diferentes comunidades e dar palestras. A comunidade judaica de São Paulo teve o privilégio de ouvir suas eloquentes palavras em março de 2013, quando a visitou a convite do 14
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Instituto Morashá de Cultura, com o apoio da Fundação Safra. Ele falou perante jovens e adultos, na sinagoga Beit Yaacov e em várias outras e na Escola Beit Yaacov. Quem o viu ou ouviu em uma dessas ocasiões não esquecerá sua inteligência, autoconfiança e senso de humor. Na ocasião, concedeu a Morashá uma entrevista exclusiva que pode ser acessada em nosso website. Enquanto serviu como Rabinochefe, ele se tornou conselheiro pessoal de primeiros-ministros e membros da família real. Em 2005, no 79º aniversário de Sua Majestade a Rainha da Inglaterra Elizabeth II, ele recebeu, das mãos da Rainha a comenda de KBE, Cavaleiro-Comendador do Império Britânico, com o título de Sir. Em 2009 foi condecorado com um título vitalício de nobreza,
tornando-se um Par Vitalício, e tomou assento na Câmara dos Lordes em outubro de 2009.
na escola beit yaacov, são paulo. março 2013
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O Rabino Sacks manteve relacionamento muito próximo com o Príncipe Charles e com o Arcebispo de Canterbury, entre tantas outras figuras importantes. Tony Blair, ex-Premiê britânico, era um amigo íntimo com o qual costumava estudar a Bíblia judaica. O alcance de sua personalidade transpôs as fronteiras do Reino Unido, tendo contribuído com alguns discursos do ex-Presidente Bill Clinton, dos EUA. Em 2018, o VicePresidente americano Mike Pence pediu sua ajuda quando preparava seu discurso para falar no Knesset. E, Gordon Brown, ex-Primeiro-Ministro do Reino Unido, escreveu o prefácio de um de seus livros. Ademais, ele se reuniu com personalidades do mundo todo. E, em certa DEZEMBRO 2020
nossos sábios
ocasião, o Rabino Sacks foi até Amã, para se reunir com o rei Hussein e seu irmão, o principe Hassan, em uma tentativa de unir judeus e muçulmanos no Oriente Médio. A atuação e os pensamento do Rabino Lorde Sacks têm sido tema de milhares de artigos, mas ele sempre manteve sua vida pessoal e familiar longe dos holofotes da mídia. Por vezes revelou, em suas entrevistas e discursos, certos episódios de sua vida, que resumimos a seguir para os leitores.
maternos... em Finsbury Park, ao norte de Londres. Meu avô não exercia a função de rabino, mas tinha sua própria sinagoga, um shtiebel, e os serviços religiosos fazem parte de minhas primeiras lembranças. Já o meu bisavô materno era o Rabino Arye Leib Frumkin, rabino e sionista que emigrou para Israel em 1883 e foi um dos fundadores da cidade de Petach Tikva”.
Sua família
Em criança, o Rabino Sacks não frequentou escolas judaicas, mas
Jonathan Henry Sacks, o mais velho de quatro irmãos, nasceu em 8 de março de 1948, em Lambeth, bairro ao sul de Londres. Sua mãe, Louisa, “Libby” para a família, trabalhava no negócio de vinhos de sua família e, durante o bombardeio alemão de Londres, na 2ª Guerra Mundial, dirigiu ambulâncias. O pai dele, Louis, viera da Polônia, ainda criança e vendia roupas no mercado da Petticoat Lane. Homem inteligente, Louis não teve educação formal judaica nem secular, pois começou a trabalhar aos 14 anos para ajudar em casa. O Rabino Lord Sacks descrevia sua família como muito feliz: “Eu tinha, em meus pais, personalidades completamente opostas. Meu pai preferia perder um amigo a comprometer um de seus princípios; e minha mãe mantinha todos os amigos que papai perdia”. Seus pais eram ortodoxos “moderados”, interpretando as palavras do Rabino. Como ele escreveu, em certa ocasião: “A princípio, quando era muito pequeno, achava D’us um mistério. Nos três primeiros anos de minha vida, morávamos com meus avós
Formação acadêmica e religiosa
Rabino-chefe Lorde Jonathan Sacks e sua esposa, Lady Elaine
ao se tornar Rabino-chefe foi um de seus mais ferrenhos defensores. Sabia por experiência própria o tipo de dificuldades que um aluno judeu passava estudando numa escola não judaica. Aluno brilhante, foi admitido na Universidade de Cambridge para cursar Filosofia. Era o primeiro de sua família a cursar o ensino superior. “Quando se iniciava cada semestre, minha mãe sempre dizia, ‘Jonathan, não abra mão de seu Judaísmo’”. 16
Como ocorreu com muitos outros judeus pelo mundo, a Guerra dos Seis Dias mudou sua percepção sobre Israel e o Povo Judeu. Ele costumava descrever alunos e professores judeus reunidos na sinagoga, em Cambridge, orando por Israel e colados no rádio para ouvir as notícias como se suas próprias vidas estivessem em jogo. “Aqueles dias plantaram uma semente em minha mente que nunca mais me abandonou e criaram uma responsabilidade pelo povo e nação judaica que também nunca mais me abandonou”. Logo depois, ele se torna presidente da Sociedade Judaica da Universidade de Cambridge (CUJS). No ano seguinte, ainda estudando em Cambridge, ele avistou Elaine Taylor, sua futura esposa, no pátio do King’s College. “Ela irradiava alegria”, contou em uma entrevista. Ele costumava dizer que ela era “alegre, positiva, sempre buscando o lado bom das pessoas... ela é o fiel da balança, em tudo. Quando eu passava por momentos difíceis, como Rabino-chefe, encontrava nela a estabilidade”. E para Elaine, também, “foi amor à primeira vista”. O Rabino conta: “Acho que me levou três semanas para lhe propor casamento e me arrependo profundamente de ter levado tanto tempo. Comprei um anel na Woolworths e lhe fiz o pedido em pleno Oxford Circus. Nunca tive a menor dúvida”. Eles se casaram dois anos depois. Nunca lhe passou pela cabeça ser rabino; pensava que seria contabilista. Mas, em 1968, decidiu ir aos Estados Unidos. Ele estava estudando filosofia “em uma época em que ser filósofo e ter fé em uma religião era algo que, na Grã-Bretanha, parecia quase uma
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contradição”. Então naquelas férias de verão ele foi aos Estados Unidos para ver se podia encontrar-se com os principais rabinos e intelectuais, para saber deles como conseguiam se digladiar com os problemas que ele estava enfrentando. Desde o princípio, muitos daqueles com quem ele se reuniu falavam do Rebe de Lubavitch, que “já assumira uma estatura quase lendária”, repetindo suas palavras. Não foi fácil conseguir uma hora com o Rebe. Quando Sacks chegou no número 770 da Eastern Parkway, no Brooklyn, para vê-lo, foi alertado de que seria praticamente impossível conseguir uma hora. Ele insistiu e deixou um telefone onde podia ser localizado. Quando recebeu a notícia de que o Rebe o receberia, estava em Los Angeles, visitando uma tia. Imediatamente pegou um ônibus e viajou 72 horas de volta para Nova York. No encontro, após uma “conversa intelectual e filosófica”, o Rebe lhe perguntou quantos estudantes judeus havia em Cambridge, quantos estavam envolvidos com a vida judaica e o que ele pessoalmente estava fazendo para atrair mais judeus. Ele começou a responder: “Na situação em que me encontro…”, mas o Rebe interrompeu-o no meio da frase, dizendo: “Ninguém se encontra em uma situação; você se coloca em uma situação e, assim sendo, pode facilmente se colocar em outra”. Durante essa estada nos EUA, ele também se reuniu com o Rabino Joseph N. Soloveitchik, conhecido como “o Rav”. E resume, assim, a influência de ambos, os grandes Rebe e Rav, sobre sua pessoa: “Enquanto o Rav me levou a ser um pensador, o Rebbe me desafiou a ser um líder. Esses dois encontros mudaram a minha vida...”.
De volta à Inglaterra, o Rabino Sacks continuou seus estudos e, no ano seguinte, 1969, tirou o título de Bacharel em Filosofia. Logo após, embarcou para Israel para estudar na Ieshivá de Kfar Chabad. Até então, ele não tivera educação judaica formal alguma. No ano seguinte, 1970, ao voltar à capital inglesa, casa-se com Elaine, com quem viveu feliz até o último dia de sua vida. Continuou seus estudos seculares na Universidade de Oxford, obtendo em 1972 o mestrado em Filosofia. Enquanto trabalhava em sua tese de doutorado, passou a lecionar Filosofia. Em 1973, o casal teve seu primeiro filho, Joshua, tendo mais duas filhas, Dina e Gila, posteriormente. Rabi Sacks jamais se esqueceu das palavras do Rebe, “seja um líder”, e naquele mesmo ano de 1973 começou a estudar para o rabinato. Em 1976, após cursar o Jews’ College (hoje, Escola de Estudos Judaicos), de Londres, e a Ieshivá Etz Chaim, recebeu sua Smichá, a ordenação rabínica. E decidiu que era tempo de retomar sua vida profissional. 17
Cinco anos mais tarde, o Rabi Sacks viu-se diante de um dilema profissional: tornar-se professor, economista ou advogado. Novamente consultou o Lubavitcher Rebbe, em NY, que foi categórico em sua resposta: “Nenhuma das três opções. O Judaísmo inglês está carente de líderes religiosos e cabe a você preparar futuros rabinos e assumir o púlpito de uma congregação”. E ele seguiu o conselho do Rebe. Naquele mesmo ano de 1978, tornouse rabino da Sinagoga Golders Green, em Londres, onde ficou até 1983, quando assumiu o posto na Sinagoga de Marble Arch, também na capital inglesa, lá permanecendo até 1990. Suas funções como rabino não o impediram de obter, em 1981, o doutorado no renomado Kings’ College de Londres. Tampouco de ensinar, tornando-se professor no Jews’ College e, em 1984, assumindo a direção da respeitada instituição – onde permaneceu até ser nomeado Rabino-chefe. Ele ocupou cátedras na Universidade de Londres e de Manchester, e o cargo de Professor Visitante em outras prestigiosas universidades do Reino Unido, DEZEMBRO 2020
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Estados Unidos e Israel. No decorrer dos anos recebeu 18 títulos de Doutor Honoris Causa, incluindo ainda o de Doutor em Divindade, conferido pelo Arcebispo de Canterbury à época, Lord Carey.
Rabino-chefe das Congregações Judaicas Unidas Quando o então Rabino-chefe das Congregações Judaicas Unidas da Commonwealth, Rabino Lord Immanuel Jakobovits, ia deixar o cargo, não havia dúvida entre as lideranças comunitárias que o melhor candidato para o suceder era o Rabino Jonathan Sacks. O Rabino Sacks era único. Vinha de uma origem muito diferente da de seu antecessor – não de uma longa linhagem de rabinos – e tivera uma robusta formação secular. Era filósofo e acadêmico e um orador envolvente que falava um belo inglês. Ademais, entendia a complexidade de ser um judeu da diáspora. A princípio, o Rabino Sacks relutou em aceitar o cargo, e escreveu ao Rebe pedindo seu conselho. A resposta foi simples: “Aceite”. Em 1º de setembro de 1991, aos 43 anos de idade, Jonathan Henry Sacks se torna o Rabino-chefe das Congregações Judaicas Unidas, uma das posições mais destacadas do Judaísmo europeu. Era o sexto líder espiritual a desempenhar a função de Rabino-chefe, cargo criado em 1845, e a pessoa mais jovem a exercê-lo. Ele era o grãorabino das congregações ortodoxas, mas não das liberais e tampouco das ultraortodoxas. Serviu por 22 anos, até 2013, durante o mandato de quatro primeiros-ministros: John Major, Tony Blair, Gordon Brown e David Cameron.
Década de Renovação Judaica Após assumir o cargo, em 1991, Rabi Sacks empenhou-se em revitalizar a comunidade judaica do Reino Unido, num programa que intitulou de “Década da Renovação Judaica”. A comunidade judaica encolhia a olhos vistos em virtude da assimilação, emigração e baixa taxa de natalidade, perdendo também sua influência na sociedade maior. Uma das preocupações do Rabino Sacks era que “os judeus britânicos estivessem perdendo, gradualmente, sua identidade judaica, o sentido da família judaica e, sobretudo, seu comprometimento com a Torá...”. O programa que instituiu baseavase em cinco valores centrais: “o amor a cada judeu, o amor ao
O Rabino Sacks contava que quando Itzhak Rabin faleceu, viajou com a delegação oficial britânica ao funeral do Primeiro Ministro israelense. Após o funeral, o príncipe Charles convidou para voltarem com ele à Inglaterra, em seu avião real, o Rabino Sacks, a delegação britânica e Tony Blair. No vôo, o Rabino estava estudando a porção semanal da Torá quando Tony Blair lhe pediu que o incluísse em seu estudo. Alguns minutos mais tarde, o Rabino Sacks percebeu que o príncipe Charles estava de pé, ouvindo-o falar. O Príncipe se juntou a eles e os três passaram uma hora estudando Torá. Naquele dia, o Rabino ensinou Torá a um futuro rei e a um futuro primeiro-ministro da GrãBretanha. Na ocasião, veio-lhe à mente o Salmo 119:46 : “E falarei dos Teus testemunhos perante os reis, e não me envergonharei".
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estudo judaico, o amor a D’us, uma profunda contribuição à sociedade britânica e uma inequívoca ligação com Israel”. Na década seguinte, o programa priorizou a juventude, as mulheres e as pequenas comunidades da Grã-Bretanha, e acima de tudo, empenhava-se em despertar o interesse da juventude em relação à sua herança judaica. “Quando assumi o cargo de Rabinochefe, falava de uma década de renovação judaica. Hoje, temos uma comunidade mais jovem e mais instruída do que no passado. Abrimos mais escolas judaicas do que em qualquer outro período da história anglo-judaica. Nossos serviços religiosos eram entediantes e agora são vibrantes, engajadores e participativos”, disse o Rabino posteriormente. Em 1993, 25% das crianças da comunidade estudavam em escolas judaicas; em 2005, este índice havia subido para 63%. Em certa ocasião Rabi Sacks revelou que a nomeação afetara sua vida particular. “Aquilo mudou, instantaneamente, a vida de nossa família.... Viajava muito e estava sempre pensando em meu próximo discurso. Eu sentia que era um pouco ausente… Não é fácil ser filho de uma pessoa pública, mas minha esposa Elaine foi a fonte de força e confiança que nossos três filhos necessitavam. Mas éramos uma família muito unida e as noites de sexta-feira, Erev Shabat, eram momentos familiares sagrados...”. Durante sua primeira década como Rabino-chefe, seu pai faleceu, em 1996. “Senti-me muito deprimido ao perder meu pai. Ele foi um homem que não teve muita sorte na vida. Na minha posse como Rabino-chefe eu o fiz abrir a Arca Sagrada, o Aron haKodesh, e pensei: ‘Eu o fiz por você,
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pai, para que você pudesse levantar bem alto a sua cabeça’. Uma forte depressão tomou conta de mim durou dois anos, até que escrevi um livro intitulado Celebrando a Vida. As coisas que acontecem em nossa própria vida são o que mais fundo nos tocam”. No ano 2000, Rabi Sacks foi nomeado presidente-associado da Conferência de Rabinos Europeus. E, no ano seguinte, ele inicia sua segunda década no cargo de Rabino-chefe com um apelo à “Responsabilidade Judaica” e um renovado comprometimento com a dimensão ética do Judaísmo. Escreveu sobre isso em seu livro de 2005, To Heal a Fractured World: The Ethics of Responsibility (Como Curar um Mundo Fraturado: A Ética da Responsabilidade, em tradução livre).
Cavaleiro do Império Britânico e Membro da House of the Lords Como vimos acima, em 2005, a Rainha Elizabeth II da GrãBretanha condecorou-o como Cavaleiro por seus serviços à comunidade judaica e às relações inter-religiosas, dando-lhe o título de Sir até que, em 2009, ele foi alçado a Câmara dos Lordes, com o título vitalício de Lorde. Por ocasião de sua condecoração, sua mulher, sua mãe e sua sogra, o acompanharam ao Palácio de Buckingham: “Para nós, judeus, o mais importante é se esforçar dar orgulho à sua família. Para mim isso é algo de suma importância”, explicou. Elevado a Par Vitalício do Reino, tomou assento na Casa dos Lordes em outubro de 2009, como membro apartidário, sob o título de Barão Sacks de Aldgate, na Cidade de
COM A RAINHA ELIZABETH II
Londres. Ele escolheu “Aldgate” para seu título de nobreza como tributo à sua origem. Explicando por que escolhera o nome do distrito de East End, em Londres, o Rabino Sacks declarou: “Meu falecido pai vendia roupas na Commercial Road e minha avó dirigia a loja Frumkins de vinhos, nessa região. Quis me lembrar de minhas raízes. Era lá que eu os ajudava, bem pequeno, e de onde provêm minhas lembranças mais antigas”. O distrito de Aldgate também é relacionado com o gabinete do Rabinato-chefe, pois a Grande Sinagoga, na Duke’s Place, era a
sede do Rabinato até ser destruída na 2ª Guerra Mundial.
A saída do Rabinato-chefe O Rabino Sacks era vegetariano, corria diariamente, e gostava de música clássica. “Sinto-me, às vezes, muito deprimido pela dificuldade das tarefas que me impus, e quando entro em uma depressão temporária, a música me reanima e me permite voltar à luta deste mundo”. Após 22 anos no cargo, o Rabino Lorde Sacks decidiu que era hora de deixar o posto de Rabino-chefe.
O Rabino Sacks, ladeado pelo Rabino Ephraim Mirvis e o Príncipe Charles
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mas assumiu fortes posições públicas em dois assuntos que frequentemente se imiscuíam na política europeia: Israel e antissemitismo.
na escola beit yaacov, são paulo. março 2013
Queria mais tempo para ensinar, levar suas mensagens pelo mundo afora, escrever. Enquanto estava à frente do Rabinato-chefe ele escreveu um livro a cada ano: “Anos atrás, fiz uma lista dos livros que julgava ter que escrever – não porque quisesse escrevê-los, mas porque eles ainda não haviam sido escritos e precisavam sê-lo ...”. Seus livros tratam de prementes questões políticas e sociais, do papel da fé na idade moderna e de como curar um mundo fraturado. Escreveu sobre tolerância e extremismo, alertando sempre sobre a violência praticada em nome de D’us. Em um de seus livros mais recentes, Not in God’s Name: Confronting Religious Violence (Não em Nome de D’us: Confrontando a Violência Religiosa), o Rabino Sacks escreve: “Muito frequentemente na história da religião, as pessoas mataram em nome do D’us da Vida, guerrearam em nome do D’us da Paz, odiaram em nome do D’us da Compaixão. Quando isso acontece, D’us fala, às vezes em uma voz calma, suave e quase inaudível sob o clamor daqueles que dizem falar em Seu Nome. E o que Ele diz
nesses momentos é: ‘Não em Meu Nome’ ”. Amigo da família real, Rabi Sacks era convidado para as suas datas importantes, como o casamento do Príncipe William com Kate Middleton, em 2011. Em um jantar em maio de 2013 em homenagem à sua saída do cargo, Charles, o Príncipe de Gales afirmou que Lorde Sacks era um “amigo constante” e um “valioso conselheiro”, elogiando sua “conscientização espiritual e sua abrangente e esclarecida percepção filosófica e histórica”. Após deixar o Rabinato-chefe, o Rabino Sacks passava a maior parte de seu tempo em Nova York, onde foi professor na New York University e na Yeshiva University. Também deu palestras no King’s College, de Londres, e várias outras importantes instituições de ensino superior.
Antissemitismo e antissionismo O Rabino Sacks era normalmente avesso a mesclar religião e política, 20
Repetidamente apontava a importância e centralidade de Israel para o Povo Judeu, quer vivesse no Estado Judeu ou na Diáspora. “Creio que Israel é um extraordinário milagre humano. Israel recuperou a língua hebraica, a língua da Bíblia, e a fez ser novamente falada. Recuperou uma terra que, durante tantos séculos, esteve abandonada e desértica, e a fez novamente florescer. Reuniu esse povo destroçado e espalhado e o fez renascer. Julgo que Israel é a coisa mais extraordinária que se conhece em termos de democracia. Chamo Israel de ‘hiperdemocracia’. Como vocês sabem, cada um de seus motoristas de taxi é um gênio na política, que entende tudo mais do que os editorialistas dos melhores jornais. Considero Israel um lugar extraordinário de criatividade e diversidade. Nesse país minúsculo há mais diversidade do que em qualquer continente. Israel é um extraordinário milagre humano”. Em uma entrevista em Israel, ao jornal The Jerusalem Post, em 2015, ele disse ainda: “Sempre que viemos para Israel…vemos a paixão, energia e criatividade na mais notável nação pequena na face da Terra. Israel deve fazer cada um dos judeus do mundo se sentir orgulhoso, e não estou fazendo uma afirmação política nem religiosa. Trata-se de uma afirmação do que ocorre quando você reúne uma grande quantidade de judeus em um país que é o palco da História Judaica, e diz: ‘Agora escrevam o próximo capítulo do Povo Judeu’ ”.
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Rabi Sacks jamais titubeou em defender Israel. Quando, em suas primeiras semanas como Primeiro -Ministro, David Cameron atacou Israel em um pronunciamento, o Rabino imediatamente foi a público protestar veementemente. Não permitia que “alguém de fora” criticasse Eretz Israel. Assim como defendia Israel, repetidamente alertou o mundo contra o crescente antissemitismo. Mencionava, sempre, um episódio que ocorrera em 2001, quando sua filha, então com 19 anos, estudava na London School of Economics: “Ela voltava de uma participação numa manifestação antiglobalização, que acabara virando um protesto contra Israel e os judeus. Ela, aos prantos, me disse: ‘Pai, eles nos odeiam’. Aquilo foi para mim um grande despertar”. Falou publicamente, também, contra Jeremy Corbyn, o ex-líder do Partido Trabalhista britânico, chamando-o de antissemita: “Temos um antissemita na liderança do Labour Party, e na oposição à Coroa. É por isso que os judeus se sentem tão ameaçados pelo Sr. Corbyn e seus apoiadores”, disse Rabi Sacks em 2018, em entrevista. “Corbyn apoia racistas, terroristas e os que negociam o ódio e querem matar judeus e tirar Israel do mapa”.
