Revista ALECRIM

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DA ALECRIM E aí, tudo bem? Aqui é a ALECRIM, vim te dar uma mãozinha com as suas inquietações sobre consumo consciente! Como causar menos impacto? De onde comprar? Como descartar? Raramente somos educados em como ser um cidadão mais consciente, como diminuir nosso impacto, quais são as consequências do nosso impacto no mundo. Com isso a ALECRIM nasceu, para esclarecer a dúvidas sobre o nosso consumo na alimentação, na moda e na arte. Nossa revista é feita de jovens para jovens, te explicando tudinho sobre o nosso impacto no mundo e como podemos amenizar isso mudando nosso comportamento no dia a dia. Nossa proposta é desenvolver o bem-estar na vida dos leitores, sem perder a preocupação com o que nos cerca e, por isso, trazemos diversos conteúdos sobre o consumo consciente. Em nossa primeira edição vamos esclarecer todas as dúvidas sobre o consumo consciente relacionado a alimentação, moda, arte, nosso comportamento e vamos apresentar dicas de receitas e produtos. Somos uma das primeiras plantinhas de sua horta e também a ajuda que você precisava para entender mais desse assunto! Agora vem com a gente conhecer mais!

LUISA KLINK

MARIA ROTTA

ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING GRADUAÇÃO EM DESIGN TURMA DSG 3B 2021-1 PROJETO III Marise de Chirico FINANÇAS APLICADAS DE MERCADO Alexandre Ripamonti MARKETING ESTRATÉGICO Leonardo Aureliano da Silva COR, PERCEPÇÃO E TENDÊNCIAS Paula Csillag ERGONOMIA Auresnede Pires Stephan | Matheus Alves Pássaro PRODUÇÃO GRÁFICA / MATERIAIS E PROCESSOS Marcos Mello PROJETO EDITORIAL E GRÁFICO Luisa Klink | Maria Rotta | Stefanie Bibian | Vitória Musacci

STEFANIE BIBIAN

VITÓRIA MUSACCI



ATITUDE FLORESCER..................... 26

como o coronavírus impactou o modo como consumimos não passar roupas é o novo jeito de preservar o planeta

ESTIMULANTE................ 34

recomendações da ALECRIM

RETRATO..........................38

mulheres que inspiram: Cristal Muniz

ENCANTO ESSÊNCIA....................... 44

o que seus produtos de beleza estão escondendo? como transformar seus hábitos de compras a geração z no futuro em sua relação com as marcas sobre necessidade: de quanto você precisa?

NECESSAIRE...................64

shampoo em barra: a nova moda dos cosméticos

TENDÊNCIA....................66

hiraeth collective

TEMPERO DIÁLOGO........................ 78

será que é preciso gastar muito para ser vegano?

RECEITA........................... 82

nhoque de abóbora com grão de bico

EMPURRÃOZINHO....... 84

dicas fáceis e eficientes para se tornar vegana(o) a conversa sobre couro que não estamos tendo

PARA REFLETIR.............104

para defender meus valores feministas, me tornei vegana pecuária intensiva e acumulação de capital


92. PARA ONDE VAI TANTA SOJA? 20. QUAL O IMPACTO DO SEU ABSORVENTE?

98. OUTRAS MAMAS PODCAST

52. A SUSTENTABILIDADE ENTROU NO ARMÁRIO


INFUSÃO

CRÍTICAS AO LEITE, QUEIJO E HAMBÚRGUER VEGANOS IGNORAM NOSSA HUMANIDADE Ilustração por GUINR

Você já deve ter escutado ou feito questionamentos como: “Mas se é de aveia, porque você chama de leite?”, “Castanha? Queijo não é só de vaca e de ovelha?” Ou ainda, certas “verdades” culinárias: “Ah, isso não é manteiga, é um creme vegetal”e “Jaca é fruta, não é carne”. Essa vegana que vos escreve implora: não nos tirem o prazer de ter carne no prato, queijo no sanduíche e leite no café. Não há nada de falacioso em querer emprestar essas categorias de alimentos para o reino vegetal. Há algum tempo, compartilhei no meu Instagram certos leites vegetais que podemos preparar em casa. Atrai uma multidão de haters que alegavam que eu estava enganando meus seguidores. E que me disseram que, se eu quisesse consumir e ensinar a preparar bebida vegetal, estava tudo certo. Mas que eu não chamasse aquilo de leite. A tentativa de silenciar quem quiser chamar de leite o líquido extraído de castanhas, sementes, grãos e cereais não é um ato isolado. Os meus haters estão por toda parte, com argumentos mais ou menos sofisticados. O argumento mais óbvio é o e que só pode ser chamado de leite a bebida extraída de glândulas mamárias. Essa explicação não dá conta do aspecto simbólico do leite, e ignora o fato de que nossos hábitos alimentares existem para além das nossas necessidades fisiológicas. Não fosse assim, não teríamos porquê beber leite após a infância. Se seguimos bebendo, é, entre outros motivos, porque isso nos trás certo conforto. Um lugar seguro e afetivo que quero continuar habitando sempre que eu disser leite de aveia, leite de amêndoas, leite de soja e não na aridez de expressões como bebida à base de aveia, preparado de amêndoas e água ou bebida vegetal à base de soja. Já a principal argumentação da indústria de laticínios é a de que o emprego de palavras como leite, queijo e iogurte em produtos que não sejam laticínios animais confunde o consumidor. Está circulando no parlamento europeu uma emenda que visa restringir a nomenclatura de produtos lácteos. Na primeira rodada de votação, o resultado foi de mais votos favoráveis do que os contrários às restrições.

Caso aprovada a emenda 171 proibirá que fabricantes de alimentos e bebidas vegetais escrevam a palavra leite nas embalagens – mesmo para apresentar o produto como uma alternativa ao leite da vaca. Nem mesmo uma imagem ilustrativa de um líquido branco poderá ser utilizada. Hambúrgueres e salsichas vegetais também não vão se safar dessa. Parece-me que “discos” e “tubos” soam mesmo muito apetitosos. No Brasil, produtores de derivados de origem animal também já começaram a mexer seus muitos pauzinhos a fim de exigirem leis específicas para os produtos derivados de origem vegetal. O argumento? O mesmo dos haters: não gerar confusões e não correr o risco de enganar alguém. Segundo pesquisa recente realizada pelo GFI, o The Good Food Institute, junto ao Ibope, 59% de brasileiros afirmaram ter incluído alternativas vegetais na alimentação nos últimos 12 meses. Assumir que esses consumidores tenham sido enganados me parece subestimar nossa inteligência e a capacidade de fazermos boas escolhas. Tirar dos veganos, dos consumidores e da indústria o direito de chamar aquilo que comemos com os nomes de sempre é tentar nos destituir de parte da nossa humanidade. A comida é um elemento decisivo da identidade de qualquer sociedade, e podemos seguir nos alimentando com tudo aquilo que sempre comemos, em versões vegetais. Omitir todas as possibilidades que a culinária vegetal nos oferece com falsos dilemas de nomenclatura é sim o que pode gerar confusão. Fico imaginando a seguinte cena em um passado pré-pandêmico: convido minhas amigas para jantarem em casa no sábado a noite. Elas me perguntam se precisam levar algo e eu digo “tragam o que quiserem beber”. Adianto o menu para ajudar na harmonização: vou preparar um aglomerado de feijão e cogumelos. Vou servir ele no pão com creme de abacate, com uns chips para acompanhar. Tenho certeza de que elas fugiriam, usando como desculpa até o batizado de capoeira da avó. Agora, se eu dissesse simplesmente “vamos comer um hamburguer vegano com maionese de abacate e chips de batata doce”, as chances delas aceitarem o convite aumentariam, concordam?

LUISA MAFEI é chef e mentora em alimentação Plant-based e trabalha com comida de verdade feita a partir de escolhas conscientes.