Para o Rabino Sacks o antissemitismo é um mal que precisa ser extirpado: “Quando vejo o antissemitismo de volta à Europa e o fracasso de alguns partidos e políticos em enfrentálo, considero muito difícil ter fé no ser humano. Acredito que parte desse antissemitismo estivesse oculto e simplesmente conseguiu se soltar das amarras de vários tabus. Como foi que Jeremy Corbyn agiu em relação ao antissemitismo no Partido Trabalhista? Reafirmo tudo o que disse sobre ele. Sinto que isso seja uma mancha genuína no tecido da vida política britânica. Depararse com algo tão manifestamente perverso como o antissemitismo e nada fazer? Os judeus não podem ser deixados sozinhos no combate ao antissemitismo. Não queremos ser retratados como as vítimas”. A Casa dos Lordes debateu o assunto do antissemitismo na política da Grã-Bretanha, em uma histórica sessão em que o Rabino Sacks descreveu o atual ressurgimento do antissemitismo na Europa como semelhante à era que antecedeu o Holocausto na Europa. Mencionou os vários COM O EX-PRIMEIRO MINISTRO, SEU AMIGO TONY BLAIR
“JONATHAN WAS MY HERO” por Tony Blair
“Jonathan era meu herói. Em seu trabalho, o que brilha através do tempo, repetidamente, é sua humanidade combinada com uma vontade infinita de se engajar, por mais difícil que fosse o assunto ou o público – marca da verdadeira autoconfiança intelectual. Ele sabia interpretar e dar vida à Torá como ninguém. Eu adorava ouvi-lo falar sobre Judaísmo, fazer-me percorrer os relatos bíblicos que me são tão conhecidos, mas que, em suas palavras, adquiriam um novo significado e, o que era melhor, adquiriam relevância contemporânea. Ele entendia os perigos que se apresentam à religião, as tentativas de demonizá-la usando os momentos escuros na História para obscurecer nossa capacidade de descortinar um novo caminho para o futuro; e o lugar essencial da crença religiosa na sociedade: o direito dos que têm uma crença religiosa de não deter o poder, mas de se manifestar e, por vezes, contra os poderosos.... Em uma de suas últimas transmissões, Sacks falou com uma clareza brilhante sobre a diferença entre a sociedade baseada no ‘eu’ e a que se baseia em ‘nós’; sobre a necessidade da responsabilidade coletiva, não apenas da responsabilidade individual; uma sociedade governada não pelo interesse próprio, mas no bem comum.” Trecho do artigo publicado no Jewish News Souvenir Supplement, 12 novembro 2020
Após essa declaração do Rabino Lorde Sacks, o atual Rabino-chefe britânico Ephraim Mirvis fez dura condenação ao Partido Trabalhista, um evento sem precedentes na vida judaica britânica. O novo líder trabalhista, Keir Starmer, pediu desculpas oficiais pela forma como, no mandato de Corbyn, tinha sido permitido que o antissemitismo permeasse as fileiras de seu partido. 21
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políticos que, durante o Holocausto, permitiram que o antissemitismo prevalecesse. “Estamos diante desta mesma situação, hoje”, enfatizou. “Com a lembrança do Holocausto ainda viva em nossa memória, o antissemitismo retornou exatamente como no século 19, justo quando as pessoas tinham começado a pensar que finalmente haviam superado os ódios do passado.” “Atualmente, não há um país sequer no mundo, muito menos na Europa, onde os judeus se sintam seguros”, declarou o Rabino Sacks. “Tudo o que eu disser é pouco para enfatizar quão séria é esta situação, não apenas
Em 2017, num vídeo do YouTube definido por alguns como a melhor explicação possível sobre o antissionismo e o antissemitismo, o Rabino chamou o antissionismo de “uma nova forma de antissemitismo”, argumentando que o mesmo nega aos judeus “o direito de existir coletivamente com os mesmos direitos que todos os demais”. Nega o direito de um Estado Judeu existir. O vídeo se baseava em um discurso que ele havia feito, um ano antes, em Bruxelas, e é tido como tendo aberto o caminho
o Rabino-chefe britânico mais conhecido nos 250 anos da história oficial de instalação desse cargo. E, com certeza, nenhum outro líder religioso judaico causou mundialmente a mesma impressão que ele, que era visto por todos como uma voz de moralidade e integridade ética. Ele sabia explicar como poucos a filosofia judaica ao público maior. Judeus e não-judeus ficavam encantados por sua habilidade de comunicador e suas posições e opiniões eram frequentemente procuradas pela mídia. O Rabino Lorde Jonathan H. Sacks faleceu no Shabat, 7 de novembro de 2020. Um mês antes seu gabinete informou que ele enfrentava uma terceira recidiva do câncer e se retirava da vida pública para seguir o tratamento. Ele fizera dois tratamentos para curar essa doença, aos 30 e aos 50 anos. Rabi Sacks deixa a esposa Elaine e seus filhos Joshua, Dina e Gila e nove netos.
Acendendo a chanuquiá na presença do então Primeiro Ministro David Cameron
para nós, judeus, mas para toda a nossa humanidade comum”. Disse também que qualquer sociedade ou partido político que tolerasse o antissemitismo havia “abdicado de toda e qualquer credibilidade moral”. “Não se pode construir um futuro calcado em mitos perversos do passado. Não se pode manter a liberdade calcada em hostilidade e ódio”.
para que a Grã-Bretanha adotasse, naquele mesmo ano, a definição de antissemitismo da Aliança Internacional de Recordação do Holocausto.
O legado do Rabino Sacks Sem sombra de dúvida, o Rabino Lorde Jonathan H. Sacks foi 22
O ex-Rabino-chefe da GrãBretanha e da Commonwealth foi enterrado em uma cerimônia modesta. Em virtude das restrições sanitárias da Covid-19 na Inglaterra, seu enterro, que teria atraído milhares de pessoas, teve que se limitar a 30 presentes. Após sua morte foram enviadas homenagens de toda a Diáspora e dos líderes não-judeus do mundo inteiro. Todos choravam sua morte e dezenas de páginas seriam necessárias para reproduzi-las. O legado do Rabino Lorde Jonathan Sacks seguirá vivo por muitas gerações por vir. Zecher Tzadik Levrachá, Que sua lembrança seja uma bênção.
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O Príncipe de Gales se despede de seu amigo e conselheiro “A morte do Rabino Lorde Sacks constitui a perda mais profunda para a comunidade judaica, para a nação e para o mundo. Quem o conhecia através de seus textos, sermões e transmissões certamente perdeu uma fonte inesgotável de sabedoria, sanidade e convicção moral em tempos muitas vezes desconcertantes e confusos. Aqueles que, como eu, tiveram o privilégio de conhecê-lo pessoalmente, perderam um guia confiável e um mestre inspirador. No meu caso, perdi um amigo verdadeiro e fiel. Sua família, mais do que todos, perdeu um grande homem cuja devoção a eles não tinha limites – e meu coração chora com eles por sua perda. Com o tempo, passei a valorizar imensamente os conselhos do Rabino Sacks. Com sua bagagem de conhecimentos aparentemente inesgotável, sua sabedoria infalível e seu instinto em busca do poder da história em nossa vida, ele era alguém em quem se podia confiar para identificar claramente os problemas morais envolvidos, e desafiar destemidamente as opções envolvidas.
Ao contemplar uma vida tão trágica e inesperadamente encurtada, somente podemos dirigir nosso olhar à Divina Providência na qual o Rabino Sacks colocava sua confiança, e ter fé de que, como diz o Salmista, o tempo de nossas vidas está em suas mãos.
A aparente facilidade com que ele sabia permear a confusão e o clamor de nossas atuais preocupações se calcava em sua profunda instrução em disciplinas seculares e religiosas, tornando-o especialmente capaz de falar com convicção sobre todos as fronteiras da religião, da cultura e das diferentes gerações.
Ao longo de seus 72 anos, ao que me parece, o Rabino Sacks estudou, escreveu e partilhou sua sabedoria com uma intensidade que representava várias vidas. Ouvindo seus sermões, lendo seus livros, qualquer um obrigatoriamente sente-se impactado pela urgência de suas palavras: ricas em sabedoria, arraigadas na humildade, carregadas de paixão – sem dúvida, uma voz que seguia a tradição dos maiores mestres do Povo Judeu.
Sua vida se distinguiu por três compromissos: o compromisso de ouvir e de aprender com os demais, sem temer o comprometimento de suas convicções profundas nem as dos demais; o compromisso com as instituições da Nação, que ele cultivava com sua própria defesa e participação; e o compromisso com a integridade e harmonia da Criação Divina – com Shalom.
Mesmo em meio a nosso luto, devemos agradecer a D’us por nos tê-lo dado por tanto tempo, e temos que honrar os valores que o guiavam: uma sociedade onde todos são valorizados, onde todos partilhamos um vínculo moral e um propósito Divino.
Um trabalho que ele escreveu para mim causou-me uma profunda impressão, pois ele indicava que, no Judaísmo, a harmonia do Universo flui da união com seu Criador, uma união na qual podemos participar mediante o silenciamento das demandas do ‘eu’ e o respeito à dignidade dos outros e a integridade da Natureza, por reconhecer em ambos um fragmento do Divino.
Ao falar, este ano, sobre a morte de seu próprio mestre, o muito reverenciado Rav Nachum Rabinovitch, o Rabino Sacks disse: ‘Os mestres nos dão mais do que o saber. Eles nos dão vida. Ter um grande professor é o mais perto que podemos estar dos Céus’. Essas suas palavras cabem perfeitamente nele, o Rabi Jonathan Sacks. Que sua luz continue a brilhar e sua lembrança nos seja uma bênção.
Como mencionei em 2013, ao falar em um evento que marcava a aposentadoria do Rabino Sacks do Rabinatochefe após 22 anos notáveis, ele e eu éramos exatos contemporâneos, nascidos no ano do nascimento do Estado de Israel. Também disse, citando Isaías de forma deliberadamente errônea, que ele era ‘uma luz em meio a esta nação’, e que eu esperava que ele mantivesse aquela luz acesa por muitos e muitos anos à frente. Isso foi há apenas sete anos. Mas, nos anos em que tivemos a graça de tê-lo conosco, quão intenso foi o brilho de sua luz, quantas vidas ele iluminou, quantos lugares escurou ele pôde clarear...
Louvai ao Eterno, porque Ele é bom; eterna é Sua misericórdia”. Publicado no Jewish News Souvenir Supplement, 12 novembro 2020
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sabedoria
Ensinamentos judaicos para superar os desafios da vida por Rabino Gabriel Aboutboul
O judaísmo acredita que o homem pode mudar a situação em que se encontre, bem como a tristeza e a depressão através de seus pensamentos, palavras e ações e, principalmente, tendo absoluta fé em que D’us é mais poderoso do que qualquer situação que se esteja vivendo.
P
ara entendermos os caminhos que o judaísmo nos indica para conseguir modificar nossa vida, precisamos, antes de mais nada, analisar aqueles momentos em que nosso estado de espírito nos leva a ficar abatidos, sem força, incapazes de enfrentar dificuldades. Isso pode gerar tristeza, cujos principais sintomas são o desânimo, a falta de vontade de desempenhar tarefas rotineiras e até de conviver socialmente. A tristeza nos leva à passividade e a anestesiar nossas emoções. Nossos Sábios ensinam que a tristeza é a porta para todos os males, pois torna a pessoa vulnerável a todas as coisas negativas.
A Chassidut – ensinamentos místicos revelados pelos Mestres Chassídicos – que nos ensina a substituir medo e temor por amor e júbilo, também ensina que, quando estamos tristes, o melhor a fazer é nos deitarmos e tentar dormir, porque nada de positivo pode resultar desse estado de espírito. A Chassidut aborda o tema da amargura – merirut, em hebraico. Diferentemente da tristeza, a amargura nos abala, mas não nos anestesia. Ao contrário da tristeza, a amargura nos dá um impulso para agir e conseguir tirar de dentro de nós o que nos aflige. Quando nosso estado de espírito nem sequer nos permite sentir amargura, isso significa que já estamos sem energia e vitalidade, sem a força necessária para conseguir sair da situação em que nos encontramos.
Na realidade, a tristeza constitui um mecanismo de defesa diante das dificuldades, da dor e do sofrimento. Contudo, sofrer e sentir dor é um estado de espírito mais positivo que a tristeza, pois o próprio fato de sentirmos dor significa que ainda estamos sensíveis. A tristeza, por outro lado, nos anestesia, nos paralisa e nos torna apáticos e indiferentes, sem ânimo para mudar.
Uma pessoa triste acaba se acomodando – acostumando-se à situação, mesmo que seja desconfortável ou nociva. O motivo disso é que ela não encontra a força necessária para quebrar o círculo vicioso que envolveu sua vida. Palavras de encorajamento muitas vezes não têm resultados positivos, pois quem está afundado na tristeza acredita que, apesar 24
de outras pessoas terem conseguido superar a tristeza, seu caso é diferente, insuperável.
Lutando contra a tristeza Tristeza e depressão podem ser resultado de uma frustração de uma expectativa não realizada. Isso ocorre quando a realidade não corresponde ao esperado e, consequentemente, passa-se de um estado de euforia para um de profunda depressão. A euforia ocorre quando o ser humano tem grandes expectativas e acredita que conseguirá alcançá-las. Porém, se essas expectativas não se concretizam, ele entra em depressão. Tristeza e depressão não dependem apenas de fatores externos. Em muitos casos esses sentimentos advêm de problemas internos – de um descompasso que existe dentro
de nós, de uma avaliação errônea de nós mesmos. Para encontrar o caminho que nos afasta da tristeza e da depressão e viver uma vida plena e feliz, precisamos, antes de mais nada, descobrir quem somos. Em muitos casos, há um distanciamento entre o que acreditamos ser, ou o que deveríamos ser, e o nosso verdadeiro eu. Descobrir quem somos, de verdade – descobrir a nossa essência - constitui o grande desafio. O autodescobrimento é um caminho longo e, quanto mais nos distanciamos daquilo que realmente somos, mais longo é o caminho para alcançar a verdadeira felicidade. O ser humano atinge a verdadeira felicidade quando ele é ele mesmo. Frustrações e sentimentos negativos são o fruto de querer ser quem não somos, quem não podemos ser ou quem não devemos ser. 25
Esse conceito é ilustrado por meio de uma história do quinto Rebe de Lubavitch, Rabi Shalom Dov Ber Schneerson – grande místico que estruturou os ensinamentos da Cabalá. Um dia, Rabi Shalom Dov, ainda criança, estava brincando com o irmão. Apesar de ser o mais jovem, ele era mais alto. Enquanto estavam brincando no quintal, seu irmão mais velho o jogou dentro de um poço. O pai ouviu o barulho e foi ver o que estava acontecendo. Ao perceber que o irmão mais velho havia jogado o mais novo no poço, ele perguntou: “Por que você fez isso com seu irmão?”. O filho mais velho respondeu, “Eu fiz o que eu deveria fazer. Sou o irmão mais velho então eu deveria ser o mais alto. Joguei meu irmão no poço para eu estar mais alto do que ele”. O pai respondeu: “Meu filho, vou lhe DEZEMBRO 2020
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uma maneira de se “autoenganar”. Pois, acreditar que tudo vai dar certo, gera alívio e faz com que o ser humano fique mais feliz. Mas a importância do otimismo vai muito além disso.
ensinar uma lição muito importante. Se você quer ser mais alto do que os outros, suba na cadeira ou na mesa em vez de jogar outras pessoas no buraco”. A lição dessa história é que o ser humano que deseja ser mais “alto” do que os outros – isto é, superá-los – deve agir para alcançar isso sem diminuir os demais. Há pessoas que tentam se sobressair diminuindo os outros. Isso não as levará a nada. Em vez disso, o ser humano deve procurar ele mesmo evoluir e crescer em vez de depreciar os demais. Dessa forma, seu crescimento será real e consistente. Em muitos casos, quando se avalia o valor de uma pessoa, o único critério é o de suas posses. Mas será que uma pessoa pode ser medida pelo que possui? Será que não somos nada além do que possuímos? É importante ressaltar que o Judaísmo, diferentemente de algumas religiões, não ensina que o ser humano deva abrir mão ou deixar de usufruir de bens materiais. O sustento e os elementos materiais da vida são importantes e significativos. Contudo, o que o Judaísmo ensina é que o físico e o material não constituem o mais importante. O dinheiro e as posses não devem ser o objetivo máximo da vida, mas um dos meios para se viver de forma significativa. Bens materiais são necessários; entre outros, são uma das formas de se poder ajudar muitas pessoas. Mas o valor do ser humano não pode ser medido por quanto ele possui. Quanto mais tempo passamos buscando o “ter” e não o “ser”, mais distantes ficamos do nosso objetivo: ser aquilo que realmente somos e cumprir a missão que nos é incumbida ao vir para este mundo material.
Saber e conhecer o nosso valor é a verdadeira fonte de satisfação e felicidade. Se nossa felicidade depende do “ter”, em vez do “ser”, o “ter” nunca nos bastará. Por outro lado, quando o “ser” constitui a fonte da felicidade interna do ser humano, ele terá a força e a capacidade para enfrentar as adversidades da vida.
Pensando Positivo Nossos Sábios ensinam que o perigo que leva à depressão e à tristeza habita dentro de nós, e não fora de nós. Às vezes, podemos sentir-nos “sem chão” – sem uma estrutura sólida. Isso gera sentimentos negativos. Contudo, na maioria dos casos, o problema não reside onde vivemos e nem advém das ações de outras pessoas, mas se encontra em nós mesmos. O problema está na insatisfação que sentimos, na perda de significado de nossa vida. Como podemos transformar isso? Transformamos isso quando sabemos quem somos e por meio do otimismo. O verdadeiro segredo do poder da mente – o que chamamos de força do pensamento positivo – é o otimismo. Há pessoas que acreditam que o otimismo não é nada mais do que 26
Os textos sagrados judaicos e nossos Sábios ensinam que existe um poder nos pensamentos, que estes possuem forças que devem ser utilizadas de maneira positiva. Pensamentos positivos por si só têm o poder de influenciar a vida do ser humano. Pensar positivo significa acreditar não só que é possível mudar a si próprio e sua situação, mas que podemos confiar no Criador, que é mais poderoso do que qualquer situação que se esteja vivendo. Pensar positivamente significa ter não somente fé, mas confiança absoluta que qualquer situação pode ser mudada.
Pensamentos negativos Assim como o pensamento positivo tem força, o pensamento negativo também o tem. É importante ressaltar que o Judaísmo ensina que há três domínios: o do pensamento, o da fala e o da ação. Uma força ainda maior que o pensamento positivo é o poder das palavras, pois tudo que é dito, tudo que é falado, produz efeito. O mundo da fala, da palavra, está muito próximo ao da ação. Isso significa que a fala é bem mais poderosa do que o pensamento: quando se verbaliza um pensamento negativo, este assume uma força maior do que se nunca tivesse sido enunciado pelos lábios. Forças negativas são evocadas por meio de palavras negativas. Portanto, devem ser evitadas, sempre. A própria Torá sempre usa linguagem positiva. Por exemplo, utiliza a expressão “aquilo que não é puro” em
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vez de “impuro”, “aquilo que não é certo” em vez de utilizar a palavra “errado”. Nossos Sábios também não mediram esforços para sempre se expressar de forma positiva. Por exemplo, quando o Talmud se refere ao cego, usa a expressão Sagui Nahor – alguém que tem muita luz; para falar do cemitério, usa a expressão Beit HaChaim – “a casa da vida”. Em várias oportunidades o Rebe de Lubavitch ensinou que não se deve chamar o hospital de Beit Cholim, a “casa dos doentes”, e sim, de Beit Refuá, a “casa da cura”. É fundamental que o ser humano se habitue a se expressar de forma sagrada, positiva e gentil. Por exemplo, não se deve dizer que as coisas “vão de mal a pior”, mas sim que “poderiam ser melhores”. Torna-se evidente, portanto, que é fundamental não verbalizar pensamentos negativos. Quando surge em nossa mente um pensamento negativo, a primeira coisa a fazer é evitar enunciálo, para em seguida, descartá-lo mentalmente procurando controlar a mente.
Esse ensinamento talmúdico não significa que o homem não precisa se esforçar para alcançar o que almeja. Significa que o homem pode trabalhar e viver com a tranquilidade de que ninguém o desproverá do que D’us lhe reservou. Afinal, D’us abençoa nossos esforços e atos. Há, porém, uma ressalva importante: por meio de ações negativas, a própria pessoa tem o poder de perder o que D’us destinou a ela.
demais se beneficia imensamente. Isso porque as ideias contidas em nossa mente influenciam o nosso próprio ser. Nossos Sábios ensinam que é fundamental nos relacionarmos de forma positiva com outras pessoas. Eles ensinam, ainda, que ninguém tem o poder de se apropriar do que pertence a outrem. Isso significa que ninguém pode tirar de uma pessoa o que D’us determinou que seja dela.
E, para viver uma vida feliz e produtiva, precisamos parar de culpar os outros por nossos problemas. É fácil ver os defeitos dos outros e apontar o que precisam mudar. É difícil ver os nossos próprios defeitos e mudar nossa própria vida. Devemos ser protagonistas e não vítimas de nossa vida.
A Alma Divina
O ser humano está acostumado a pensar negativamente – tanto a respeito de si quanto aos outros. Esse tipo de pensamentos cria círculos viciosos e nocivos e é imprescindível nos libertarmos deles. Pensar positivo, por outro lado, é um hábito adquirido que requer treino. Devemos aprender a ver as pessoas e acontecimentos de forma positiva. E é importante aprender a ver o mundo sob a perspectiva dos outros. O ser humano que consegue se libertar de um viés negativo e adota uma visão positiva em relação aos
Esses ensinamentos requerem muito empenho para serem postos em prática, principalmente quando se enfrenta uma situação adversa. É necessário se esforçar muito para conseguir ver a vida, principalmente os obstáculos, de forma positiva. Mas esse esforço é necessário: o ser humano precisa enterrar seus medos, falhas e imperfeições.
Quando buscamos ser positivos – quando buscamos o otimismo e a força – é necessário ver quem realmente somos. Não somos apenas um corpo, com tantos defeitos e falhas. Além do corpo finito e material, possuímos uma alma – uma neshamá elokit - uma alma Divina – que é uma partícula de D’us que habita dentro de nós.
A Alegria de Succot, Boris Shapiro
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Quando o ser humano se foca apenas em sua existência material, ele inevitavelmente encontrará em si inúmeros defeitos e motivos para se DEZEMBRO 2020
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aborrecer e se frustrar. Mas quando uma pessoa se vê como uma alma Divina, ela passa a ter consciência de seu verdadeiro potencial. E isso leva a uma enorme mudança de perspectiva.
que o homem e a situação na qual ele se encontra podem mudar, mas que o Criador, que está acima de tudo, pode mudar as condições em que a pessoa está vivendo.
É preciso fazermos três perguntas fundamentais a nós mesmos: Quem sou? Quem posso me tornar? Qual é a verdade? Essas três indagações levam à conclusão de que a vida nos apresenta infinitas possibilidades de crescimento, pois a neshamá elokit é uma alma que está ligada a D’us Infinito. A alma de cada um de nós veio ao mundo para cumprir uma missão específica e singular que nenhuma outra pessoa pode cumprir. Toda alma veio ao mundo para viver uma vida significativa e produtiva, para elevar e contribuir ao mundo e para ajudar os outros. Esse é, fundamentalmente, o propósito da neshamá elokit que existe em cada um de nós.
Treinando a nossa mente O treinamento para se pensar positivo exige autocontrole. Devemos aprender a controlar nossa mente, pensamentos, palavras, emoções e ações. Ao obtermos esse autocontrole, torna-se possível resolver os problemas. Passamos a ser pessoas “bem resolvidas”, e uma pessoa “bem resolvida” não se foca em problemas, e sim, na busca por soluções.
O Violinista, 1911. MARC CHAGALL
Rebe de Lubavitch – o Tzemach Tzedek – deu a um dos seus alunos que passava por um momento muito difícil. O Tzemach Tzedek conseguiu transmitir a ideia de que o pensamento positivo tem o poder de influenciar os eventos de nossa vida – e esse conselho funcionou, na prática, com seu aluno. Consta no Talmud um conceito denominado machshavá moelet (um pensamento que pode causar um efeito). Isso significa que pensar fortemente em algo ou em alguém possui um poder imenso. Pensar positivo significa acreditar não só
Existe um provérbio em iídiche que diz, Trach gut vet zain gut. “Pense bem e será bom”. Em outras palavras: “pense positivamente e o resultado será positivo”. Esse provérbio não se limita à teoria. Foi o conselho que o terceiro 28
A Torá nos ensina que o início da derrota é o medo; que se um soldado for à guerra e se tornar temeroso diante das forças bélicas do inimigo, ele deve sempre lembrar que D’us está com ele. Se ele se lembrar disso quando sentir medo, conseguirá superar esse sentimento e vencer a batalha. Contudo, também ensina a Torá: se o soldado é incapaz de superar o medo, é melhor que ele volte para casa. Caso contrário, poderá transmitir o medo aos seus companheiros de batalha e, assim, prejudicar os esforços de guerra. É importante ressaltar que o medo começa na mente, naquilo que não conseguimos controlar e acreditamos ser intransponível. Por outro lado, quando controlamos nosso pensamento e adotamos a atitude confiante de que tudo dará certo e que D’us nos ajudará, torna-se possível atrair a ajuda Divina. Nossos livros sagrados ensinam que quando D‘us vê que uma pessoa depositou sua confiança Nele, Ele diz: “Tal pessoa depositou todas as esperanças em Mim. Confiou tanto
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em Mim. Não posso desapontá-lo”. A confiança autêntica e verdadeira em D’us, acompanhada de esforço e trabalho, é algo tão poderoso e intenso que acaba atraindo a proteção Divina. Contudo, o inverso também é verdadeiro. Quando um ser humano pensa intensamente em coisas negativas, acaba por atraí-las sobre si. Sabemos que nossa mente nunca para. Podemos controlar nossa fala e nossas ações com maior facilidade do que controlamos um pensamento, pois é impossível parar de pensar. A Cabalá chama o pensamento de “vestimenta interna” da alma. É fundamental aprender a controlar a mente. O ser humano que não consegue controlar seus pensamentos vive de forma atordoada. Se alimentamos nossa mente com pensamentos de frustração, tristeza e pessimismo, atrairemos o negativo. É necessário, portanto, treinar a nossa mente a gerar pensamentos positivos.
Tudo Passa Está escrito que o professor do Rebe Anterior de Lubavitch, costumava lhe transmitir o seguinte ensinamento: toda noite, quando a criança ia dormir, o professor lhe dizia em iídiche: “Amanhã de manhã você tem que acordar completamente diferente do que você foi hoje, e o dia de amanhã tem de ser diferente do que foi o de hoje.” E isso o professor dizia todas as noites para essa criança que veio a tornar um grande Rebe: “Mesmo que eu já lhe tenha dito isso ontem, amanhã tem de ser diferente do que foi hoje. Tem de ser muito melhor do que foi hoje”. Ensinam também nossos Sábios: “Se hoje eu fizer o que fiz ontem
e, amanhã, o que fiz hoje, eu não preciso nem de hoje nem de amanhã, pois já tive ontem. Se me foi dado hoje, o amanhã será para fazer algo que ainda não fiz. Se eu simplesmente repetir o que já fiz, então por que estou aqui?”. Evidentemente, todos os dias fazemos as mesmas coisas que nos dias anteriores. Contudo, todo dia precisa ser melhor que o anterior – mais perfeito, mais completo e mais significativo. E a forma de fazer com que todo dia seja melhor que o anterior é por meio de pensamentos, palavras e ações positivas. O otimismo nos ajuda a enfrentar os momentos difíceis da vida. Todo ser humano tem altos e baixos, mas é possível superar os momentos baixos por meio do otimismo e pela consciência de que são temporários. Um exemplo desse ensinamento se encontra na famosa história do anel que o Rei recebeu de presente. No anel estava gravada a palavra gazi, formada por três letras hebraicas: Gimel, Zayin e Yud. Essas letras são as iniciais da frase Gam Ze Iaavor: “Isso também passará”. Toda vez que o Rei olhava para o anel, ele 29
se lembrava de que tudo na vida é passageiro e temporário. Portanto, quando uma pessoa se encontra nas alturas, deve lembrar que “isso também passará”. Mas, o mesmo vale para os momentos difíceis da vida: também são temporários, pois tudo na vida é passageiro. Esse ensinamento tem o poder de nos fortalecer em todos os momentos da vida, pois nos ensina que todas as situações são momentâneas e passageiras. Para sermos felizes, para nossas vidas serem significativas, precisamos direcioná-las ao que é eterno e verdadeiro. Precisamos nos conscientizar de que nem sempre sabemos o que está reservado a cada um de nós. Não entendemos por que determinadas coisas acontecem conosco. Contudo, cabe a cada um de nós determinar como reagir a todas as situações. Mesmo nos momentos mais difíceis, podemos manter nossa mente alinhada com a essência da nossa alma Divina e isso nos proverá a força e o otimismo para superar todas as dificuldades e dores. Rabino Gabriel Aboutboul é rabino da Sinagoga de Ipanema no Rio de Janeiro e palestrante
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ITZHAK RABIN, um símbolo Por ZEVI GHIVELDER
ELE FOI MAIS DO QUE UM MILITAR, MAIS DO QUE UM DIPLOMATA, MAIS DO QUE UM ESTADISTA. NO TRANSCURSO DO 25º ANIVERSÁRIO DE SEU TRÁGICO ASSASSINATO, ITZHAK RABIN SE REAFIRMA COMO UM SÍMBOLO DO NOVO JUDEU QUE EMERGIU E SURPREENDEU O MUNDO NOS PRIMEIROS ANOS DO SÉCULO VINTE, UM NOVO SER HUMANO: FORTE, ALTIVO E DETERMINADO, INSUMBMISSO À OPRESSÃO DOS GUETOS, OBSTINADO NA LUTA PELA RESTAURAÇÃO DA SOBERANIA JUDAICA EM SUA PÁTRIA ANCESTRAL.
o
texto a seguir não é uma biografia complementar de Itzhak Rabin. Sua trajetória de vida está imortalizada em milhares de páginas da imprensa em Israel e no mundo, artigos acadêmicos e livros consistentes, tudo devidamente inscrito na história do povo judeu. Recorro à memória para resgatar o conteúdo das enriquecedoras conversas que com ele mantive em esparsos encontros no decorrer de cerca de vinte anos.
entrevistá-lo, pediu-me com sua voz de baixo profundo que desligasse o gravador e perguntou-me se poderia fazer-lhe um favor. Era necessário permanecer incógnito para os círculos oficiais, mas queria se encontrar com o general Sizeno Sarmento (1907-1983) que fora o último comandante do Batalhão Suez no Oriente Médio, desde o fim de 1956 até maio de 1967. Para quem não se lembra, o Batalhão Suez foi uma tropa brasileira com as boinas azuis das Nações Unidas, posicionada num acampamento entre Israel e o Egito, tendo como quartel-general um antigo forte inglês na cidade de Rafah, perto da Faixa de Gaza. Sua missão era garantir o cessar-fogo vigente após o conflito no qual Israel, após aliança com a França e o Reino Unido, cedeu à pressão dos Estados Unidos e retirou suas tropas que haviam ocupado o Sinai na chamada Guerra de Suez.
Rabin esteve no Rio de Janeiro pela primeira vez em 1969, acho que foi em agosto. Veio em caráter rigorosamente pessoal, sem conhecimento das autoridades brasileiras, que decerto o receberiam de acordo com o protocolo diplomático, já que na ocasião era embaixador de Israel em Washington. Se a sua presença chegasse ao conhecimento da mídia, decerto despertaria enorme atenção em função da fama internacional que havia adquirido dois anos antes como chefe do estado-maior das Forças Armadas de Israel na fulminante vitória da Guerra dos Seis Dias.
Naqueles tempos de ditadura no Brasil o acesso aos generais no poder, entre eles o general Sizeno, era um tanto complicado. Qualquer encontro presencial decerto ia requerer uma justificativa e a presença de Rabin no Brasil deveria permanecer ignorada. Recorri à discrição de um amigo, o general Otávio Alves Velho, intelectual de porte, raridade no meio militar. A visita foi marcada
Rabin era uma pessoa gentil e formal, econômicos sorrisos, quase taciturno. Nunca mudou ao longo dos anos. No primeiro momento em que pretendia 30
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O falecido Primeiro Ministro de Israel, itzhak Rabin, em seu gabinete
para dois dias depois, às nove horas da manhã, no prédio do então Ministério da Guerra, no centro do Rio. Aguardei ansioso na calçada observado por uma sentinela, até a chegada do Rabin e do Otávio, apresentei-os e combinei com Rabin que voltaria a procurá-lo no mesmo dia, mais tarde.
importante para avaliar a ingerência das Nações Unidas antes da Guerra dos Seis Dias, além de subsidiar as memórias que algum dia pretendia escrever. Duas semanas antes do início das hostilidades, atento às sucessivas declarações bélicas de Gamal Abdel
Quando começamos a entrevista, o próprio Rabin revelou a razão do encontro com o general Sizeno. Primeiro, porque já o havia recebido em Tel Aviv. O militar brasileiro gostava de passear por Israel e o fazia de maneira informal, alheio aos protocolos das Nações Unidas. Segundo, porque Rabin queria saber qual tinha sido sua imediata movimentação quando recebeu a ordem oficial da ONU para evacuar do Sinai a tropa brasileira. Aquela informação lhe era
Nasser, ditador do Egito, o gabinete israelense já se preocupava com a iminência de um conflito. Conforme afirmação que me foi feita por Rabin, a tropa da ONU poderia ser um empecilho para qualquer iniciativa de incursão terrestre e não convinha criar um incidente diplomático de caráter internacional se, de alguma forma, os boinas azuis viessem a intervir. Ademais, o secretário-geral das Nações Unidas, o birmanês U Thant, não era particularmente favorável a Israel. No dia 23 de maio de 1967, Nasser anunciou que passaria a deter o controle da passagem marítima pelo estreito de Tirã, o que equivalia a uma declaração de guerra, conforme conclusão do próprio Rabin, segundo me disse. No dia 26, U Thant, sem avisar aos governos de Israel e do
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Egito, ordenou a retirada da força internacional, fato que acabou por servir ao interesse estratégico de Israel. O general Sizeno revelou a Rabin que fora apanhado pela mais absoluta surpresa em face da atitude de U Thant. Acentuou que em princípio era favorável a Israel no confronto com os países árabes, mas só lhe restava obedecer a ordem recebida. O general brasileiro inclusive acrescentou que tinha certeza da supremacia militar de Israel tanto ao Norte como ao Sul do país. Porém, jamais imaginou que uma possível guerra teria um desfecho tão rápido. Itzhak Rabin nasceu no dia 1 de março de 1922, em Jerusalém, filho de pai americano e mãe russa, pioneiros na antiga Palestina. Depois de formado numa escola agrícola, ingressou no Palmach, uma tropa de elite da Haganá, o exército clandestino judeu durante o mandato britânico. O fato de ter pertencido àquela unidade militar foi fundamental para a sua formação não apenas como militar mas como personalidade pública, como
Seus componentes mantinham comprometimentos solidários que se materializavam em irrestrita lealdade ao espírito da corporação. As tarefas do Palmach abrangiam, além de um sofisticado sistema de coleta de informações estratégicas, ações e incursões militares pontuais. Rabin com sua mãe e irmão menor, 1927
um nacionalista sem populismo, sempre orientado por rígidos princípios éticos e valores morais. A rigor, o Palmach significava para o futuro estado judaico mais do que um braço exímio da Haganá.
Leah e Itzhak Rabin, 1948
COM LEAH RABIN, SUA ESPOSA POR 47 ANOS. FOTO TIRADA EM WASHINGTON, QUANDO SERVIA COMO EMBAIXADOR DE ISRAEL
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O contingente clandestino era dirigido por dois comandantes que se tornaram ícones das forças de defesa de Israel: Itzhak Sadeh e Ygal Allon, ambos ligados ao Mapam, partido político mais à esquerda do Mapai de Ben Gurion. Mas, na prática, seus combatentes transcendiam quaisquer diferenças ideológicas e a tropa avultava na admiração popular por causa da influência cultural exercida junto ao yishuv (comunidade judaica na antiga Palestina) por jovens escritores, que eram conhecidos artistas plásticos, atores de teatro, poetas e compositores. O Palmach viveu momentos relevantes antes e durante a Guerra da Independência, em 1948. Um de seus sucessos mais expressivos foi a chamada Operação Yiftach, destinada à captura da cidade de Sfat (Safed), ao norte de Haifa, reverenciado centro de estudos bíblicos e teológicos. Sob o comando de Ygal Allon, uma primeira investida fracassou. Os árabes que controlavam o local sugeriram um cessar-fogo, mas Allon recusou. Organizou uma nova ofensiva, desfechada no dia 9 de maio, desta vez bem sucedida por ter contado com uma bateria de davidkas, uma espécie improvisada de morteiros fabricados nas oficinas ocultas da Haganá. Em maio de 1948, ao ser proclamada a independência, o Palmach contava com cerca de três mil combatentes, incluindo duzentas mulheres nas linhas de frente.
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Perguntei a Rabin qual tinha sido a importância do Palmach em sua vida. Respondeu que o Palmach fora a sua própria razão de viver e que ficou devastado quando Ban Gurion ordenou o seu desmantelamento, ao mesmo tempo da deposição de armas consumada pela organização clandestina Irgun. O propósito de Ben Gurion era lógico e preciso: Israel deveria ter um só exército, solidamente unificado. Foi difícil conversar com Rabin sobre a sua participação pessoal na Guerra dos Seis Dias. Insistiu que, apesar de seu alto posto de comando, era apenas uma das peças de uma equipe coesa, cujas opiniões e formulações, para se transformarem em prática dependiam das aprovações do gabinete de governo. Indaguei se era verdade que o primeiro-ministro Levi Eshkol tinha relutado muito antes de encaminhar ao gabinete a iniciativa de uma ação militar. Respondeu que sim, com um aceno de cabeça. Tornou a insistir na prevalência de uma equipe competente e acrescentou que, numa possível ação militar contra um vizinho inimigo, já estava consolidado o plano da destruição da força aérea, quando esta ainda se encontrasse no solo, tal como de fato aconteceu contra o Egito. Esse ataque de surpresa, correspondia a uma estratégia aperfeiçoada mais de dois anos antes. Revelou, em seguida, que o dia crucial foi o 4 de junho, quando o general Aron Yariv, chefe dos serviços de inteligência, informou ao gabinete que o exército jordaniano se havia colocado sob comando egípcio e que fora detectada uma movimentação de tropas do Iraque na direção da Jordânia. Além disso, ocorria significativo aumento de concentração de regimentos egípcios no Sinai. A palavra foi dada a cada
DELEGAÇÃO ISRAELENSE ÀS CONVERSAÇÕES SOBRE OS ACORDOS DE ARMISTÍCIO DE 1949. DA ESQ. À DIREITA, COMANDANTES YEHOSHAFAT HARKABI, ARYEH SIMON, YIGAEL YADIN E ITZHAK RABIN
um dos membros do gabinete e todos foram a favor de uma ofensiva, ressalvando a necessidade de Israel preservar sua credibilidade internacional. O ministro Haim Givati também concordou, mas fez uma ressalva: “Se vocês esperam que as grandes potências nos declarem um apoio explícito, vão ficar esperando para sempre”. Itzhak Rabin foi acumulando promoções nas Forças de Defesa de Israel até atingir o posto de chefe do estado-maior. Em 1968, após contínuo serviço militar, optou pela reserva, despiu o uniforme e foi nomeado embaixador em Washington, o posto mais importante e sensível no exterior. Com David Ben-Gurion
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Sob o ponto de vista de relações públicas, a nomeação de Rabin era a ideal. Os Estados Unidos haviam apoiado Israel na Guerra dos Seis Dias e Rabin conservava a aura de grande comandante vitorioso. No entanto, no aspecto diplomático, era uma missão difícil de ser cumprida, inclusive porque ele não tinha experiência na arena diplomática. Naquele ano a Guerra Fria atravessava um período de grande intensidade, mais particularmente no Oriente Médio, onde a União Soviética havia fornecido toneladas de equipamentos e munições ao exército egípcio, destroçado na Guerra dos Seis Dias, fato que resultou em inevitável sentimento de derrota para Moscou. Era um ano de eleição nos Estados Unidos, tendo como candidatos Hubert Humphrey pelo Partido Democrata e Richard Nixon pelo Republicano. Israel preferia que o democrata permanecesse na Casa Branca, tendo em vista o excelente relacionamento mantido durante seis anos com o presidente Lyndon Johnson. O candidato Nixon era visto como um conservador que pouco tinha em comum com a ideologia do partido Mapai, então DEZEMBRO 2020
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1969, funcionários graduados do Pentágono, do Departamento de Estado e da Central de Inteligência, levaram ao presidente sua apreensão no sentido de que Israel se preparava para a fabricação de um artefato nuclear.
Na Casa Branca: da esq. à direita, Embaixador Itzhak Rabin, a Primeira Ministra Golda Meir, o Presidente Richard Nixon, o Secret. de Estado Henry Kissinger
no poder em Israel. Foi grande a surpresa mundial com a vitória de Nixon, até porque dois anos antes ele não conseguira se eleger governador da Califórnia. Quis saber de Rabin como ele havia encarado sua incumbência como embaixador iniciante. E ele disse que, quando chegou a Washington, os líderes judaicos americanos lhe traçaram um perfil esquemático de Nixon, observando que o novo presidente não era um antissemita no sentido clássico da palavra, porém não gostava de judeus, embora admirasse Israel. Para atenuar o quadro, destacaram que ele havia nomeado um judeu, Henry Kissinger, para ocupar a Secretaria de Estado. Rabin contou-me que poucos meses depois de assumir a embaixada, conversou com um ex-assessor de Lyndon Johnson, que deixava a presidência, sobre a visita feita aos Estados Unidos pelo premiê soviético Kossygin pouco depois da Guerra dos Seis Dias. Longe da imprensa e na presença de poucos circunstantes, os dois chefes de estado se permitiram uma troca de ideias informal enquanto percorriam os jardins da Casa Branca. O russo
disse: “São cem milhões de árabes e três milhões de judeus no Oriente Médio. Não entendo essa política americana de ficar ao lado dos judeus”. Lyndon Johnson respondeu: “Ficamos do lado dos judeus porque achamos que a causa deles é justa”. Rabin disse que a simples noção da causa justa, ou seja, a validade de o povo judeu possuir uma pátria, foi o foco de sua argumentação junto aos poderosos políticos americanos e adversários de Israel, sempre que necessário. Em leituras e informações posteriores, pude constatar que a atuação de Rabin como embaixador ultrapassou em anos-luz seu discurso da causa justa. A prioridade de sua missão, afinal muito bem sucedida, era garantir o suprimento de armamentos dos Estados Unidos para Israel, além de vultosos aportes financeiros. Isso exigiu de sua parte grande habilidade diplomática no trato com o gabinete da Casa Branca, a par do Senado e da Câmara americanos. No decorrer de sua missão, Itzhak Rabin enfrentou uma dificuldade ainda maior. Em setembro de 34
O Departamento de Defesa se empenhou enfaticamente para que Nixon dissuadisse Israel de sua intenção nuclear. Ao cabo de muitas discussões, Kissinger escreveu um memorando para Nixon sugerindo que ele exigisse de Israel um documento no qual o país se comprometeria a fazer uso da energia nuclear para finalidades somente pacíficas e o progresso na capacidade atômica fosse mantido no mais rigoroso segredo. Assim foi feito e o assunto selou uma forte relação de amizade entre Rabin e Nixon, a ponto de Rabin ter apoiado Nixon, também em estrito segredo, na campanha em que o presidente foi reeleito, em 1972. Desde então, Nixon fez amizade com Moshe Dayan e quando conheceu Golda Meir, lhe disse: “Seu chanceler (Abba Eban) fala inglês melhor do que o meu (Kissinger)”. Rabin encerrou sua missão em Washington em março de 1973 e, no regresso a Israel, engajou-se no Partido Trabalhista, passando a ser uma voz relevante na política do país, como ministro do trabalho no gabinete chefiado por Golda Meir. Em junho do ano seguinte substituiu Golda e assumiu o poder como primeiro-ministro, o primeiro sabra (nascido no país) a atingir este posto. Só voltei a encontrarme pessoalmente com Rabin em setembro de 1976, quando me convidou para um jantar em seu apartamento, em Ramat Aviv, com bela vista para o Mediterrâneo. Éramos seis convidados:
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1. RABIN, CHEFE DO ESTADO MAIOR, EM VISITA AOS ASSENTAMENTOS NA FRONTEIRA NORTE 2. COM MOSHE DAYAN E MENACHEM BEGIN 3. GUERRA DOS SEIS DIAS. À ESQ, O PRMEIRO MINISTRO LEVY ESHKOL E À DIREITA, O GAL. DE DIVISÃO israel TAL. MAIO 1967
um apresentador da televisão israelense e a mulher, o editor de um grande jornal local e a mulher, um empresário judeu inglês que acabara de emigrar para Israel e eu, recebidos por Rabin e Leah, sua mulher por 47 anos. Antes, durante e depois do jantar, todas as conversas, ou melhor dizendo, o monólogo de Rabin, com seu modo pausado de falar, como se escolhesse com cuidado cada palavra, foi referente à operação que resgatou israelenses mantidos como reféns por um grupo de terroristas no aeroporto de Uganda, na África Oriental. Rabin contou que sua primeira reação, quando soube do sequestro do avião da Air France, que se encontrava no terminal conhecido como Entebe, em Uganda, logo lhe ocorreu a possibilidade de enviar uma ação de comandos num percurso aéreo de ida e volta para resgatar os reféns. Mencionou sua hipótese na primeira reunião do gabinete sobre o assunto. A ideia foi descartada porque alguns ministros lembraram a catástrofe ocorrida no aeroporto de Munique, em setembro do ano de 1972, na tentativa de libertar os atletas israelenses aprisionados por terroristas palestinos durante os Jogos Olímpicos. No entanto, depois de dias e da controversa opção de
Foto histórica adentrando Jerusalém Reunificada, ao término da Guerra dos Seis Dias, com os generais Uzi Narkiss e Moshé Dayan
aterrissar em Entebe, a incursão aérea acabou sendo aprovada. Rabin revelou que, àquela altura, tinha muito mais dúvidas do que certezas. Havia um consenso no sentido da utilização de dois aviões
COM SHIMON PERES NO ENCONTRO COM SOLDADOS, PASSAGEIROS E TRIPULAÇÃO DO AVIÃO DA AF APÓS A OPERAÇÃO EM ENTEBE
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do tipo Hércules para transportar os comandos que desceriam em Entebe, mas não era possível assegurar o desempenho dos aviões numa pista que certamente não estaria iluminada. Todos sabiam que a operação só seria bem sucedida se fosse garantido o fator surpresa, o que era bem complicado. Entre a pista do aeroporto e o terminal onde se encontravam os reféns a distância era considerável e os sentinelas ugandenses teriam tempo de avistar o Hércules e o possível desembarque dos comandos. Conforme o relato de Rabin, naquele jantar, a melhor ideia partiu do general Yekutiel Adam. Ele sugeriu que se fizesse uso de um automóvel Mercedes negro, igual ao utilizado por Idi Amin, o ditador de Uganda em seus deslocamentos. Assim, conduzindo parte da tropa de elite, o carro atravessaria a pista do aeroporto sem despertar maiores suspeitas. Rabin detalhou o treinamento da tropa, a construção de uma maquete que reproduzia o terminal antigo de Entebe, a dificuldade para obter autorização de reabastecimento dos aviões no Quênia, tudo enfim que, ao longo dos anos, foi revelado à exaustão em filmes, depoimentos e reportagens. Mas, naquela noite, decorridos apenas dois meses desde os acontecimentos em Entebe, DEZEMBRO 2020
MEMÓRIA
Com o Presidente Clinton e o Rei da Jordânia, assinando o acordo de paz entre Israel e a Jordânia, em outubro de 1994
tudo era para nós, pequeno grupo de ouvintes, uma fascinante e inédita narrativa. Embora Rabin estivesse todo o tempo no epicentro da operação que antecedeu o resgate, raramente usou a primeira pessoa do singular. Ressaltou a coesão do gabinete nas diversas instâncias da crise, elogiou a determinação de Benny Peled, comandante da força aérea e sua certeza no sucesso dos Hércules. Referiu-se a uma recorrente relutância de Mota Gur, chefe do exército, e só falou de si mesmo quando contou o que tinha feito na reunião decisiva do gabinete, no dia 4 de julho: passara um bilhete para Shimon Peres dizendo que, em sua opinião, os aviões estavam prontos para decolar a qualquer instante rumo a Entebe. Peres assentiu e o gabinete aprovou a operação de resgate. Rabin contou que seguiu para casa sob grande tensão. Para aliviar, foi jogar tênis com a mulher, enquanto aguardava notícias sobre os desdobramentos das ações até saber do final feliz. Itzhak Rabin voltou ao Rio de Janeiro em 1979, para falar à comunidade sobre o acordo de Camp David, assinado entre
Menachem Begin e Anwar Sadat, sob mediação do presidente Jimmy Carter, no ano anterior. Ele não ocupava nenhuma posição no governo, mas julgava que era necessário engajar-se naquele momento histórico. Tornei a entrevistá-lo e perguntei como avaliava o acordo. Respondeu: “Parece retórica, mas foi importante que as partes concordassem que jamais recorreriam ao uso da força para resolver qualquer questão. Foi necessário, também, do ponto de vista formal, superar a resolução número 242 das Nações
itzhak Rabin durante um comício eleitoral, 20 junho de 1992, Tel Aviv
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Unidas, que obrigava Israel a se retirar dos territórios ocupados na guerra de 1967. Porém, a mesma resolução dizia que a retirada deveria ser complementada pelo reconhecimento das fronteiras anteriores a 1967 e pela garantia da segurança de Israel. Foram condições jamais implementadas pelos países árabes, e isso acabou desacreditando a resolução 242”. Rabin julgava que a devolução do Sinai ao Egito não somente era justa como era imperativa e que tanto Begin como Sadat tinham sido sábios quando não incluíram no Acordo de Camp David a questão da formação de um possível estado palestino e o status de Jerusalém, colocando em primeiro lugar os interesses imediatos de seus países. Em seguida, enfatizou: “Sim, há paz entre Israel e o Egito. Mas, que tipo de paz? Eu entendo como paz aquela que passou a existir entre a Alemanha e a França, por exemplo, depois da 2ª Guerra Mundial. Uma paz completa, integral, com laços econômicos, sociais e culturais. Este é um tipo de paz que Israel não terá, mesmo em médio prazo, com qualquer país árabe. Espero que eu esteja errado”. Em 1983, por ocasião do décimo aniversário da Guerra do Yom Kipur, cuja cobertura jornalística eu tinha feito para as revistas Manchete e Fatos&Fotos, fui a Israel para produzir um documentário para televisão que seria intitulado “A Guerra Que Fez a Paz”. Embora Rabin não tivesse tido uma ação direta no conflito, era importante colher sua avaliação sobre as consequências daquela guerra. Discordou, quando lhe disse o título do programa: “A paz não foi feita por causa da guerra do Yom Kipur, que teve dois antecedentes fundamentais. Em primeiro lugar, foi o fato, logo depois do final a rigor
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inconcluso da guerra, de o Egito ter renunciado de sua dependência da União Soviética apesar do enorme suporte bélico que esta lhe prestou para a guerra. Para nós, em Israel, foi uma grande surpresa ele ter expulsado do Egito centenas de assessores e instrutores militares soviéticos. Aquilo configurava uma situação completamente nova na nossa fronteira ao sul que, desde a independência do país, sempre se apresentava como a mais sensível. Na verdade, o gabinete chefiado por Begin não sabia o que o futuro imediato aguardava. Foi quando surgiu o segundo passo que levaria à paz: o anúncio de Sadat de que estava disposto a conversar com nossos líderes em Jerusalém”. Falei-lhe sobre um livro, The Crossing of the Suez (A Travessia do Suez, em tradução livre), escrito pelo general egípcio Shada Shazly, cuja leitura me passara a impressão de que o autor havia superestimado o exército do Egito e subestimado o exército de Israel. Rabin discordou: “Os egípcios foram bem sucedidos na travessia do canal, porém os maiores erros foram nossos. A doutrina das nossas forças de defesa sempre se pautou por alguns princípios básicos: primeiro, o fator surpresa; segundo, a constante mobilidade; terceiro, a rápida convocação dos reservistas, a rigor o grosso da tropa. O Egito nos atacou tendo a surpresa a seu favor, por conta da precária atuação do serviço de inteligência do nosso exército. Em vez da mobilidade, ficamos estáticos na chamada Linha Bar Lev, um erro fatal. Por fim, por causa do Kipur houve demora até que a reserva se apresentasse. Esses fatores explicam o êxito do Egito na primeira semana da guerra. Só recuperamos a iniciativa e nossa
Itzhak e Leah Rabin com filhos e netos
com ele secretamente duas vezes num navio, ao largo da costa libanesa. Era um rapaz agradável e dizia estar empenhado para que o Líbano fizesse paz com Israel. Quando Sharon ocupou Beirute, pareceu que Gemayel assumiria o poder e tudo daria certo, mas foi assassinado por fanáticos e o Líbano nunca mais se encontrou”.