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O QUE SÃO E O QUE NÃO SÃO OS ALIMENTOS ORGÂNICOS Ilustração por GUINR Conceito costuma ser erroneamente associado a produtos livres de pesticidas em seu cultivo. Devemos tomar cuidado para que a discussão não seja usada para demonizar a ciência. Vamos começar pelo que os alimentos orgânicos não são. Embora muitos os associem com pequenos agricultores, alimentos orgânicos não são sinônimos de agricultura familiar. Tenho respeito pelos agricultores locais, e recomendo comprar diretamente destes pelo efeito social e ecológico de diminuição de transporte, mas isso não está relacionado com sua produção ser ou não da chamada agricultura orgânica. Alimentos orgânicos também não são sinônimo de alimentação in natura, com alimentos frescos, conhecidamente mais saudável que alimentação rica em produtos processados. Alimentos processados tendem a não ser saudáveis porque frequentemente contêm altas quantidades de açúcar e gorduras, e não porque são processados industrialmente, afastando-os da origem natural. Existem inclusive alimentos altamente industrializados vendidos com o branding “orgânico”; basta passar em qualquer grande supermercado para encontrar exemplos. Mas talvez o maior conceito errôneo sobre os alimentos orgânicos seja que são cultivados sem o uso de pesticidas. Pesticidas são usados na agricultura orgânica e convencional para evitar a proliferação de fungos, insetos e outras pragas naturais. De fato, a agricultura orgânica proíbe o uso de uma ferramenta que temos para diminuir a necessidade de pesticidas, os organismos geneticamente modificados. Ao proibir alimentos geneticamente modificados, por preconceito e sem embasamento científico, a agricultura orgânica é excludente dos benefícios que essa ferramenta possibilita. A agricultura orgânica de fato usa pesticidas, e limita os tipos de moléculas usadas contra pragas, não por sua toxicidade, mas por dar preferência a moléculas presentes na natureza. Alguns destes agentes são derivados de organismos vivos, como a piretrinas. São moléculas que afastam insetos, mas bastante seguras para nós humanos, não por serem naturais, mas sim pelas suas propriedades moleculares. Derivados sintéticos de piretrinas usados na agricultura também são seguros, enquanto várias outras moléculas da natureza, como ricina, toxina botulínica e cocaína são bas-

tante tóxicas. Novamente destaco que ser natural não tem nenhuma relação com a baixa toxicidade de uma molécula. O glifosato, um herbicida sintético, requer quantidades 1.000 vezes maiores do que a nicotina, molécula natural presente no tabaco (que protege a planta contra insetos), para atingir níveis tóxicos em humanos. Interessantemente, vários dos pesticidas usados na agricultura orgânica não são sequer orgânicos na sua definição química (ou seja, moléculas que contém carbono), nem derivados de organismos vivos. Cobre e enxofre são frequentemente usados nesse tipo de agricultura, apesar de não conterem carbonos nas suas estruturas, sendo portanto compostos inorgânicos. Este fato, e a toxicidade e a persistência ambiental conhecida do cobre, parece causar desconforto na comunidade de cultivos orgânicos, pois tentaram retirar o uso dele das plantações orgânicas na Europa, mas acabaram tendo que reintroduzi-lo, devido a dificuldades de cultivo na sua ausência. A agricultura orgânica também utiliza minerais como o calcário e o fosfato derivado de rochas como fertilizantes. Quando crescemos plantas na terra, elas extraem do solo componentes como fosfato, potássio e nitrogênio, que, se não repostos, vão faltar para o desenvolvimento de plantas futuras, limitando a produção. É por isso que a adubação é de vital importância na agricultura. A agricultura orgânica se vangloria de não usar “fertilizantes químicos”, mas todo fertilizante, seja este estrume animal, compostagem ou minerais purificados industrialmente, é químico, porque toda a matéria é química. A diferença entre fertilizantes da agricultura convencional e da orgânica é uma questão de concentração de componentes e eficácia destes. Os átomos que esses fertilizantes contêm são exatamente os mesmos, e agirão de maneira idêntica na planta, independente do tipo de fertilizante do qual originaram. Ao desenvolver a agricultura e nutrição, deveríamos nos atentar a dados científicos sobre segurança alimentar, toxicidade, impacto ambiental e produtividade, e não ao foco central da agricultura orgânica, de quão naturais os produtos são. Entender por que aquilo que é de origem natural é assumido ser saudável. Scientia vinces!