Viúva, filhos e netos em seu enterro
capacidade bélica quando Arik Sharon atravessou o canal na direção do Cairo. Rabin acrescentou que naquele ano de 1983 permanecia incerta a situação de Israel no Oriente Médio com relação a seus inimigos. Disse que ficou muito abalado com o assassinato de Sadat pela Irmandade Muçulmana, dois anos antes: “Ele trocou a própria vida por seu projeto de paz. Era uma pessoa previsível e influenciava toda a região. Agora não sabemos o que vai acontecer”. Em seguida, abordou outro assassinato político, o do líder cristão Bashir Gemayel, na guerra do Líbano, em 1982: “Eu já havia me encontrado 37
Hoje, tantos anos depois do último encontro que tive com Itzhak Rabin, guardo com emoção suas palavras sobre aqueles dois assassinatos, uma terrível premonição sobre seu próprio destino. Na primeira entrevista com Rabin, fiz referência a uma fotografia emblemática, tirada no dia seguinte ao da conquista do setor árabe de Jerusalém, na qual ele aparece caminhando por uma viela ao lado dos generais Moshe Dayan e Uzi Narkiss. Perguntei o que lhe passava pela cabeça naquele momento. Respondeu: “Nós estávamos caminhando na direção do Muro. Refleti que percorria dois mil anos em apenas dois quilômetros”. Zevi Ghivelder é escritor e jornalista.
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ISRAEL
Israel, Mossad e a paz no novo Oriente Médio POR JAIME SPITZCOVSKY
Yossi Cohen, diretor do Mossad, o serviço de inteligência de Israel, desembarcou em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos em agosto para fazer história. Era o primeiro representante do alto escalão do governo israelense a visitar o país do golfo Pérsico após o anúncio do acordo de paz pelo presidente Donald Trump, numa ofensiva diplomática responsável ainda pela normalização dos laços entre o Estado judeu e os outrora inimigos Bahrein e Sudão.
H
omem de confiança do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, Yossi Cohen desempenhou papel-chave na remodelação tectônica a ocorrer no Oriente Médio. Enquanto o premiê israelense, Donald Trump e o sheikh Mohamed bin Zayed, homem-forte dos Emirados Árabes Unidos, lideravam o processo histórico no plano diplomático, coube a articuladores como Yossi Cohen concretizar uma aproximação entre Israel e países árabes sem precedentes desde 1994, quando da assinatura do acordo de paz com a Jordânia, o segundo da história. O tratado pioneiro foi firmado com o Egito, em 1979.
muçulmano, possa também vir a reconhecer Israel. E não há dúvidas de que o movimento diplomático de Emirados Árabes Unidos e Bahrein contaram com sinal verde do regime saudita, a principal potência regional no golfo Pérsico. As mudanças políticas frenéticas se evidenciaram no encontro histórico entre Cohen e Tahnoun bin Zayed, conselheiro do governo emiradense para assuntos de segurança nacional. A WAM, agência de notícias oficial baseada em Abu Dhabi, destacou as declarações do anfitrião sobre colaboração no combate à pandemia e a “abertura de novos horizontes de cooperação entre os dois países em vários campos”, incluindo o da segurança.
Portanto, de 1948 a 2020, apenas dois países árabes haviam reconhecido o Estado de Israel. Em apenas dois meses, de agosto a outubro, mais três aderiram à opção pela paz. Espera-se que o número ainda cresça, para que, em cenário idealizado, possa um dia até englobar os 22 integrantes da Liga Árabe.
Na declaração oficial, Tahnoun bin Zayed também falou da importância das iniciativas diplomáticas na busca por estabilidade na região. “Os EAU não pouparam esforços para alcançar esse objetivo”, declarou ele. E, em meio à sinalização dos objetivos no trabalho conjunto, Bin Zayed reservou espaço para elogiar o visitante, enfatizando seu papel na construção dos laços bilaterais, “o que contribuiu para o sucesso do tratado de paz entre EAU e Israel”.
Omã e Marrocos despontam na lista de nações com potencial para embarcar na nova fase de pacificação, enquanto se reforçam expectativas de que a Arábia Saudita, líder financeira e religiosa no mundo 38
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SECRETÁRIO JOHN KERRY E O ENVIADO ESPECIAL LOWENSTEIN, DOS EUA, REUNIDOS COM O PRIMEIRO MINISTRO DE ISRAEL, BIBI NETANYAHU, E YOSSI COHEN, DIRETOR DO MOSSAD, ANTES DA REUNIÃO BILATERAL, EM WASHINGTON
Anunciado inicialmente a 13 de agosto por Donald Trump, os chamados “Acordos de Abrahão” foram assinados em cerimônia na Casa Branca a 15 de setembro. Na foto histórica, o presidente norteamericano, o premiê Binyamin Netanyahu, e os chanceleres Abdullah bin Zayed, emiradense, e Abdullatif bin Rashid, bareinita. O 13 de agosto, uma quinta-feira, agitou o Salão Oval da Casa Branca. Donald Trump, cercado por seus principais assessores, entre eles o genro, Jared Kushner, anunciou o acordo histórico e informou que havia acabado de conversar ao telefone com Binyamin Netanyahu e com Mohamed bin Zayed, para acertar o início de uma nova era médio-oriental. Em seguida, foi a vez do telefone de Yossi Cohen soar diversas vezes,
segundo reportagem do canal de TV 12, de Israel. O diretor do Mossad recebeu diversas ligações para cumprimentá-lo pela atuaçãochave na movimentação diplomática e, segundo relatos, ele teria dito: “Não imaginava que ficaria tão emocionado”. O “The Times of Israel” também reproduziu declaração atribuída a
NETANYAHU COM YOSSI COHEN, DIRETOR DO MOSSAD
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Cohen. “Ontem foi um dia muito empolgante para o Mossad”, disse ele. “Nosso trabalho não é apenas evitar guerras ou impedir ataques terroristas contra Israel, mas também identificar oportunidades de paz na região e dar nosso máximo para promovê-las. É isso o que fizemos, e é um sentimento de enorme satisfação para todos os funcionários do Mossad que trabalharam duro nesse importante esforço e contribuíram para seu avanço. Tenho orgulho deles”. No comando do Mossad desde janeiro de 2016, Yossi Cohen, segundo relatos na mídia israelense, visitou diversos países árabes nos últimos anos, acelerando uma aproximação, em especial com as monarquias do Golfo Pérsico. Credita-se a ele a intermediação para a visita, em 2018, de Netanyahu ao sultão de setembro 2020
ISRAEL
Omã, Qaboos bin Said, apesar da inexistência de relações diplomáticas entre os dois países. Segundo um jornal árabe baseado em Londres, Yossi Cohen, num reflexo das novas articulações diplomáticas, teria contado com o auxílio de emiradenses para conseguir um encontro com o general sudanês Mohamed Hamdan Dagalo. O Sudão, que aceitou normalizar suas relações com Israel em outubro, negou que a reunião tenha ocorrido. Versões conflitantes, no entanto, não ofuscam o trabalho do diretor do serviço de inteligência, publicamente elogiado por Netanyahu. Segundo um comunicado oficial, o primeiroministro telefonou a Cohen, para agradecer a contribuição do Mossad no “desenvolvimento dos laços com os países do Golfo ao longo dos anos, que auxiliaram na concretização do tratado de paz”. “É um grande momento... estamos fazendo história”, declarou Netanyahu em sua primeira entrevista à rede de TV Sky News Arabia, baseada em Abu Dhabi. E, ao festejar a conquista da paz, o primeiro-ministro israelense falava de um processo construído ao longo de cerca de duas décadas, período no qual o país foi articulando contatos secretos com países árabes, sobretudo os do Golfo Pérsico. Elemento fundamental na aproximação foi representado pela ameaça do Irã. O regime teocrático de Teerã carrega em seu DNA a rejeição ao sistema democrático, representado pelos Estados Unidos e por Israel, e alimenta-se também do nacionalismo persa e xiita, o que provoca rivalidade com nações vizinhas de maioria árabe e sunita.
privilegiado com Netanyahu, por proximidade ideológica, e com os sauditas, por um histórico de relacionamentos que antecedem seu ingresso na política.
Yossi Cohen
Portanto, com suas ambições expansionistas e de ampliar influência no Oriente Médio, o Irã elegeu Israel e Arábia Saudita como seus principais adversários regionais. Teerã, com seu programa nuclear e intervenções em países como Líbano, Síria e Iêmen, acabou promovendo aproximação entre sauditas e israelenses, que ocorre há vários anos nos bastidores da diplomacia médio-oriental. A eleição de Donald Trump, em 2016, representou um ingrediente importante na equação. O republicano mantinha diálogo
Em 2017, em uma de suas viagens iniciais ao exterior e na primeira ao Oriente Médio, Donald Trump desembarcou primeiramente em Riad, anunciou negócios bilionários com seus anfitriões e, em seguida, embarcou no Air Force One para Israel. Foi a vez pioneira na história que, oficialmente, um avião oriundo do espaço aéreo saudita aterrissou em solo israelense. Surgiam então os sinais mais claros de que, na administração republicana, haveria investimento diplomático na aproximação árabe-israelense, sobretudo envolvendo monarquias do Golfo Pérsico. Em junho de 2019, por exemplo, Jared Kushner comandou a apresentação de um plano de cooperação econômica em evento internacional em Manama, capital do Bahrein, para avançar eventual entendimento entre israelenses
MEIR BEN-SHABAT, ASSESSOR NACIONAL DE SEGURANÇA DE ISRAEL E O ASSESSOR SÊNIOR DO PRESIDENTE TRUMP, JARED KUSHNER, COM O ASSESSOR DE SEGURANÇA NACIONAL DOS EUA, ROBERT O’BRIEN, EM POSE HISTÓRICA NA CHEGADA AO AEROPORTO INTERNACIONAL DE ABU-DHABI, 31 DE AGOSTO DE 2020
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e palestinos. Cerca de sete meses depois, o genro de Trump trouxe a público uma proposta de paz para o conflito israelo-palestino, chamado de “o acordo do século”. A estratégia trumpista para Israel incluiu também a transferência da embaixada de Tel Aviv para Jerusalém, anunciada no final de 2017, e o reconhecimento da soberania israelense sobre as colinas do Golã, conquistadas na Guerra dos Seis Dias, em 1967. A ofensiva diplomática da Casa Branca evidenciou novos contornos da dinâmica no Oriente Médio. Sinalizou o enfraquecimento político da liderança palestina e as novas leituras feitas por lideranças árabes. Além da ameaça representada pelo Irã, existem outros fatores responsáveis por redesenhar o Oriente Médio, permitindo a Israel se aproximar de antigos inimigos. O elemento primordial dessa nova equação responde pelo nome de era pós-petróleo. No século 21, evidenciou-se o declínio da indústria petrolífera, durante anos alicerce básico de economias do mundo árabe. Questões ambientais e geopolíticas, como a dependência de um instável Oriente Médio, alimentam a busca por fontes alternativas de energia, que sejam renováveis e menos poluentes. Países do Golfo Pérsico embarcaram em planos ambiciosos de diversificação de suas economias, de olho na chamada era pós-petróleo. Investiram na criação de polos turísticos, de grandes empresas de aviação, de robustas instituições financeiras e passaram a investir também em ciência e em inovação.
CERIMÔNIA DE ASSINATURA DOS ACORDOS DE ABRAHÃO, NA CASA BRANCA, EM 15 DE SETEMBRO DE 2020
A monarquia emiradense ilustra a tendência. Em 2019, enviou o primeiro astronauta árabe ao espaço, para a Estação Espacial Internacional, graças a programas de cooperação com agências científicas dos EUA e da Rússia. Em julho, foi a vez de lançar uma sonda não tripulada a Marte. Os projetos de modernização econômica de diversos países do Oriente Médio, calculados também para gerar empregos, levam ainda em consideração as consequências da Primavera Árabe, quando explosões sociais, provocadas sobretudo pela falta de perspectivas econômicas, derrubaram ditadores e trouxeram cenários de instabilidade a partir de dezembro de 2010. A ameaça do Irã, a aproximação da era pós-petróleo e o medo de novas instabilidade sociais levaram dirigentes do Oriente Médio a reavaliar sua relação com Israel e com a liderança palestina. Apoiados em visão pragmática, destinada a garantir sua permanência no poder, concluíram ser fundamental rever a leitura do conflito israelo-palestino, alardeado por tanto tempo como “principal tragédia do mundo árabe”. No caso sudanês, o novo governo buscou uma aproximação com os EUA e Israel para que o país fosse, em contrapartida, retirado da lista de apoiadores do terrorismo, 41
o que implicava custosas sanções econômicas. Espera ainda ajuda para desenvolvimento em áreas como agricultura e medicina. Um novo governo do Sudão se formou após a derrubada, no ano passado, de uma ditadura que abrigou o terrorista Osama bin Laden, entre 1991 e 1996, e que construiu também alianças com o Irã. E, em 1948, tropas sudanesas participaram do ataque contra Israel, quando da guerra de independência. Sete décadas depois, líderes de países como Emirados Árabes Unidos e Bahrein, entre outros, passaram a entender o ex-inimigo Israel como parceiro e fornecedor de soluções tecnológicas nas áreas de defesa, segurança cibernética, agricultura no deserto e dessalinização de água, entre outras. Cabe, a tais lideranças do Oriente Médio, mais um grande desafio histórico: convencer a opinião pública do mundo árabe sobre a nova visão em relação a Israel, a representar uma guinada radical na comparação com o discurso de ódio e de intolerância propagado por tanto tempo. Mas, como diz um provérbio chinês, uma longa caminhada sempre começa com o primeiro passo. Jaime Spitzcovsky COLUNISTA DA FOLHA DE S.PAULO, FOI CORRESPONDENTE DO JORNAL EM MOSCOU E EM PEQUIM.
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CAPA
VIDA JUDAICA NO UZBEQUISTÃO Remonta à Antiguidade a presença de judeus na região do atual Uzbequistão. Durante séculos, a população judaica local era composta apenas por judeus mizrachim1 mais especificamente, a comunidade judaica de Bukhara. Mas, a partir do final do século 19, judeus do Leste europeu, ashquenazim, passaram a se instalar na região formando mais uma comunidade local. Hoje, a maioria dos judeus que ainda vivem no Uzbequistão seguem o rito ashquenazita, tendo os judeus de Bukhara emigrado maciçamente.
o
Uzbequistão é uma criação do século 20, uma nação encravada entre os rios Syr Darya e Amu, estabelecida em outubro de 1924, quando diversas entidades territoriais da Ásia Central foram reunidas na República Socialista Soviética Uzbeque. Porém, a história da região remonta aos primórdios da civilização humana. Estrategicamente localizado na antiga Rota da Seda2, o território do Uzbequistão sempre atraiu invasores. Hoje, sua natureza exuberante rivaliza com a beleza arquitetônica de suas antigas cidades. Verdadeiros museus a céu aberto, revelam os diversos períodos da história da região e as influências culturais de seus inúmeros invasores.
principais polos do mundo judaico. Ademais, até o final da Idade Média são escassas as informações sobre os judeus da região.
A história dos judeus do Uzbequistão é pouco conhecida, principalmente pelo fato de, através dos tempos, eles terem vivido longe das áreas consideradas como
De acordo com uma tradição dos judeus de Bukhara, os primeiros deles a se estabelecerem na região eram membros das Dez Tribos, possivelmente as de Naftali e Issachar, deportados após a derrota final do Reino de Israel para os assírios, em 722 AEC. A tradição baseia-se no versículo 17:6 do Livro de Reis II: “No 9º ano do reinado de Oseias, o rei assírio conquistou o Reino de Israel (Shomron) e levou-os cativos para a Assíria e fê-los habitar em Halah e Havor, junto do rio Gozan...”. Havor seria uma referência a Bukhara.
Não se sabe quando os primeiros judeus se estabeleceram no que constitui, hoje, o Uzbequistão. Durante o reinado do Rei David na Terra de Israel, no século 10 AEC, já havia comerciantes judeus se aventurando pela Ásia Central. No entanto, não há textos ou achados arqueológicos que nos indiquem quando os judeus lá se assentaram. O que temos são inúmeras tradições orais que, atualmente, os historiadores consideram como prova legítima de um passado.
Os judeus mizrachim (do hebraico “orientais”) são judeus originários das comunidades do Oriente Médio. Nesta categoria incluem-se os judeus não-sefarditas do mundo árabe.
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Rota da Seda - Uma série de rotas interligadas através da Ásia do Sul, usadas no comércio entre o Oriente e a Europa.
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Praça Registan Samarkand, Uzbequistão
Antes de adentrarmos a história dos judeus do Uzbequistão é preciso esclarecer que a terminologia “edá dos judeus de Bukhara” se refere à “comunidade” judaica mizrachí, que durante séculos viveu na região do atual Uzbequistão. O termo chega, às vezes, a englobar toda a população judia mizrachí, oriental, da Ásia Central.
Emirado de Bukhara, mas havia judeus também em outros lugares. Alguns estudiosos acreditam que o nome tenha passado a ser usado no séc. 14, quando, como veremos
Não há, porém, um consenso sobre quando e por que razão teria sido adotada essa denominação, sendo inúmeras as teorias. É fato que, na Idade Média, a maior comunidade judaica da Ásia Central vivia no
Tamerlan, do turcomano Timur-i-Lenk (ou “Timur, o Coxo”), de seu verdadeiro nome Tīmur ibn Taragay Barlas, foi o último dos grandes conquistadores nômades da Ásia Central de origem turco-mongol.
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RIMONIM, ENFEITES DOS SIFREI TORÁ. BUKHARA, 1913
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adiante, Tamerlan3 enviou centenas de famílias judias de Bukhara para ajudar na reconstrução da cidade de Samarkand. Outros justificam que o nome “judeus de Bukhara” tivesse sido aplicado à comunidade por viajantes europeus que lá estiveram antes da conquista russa, em 1868, pois, também à época, a maioria dos judeus da região eram súditos do Emir de Bukhara. Independentemente de qual seja a explicação, a terminologia ajudou a cristalizar uma identidade. A “comunidade judaica de Bukhara” possui sua própria história, tinha seu território considerado como “sua pátria diaspórica”, seu próprio idioma, o Bukhori um dialeto tadjique-judaico. Suas tradições e cultura são ricas e singulares, resultantes da integração judaica no caldeirão turco-persa de culturas dominante na região. DEZEMBRO 2020
CAPA
Os primórdios Desde o primeiro milênio AEC, nômades iranianos se estabeleceram ao longo dos rios da Ásia Central. Os sogdianos foram dos primeiros povos iranianos a fincar raízes nas regiões de Bukhara e Samarkand, onde a maioria dos judeus acabou por se estabelecer. O território sogdiano estava localizado na antiga Rota da Seda, a maior rede comercial do Mundo Antigo que interligava a Ásia do Sul, o Oriente e a Europa. De acordo com mais uma tradição local, uma leva de judeus chegou à região no século 6 AEC. Depois de Ciro, o persa, conquistar a Babilônia, em 539 a.E.C., e estabelecer seu próprio Império, ele autorizou o regresso dos judeus à sua Terra de Israel – judeus que os babilônios mantinham cativos desde que Nabucodonosor II derrotara o Reino de Judá e os deportara para a Babilônia. Nem todos o fizeram. Alguns se dirigiram para o Leste, estabelecendo-se na Pérsia (atual Irã), no atual Afeganistão e na Sogdiana. Chamada pelos romanos de Transoxiana, a Sogdiana era uma antiga região geográfica que corresponde aos atuais Uzbequistão, Tadjiquistão e parte do Cazaquistão. Em 327 AEC Alexandre, o Grande, conquista parte do atual Uzbequistão, inclusive a Sogdiana,
Abul Hasan Ali Ibn Husain Ibn Ali Al-Masudi, conhecido como Almaçudi (c. 888 - Cairo 957), combinou história e geografia em sua obra sobre as suas viagens na Europa e Oriente Médio.
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O Reino Judaico dos Khazar, um dos grandes reinos que existiu do século 8 até o 10 e que, ao sucumbir, levou consigo a sua história.
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na época província do Império Aquemênida, o Primeiro Império Persa. Essa conquista provocou o crescimento das atividades comerciais de suas principais cidades, como Andijan, Kokand, Rishtan, Samarkanda, Bukhara, Khiva e Tashkent. A primeira evidência documentada de uma presença judaica na região remonta ao século 4 da Era Comum. E, de acordo com mais uma tradição local, um grande número de judeus
devido à riqueza oriunda da Rota Norte da Seda, sendo seus principais centros Samarkand e Bukhara.
Os judeus e o Islã A chegada do Islã foi modificando o modo de vida de todas as terras que conquistava. Na região que hoje é o Uzbequistão ocorre uma maciça islamização da população, à exceção dos judeus, que se tornaram uma minoria numericamente insignificante. Como em outros
PÔR-DO-SOL NAS ANTIGAS MURALHAS da cidade de Khiva, ROTA DA seda, Uzbequistão
fugiram da Pérsia no século 5, durante o reinado do Xá Perozes. Não se sabe exatamente quando os judeus começaram a atuar na Rota da Seda da Ásia Central, mas já no século 7 era grande o número de mercadores judeus. Nesse século a Transoxiana foi conquistada pelos árabes, que disseminaram o Islã em toda a região. Dos séculos 8 ao 10 a Transoxiana se tornou um importante centro cultural 44
lugares do Dar al-Islam, eles viviam na condição de dhimmis. O Estado muçulmano lhes impunha uma série de obrigações e, em contrapartida, garantia-lhes a vida, a propriedade e o direito de praticar sua religião. Em suas obras, o historiador árabe do século 9, Al-Masudi4, faz referência à presença judaica na região, constatando que “muitos judeus que se dirigiram ao reino de Khazes5 eram oriundos de cidades muçulmanas” (da Transoxiana).
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Na época, os judeus de Bukhara mantinham contatos com outras comunidades no mundo judaico. De acordo com Nathan ben Isaac ha-Kohen ha-Babli, historiador do século 10, os judeus de Khorasan6 consultavam e acatavam as determinações dos Gaonim (sábios) das academias talmúdicas da Babilônia, Sura e Pumbedita, sobre questões religiosas. E também contribuíam para a manutenção dessas duas academias. Mais informações sobre o relacionamento entre os judeus de Bukhara e as instituições judaicas babilônicas podem ser obtidas na obra do rabino Benjamim de Tudela. A viagem de Tudela rumo à Terra Santa durou mais de dez anos, no período de 1159 ou 1163 até 1173. Em uma descrição da comunidade judaica de Bagdá, ele diz: “A autoridade do Exilarca se estendia sobre todas as comunidades da Babilônia, Pérsia, Khorasan e Sheba... até os portões de Samarkand...”. Em suas anotações, Tudela não menciona a comunidade judaica de Bukhara, mas sim de Samarkand, que segundo anotou somava 50 mil judeus. Historiadores acreditam que esse número não se baseava em observação pessoal, não sendo, portanto, necessariamente preciso.
Hall de entrada da Residência Kalantarov, onde havia uma linda SINAGOGA, Samarkand, UZBEQUISTÃO
Os judeus sofreram demasiadamente durante a invasão mongol do Uzbequistão, em 1220. Os bairros judaicos da cidade de Bukhara foram destruídos e, ao que se sabe, somente foram recuperados no século 14. E quando os exércitos mongóis conquistaram o Irã, muitos judeus fugiram e se instalaram no vizinho Uzbequistão. Uma das consequências da invasão mongol foi o isolamento dos judeus da Ásia Central do restante
Domínio de Tamerlan No século 14, os mongóis foram subjugados por Tīmur ibn Taragay Barlas, ou Tamerlan. Fundador da linhagem timúrida, uma dinastia muçulmana sunita, sua imagem se tornou referência histórica na construção da moderna identidade nacional uzbeque. Graças à sua competência militar, numeroso exército e campanhas militares marcadas por massacres selvagens, Tamerlan conquistou um vasto império.
Os laços entre as comunidades judaicas da Ásia Central e o restante do mundo judaico que, por tantos séculos, haviam sido fortes, foram cortados no século 13, quando Genghis Khan e seu poderoso exército mongol varreram a Ásia Central deixando atrás de si morte e destruição. Khorasan, região histórica que englobava partes dos atuais Irã, Uzbequistão, Afeganistão, Tadjiquistão e Turcomenistão.
do mundo judaico – excetuandose outras comunidades judaicas de língua persa que viviam nos territórios que hoje constituem o Irã, Afeganistão e Tadjiquistão. Esses laços permaneceram fortes, unindo os judeus dessa vasta região no que poderíamos chamar de uma “única comunidade”, que compartilhava de liturgia e comentários bíblicos, e criou um conjunto de poesias judeu-persa.
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VISTA DO INTERIOR DA SINAGOGA DE GUMBAZ, EM SAMARKAND, UZBEQUISTÃO
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Sendo originário de um vilarejo perto de Samarkand, em 1370 Tamerlan fez dessa cidade capital do Império Timúrida e com ele teve início seu grande desenvolvimento cultural. DEZEMBRO 2020
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Fachadas das madrasas (escolas da religião islâmica) na Praça Registan, Samarkand
Os mestres artífices capturados no decorrer de suas conquistas e levados por ele para o atual Uzbequistão produziram um vasto acervo de obras. A arquitetura timúrida é o pináculo da arte islâmica na Ásia Central, tendo Samarkand, Bukhara 7
Canato era a entidade política governada por um Khan, ou senhor tribal, entre os mongóis e os turcos.
e outras cidades da Transoxiana se tornado verdadeiras obras de arte arquitetônica. Os judeus contribuíram substancialmente na reconstrução da região. Como vimos acima, Tamerlan levou centenas de judeus que viviam em Bukhara para Samarkand para a reconstrução da cidade. E assim Samarkand acabou se tornando um grande centro judaico.
Durante seu reinado a vida judaica transcorreu com tranquilidade, as comunidades floresceram e os judeus prosperaram. Mas, a bonança duraria pouco. Após a morte de Tamerlan, os judeus voltaram a ser alvo de perseguições por parte das autoridades muçulmanas. A área de residência que lhes era permitida foi restringida a um bairro especial, Mahalla. As casas, sinagogas, portões e lojas judias tinham que ser construídos em nível mais baixo que os dos muçulmanos. Seu testemunho nos tribunais passou a ser inválido e seu vestiário, diferenciado, sendo obrigados a usar um boné e um cordão na cintura, ambos pretos. Criou-se um imposto especial para os judeus e assim que um deles efetuava esse pagamento, recebia uma bofetada dos cobradores oficiais de impostos.
O declínio e o renascimento espiritual da comunidade judaica
JUDEUS DE BUKHARA, NA OBRA “PHOENIX”, DE BERLIN. INÍCIO SÉC. 20
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No século 16, dois canatos7 rivais foram estabelecidos na região: o de Bukhara, que mais tarde se tornaria um emirado, e o de Khiva,
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ambos governados por muçulmanos sunitas. O Canato de Bukhara era o centro da vida judaica na Ásia Central e foram inúmeros os seus poetas e tradutores judeus, cujos trabalhos eram escritos no dialeto tadjique-judaico. Mas, a vida judaica sofreria uma mudança a partir do século 16 quando a dinastia safávida toma o poder na Pérsia, gradualmente convertendo seus domínios no bastião do Islã xiita. Os governantes safávidas obrigaram a maioria sunita a se tornar xiita e romperam todas as relações com seus vizinhos sunitas, entre os quais o Emirado de Bukhara. Com o rompimento dos laços dos judeus de Bukhara com todas as comunidades judaicas do Irã, a comunidade foi ficando totalmente isolada e entrou num declínio espiritual e religioso. No século 18, os judeus de Bukhara defrontaram-se com mais uma ameaça à sua integridade espiritual, pois as autoridades islâmicas adotaram uma política de conversões forçadas, uma prática que foi retomada no início do século seguinte. Forçados a escolher entre a morte e o Islã, muitos judeus tornaram-se anussim. Na aparência eram muçulmanos fiéis, enquanto secretamente mantinham-se fieis ao judaísmo. No final do século, porém, com a chegada do Rabi Yossef Ma’aman al-Maghrebi, inicia-se um novo capítulo em sua história. Natural do Marrocos, Rabi Ma’aman havia se estabelecido em Safed, na Terra Santa, mas motivado pelo desejo de ensinar nossos textos sagrados e rica tradição aos judeus que viviam nos confins da diáspora, ele deixou sua casa, dirigindo-se à Ásia Central. Quando chegou a Bukhara, ele se deparou com uma comunidade
SINAGOGA DA RESIDÊNCIA ZEVULONOV, SAMARKAND, UZBEQUISTÃO
destroçada, decidindo então lá se estabelecer e concentrar seus esforços em seu renascimento religioso – que acabou dando certo. Até a chegada do Rabi Ma’aman, os judeus de Bukhara seguiam a liturgia e tradições dos judeus persas, mas ele introduziu a liturgia sefardita. Com o tempo, os judeus abandonaram seus antigos costumes a favor da liturgia e costumes sefaradis.
GRUPO DE CRIANÇAS JUDIAS COM O SEU PROFESSOR. SAMARKAND, POR SERGEI MIKHAILOVICH
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A comunidade recebeu das autoridades islâmicas permissão para se instalar fora da Mahalla, fundando a “Nova Mahalla”, o novo bairro judeu. Fundaram-se escolas para meninos (khomlo) semelhantes ao cheder da Europa Oriental, e pouco depois uma ieshivá. As comunidades judaicas de Bukhara e de outras cidades eram dirigidas por um kalontar eleito pela comunidade e aprovado pelo Emir. Ele e os dirigentes das Mahallas nova e antiga, que também eram eleitos e aprovados pelos Emir, atuavam como juízes nos litígios comunitários. A emigração dos judeus de Bukhara para a Palestina Otomana se iniciou em 1868. Os primeiros imigrantes incluíam judeus abastados que queriam fazer de Jerusalém o centro espiritual de sua comunidade. No final do século 19 havia cerca de 180 famílias de Bukhara que já viviam em Jerusalém. Em 1936, já somavam 2.500 pessoas, metade delas em Yerushalaim. Durante o Mandato Britânico na Palestina, a comunidade judaica oriunda de Bukhara passa a viver um período de grande desenvolvimento. DEZEMBRO 2020
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pela derrota e um grande número de judeus deixa o Emirado para se estabelecer no Turquestão onde não eram discriminados, pelo contrário, eram respeitados como súditos leais do czar.
INTERIOR DE UMA SINAGOGA HISTÓRICA NA RESIDÊNCIA DE UM JUDEU ABASTADO, SAMARKAND, UZBEQUISTÃO
A invasão da Rússia Czarista No início do século 19, o território do atual Uzbequistão estava dividido entre o Emirado de Bukhara, o Canato de Khiva e o Canato de Kokand.
os territórios anexados formando o Governo-Geral do Turquestão, tendo Tashkent como capital. Para a população judaica de Bukhara a situação se torna precária, pois a população muçulmana os culpava
Os judeus passam a ter um papel vital no desenvolvimento do mercado têxtil. Na época, eles dominavam o comércio de corantes da Ásia Central, e muitos eram donos de pequenas empresas de tingimento têxtil. Por reconhecerem sua utilidade, as autoridades czaristas implementaram na região políticas favoráveis aos judeus. Enquanto os que viviam no Império Russo eram obrigados a residir na chamada “Zona de Residência”, com sua atividade comercial legalmente restrita, os judeus do Turquestão obtiveram amplos direitos comerciais e podiam escolher onde viver, fosse lá ou na própria Rússia. Nesse período, atraídos pelas oportunidades econômicas, um número ainda reduzido de judeus oriundos do Leste europeu passou a se estabelecer no Turquestão.
Havia judeus vivendo nos três domínios, principalmente nas cidades de Bukhara, Samarkand, Tashkent, Karshi, Shakhrisabz, Kokand e Margelan. Sob o domínio de governantes islâmicos, os judeus ainda eram uma minoria segregada, mas sua vida irá melhorar com a invasão da Rússia Czarista que iniciou a conquista da Ásia Central na segunda metade do século 19. A parte oriental do atual Uzbequistão foi tomada pelos russos em 1865 e três anos mais tarde eles derrotaram o Emirado Bukhara, que perdeu grande parte do seu território, incluindo Samarkand. Os russos passam a dominar a região – o Emirado e o Canato de Khiva eram protetorados russos e eles anexam o de Kokand. E eles reagrupam
Uma das principais motivações por trás da invasão russa foi atender às demandas de seu mercado têxtil e o algodão era uma cultura natural na região. Os dirigentes russos incentivaram a produção de algodão local e executaram obras de infraestrutura no Turquestão. Na década de 1870, uma rede de telégrafos foi instalada e, em 1888, inauguram uma ferrovia que ia do Mar Cáspio até Samarkand.
CASAL DE NOIVOS JUDEUS ORIUNDOS DE BUKHARA. JERUSALÉM, 1930
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Na Rússia czarista a liberdade concedida aos judeus do Turquestão foi mal recebida. Diante da pressão de comerciantes e industriais, em
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1888, o governo czarista passa a diferenciar entre os judeus “nativos”, que habitavam a região antes da conquista russa, e os que haviam se estabelecido depois. Enquanto os “judeus nativos” tinham direitos iguais aos da população islâmica, os judeus que se haviam estabelecido na região após a conquista russa, considerados “cidadãos estrangeiros”, tinham direitos restritos. Entre outros, só tinham permissão de residir em locais pré-determinados até retornarem “a seu local original de residência”. Do desenvolvimento econômico que se seguiu resultou o surgimento, entre os judeus de Bukhara, de uma classe cosmopolita e abastada. Havia judeus cuja riqueza estava envolta em lendas. Eles controlavam a maior parte da exportação do algodão e possuíam dezenas de fábricas e lojas, terras e ferrovias. A prosperidade da população judaica resultou numa melhora da vida comunitária e religiosa. Estima-se que durante a ocupação da Rússia czarista 50 mil judeus viviam em Samarkand e 20 mil no Emirado de Bukhara, dos quais cerca de 4 mil na cidade de Bukhara.
JUDEUS DE BUKHARA CELEBRAM SUCOT, FESTA DOS TABERNÁCULOS. ISRAEL, 1900
consideram o censo impreciso, estimando que o número de judeus em meados da década de 1920 chegasse a 30-35 mil. Com o estabelecimento do poder soviético foram abolidas a livre
Na Ásia Central, as campanhas foram principalmente direcionadas contra o Islamismo, mas, ainda que os judeus constituíssem uma minoria da população da região, as políticas destinadas a destruir a religiosidade também foram aplicadas a eles. Foram fechadas as sinagogas, as escolas religiosas para as crianças, bem como as ieshivot.
O domínio soviético A Revolução Russa de 1917 mudaria totalmente a vida de toda a região. Na década de 1920, os soviéticos incorporaram a região à URSS. No lugar do Emirado de Bukhara foram criadas a República Socialista Soviética Uzbeque (Uzbequistão Soviético) e a República Socialista Soviética Tadjique. De acordo com o censo de 1926, 18.172 judeus viviam no Uzbequistão Soviético dos quais 7.740 em Samarkand, 3.314 em Bukhara, 1.347 em Tashkent e 746 em Kokand. Os historiadores
iniciativa e as práticas religiosas. Muitos judeus abastados perderam todos os seus bens, sendo acusados de exploradores do proletariado. O regime comunista dificultava ao máximo a prática e ensino religioso, qualquer que fosse essa religião.
Todos os habitantes da URSS foram proibidos de cruzar as fronteiras. Os judeus do Uzbequistão Soviético ficaram mais uma vez isolados do mundo judaico – não podiam deixar a URSS e a correspondência era censurada. Tampouco podiam receber emissários ou textos religiosos judaicos de fora. CASAL DE JUDEUS DE BUKHARA DIANTE DE UM SEFER TORÁ. ISRAEL, c. 1970
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Durante um breve período, de 1917 a 1923, os soviéticos permitiram a DEZEMBRO 2020
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la. O profundo compromisso com sua fé, que ajudou os judeus de Bukhara a manter sua identidade por milhares de anos, ajudou-os a superar os obstáculos impostos pelas autoridades soviéticas. Todas as cidades e vilarejos no Uzbequistão que contavam com uma razoável comunidade tinham a sua Mahalla – o seu bairro, onde se concentravam os judeus, e uma sinagoga e mikvê. Os soviéticos tinham o controle de sua vida religiosa na esfera institucional, mas muito pouco controle de sua expressão religiosa dentro das Mahallas. E os judeus de Bukhara continuaram a praticar sua religião em relativo segredo. Os meninos continuavam a ser circuncidados, os casais continuaram a ser casados sob a chupá, o pálio nupcial judaico.
abertura de escolas onde o idioma de instrução fosse o hebraico e o bukhori. Mas durante o Grande Terror8 de 1936 a 1938, os jornais judaicos e as escolas judaicas foram fechados. Das 30 sinagogas que havia em Samarkand em 1917, restava apenas uma, em 1935. Contudo, a despeito de todas essas políticas, o Judaísmo – assim como o Islamismo – continuaram a ser importante força social na Ásia Central. Os judeus continuaram a praticar sua religião ao longo de toda a era soviética, apesar do empenho para erradicá-
A grande maioria deles continuou guardando Yom Kipur, Pessach e o Shabat, e a manter vários aspectos da cashrut. A taxa de casamentos mistos era consideravelmente baixa, pois costumavam se casar e criar seus filhos dentro de suas comunidades de origem. Após a subida de Stalin ao poder, o número de judeus ashquenazitas aumentou consideravelmente no Uzbequistão, pois o ditador forçou o exílio de milhares de judeus russos para as repúblicas da Ásia Central.
Durante a 2a Guerra Mundial, o Uzbequistão acolheu várias centenas de milhares de famílias soviéticas que conseguiam fugir das invasões nazistas. Isso acabou acelerando a “russificação” da república, principalmente de sua capital, Tashkent. Mais de mais um milhão de judeus do Leste europeu também se refugiaram no Uzbequistão, dos quais cerca de 200 mil lá permaneceram após o término da guerra. Aos poucos foi-se formando uma nova comunidade ashquenazi. Essa separação entre os judeus de Bukhara e os ashquenazim é claramente expressa nas baixas taxas de casamentos mistos entre eles. Os judeus da Europa Oriental, mais do que os de Bukhara, tinham a tendência a se aproximar estrutural e culturalmente da cultura europeia e, por isso, se assimilaram mais à população russa uzbeque. Durante o período soviético, a população muçulmana local participou de vários episódios antissemitas – como libelos de sangue contra os judeus, em 1926, 1930, 1961 e 1962. O antissemitismo cresceu após a Guerra dos Seis Dias, de 1967, e os judeus eram forçados a participar de manifestações anti-Israel.
FAMÍLIA CELEBRA O SHABAT NA SINAGOGA DE SUA RESIDÊNCIA, BUKHARA, UZBEQUISTÃO
O Grande Expurgo ou Grande Terror foi uma violenta campanha de repressão política na União Soviética, entre 1936 e 1938, de autoria de Josef Stalin, Secretário Geral do Partido Comunista.
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Sinagoga Gumbaz - SAMARKAND, Uzbequistão
Uzbequistão No dia 31 de agosto de 1991, o Uzbequistão declarou a sua independência. Com a dissolução da União Soviética, foram aliviadas as restrições à emigração e os judeus começaram a partir, em massa. Dos 94.900 judeus que lá viviam à época, 51.400 viviam em Tashkent. Cerca de 8.000 judeus de Bukhara já haviam emigrado para Israel entre 1972 e 1975. Um pequeno contingente de 2.000 judeus emigrou para os Estados Unidos, especialmente para Nova York. Na década de 1980 ocorre uma segunda onda de emigração judaicobúkhara para Israel e Nova York, que se tornaria um terceiro centro da comunidade judaica dessa origem. Com a abertura do país, muitas organizações judaicas sem fins lucrativos iniciaram operações na região para ensinar e orientar os que ainda não haviam emigrado e reconectá-los com o mundo judaico. Entre essas organizações, destacamse a Agência Judaica, o Bnei Akiva, o Joint Distribution Committee e o Midrash Sefaradi. O ChabadLubavitch também atuava firmemente
na região com seus inúmeros programas, além de oficiar serviços nas sinagogas, dar aulas de nossa religião e tradições e manter a mikvê. Apesar de 88% da população uzbeque de 24.7 milhões ser muçulmana, a religião e a política têm-se mantido separadas. As relações com Israel são amigáveis e este país presta várias formas de auxílio ao Uzbequistão. As ameaças reais provêm dos muçulmanos fundamentalistas nos vizinhos Tadjiquistão e Afeganistão.
Em anos recentes, vários ataques terroristas, na forma de carrosbomba, têm sacudido Tashkent. No mesmo dia, em 2004, um suicida-bomba atacou as embaixadas dos EUA e de Israel, em Tashkent, matando um guarda uzbeque na Embaixada de Israel. Em 2007, o número de judeus no outrora populoso centro judaico de Tashkent já baixara para 5.000. Eram em sua maioria ashquenazim. Atualmente, restam cerca de 4.200 judeus, principalmente em Bukhara, Samarkand e Tashkent, havendo em todo o país apenas 12 sinagogas. Em Samarkand vivem 2.000 judeus e há duas sinagogas na cidade, ao passo que em Bukhara são apenas 100-150 pessoas – meros vestígios de uma comunidade numerosa que sempre guardou seu Judaísmo e suas tradições.
BIBLIOGRAFIA
SINAGOGA DE BUKHARA, UZBEQUISTÃO
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Cooper, Alanna E. Bukharan Jews and the Dynamics of Global Judaism (Sephardi and Mizrahi Studies). Indiana University Press. Kindle Edition. Uzbekistan, Encyclopaedia Judaica, Second Edition, 2007 Jews of Bukhara, Encyclopaedia Judaica, Second Edition, 2007
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arte
Luzes sobre os escritores e artistas DE LÍNGUA iídiche POR Maria Luiza Tucci Carneiro
O iídiche, enquanto língua de origem e tradicional, era amplamente difundido entre os imigrantes judeus da Europa Oriental e Central que, ao chegarem ao Brasil, continuavam a empregá-lo na vida privada e em público, nos encontros familiares e comunitários.
O
idioma, que se formou no século 12 derivado do dialeto francônio do alemão medieval, servia como intercomunicação do dia-a-dia, distinguindo-se entre as várias comunidades judaicas na Diáspora. Sempre presentes, os falantes do iídiche marcaram seus espaços através do teatro animado por bufões, mímicos, palhaços, dançarinos, acrobatas e trovadores. Foi durante a Idade Média na Europa que o teatro iídiche circulou de aldeia em aldeia animando o povo carente de cultura e lazer.
Infelizmente, muitos artistas do teatro iídiche tiveram suas vidas interrompidas pelos nazistas durante o Holocausto. Apesar do perigo de ser acusado de conspiração por “falar uma língua esquisita”, o iídiche foi usado pelos prisioneiros asquenazitas nos guetos e nos campos de concentração. Anos depois, os sobreviventes do Holocausto inseriram o iídiche em suas narrativas como uma forma de lembrar os velhos tempos vivenciados em suas aldeias e cidades do Leste Europeu. Aqui em São Paulo, por exemplo, convivemos com o músico Salomon Zauder (1923- 1998), natural de Cracóvia, que assim como seu irmão David Zauder (1928-2013), foi criado nessa cidade, no meio de músicos. Seu pai, Kalman Zauder, era alfaiate e tocava bateria em um teatro iídiche, enquanto sua mãe, costureira, confeccionava fantasias para o mesmo teatro. Apesar das dificuldades enfrentadas pelos judeus falantes do iídiche na Alemanha e na Europa Oriental durante o nazismo, apesar do fenômeno de assimilação e integração dos imigrantes judeus na sociedade não-judaica, o teatro iídiche deixou o seu legado.
Ainda que nos seus primórdios fosse um dialeto popular sem muita representatividade cultural e literária entre os intelectuais, o iídiche criou raízes e sobreviveu como uma forma de falar, fazer arte e produzir cultura. Influenciado pelo Iluminismo, ganhou forças nas primeiras décadas do século 19 ao ser recuperado por um movimento de jovens cientes das possibilidades de comunicação com as massas. Hoje mantém-se apenas entre os remanescentes da velha geração, lembrado pelo espírito alegre dos atores e diretores que falavam o iídiche, pelo conteúdo irônico das piadas, pelo ato brincalhão de “rogar suas pragas” e do cantarolar de antigas canções popularizadas pelas tradição oral.
Felizmente contamos com a atuação de alguns estudiosos brasileiros da língua e da cultura iídiche que, nestas 52
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ENSAIO PARA INTRODUÇÃO AO TEATRO IÍDICHE, 1919-20, MARC CHAGALL
últimas décadas, têm tentado superar os obstáculos impostos pela modernidade que, nem sempre, respeita as tradições seculares e as raízes culturais dos povos. Lembro aqui as importantes contribuições sobre o teatro iídiche no Brasil de autoria do ensaísta, editor e professor Jacó Guinsburg (1921-2018), que ao longo de anos, interessou-se pelas atividades teatrais da coletividade judaica, bem como pelo processo de renovação do teatro brasileiro. É de sua autoria o livro Aventuras de uma língua errante. Ensaios de literatura e teatro iídiche, através do qual nos aproximamos do quotidiano dos “shteitls” e dos guetos do Leste europeu, reconstruindo diferentes quadros da vida judaica desde a Europa até o Brasil [Perspectiva, 1996]. Consta que a primeira peça profissional em iídiche é de 1876,
de autoria de Abraham Goldfaden (1840-1908), responsável pela direção, produção, divulgação e cenários do espetáculo. Considerado hoje como o “pai do moderno teatro iídiche”, Goldfaden teve a sua trajetória reconstituída por Nachman Falbel, importante historiador brasileiro dedicado a recuperar a memória das companhias de teatro Kidush Hashem, Em nome de D’us Teatro Ginástico, 1945. Rio de Janeiro
jacó Guinsburg
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profissionais e dos círculos amadores no Brasil [Ateliê Cultural, 2013]. Ainda sobre o tema contamos com as Memórias da minha juventude e do teatro iídiche no Brasil, de Simão Buchalski, também publicadas pela Editora Perspectiva e a Associação Universitária de Cultura Judaica, em 1995. Lembro também o importante livro de Berta Waldman, sob título O teatro iídiche em São Paulo: memórias de imigrantes, prefaciado por Guinsburg (Anna Blume, 2010) Fundamentada em entrevistas com atores judeus da língua iídiche que, entre 1890 e1920, imigraram para o Brasil, a autora resgata a tradição dessa arte propagada pelas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Santos, Campinas e São Paulo. Ainda que tais testemunhos sejam “retalhos de vivências” dos imigrantes judeus progressistas radicados em DEZEMBRO 2020
arte
Os imigrantes judeus radicados no Rio Grande do Sul, por exemplo, usavam em seu dia-a-dia na nova terra o iídiche, que era a querida Mamelushen, língua materna dos judeus da Europa.
O espetáculo O Levante (Oifshtand) de Reuven Hochberg, encenado no Teatro Luso Brasileiro, 1938 (Acervo ICIB/Casa do Povo)
São Paulo, como escreveu Guinsburg, tais vestígios nos ajudam a reconstituir seus repertórios culturais e políticos, muitos dos quais replicados em diferentes espaços do Bom Retiro. Graças às lembranças de infância e pesquisas desenvolvidas por estes autores, o teatro iídiche brasileiro continua iluminado pelas lembranças, ainda que sem plateias para gritar “Bravo” e pedir “bis”. Mudando as luzes dos holofotes para a última década do século 19 e início do século 20, encontraremos o teatro iídiche presente nas principais comunidades judaicas brasileiras, como muito bem demonstraram os estudiosos Guinsburg, Falbel e Waldman. Com forte carga dramática e, na maioria das vezes, política, o teatro iídiche prestouse como pilar de sustentação da identidade judaica ao reproduzir tradições e ritos religiosos, comportamentos, gestos e expressões seculares mantidos pelos judeus. Congregando a juventude e saciando as saudades dos mais velhos, as peças relembravam a vida nos shteitls, aquelas típicas aldeias na Europa Oriental tão bem representadas na obra do pintor judeu russo Marc Chagall. Em palcos improvisados por atores amadores, o teatro iídiche foi, com
certeza, um dos principais espaços de lazer e de cultura frequentado pelos imigrantes judeus no Brasil. Difícil não encontrar nos arquivos judaicos brasileiros os múltiplos vestígios desta arte que extrapolava o improviso e alimentava o imaginário e a cultura judaica nos caminhos da Diáspora. É fato que as companhias itinerantes e os atores de língua iídiche passavam constantemente pelas capitais brasileiras mantendo, durante anos, uma verdadeira trilha de cultura e ideologia que serpenteava pelo país de Norte a Sul.
O ESCRITOR MENDEL MANN EM SUA ALDEIA, MARC CHAGALL
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A memória dessa arte, felizmente, não ficou apenas nas lembranças dos mais velhos. Um farto material iconográfico, manuscrito e impresso ainda sobrevive, quase que por acaso, guardado em fundos de gavetas e arquivos da comunidade judaica. Um mundo muito particular pode ser resgatado através destes velhos papéis que guardam fragmentos de um imaginário único, especial. O moderno teatro iídiche saiu da Europa para criar novas raízes em Manhattan, quando, no final do século 19, grupos de amadores promoviam exibições para os imigrantes recém-chegados da Europa Oriental com o intuito de oferecer-lhes uma ponta de lazer nas terras da América. A partir desse momento, tímidos talentos emergiram sensibilizando seus espectadores para a essência dos sentimentos das populações judaicas mais pobres. O repertório apresentado era, na sua maioria, composto de um extravagante conjunto de desgrenhados melodramas, operetas, tzait bilder (quadros de época), comédias e vaudevilles, geralmente produzidos em série. A imagem de certos personagens, revividos posteriormente nos múltiplos palcos das cidades brasileiras, sensibilizavam os espectadores identificados com as peripécias melodramáticas arquitetadas por seus diretores. Os grandes polos do teatro iídiche no Brasil eram São Paulo e Rio de Janeiro, centros de excelência da imigração ashquenazita,
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e Porto Alegre, dada a sua proximidade com a Argentina, onde vivia a maior comunidade judaica da América Latina. As companhias teatrais estrangeiras iam e vinham, retornando com novos programas, intercalados com reprises de peças dos clássicos escritores judeus. São Paulo teve o privilégio de conviver com algumas das personalidades do teatro iídiche cuja trajetória identifica-se com a imagem das grandes companhias internacionais: David Meltzer (1888-1967), judeu imigrante de Jitomir (Ucrânia) que, após trabalhar como lustrador de pianos na Argentina, tornou-se tenor do Teatro Colón, de Buenos Aires. Como artista, acompanhou as companhias de operetas líricas e dramáticas que, nas primeiras décadas do século 20, se apresentaram em São Paulo, Santos, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre, Salvador, Belo Horizonte e Recife.
Montenegro, localizado na Rua João Teles, em Porto Alegre. Em outro momento, a Grande Companhia voltou a estrear na capital carioca com a opereta histórica Bas Yeruscholaim (A Filha de Jerusalém), de Auerbach, protagonizada por Sara Sylvia, Eurique Jaicosky, I. Jacubovich e Meltzer, dentre outros.
Peisah Schmeltzer (Meltzer), artista russo do teatro iídiche, residente na Rua Prates, no Bom Retiro, em 1912. Porto Alegre, 1917. Atelier Barbeitos. Acervo Fingermann/SP; Tucci/SP
Fingermann, pai do artista plástico Sérgio Fingermann, entrevistado por mim em janeiro de 1990. Nessa ocasião tive a oportunidade conhecer várias filipetas, partituras e fotografias originais do acervo pessoal David Meltzer/Fingermann. Entre as fotografias chamou-me a atenção algumas imagens da peça Apache, de N. Rakof, ambas em junho de 1918 no Salão Helena de
Acompanhando a Grande Companhia Israelita de Operetas, Dramas e Comédias por várias cidades brasileiras, Meltzer integrou o elenco de inúmeras peças: Die Lustige Nacht (A Noite Alegre), melodrama de Welinsky, no Salão Celso Garcia, em março de 1914, em São Paulo.
cartaz da peça “holie kabtzan” no iídishe folks teater, são paulo
cartaz da peça “O IDIOTA”, 1936
O teatro iídiche paulistano, enquanto movimento teatral sistemático,
coleção particular de Marcos Chusyd
coleção particular de Marcos Chusyd
Entre 1926-1927, Meltzer imigrou para São Paulo onde sua filha Adélia casou-se com Abraham
Em fevereiro de 1915, o tradicional Theatro Polytheama, de São Paulo, exibiu Das Verlorene Kind Oder Unschuldig Im Kerker (A filha perdida ou O prisioneiro sem culpa), em benefício da atriz Berta Mewe, estreando Kessler e Leo Peer que se juntaram a Meltser e Jaculovich.
cartaz da peça”der moderne shylock”, teatro boa vista, são paulo
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arte
Zemel e Elias Gleiser. Uma das últimas peças apresentadas pelo grupo do teatro iídiche paulistano foi Die Ksibe (A certidão de casamento), de Efraim Kishon, em 1965, conforme citação de Berta Waldman em suas “Anotações sobre a história do teatro iídiche em São Paulo. A propósito de Aventuras de uma língua errante”, de Jacob Guinsburg”. [mimeo, 1996] Na trilha do teatro iídiche contamos (1912) e da Boa Vista and created the Círculo Israelita de Pernambuco (Jewish (1896-1970). Zygmunt Turkow Circle of Pernambuco), which laterLanda, changed its romeno, name to Centro imigrou para o Israelita de Pernambuco and then Brasil em 1937, passando a atuar again to Centro Cultural Israelita de Pernambuco. Ultimately they moved no campo das artes plásticas. Havia to Rua da Glória under the new name Federação Israelita de Pernambuco, estudado pintura e gravura na sua which remains in the current days. terra tendo como mestres Many artists natal, who were well-known in Europe and in the USA performed in Grichtchenko, Romanat, S. Lerner Recife in the 1930: e Kolnik, aperfeiçoando-se no “The artists came and they were 18 very well received. They had lunch Brasil com Poty e Santa Rosa. and dinner at people’s homes every day during a whole monthao andlado de Zygmund Trabalhou once or twice in the week there was a performance. There was even a parte dessa geração Turkow fazendo tram at their disposal. People were spending in Olinda and atda língua errante”, de summer “intelectuais some point they would say: “We needsendo to catch a tram to go home autor de topoesias e contos em start the show.” And then there was a tram… The fact is that I remember iídiche. many plays in Yiddish and
No início, os encontros comunitários aconteciam em salões alugados.
At first the community meetings were held in rented spaces. The first
Montagem de Hershele Ostropolier, de Scholem Aleichem, com direção de Jacob O primeiro ficava no cais José Mariano, depois foram para a Rua da one was at the quay José Mariano, then at Rua da Imperatriz and later Kurlander, 1960 (Acervo ICIB/Casa do Povo) ainda com Josef Landa Imperatriz e mudaram-se ainda para a Rua Conde da Boa Vista. Só em 1937 at Rua Conde da Boa Vista. In 1937 they finally settled at Rua Conde é que se instalaram em terreno próprio na Rua Dom Bosco para formar o Círculo Israelita de Pernambuco, que muda de nome para Centro
iniciou-se entre 1923-1924 com Israelita de Pernambuco, Centro o Yugent Club, cuja sede nade Pernambuco e, Culturalera Israelita finalmente, Federação Israelita de Rua Amazonas, no bairro do Bom Pernambuco, na Rua da Glória, nome mantido até dias de hoje. Retiro. Iankev Kurlender e osIankev O Recife recebeu na década de Rotbaum encontram-se entre os que haviam 1930 muitos artistas notabilizado na Europa e nos renomados diretoresseEstados que atuaram em Unidos: São Paulo. Há também referências “Vinham artistas aqui e eles passavam bem. Eles jantavam e de que integrantes da imigração almoçavam na casa de cada um nos dias do e uma vez por russo-polonesa, entretrinta eles osmês,Cipkas, semana ou duas, tinha teatro. Tinha bonde à disposição e o pessoal tentaram estabelecer,até na década estava veraneando em Olinda, dizia : “Tem que ter um bonde de 20, um teatro de aípara língua iídiche ir para casa para começar”. Aí tinha o bonde. ... O fato é que no salão Luso-Brasileiro, no Bom eu me lembro de muitas peças em ídichede que hoje vejo como me Retiro, encenando peças Scholem marcaram...” Aleichem e Peretz. Rotbaum, Tamara Grinfeld originário de Wroclav (Polônia), veio para São Paulo em 1948 quando dirigiu Der Goldfaden Chulem (O Sonho de Goldfaden) e, no mesmo ano, Dos Groisse Guevins (A Sorte Grande), de Scholem Aleichem. Em 1962, Rotbaum retornou com a peça A família Blank, do mesmo escritor. Nessa época, um novo espaço havia sido organizado: o ICIB - Instituto Cultural Israelita Brasileiro ou “A Casa do Povo”, com remanescentes do Centro de Cultura Progresso. Este projeto só se completou em 1960 com a inauguração do TAIB, com sala especial para as artes cênicas. Mas, nessa época, os atores já se dedicavam ao teatro falado em português, envolvendo-se com o grupo do Teatro de Arena ou dedicando-se à televisão, como aconteceu com Riva Nimitz, Berta
nowadays I realize how important they have been to me… ” Tamara Grinfeld
cartaz da peça “A caminho de Buenos Aires”. Esther Perelman e Issac Deutch. Recife, 1934 Oifen weig cain Buenos Aires oder Dos roite winkel. (A caminho de Buenos Aires). Esther Perelman e Issac Deutch. Recife, 1934.
Turkow com atores
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Em 1946, o artista Lasar Segall rompeu com os padrões tradicionais dos cenários e vestuários que caracterizavam o teatro iídiche.
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Cartaz dos cômicos Dzigan e Schumacher, Teatro Cultura Artística, ABRIL, 1952. São Paulo
Vanguardista e arrojado em todos os campos em que atuou, Segall inovou com seu estilo modernista para a peça Dos Groisse Gevins (A Sorte Grande), também conhecida como Tzvei Mol Hundert Toiznt (Duas vezes cem milhões), de Scholem Aleichem. Para além do teatro, o iídiche foi iluminado pela imprensa idiomática que surgiu em São Paulo, em 1928, com o periódico Idicher Gezelschaftlicher un Handels Biuletin (Boletim Social e Comercial Judaico). Além de cobrir o noticiário local, o periódico fazia propaganda comercial, sendo hoje uma importante fonte para estudos da comunidade judaica de São Paulo. Entre 1931-1941 circulou o San Pauler Idiche Tsaitung (A Gazeta Israelita de São Paulo), de tendência sionista, criado por Marcos Frankenthal, que envolveu renomados intelectuais da comunidade como Isaac Raizman, Elias Lipiner e Nelson Weiner; o Ha-Schachar (A Aurora), criado por Michael Zaltzman em 1931; o Di Tzeit (O Tempo), sob a direção de Edgar Barreira de Matos e Menachem Kopelman e o San Pauler Idische Zeitung (Jornal Judaico de São Paulo), editado em 1931. Durante o Estado Novo, em decorrência do projeto nacionalista e xenófobo do governo de Getúlio Vargas, o decreto-lei 406 de maio
Teatro iídiche promovido pelo Círculo
de 1938 proibia a publicação de livros, revistas e jornais em língua estrangeira. Cerceando a liberdade de expressão com o objetivo de homogeneizar as culturas, o Estado sufocava as identidades dos grupos estrangeiros. Nessa época, muitos daqueles periódicos em iídiche foram destruídos pela própria comunidade judaica, preocupada com a vigilância diária do DOPS, braço de repressão do regime autoritário estadonovista. Outros exemplares foram confiscados como prova do crime político. Somente após a volta do regime constitucional é que o Iídiche Presse retornou, congregando intelectuais e jornalistas de renome,
A Sorte Grande. Círculo Dramático da BIBSA. Rio de Janeiro, 1945
Grupo Teatral - anos 1940. belo Horizonte. IHIM
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arte
durante vinte anos, como professor de literatura iídiche no Colégio Renascença. Em São Paulo dirigiu a seção brasileira da Yivo e do seu círculo de amizades participavam vários outros intelectuais iídichistas que contribuíam para a difusão da cultura judaica europeia no Brasil.
DI Goldgreber, Cavadores de Ouro, Teatro Recreio, Rio de Janeiro, 1955
muitos dos quais refugiados do nazismo e da guerra.1 Meyer Kucinski (1904-1976), nascido em Wloclawek (Polônia), pode ser considerado como um dos mais importantes escritores da língua iídiche no Brasil. Foi membro do Linke Poalei Tzion (Partido Socialista de Esquerda) e do Círculo da Yivo (Instituto Científico Ídiche) na sua terra natal. Sua obra em iídiche encontra-se reunida em dois livros publicados Cf. Portaria nº 2.277, de 18 de junho de 1939, do Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Idem, pp. 22 e 157.
1
Alguns cartazes foram cedidos por Marcos Chusyd. BIBLIOGRAFIA
Guinsburg, Jacó. Aventuras de uma língua errante. Ensaios de Literatura e teatro ídiche. São Paulo: Perspectiva; Associação Universitária de Cultura Judaica, 1996. Buchalski, Simão. Memórias da Minha Juventude e do Teatro Ídiche no Brasil. São Paulo, Perspectiva, 1995. Kucinski, Meir. Nussek Brazil. Tel Aviv: Ed. Peretz, 1963. ________. Palme Benkt tzu der Sossne. Tel Aviv: Ed. Peretz, 1985. Cytrynowicz, Hadassa. “Filigramas em iídiche”, em: Revista 18. São Paulo: Centro de Cultura Judaica, Ano I, Número 1, 2002, pp. 46-47. Waldman, Berta. “Anotações sobre a história do teatro idiche em São Paulo. A propósito de Aventuras de uma língua errante”, de Jacob Guinsburg. São Paulo, 1996 (mímeo)
Rua Krochmalne, Dram Krais BIBSA, Teatro Recreio, Rio de Janeiro,1944. Teatro Municipal, São Paulo,1945
em Tel Aviv (Israel): Nussekh Brazil (Estilo Brasil) e Di Palme Benkt tzu der Sossne (A Palmeira tem saudade do Pinheiro), ambos representativos das trajetórias dos imigrantes judeus radicados em São Paulo. Jornalista e escritor, publicou seus artigos, contos e ensaios em iídiche nos jornais da Polônia, Argentina e Estados Unidos. Em 1947 foi premiado pela revista iídiche Di Zukunft (Futuro) pelo seu conto “Der Guiber” que coloca em cena a figura de Zische Braitbard (1883-1925), herói das massas na Polônia entre 1910-1920 [Kucinski, 1963, 1985]. Kucinski emigrou para o Brasil, em 1935, optando por viver em São Paulo onde trabalhou inicialmente como mascate (klaper) e, depois, 58
Segundo Hadassa Cytrynowicz, Kucinski captou, com a sensibilidade de quem era também personagem, “as contradições, tristezas, ódios e conflitos dos diferentes grupos judaicos que chegaram ao Brasil pouco antes ou pouco depois do genocídio na Europa. Seus contos têm o sabor do mundo em que viveram seus pais e avós” [Cytrynowicz, 2002: 46] Na sua essência, entre heranças e lembranças, o teatro iídiche deve ser lembrado como uma importante vertente da cultura herdada dos imigrantes judeus que, através da sátira, da música e do culto ao gesto, deixaram suas marcas na identidade judaica brasileira. Simbolicamente, apesar da decadência do iídiche no cenário internacional deste século 21, o teatro iídiche vai além da experiência diaspórica. Seus cenários, vestuários, personagens e canções, se iluminados nos dias de hoje, oferecem uma forma alternativa de olhar o mundo em tempos difíceis. Tal experiência deve ser interpretada como uma estratégia possível de resistência e conscientização das novas gerações, judaicas e não judaicas, para as causas sociais das injustiças. Maria Luiza Tucci Carneiro é historiadora e professora do Departamento de História, FFLCHUniversidade de São Paulo. Autora dos livros: Cidadão do Mundo: o Brasil diante do Holocausto e dos judeus refugiados do nazifascismo (Perspectiva, 2020); Dez mitos sobre os Judeus (Ateliê Editorial, 2ed. 2020); Judeus e Judaísmo na obra de Lasar Segall, em coautoria com Celso Lafer (Ateliê Editorial, 2004), dentre outros.
personalidade
A Juíza Ruth Bader Ginsburg Ícone feminista, primeira mulher judia a fazer parte do seleto grupo de juízes da Corte Suprema dos Estados Unidos, e fenômeno cultural pop, com meros 1, 55 m ela foi um gigante desta geração.
R
uth Bader Ginsburg fez história. Foi um ícone moral, um farol de sagacidade. Sempre comprometida com uma justiça progressista, ao longo de toda sua carreira ela lutou pela igualdade de gênero e os direitos civis, derrubando barreiras no combate ao flagrante machismo enquanto galgava o auge de sua profissão e pavimentava o caminho para que as mulheres pudessem ser consideradas iguais aos homens perante a lei. Graças a seu trabalho, as gerações futuras não terão que enfrentar os obstáculos que ela própria teve que superar.
uma citação da Torá : “Tzedek, tzedek tirdof” (Deut.1620) – “A justiça, e somente a justiça, seguirás...”. O mundo perdeu essa extraordinária mulher no dia 18 de setembro de 2020. As notícias de sua morte alcançaram o mundo após o início de Rosh Hashaná. Ruth Bader Ginsburg tinha 87 anos e trabalhou até o fim de suas forças. Ela faleceu vítima de uma metástase de pâncreas.
Sua Vida
Extremamente tímida e de fala mansa, ela escolhia com cuidado cada uma de suas palavras e acreditava que a pessoa não deveria falar enquanto estivesse com raiva. Sempre cuidadosamente vestida, tornouse também um símbolo da moda, tendo figurado em várias listas das “mais bem vestidas”.
Ruth Joan Bader nasceu no Brooklyn, Nova York, em 15 de março de 1933. Seus pais, Nathan e Celia Bader, eram imigrantes. O pai, natural de Odessa, na Ucrânia, emigrara para os Estados Unidos com sua família aos 13 anos. A mãe, mulher forte e brilhante, nasceu nos Estados Unidos, quatro meses após sua família ter emigrado da Polônia.
Manteve, ao longo de sua vida, uma forte identidade judaica, certa da importância da tradição e dos valores judaicos para sua vida e sua carreira. Era a única juíza da Corte Suprema com uma mezuzá afixada no umbral da porta de seu gabinete, e tinha afixada na parede
Ruth cresceu como filha única. Sua irmã mais velha morrera de meningite, aos 6 anos, quando ela tinha apenas 14 meses. A família vivia do comércio, com o dinheiro sempre contado, proveniente de umas lojinhas de uma porta só. 59
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Na juventude seus pais não tinham meios que lhes permitissem cursar a faculdade, mas davam grande valor à instrução e ao trabalho. Em 14 de junho de 1993, quando a Juíza Ginsburg estava no Jardim de Rosas da Casa Branca com o Presidente Bill Clinton, para o anúncio de sua nomeação à Suprema Corte, ela deixou o Presidente em lágrimas com o tributo que prestou à sua mãe: “Rezo para que eu possa ser tudo o que ela teria sido se vivesse em uma era em que as mulheres pudessem aspirar e alcançar, e em que as filhas fossem tão valorizadas quanto os filhos”. Os membros da família Bader eram judeus tradicionais. Ruth frequentava a sinagoga e, durante o verão, as colônias de férias dos jovens judeus, sempre participando das celebrações do Shabat.
Pouco depois do término da 2ª Guerra, Ruth escreveu um artigo intitulado “Um Povo”, no boletim de sua sinagoga, sobre a importância de um mundo livre de preconceitos, após os horrores do Holocausto. Em 2016, em seu livro “My Own Words” (Minhas próprias palavras), ela republicaria
esse artigo. Entre outros, ela escreveu: “Nunca devemos esquecer os horrores a que foram submetidos nossos irmãos em Bergen-Belsen e nos demais campos de concentração nazistas. É possível haver um mundo feliz, novamente, e esse mundo voltará a existir quando os homens criarem um vínculo forte entre si, um vínculo inquebrantável perante um preconceito construído ou uma circunstância passageira”. No colegial, que ela cursou na James Madison High School, no Brooklyn, Ruth brilhava nos estudos e sempre esteve profundamente envolvida nas atividades estudantis. Entre outros, foi editora do jornal e participava da orquestra de alunos. Na véspera da formatura de Ruth do colegial, sua mãe sucumbiu a um câncer contra o qual ela lutava há vários
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anos. Ela sentou shivá e não participou da formatura.
aborrecimento não ajudará a sua capacidade de persuasão”.
Faculdade e casamento
Ruth e Martin tinham personalidades diferentes. Ela era séria, tímida e reservada. Nas reuniões sociais, falava pouco, já Marty era o conversador, bem-humorado, e, em geral, o centro das conversas. Era carismático e estava sempre pronto para contar uma piada da qual quase sempre ele próprio era o alvo. E Ruth deixava-o falar pelos dois. A sólida profundidade de sua relação era visível a todos que os conheciam bem.
Ruth foi uma aluna excelente durante o High School e, com isso, recebeu bolsa completa para estudar na Cornell University. Em um documentário da rede PBS da TV americana, “Os americanos judeus”, Ruth contou como, no dormitório das alunas do 1º ano de Cornell, ela e outras moças perceberam que eram todas judias, como se a faculdade as tivesse colocado juntas, para que não “contaminassem” os demais alunos. E foi lá em Cornell que ela conheceu um rapaz judeu, “Marty”, Martin David Ginsburg. Ela estava no 1º ano e Martin no 2º. Foi imediata a conexão entre os dois, dando início a uma parceria de coração e intelecto que duraria até a morte dele, em 2010. Como ela contaria, mais tarde: “Conhecer Marty foi a coisa mais feliz que me aconteceu, em toda a vida. Ele foi o único rapaz que conheci que se importava com o fato de eu ter um cérebro”. Quando ela estava no 3º ano da faculdade eles ficaram noivos e, em 1954, depois que se formou, casaram-se em uma cerimônia tradicional judaica. A futura juíza formou-se em Estudos Governamentais. O casal teve dois filhos, Jane, professora de Direito da Propriedade Intelectual, na Faculdade de Direito de Colúmbia, e James, produtor de gravações de música clássica, em Chicago. Tiveram quatro netos e uma bisneta.
COMO DAMA DE HONRA NO CASAMENTO DE UMA PRIMA, 1951
em sua vida, segundo escreveu em 2016, no New York Times: “Em todo bom casamento, ser um pouco surdo ajuda muito”. A Juíza Ginsburg ainda revelou que seguira esse conselho assiduamente “não apenas em casa, nos 56 anos de parceria sem igual. Usei, também, em todo lugar em que trabalhei, inclusive na Suprema Corte. Quando alguém diz uma palavra sem pensar, desagradável, o melhor é se desligar. Reagir com raiva ou
A vida deles era uma constante parceria, construída sobre bases sólidas de apoio e sacrifício mútuo. Marty era diferente dos homens de então. O relacionamento entre eles refletia uma igualdade de gênero muito avançada para a época. Sua família e suas carreiras refletiam uma parceria igual. Revezavam-se no cuidado aos filhos e no trabalho doméstico. Era Marty, um cozinheiro nato e gourmet, o responsável por preparar as refeições da família – ela era uma péssima cozinheira e os filhos a proibiam de entrar na cozinha.
RUTH B. GINZBURG COM MARTIN, SEU MARIDO, E A FILHA, JANE. 1958
No dia de seu casamento, Ruth recebeu da sogra um conselho, que ela considerou dos mais importantes 61
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personalidade
Marty sempre foi o maior defensor da carreira da esposa e foi seu empenho, aliado a grande dedicação ao trabalho e ao brilhantismo de Ruth, que a alçariam à Suprema Corte. Ao falar de Marty, Ruth costumava repetir “Tive um grande companheiro, parceiro em minha vida, que considerava meu trabalho tão importante quanto o seu. E isso fez toda a diferença para mim”. Os primeiros anos de seu casamento foram difíceis. Em 1954, após terminar o 1º ano de Direito, Martin foi convocado para o serviço militar e serviu dois anos no Forte Sill, em Oklahoma. E o casal se mudou para lá. Ruth conseguiu um emprego na Secretaria de Previdência Social, mas quando contou que estava grávida foi rebaixada para um trabalho burocrático, com salário inferior. Na década de 1950 a lei permitia a discriminação contra mulheres grávidas. Em 1955, nasceu a primeira filha do casal, Jane. No ano seguinte, Martin deu baixa do exército e o casal Ginsburg voltou à Faculdade de Direito de Harvard.
AOS 15 ANOS, EM 1958, NA COLÔNIA DE FÉRIAS DE CHENAWAH, EM MINERVA, NY
tivesse a chance de falar, tinha que estar preparada para “arrasar”! A vida de Ruth era corrida. Estudava entre as aulas, pois precisava voar para casa, à tarde, antes da babá de Jane ir embora. Mas nada a detinha e ela teve resultados acadêmicos excelentes. Foi a primeira mulher a escrever na revista da faculdade, a reputada Harvard Law Review, para a qual contribuíam apenas os melhores dentre os melhores.
Ruth tinha sido aceita para esse seleto grupo praticamente masculino – era uma das nove únicas moças em meio a 552 alunos. Em uma ocasião, o reitor Erwin Griswold convidou todas as nove moças para um jantar, e perguntou a cada uma delas: “Como você justifica estar ocupando um lugar, nessa turma, que deveria ter sido preenchido por um homem? ”. Era um desafio enorme ser mulher no quase “santuário masculino” que era a Faculdade de Direito de Harvard. As mulheres eram raridade no corpo docente e, em aula, os professores nunca – ou raramente – lhes faziam perguntas, e aquela que
com o esposo, martin
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No 3o ano da faculdade, Martin foi diagnosticado com câncer testicular. Os prognósticos eram terríveis, mas havia uma pequena esperança e o casal se agarrou a ela. Ele foi operado, submetido depois ao tratamento de radiação e pouco frequentou as aulas. Ruth foi o esteio de sua família. Além de frequentar suas próprias aulas, ajudou Marty a estudar, datilografando as anotações de seus colegas e os trabalhos dele quando ele próprio não tinha forças para fazê-lo. Seu próprio trabalho da faculdade ela só pegava depois que o marido adormecesse e que ela cuidasse da pequena Jane. Martin se recuperou e conseguiu se formar. Aceitou uma posição em uma conceituada firma de advocacia em Nova York. Ruth, então, pede permissão a Harvard para terminar seu curso na Faculdade de Direito de Colúmbia, em Nova York, mas ainda assim receber o diploma de Harvard – mas isso lhe foi negado. Anos mais tarde, a Faculdade de Direito de Harvard mudou sua política, passando a permitir que seus alunos, em situação semelhante, completassem o curso em outras
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faculdades de igual mérito, recebendo o diploma de Harvard. Ruth se transferiu para a Columbia University, onde era uma das 12 moças em uma turma de 241 rapazes, e se formou em primeiro lugar da turma. Foi editora da Revista de Direito de Colúmbia, a primeira mulher a ter trabalhado nas duas das maiores publicações de Direito do mundo. Em 2011, Harvard lhe concedeu um título honorário em cerimônia em que Placido Domingo, que também recebia um título semelhante, dedicou-lhe uma música. Para a Juíza Ginsburg, amante do canto lírico e da ópera, foi uma das mais gratas experiências que teve na vida.
Início de carreira Apesar de seu invejável currículo, Ruth não foi aceita pelos escritórios de advocacia em que procurou emprego, em Nova York. Na década de 1950, as firmas mais tradicionais engatinhavam ainda no processo de contratar judeus. Mas, de uma tacada só, uma advogada mulher, judia e mãe era querer demais dos conservadores da época. Em 1959 Ruth trabalhou como assistente de juiz no gabinete do Exmo. Juiz Edmund L. Palmieri, da Corte Distrital dos Estados Unidos no Distrito de Nova York. Dois anos depois, ela voltou à Columbia University para fazer um projeto sobre Direito Civil da Suécia. Já conformada de que não conseguiria entrar para um escritório de advocacia, Ruth se torna professora de Direito na Faculdade Rutgers, em 1963. Ela foi a segunda mulher a ser contratada para lecionar nessa faculdade. Na época, em todas as faculdades de Direito
dessa entidade de 1973 a 1980, e fez parte de seu Conselho Nacional de Diretores, de 1974 a 1980. Em 1971, teve papel de destaque no lançamento do Projeto dos Direitos das Mulheres, da A.C.L.U., do qual foi a primeira diretora. Era comum ouvi-la citar a abolicionista Sarah Grimké, que defendia que a luta pelos direitos das mulheres se equiparava à luta pela abolição da escravatura: “Não peço favores para meu gênero. Peço apenas a nossos irmãos que tirem o pé de nosso pescoço”. RBG foi a primeira mulher a lecionar direito na UNIVersidade DE COLÚMBIA, 1973
americanas, juntas, não havia mais de 20 professoras mulheres. E lá ela lecionou o que talvez tenham sido os primeiros cursos que trataram do direito das mulheres perante a lei. Enquanto lecionava nessa faculdade, Ruth engravidou pela segunda vez e, por medo de perder o cargo, escondeu a gravidez. Seu filho, James, nasceu em setembro de 1965. Em 1972, deixou Rutgers e começou a lecionar na Faculdade de Direito de Colúmbia. Foi a primeira professora titular, do sexo feminino, na instituição. Deu cursos e seminários sobre Processo Civil, Direito Constitucional e Discriminação de Gênero, chegando a compilar o primeiro livro de casos sobre discriminação baseada em gênero. Seguiu lecionando em Colúmbia até 1980.
Luta por Igualdade de Direitos Em paralelo a lecionar Direito, Ruth fazia trabalho voluntário na União de Liberdades Civis da América (A.C.L.U.). Foi Diretora Jurídica 63
RBG, suas iniciais e como passou a ser conhecida, foi um dos primeiros advogados americanos que desafiaram as leis de discriminação das pessoas em virtude de seu gênero. O que poucos sabem é que vários de seus casos mais importantes defendiam homens – não mulheres – alvo de discriminação. Apresentar os homens como “vítimas” era altamente estratégico de sua parte, pois Ruth sabia que estaria se dirigindo a juízes e advogados exclusivamente do sexo masculino. Seus argumentos eram brilhantes: “Por que razão os homens são tratados com menos generosidade do que as mulheres; só pelo fato de serem homens? O que o governo deve a um gênero, deve também ao outro. Isso é óbvio…”. Ela estrategicamente escolheu contestar as leis que visavam proteger as mulheres – leis baseadas em noções estereotipadas das aptidões e necessidades masculinas e femininas. Ia com muita cautela, alinhavando uma por uma as leis sexistas, ao invés de se arriscar a pedir à Suprema Corte que abolisse todas as leis que tratavam homens e mulheres de maneira desigual. DEZEMBRO 2020
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Em 1975, por exemplo, ela defendeu o caso (Weinberger v. Wiesenfeld) de um jovem viúvo que teve seus benefícios negados após perder a esposa durante o parto. Ele precisava dos benefícios da previdência para poder ficar em casa e cuidar do recém-nascido, mas de acordo com a lei previdenciária apenas as mulheres tinham direito a esses benefícios. Ruth defendeu esse caso perante a Corte Suprema argumentando que não havia razão para seu cliente ser discriminado por ser homem – e não receber os mesmos benefícios a que teria direito uma mulher. Aquele caso era o exemplo perfeito de que “a discriminação com base em gênero prejudicava a todos, indiscriminadamente”, ela declarou. Os juízes da Corte Suprema derrubaram aquela discriminação, permitindo que os maridos recebam benefícios de cônjuge sobrevivente. Com esse caso, ela também demonstrou que o cuidado dos filhos não era um papel determinado pelo gênero feminino, exclusivamente. A 14a Emenda da Constituição garante a todos os cidadãos “igual proteção perante a lei”. O objetivo dela era persuadir a Suprema Corte de que essa Emenda se aplicava não apenas à discriminação racial, mas também à discriminação de gênero. Como explicou em 1993, durante a audiência de confirmação para a mais alta Corte de Justiça americana, “enquanto a discriminação de raça era imediatamente vista como perniciosa, odiosa e intolerável, as leis que discriminavam as mulheres eram sempre justificadas como protetoras das mulheres”. Sendo assim, ela escolhia casos que pudessem demonstrar que o uso do gênero como base para tratamento
COM OS SENADORES DANIEL PATRICK MOYNIHAN E JOSEPH BIDEN, ESTE ÚLTIMO PRESIDENTE DO COMITÊ JUDICIÁRIO DO SENADO, ABRIL DE 1993
diferenciado era danoso tanto às mulheres quanto aos homens. Com uma estratégia clara e uma esmerada seleção de casos, ela persuadiu uma Suprema Corte totalmente integrada por homens, caso a caso, que existia, sim, uma discriminação contra as mulheres. RBG defendeu, com sucesso, perante a Suprema Corte, seis casos que se tornaram históricos sobre igualdade de gênero – vencendo cinco deles. Sem esses casos, como comentou a revista New Yorker em 2018, NA ITÁLIA, EM 1977, QUANDO RECEBEU BOLSA DA FUNDAÇÃO ROCKEFELLER
“o mundo do trabalho seria totalmente diferente”. Até a era Ginsburg, a Suprema Corte nunca havia reconhecido a discriminação de gênero como tema de preocupação constitucional. O objetivo dela era fazer os juízes que a integravam entenderem que se tratava de princípio fundamental da Constituição americana que as mulheres fossem vistas como iguais aos homens em seu status e em seus direitos. Defensora vitalícia da igualdade de gênero, Ruth gostava de dizer, brincando, que o número de mulheres na Corte Suprema seria satisfatório no dia em que os nove assentos existentes fossem ocupados por nove mulheres. Conhecida, como já dissemos, por sua timidez inata, ela contou, certa vez, que, em sua primeira defesa perante a Corte Suprema, seu nervosismo era tanto que ela nem almoçara, por medo de que pudesse vomitar diante dos juízes. Mas essa timidez sumiu por encanto quando percebeu que havia muito a ser feito e ela tinha conquistado “ouvintes cativos” dentre os juízes mais poderosos dos EUA.
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EM RECEPÇÃO OFERECIDA PELO PRESIDENTE CARTER EM HOMENAGEM ÀS MULHERES JUÍZAS FEDERAIS, MARÇO DE 1980
Tribunal de Recursos dos Estados Unidos Em 1980, Ruth foi indicada pelo Presidente Jimmy Carter para o Tribunal de Recursos dos EUA para a região do Distrito de Colúmbia. Ao receber essa indicação, seu marido, Marty, que era considerado um dos melhores advogados tributaristas de Nova York, deixou seu lucrativo escritório e se mudou para Washington com ela e os filhos, passando a dar aulas de Direito Tributário na Faculdade de Direito da Georgetown University.
ANÚNCIO DE SUA NOMEAÇÃO A SUPREMa corte PELO ENTÃO PRESIDENTE CLINTON, WASHINGTON, JUNho DE 1993
era a preferida de Clinton, mas uma conversa privada de 90 minutos com a Juíza bastou para que ele tomasse sua decisão. A confirmação pelo Senado foi fácil – 96 contra 3. Ela se tornou a segunda juíza mulher da Suprema Corte e a primeira mulher judia na importante posição. Ao ser sabatinada pelo Congresso, em 1993, RBG assim respondeu ao Senador Edward Kennedy, quando este lhe sugeriu que sua experiência pessoal e pioneira no tema da RBg e o então presidente Barack Obama no Jardim da Casa Branca
Ainda que RBG seja descrita como liberal e progressista, seus dias no Tribunal de Recursos foram marcados pela moderação, votando, muitas vezes com os conservadores.
discriminação de gênero também a sensibilizaria para a discriminação racial: “Tenho todos meus sentidos despertos para a discriminação. Cresci durante a 2ª Guerra Mundial em uma família judia. Guardo lembranças de criança, ainda antes da Guerra, de estar em um carro com meus pais e passar por um resort [na Pensilvânia], que tinha um cartaz à porta, dizendo: ‘Entrada proibida a cachorros e judeus’. Avisos como esse eram comuns neste país durante a minha infância. Um judeu que viveu na América durante a 2a Guerra Mundial tem que ser sensível à discriminação!”. Ela costumava dizer que seus antepassados “tiveram a visão de deixar sua terra natal em uma época em que a ascendência e a fé judaicas significavam exposição a pogroms e à degradação do valor do ser humano”. Ao entrar para a Suprema Corte, em 1993, Ruth estava determinada a ser educada e calorosa. E em todos os seus 27 anos de carreira, ela foi amável, feliz e cordial, sempre.
A Suprema Corte Em 1993, ao surgir uma vaga na Corte Suprema, Marty começou a fazer o lobby para que Ruth fosse considerada para o cargo, usando todos os seus contatos empresariais e políticos. Não fosse por seu empenho, como disse o exPresidente Clinton, Ruth nunca teria chegado à lista de finalistas. Ela não
Como juíza, ela era considerada parte do bloco liberal-moderado, uma voz forte a favor da igualdade de gênero, do direito dos 65
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trabalhadores e da separação entre Igreja e Estado. Mas, quando a Suprema Corte passou para a direita, a Juíza Ginsburg se tornou uma de suas vozes mais liberais e abertas. RBG era considerada uma grande juíza, uma mente privilegiada cujas conclusões eram vinculantes, em muitos casos. Tinha um ritmo vigoroso de trabalho. Foram de sua autoria cerca de 200 relatórios majoritários e se tornou conhecida por seus eloquentes votos vencidos, suas dissidências. Suas opiniões eram muito bem estruturadas, com frases diretas e claramente elaboradas. No entanto, foram seus votos dissidentes, especialmente os que ela anunciava do assento de juiz, os que mereceram grande atenção. Eram contundentes, por vezes mordazes, mesmo. A Juíza Ginsburg também foi uma das integrantes da Corte Suprema mais querida pelos colegas mesmo quando tinham sérias discordâncias sobre a lei. Ela era muito próxima ao Presidente do Tribunal, o conservador Juiz Antonin Scalia e sua mulher. Mas, no tribunal, eles não poderiam ser mais diferentes. O Juiz Scalia brincou, certa vez, dizendo: “O que se pode não gostar na Ruth, tirando fora suas opiniões sobre a lei? ”. Ela também era muito próxima do arqui-conservador Juiz Clarence Thomas e do Juiz Brett Kavanaugh, que contou que mesmo sendo de lados opostos do espectro ideológico, o humanismo de Ruth era fonte de inspiração para ele. “Americano algum fez mais do que a Juíza Ginsburg para garantir igualdade de justiça para as mulheres”, o Juiz disse após a morte da amiga e colega.
Unidos, RBG harmonizava tudo com calor humano e civilidade. Ela foi um exemplo de que ainda é possível se encontrar um terreno comum e respeito mútuo entre os seres humanos mesmo quando têm opiniões políticas divergentes. Sua aparência impecável também foi outro de seus marcos. Usando o cabelo sempre preso e os trajes simples e elegantes do costureiro Giorgio Armani, ela os mesclava, às vezes, com casacos extravagantes que adquiria em viagens por lugares exóticos. Eram sua marca registrada, também, suas golas rendadas, broches brilhantes e óculos chamativos. E sobretudo os elásticos trabalhados com que prendia o cabelo. Tudo isso e, especialmente, sua indiscutível classe a levaram, inúmeras vezes, às listas das mais elegantes, como já dissemos.
A Morte de Marty Marty faleceu devido a um câncer em julho de 2010, aos 78 anos e após 56 anos de casamento. No final da vida deixou um bilhete, ao lado da cama, escrito à mão em um bloco amarelo, para que sua mulher o encontrasse. “Minha queridíssima Ruth. Você é a única pessoa a quem amei em minha vida, deixando um pouco de lado meus pais, nossos
filhos e seus filhos, e a admirei e amei praticamente desde o dia em que nos vimos, pela primeira vez, em Cornell. Que maravilha foi acompanhar seu progresso ao pináculo do mundo do Direito! ”
Seu Judaísmo A Juíza Ruth Bader Ginsburg sempre expressou seus valores e sua herança judaica. Atuava nas causas e organizações comunitárias. Sua neta a chamava de “Bobbe” (vovó, em iídiche) e ela era a única, na Suprema Corte, a ter uma mezuzá em sua porta, como vimos acima. Ruth e Marty mandaram os filhos às aulas de hebraico e judaísmo, enquanto viveram em Nova York. Passavam o Seder de Pessach com parentes e, como contou a neta, Clara Spera, ela passava todos as Grandes Festas com sua avó. A Juíza Ginsburg sempre dizia que sua herança judaicos influenciava seu trabalho: “Sou uma juíza que nasceu, cresceu e amadureceu orgulhosa de ser judia. A busca exigente por justiça, paz e esclarecimento percorrem toda a história e a tradição do Judaísmo. Espero que nos meus anos na Corte Suprema dos Estados Unidos,
Ruth e Martin GINSBURG RODEADos POR filhos e netos, OUTUBRO DE 1993, WASHINGTON
Mesmo com a crescente polarização, raiva e divisão que se vê nos Estados 66
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Um de seus atos para os advogados judeus foi o precedente oficial, em 2003, de que poder-se-ia abrir mão da tradição da “Primeira 2ª Feira de Outubro”, por um propósito de força maior. Há uma lei federal que dita que a legislatura da Suprema Corte começa na primeira 2ª feira desse mês. Desde 1975, a Suprema Corte iniciava cada período com a apresentação de sustentações orais. Em 2003, a primeira 2a feira de outubro coincidia justamente com Yom Kipur. A Juíza Ginsburg e o Juiz Breyer foram ao Presidente da Corte, Juiz Rehnquist, indicando que eu tenha a força e a coragem de permanecer constantemente a serviço dessa busca incessante”, ela declarou perante o American Jewish Committee, em 1996. Disse também, na ocasião: “As leis de proteção para os oprimidos, os pobres, os solitários, são evidentes no trabalho dos meus antecessores judeus na Suprema Corte o mandamento de perseguir a justiça é o fio condutor que nos une, a todos”. Ela foi a primeira mulher judia na Corte, seguindo os passos de conceituados juristas judeus, como Brandeis, Cardozo e Frankfurter. Em um discurso na Universidade Brandeis, ela afirmou que Louis Brandeis, o primeiro juiz judeu da Suprema Corte norte-americana, havia inspirado seu trabalho em defesa dos direitos e das liberdades civis. Foi também muito ligada ao trabalho do Holocaust Memorial Museum, de Washington e, em 2004, foi a oradora oficial da comemoração do Dia do Holocausto e da Recordação, falando sobre o papel da lei na prevenção de atrocidades.
RBG visitou Israel várias vezes. Na década de 1970, participou de uma conferência internacional em Israel que discutia a posição das mulheres de acordo com as leis seculares e da Halachá, em Israel e nos EUA. Durante décadas após essa viagem, ela continuou indo a Israel e sempre comentava sobre seu sistema jurídico. Em 2000, foi homenageada pelo Knesset juntamente com outras personalidades femininas tanto de Israel quanto dos EUA. Em 2017, ela recebeu um prêmio pelo conjunto de sua obra da Fundação Genesis, conhecido
oficial
Os nove juízes da Corte Suprema dos Estados Unidos fotografados em novembro de 2018. Entre eles, Ruth Bader Ginsburg, sentada na fila de baixo
os advogados costumam esperar a carreira toda para poder falar perante a Suprema Corte. Para muitos deles, era a única oportunidade na vida de fazer uma argumentação perante a Suprema Corte. E se um advogado judeu quisesse se apresentar? Não deveríamos fazer esse advogado ter que escolher entre cumprir os mandamentos de sua fé e se apresentar perante a Corte. E aquilo persuadiu o presidente a mudar o calendário... 67
com o “Prêmio Nobel de Israel”. Ela deveria ter recebido o próprio prêmio, no valor de um milhão de dólares, mas declinou-o por temer que um prêmio nesse valor, em espécie, pudesse violar as leis da ética.
De improvável ícone pop à Notória RBG A Juíza Ruth Bader Ginsburg, já com mais de 80 anos, torna-se DEZEMBRO 2020
personalidade
verdadeiro ícone para a geração mais jovem quando uma estudante de Direito, Shana Knizhnik, criou uma conta no Tumblr dedicada a ela. E a chamou de “A Notória RBG” – numa referência ao falecido rapper, The Notorious BIG. Isso levou Ruth ao mundo de uma nova geração de feministas e fez dela uma figura cult. De repente, seu rosto estava em canecas e camisetas. Ela era sempre representada no programa Saturday Night Live e seus argumentos “bombavam” na Internet. The Notorious RBG foi o título de um documentário-campeão e de vários livros. No dia após sua publicação, em 2015, a biografia “A Notória RBG: A Vida e a Época de Ruth Bader Ginsburg”, por Irin Carmon e S. Knizhnik, chegou ao topo da lista de best-sellers. No ano seguinte a editora Simon & Schuster publicou uma biografia dela para crianças com o título “Eu discordo”.
Alguns dia antes a Juíza expressara seu último pedido, como contou sua neta Clara Spera. “Meu desejo mais ardoroso é não ser substituída até que um novo presidente tenha prestado juramento”. Seu desejo não foi atendido.
“Estava além da minha imaginação pensar que um dia eu seria a Notória RBG”, Ruth disse. “Estou com 86 anos e as pessoas de todas as idades ainda querem tirar uma foto comigo”...
A Juíza foi a primeira mulher e a primeira pessoa judia a ser velada no Capitólio dos Estados Unidos, honra que foi concedida a poucos, como os ex-presidentes Lincoln, Reagan e Kennedy.
Sua saúde e sua morte
As manifestações por sua morte foram inúmeras. “Não haverá outra como ela”, disse Hillary Clinton, exSecretária de Estado dos EUA. E Bibi Netanyahu, Primeiro Ministro de Israel, solidarizou-se com o povo americano, declarando, ao fim de suas palavras que ...“Ela tinha orgulho de sua herança judaica – e o Povo Judeu sempre terá orgulho dela”.
A partir de 1999, Ruth foi acometida por vários tipos de câncer, além de ter tido várias fraturas de costelas e ter um stent colocado em uma artéria. Ela marcava sempre as quimioterapias para 6a feira para poder se recuperar nos fins de semana e estar pronta para as suas famosas sustentações orais. E trabalharia até seus últimos dia de vida. Em dezembro de 2018 surgiram dois tumores pequenos em um lado de seu pulmão, e ela foi ficando
muito magra e fragilizada. Mas apenas na aparência, pois era de uma força de vontade incrível, não interrompendo suas atividades físicas com um personal trainer, que até publicou um livro sobre o severo regime de exercícios de sua famosa e antiga cliente. No dia 18 de setembro de 2020 Ruth Bader Ginsburg faleceu. 68
BIBLIOGRAFIA
Ginsburg, Ruth Bader, My Own Words, 2018, Kindle Edition
israel
no sul de Israel, tâmaras de dois mil anos Cientistas israelenses anunciaram recentemente a germinação de sementes de tâmaras datadas de dois mil anos atrás. O surpreendente resultado de suas pesquisas foi publicado em um artigo na renomada revista científica internacional Science, em fevereiro deste ano, despertando o interesse de estudiosos no mundo inteiro.
R
obin Allaby, geneticista da Universidade de Warwick, na Inglaterra, afirmou que esse surpreendente resultado “torna claro o fato de que nós ainda não conseguimos compreender a viabilidade, a longo prazo, das sementes”.
oportunidade única para estudar as tamareiras da região, descritas na Antiguidade por sua qualidade e tamanho, bem como pelas propriedades medicinais de seus frutos – mas foram consideradas perdidas durante séculos”, afirma o artigo sobre o assunto na revista. As primeiras análises genéticas revelaram que os agricultores do passado cultivavam tâmaras com traços de vários locais ao redor da Judeia. Segundo escritores clássicos como Galen, Strabo e Heródoto, havia uma fruta grande, doce, de longa conservação, que era muito cobiçada em todo o mundo romano. Depois do colapso do Império Romano do Oriente – precursor do Império Bizantino – e da conquista árabe da região, a produção de tâmaras decaiu na Terra de Israel. Na época das Cruzadas, ao redor do ano 1000 da Era Comum, as plantações das lindas tamareiras já não existiam.
Essa história começou, no entanto, há mais de 30 anos, durante escavações realizadas na Fortaleza de Massada e nas cavernas de Qumran, no Deserto da Judeia, pelo arqueólogo Ehud Netzer, da Universidade Hebraica de Jerusalém. Netzer encontrou um pote cheio de sementes de tâmara, em bom estado de conservação, e os guardou por anos por considerar impossível voltarem a germinar após dois milênios. Em 2004, através de contatos acadêmicos, as sementes chegaram às mãos da equipe do Instituto Aravá de Estudos Ambientais, liderada pela doutora Elaine Solowey.
No artigo, de fevereiro, o coautor do estudo, Fredérique Aberlenc, biólogo do Instituto Francês de Desenvolvimento Sustentável, explicava que a pesquisa pretendia polinizar plantas fêmeas, com a expectativa de poderem dar frutos – o que de fato ocorreu em setembro deste ano, quando o Instituto anunciou o crescimento das primeiras tâmaras na palmeira, denominada Hannah.
O Instituto está localizado no Kibutz Ketura, no extremo sul de Israel, próximo à cidade de Eilat. O estudo assume relevância, pois ajuda a conhecer como os agricultores do passado cultivavam o fruto, na região, e como puderam sobreviver milênios. “A germinação da espécie Phoenix Dactylifera representa uma 69
dezembro 2020
israel
A ideia é produzir tâmaras com características que possam ser usadas para melhorar as variedades atuais, aumentando sua doçura, tamanho e resistência às pestes modernas, por exemplo. “À medida que novas informações são encontradas sobre características específicas associadas
geralmente se dividem em partes muito pequenas que são suficientes para a análise de DNA antigo, mas não para fazer crescer e viver uma tamareira. “Para que estas sementes germinem, o DNA tem que estar intacto,
sementes. “Baixa altitude, calor, clima seco – todos estes elementos podem ter afetado sua longevidade. O tamanho incomum também pode ter tido algum impacto, pois quanto mais material genético disponível, maior a chance de permanecer inteiro. A capacidade das sementes de permanecerem viáveis por longos períodos é importante na preservação dos recursos genéticos da planta”, explicou.
O início
aos genes (por exemplo, cor e textura da fruta), esperamos reconstruir os fenótipos dessa tamareira histórica, identificando regiões genômicas associadas a pressões de seleção na história evolutiva”, ressaltou Aberlenc. As plantas poderão, também, trazer informações sobre como se protegeram e conseguiram preservar seu DNA ao longo dos séculos. Embora algumas sementes antigas tenham sido germinadas com sucesso depois de centenas de anos congeladas na Sibéria, as tâmaras de Israel são algumas das plantas mais antigas cuja germinação deu certo. Isso porque o DNA e o RNA
o que vai contra o que se sabe sobre preservação de DNA. Não é impossível que, de fato, haja algum tipo de sistema biológico de resfriamento que tenha sido responsável pela conservação do DNA nas tâmaras”, disse Nathan Wales, arqueólogo e geneticista da Universidade de York, também na Inglaterra.
A equipe do Instituto Aravá recebeu um reforço no ano 2000, com a chegada de Sara Sallon, gastroenterologista do Centro Médico e Universidade Hadassah, em Jerusalém, onde atuava desde 1983, antes mesmo de que se iniciassem as pesquisas com as sementes milenares de tâmara. Ela veio atraída pelos trabalhos desenvolvidos pela instituição na área de plantas e dessa fruta, em particular. Em 1985, a cientista fundou o Centro de Pesquisa em Medicina Natural Louis L. Borick, no Hospital, coordenando-o até 2000. Nos últimos 15 anos, ela se dedicou totalmente a estudar a aplicação de plantas na medicina. “Sempre tive muito interesse em plantas antigas, em saber como e onde cresceram e as consequências sofridas em decorrência da mudança climática, da poluição e do desenvolvimento. Sabia que o Instituto Aravá seria o local certo para dar continuidade a meu trabalho”.
Para Sara Sallon, da equipe israelense, as condições singulares ao redor do Mar Morto provavelmente influíram na preservação das
As doutoras Solowey e Sallon tiveram acesso às sementes através do professor Joseph Patrich, do Instituto de Arqueologia da Universidade
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Hebraica de Jerusalém. “Passei horas e horas no Departamento de Arqueologia escolhendo as melhores sementes. Muitas tinham furos onde os insetos haviam bicado ou se desfizeram, mas algumas estavam realmente intactas”, explicou Sarah.
semente para realizar o processo de datação radioativa por carbono, que comprovou as suspeitas dos cientistas de que as sementes teriam perto de 2.000 anos! No total das 32 sementes cultivadas no Aravá, seis brotaram com sucesso (quatro machos e duas fêmeas), em intervalos que variaram entre semanas e meses, sendo assim nomeadas: Adão, Jonas, Uriel, Boaz, Judith e Hannah. As análises com carbono demonstraram que os grãos datam de épocas diferentes, que variaram do século 1 antes da Era Comum ao século 4. O estudo das sementes indicou, também, que são 30% maiores do que as cultivadas atualmente em Israel.
As primeiras sementes foram plantadas em estufas em 2005 e a árvore que germinou recebeu o nome de Matusalém, em referência ao mais longevo personagem bíblico. Segundo Miriam May, CEO dos Amigos do Instituto Aravá, o desenvolvimento das palmeiras representa uma inesperada história de sucesso. Os primeiros resultados sobre as pesquisas com as sementes antigas foram divulgados em 2008, com o crescimento da Matusalém. Após 15 meses, a árvore foi transferida para um vaso maior e foram recolhidos das raízes vestígios da
Processo minucioso
EXEMPLO ÚNICO DE UMA TAMAREIRA DA JUDEIA, NO KIBUTZ KETURAH
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Antes de serem plantadas em estufas as sementes passaram por um processo de aquecimento e DEZEMBRO 2020
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hidratação gradativa, durante 24 horas, sendo tratadas com hormônios e fertilizantes naturais, dando origem, então, a tamareiras saudáveis. No início de 2019 Adão, Jonas e Hannah foram transferidos para o Parque de Pesquisa e Visitantes “Daniel Fischel & Sylvia Neil”, do Instituto Aravá, onde já estava Matusalém. Adão agora com 1,5m de altura e já produz flores, como Jonas. Matusalém, o primeiro a ser plantado, está com 3,5m de altura e é muito diferente das tamareiras atuais. “Foi realmente impressionante fazer estas árvores reviverem – elas estavam simplesmente dormindo. Vê-las crescer e dar frutos foi um raio de luz em uma época como a atual, na qual as pessoas estão preocupadas e deprimidas com a pandemia. É um sinal da maravilhosa resiliência da natureza diante desta terrível destruição das espécies. A natureza jamais se renderá sem luta. Estes resultados nos incentivam a continuar com as pesquisas”. Para darem frutos, as palmeiras fêmeas precisam do pólen produzido pela árvore macho. Assim, há alguns meses Hannah foi polinizada por Matusalém e em setembro surgiram as primeiras tâmaras. Quando perguntada sobre o sabor das tâmaras de Hannah, Sarah respondeu: “Maravilhoso! Particularmente acho a espécie Medjoul muito úmida e adocicada. As tâmaras dadas pela árvore Hannah são mais tenras e secas, com um sabor de mel no final que me remonta à ‘terra do leite e do mel’”. Os especialistas do Kibutz Keturah dizem que o sabor das tâmaras de Hannah se assemelha ao das provenientes da espécie iraquiana Zahidi. O que faz sentido,
Na Antiguidade as tâmaras eram também uma importante fonte de renda
pois Hannah está geneticamente relacionada às tamareiras que cresciam na Babilônia, atual Iraque. Matusalém e Adão, cujas sementes foram encontradas em Massada, são muito semelhantes às arábicas e têm mais de dois mil anos. Hannah é mais “iraquiana”. “Presumimos que tenha sido trazida pelos judeus que retornaram do exílio, após a destruição do Primeiro Templo, porque o Talmud nos diz que eles trabalharam nas plantações de tâmaras durante o cativeiro. Já as sementes de Uriel, Boaz e Jonas datam do ano 200 desta nossa Era e foram encontradas nas cavernas em Qumran, onde os judeus se refugiaram para fugir das perseguições. Dão frutos mais semelhantes às tâmaras ocidentais, como as do Norte da África”, explicam. 72
A próxima etapa do projeto será reintroduzir as tamareiras da Judeia na agricultura moderna. Sarah Sallon acredita que é possível que tenham maiores propriedades medicinais e nutricionais do que as cultivadas atualmente. “Na Antiguidade as tâmaras eram também uma importante fonte de renda. Seria muito bom trazer de volta da extinção esta variedade antiga, que está produzindo tâmaras muito boas, e reintroduzilas no mercado”. A pesquisadora espera, também, arrecadar recursos para publicar o livro infantil que escreveu, cuja narrativa parte da visão do próprio Matusalém indo dormir em Massada e acordando em um moderno laboratório, dois mil anos depois.
DESTAQUE
Judeus povoam Nobel de 2020 A lista dos judeus laureados com o Prêmio Nobel de 2020 incluiu Harvey J. Alter, Medicina; Paul Milgrom, Economia; e Lousie Glück, Literatura. Dois outros laureados com o Nobel de Física têm ascendência judaica.
decidiu não ser médico e nunca mais se ouviu falar dele... Na verdade, meu pai, queria muito ser médico, mas as preocupações financeiras determinaram que fosse de outra forma... Ele se tornou um homem de negócios de sucesso, mas nunca perdeu o interesse na medicina... Lembro-me dele lendo a publicação Science Digest e outras revistas médicas ao invés das páginas de esporte dos jornais”.
Fisiologia e Medicina O prêmio foi concedido a Harvey J. Alter, Michael Houghton e Charles M. Rice pela descoberta do vírus da Hepatite C, doença considerada um problema mundial de saúde. Harvey J. Alter, 85 anos, virologista e pesquisador do Instituto Nacional da Saúde dos Estados Unidos, demonstrou em seus estudos sobre hepatite associada a transfusões de sangue que um vírus então desconhecido era uma causa comum da hepatite crônica.
Alter recebeu um telefonema comunicando-lhe o prêmio às 4h45. “Foi o melhor despertador que já tive, na vida”, afirmou, contando ter ignorado as primeiras duas vezes em que o telefone tocou antes de atender, devido ao estranho horário. “Reconheço que o incômodo desapareceu em um segundo… Receber este prêmio é algo que você não pensa que um dia lhe acontecerá e algumas vezes pensa que não o merece... e então, acontece! ” Ao longo de sua carreira, recebeu várias premiações e foi um dos membros eleitos da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos e da Academia Nacional de Medicina, em 2002.
Alter nasceu em Nova York em 1935, em uma família judaica. No início da carreira, teve a oportunidade de trabalhar com o Dr. Baruch Blumberg, também judeu, um dos vencedores do Nobel de 1976 pela descoberta do vírus da hepatite B. Em seu paper, “The road not taken or how I learned to love the liver: A personal perspective on hepatitis history”, de 2013, Alter escreveu: “Sendo o único filho homem de pais judeus em Nova York, estava pré-determinado que eu me tornaria um médico. Um dos meus amigos, na mesma situação, 73
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destaque
Harvey J. Alter
Louise Glück
Paul Milgrom
Nobel de Literatura
coletânea de poemas, Firstborn, em 1968, e daí em diante não parou mais de escrever.
que a produção de Louise, sempre tão impregnada de mitologia, busca suas referências na Bíblia judaica. Em outra obra, ela cria sua própria interpretação de um Midrash, comparando a vida de imigrante de seu avô com a história bíblica de José, filho do patriarca Yaacov, no Egito.
A poeta americana Louise Glück ficou com o Nobel de Literatura 2020 e, segundo o comitê da Academia Sueca, foi escolhida “por sua inconfundível voz poética, que torna universal a existência individual... Sua poesia é caracterizada pela busca pela clareza, muitas vezes com foco na infância, na vida familiar e no relacionamento próximo com pais e irmãos... ” Considerada por muitos uma das poetas contemporâneas mais talentosas dos EUA, Glück é conhecida pela precisão técnica e sensibilidade de sua obra sobre solidão, relações familiares, divórcio e morte.
A escritora recebeu o que se poderia chamar de o protótipo da criação judaico-americana. Na obra “Educação de um Poeta”, ela descreve sua educação, “reconhecendo e honrando e mesmo aspirando chegar a realizações gloriosas”, que acredita ser a própria filosofia educacional judaica. Quando seu pai faleceu, escreveu a coleção de poemas “Ararat”, como resposta à grande perda que sofrera. Com o nome da região montanhosa onde Noé “estacionou” a arca após o dilúvio, este é um dos inúmeros trabalhos em
Louise nasceu em Nova York em 1943, sendo seus avós paternos provenientes da Hungria. Em uma entrevista concedida à American Academy of Achievement, em 2012, ela contou que começou a escrever muito cedo, juntamente com sua irmã. Publicou sua primeira 74
Atualmente ocupa a cátedra de Inglês na Universidade de Yale, em Connecticut. Ainda que seus trabalhos abordem temas clássicos, percebem-se traços de sua herança judaica em vários deles. Recebeu vários prêmios e, em 2016, a Medalha Nacional de Humanidades, entregue pelo então presidente Barak Obama.
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Reinhard Genzel
Roger Penrose
Andrea Ghez
Nobel de Economia
formou na United Hebrew Schools da cidade. No mesmo ano, recebeu um prêmio concedido a jovens pela Women’s Auxiliary of United Hebrew Schools. Foi também madrich na United Synagogue Youth (USY).
negros, um lugar no espaço onde a gravidade é tão forte da qual nem a luz consegue escapar.
Paul Milgrom, 77, e Robert Wilson, 83, levaram o Nobel de Economia, este ano, por suas pesquisas, segundo o comunicado da Academia Sueca, “para melhorar a teoria dos leilões, inventando novos formatos, benefícios para os vendedores, compradores e contribuintes, em todo o mundo... Os leilões estão por toda parte e afetam o nosso diaa-dia”. Ambos são professores da Universidade de Stanford. Milgrom recebeu a notícia do Nobel de seu colega e vizinho Robert Wilson, que tocou a campainha de sua casa, em Palo Alto (Califórnia), no meio da noite, para lhe dar a notícia. Os responsáveis pelo Comitê Sueco não tinham conseguido falar com ele por telefone. “Foi realmente uma forma estranha de saber da premiação”, disse em entrevista no dia seguinte. Nascido em uma família judaica em Detroit, em 1948, fez seu bar mitzvá na Congregação Beth Yehudah e se
O Nobel de Economia ocupa uma cátedra em Humanidades e Ciências na Universidade de Stanford desde 1987. Wilson, com quem Milgrom compartilhou o prêmio, foi seu orientador, tornando-se posteriormente seu colaborador. Formado em Matemática pela Universidade de Michigan, tem mestrado em Estatística e doutorado em Business, pela mesma universidade.
Nobel de Física O Nobel de Física deste ano também foi compartilhado por três cientistas: o britânico Roger Penrose, o alemão Reinhard Genzel e a americana Andrea Ghez, pelas descobertas sobre buracos 75
Penrose e Guez consideramse ateus, mas têm ascendência judaica. A avó de Roger Penrose, 89, professor-doutor na Universidade de Oxford, Sonia Marie Nathanson, era judia. Deixou a Rússia no final do século 19. Mas, “escondeu suas origens judaicas e se afastou da família”, como revelou em entrevista ao Jerusalem Post, em 2007. Andrea Ghez, é professora-doutora no Departamento de Física e Astronomia da UCLA, em Los Angeles. Seu avô paterno era judeu da Tunísia, tendo fugido da Itália para os EUA após as leis fascistas antissemitas de 1938. Os cientistas judeus continuam brilhando e aumentando nosso escore de Prêmios Nobel, que já chega a 208 em meio a mais de 900 laureados – sendo que representamos meros 0, 002% da população mundial. DEZEMBRO 2020