ALICIA KOWALTOWSKI é médica e atua como cientista. Acredita que nossos corpos transforma o que comemos no que somos.

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COMO SER UM VEGETARIANO E ESTRAGAR UM ALMOÇO EM FAMÍLIA Ilustração por GUINR Almoço de domingo. Família reunida, a avó com sete quilos de macarrão na travessa. As crianças correndo tudo. E eis que, no momento de se servir, o crime acontece. Sorrateiramente, alguém lembra que você não come carne. “Fulano não tá comendo carne agora, vó”. “Sim, eu virei vegetariano”. Está em curso toda a importunação carnívora. Para você, jovem vegetariano que ainda não decorou todos os desdobramentos dessa discussão, conto cinco frases que aparecerão – 100% de certeza – e como se esquivar com classe, estragando qualquer evento social:

imaginário, Henriquinho, é uma criança saudável e bem nutrida. Henriquinho tem muitos amigos, mora numa casa com um quintal enorme, faz natação e judô. Kumon às quintas. Seu vizinho, Almeida, é um sujeito sensacional. Separa o lixo, anda de bicicleta e só usa roupa de algodão puro. Grande sujeito, o Almeida, que tem um açougue. Um dia Almeida chega na sua casa, sempre muito gentil e diz: “Vamos matar o Henriquinho e vender seus pedaços lá na firma”. Você se assusta, mas ele garante: O pequeno Henrique viveu feliz e vai morrer sem dor. À noite, antes de deitar, Henriquinho toma um leite morno 1 “Mas come o que então?” com calmantes e desmaia. Almeida aplica uma anestesia geral, Vamos lá, para quem fugiu da escola: temos o reino animal seguida de um medicamento que provoca parada cardíaca. e o vegetal (e outros que não importam aqui). Basicamente Constatada a morte, penduram Henriquinho pelos pés comemos quatro espécies de animais: peixes, porcos, bois, e lhe cortam a garganta até sair todo o sangue. “Melhora a frangos e cabras. Entre variações de raças e famílias, são maciez da carne”, explica o Almeida (grande sujeito!). basicamente estes animais que compõem a alimentação Importa? Faz sentido? É menos absurdo? Não. humana num grande centro urbano brasileiro. Em contraCriar animais livres e felizes para depois arrancar-lhes a vida partida, existem cerca de 300 mil vegetais comestíveis no não muda, em absoluto, o fato de que isso é um assassinato. mundo, dos quais só consumimos 200. Pronto. 5 “Ah, mas não é gente, é bicho” 2 “Ah mas e a soja que você come, que desmata e usa Adoro analogias, vamos a mais uma. Em uma região da Terra, agrotóxico?” existe um mineral capaz de curar terríveis doenças e ser reutiRespire fundo e pausadamente e proponha uma reflexão: lizado como combustível para ir a Marte. Mas, vivendo acima “mas e a soja que VOCÊ come?” deste precioso minério, há um grupo de animais selvagens. Segundo a Aprosoja (Associação Brasileira dos Produto- Esses animais não tem nossa capacidade de compreensão res de Soja), cerca de 80% da soja nacional vira farelo para do mundo, não vivem em famílias como nós, não usam as alimentar animais, os outros 20% viram óleo – a proteína de tecnologias que nós usamos, não se comunicam como nós. soja é um subproduto do que sobra da soja após a extração Você mataria esses animais para poder extrair o minério? e nem entra na estatística, pois o volume de produção é Sim? Parabéns, você acaba de exterminar uma tribo indídesprezível no mercado. gena, mulheres e crianças, só porque eles são diferentes de Comer carne é que traz problemas com a soja, não o tofu. você. Cara, você é uma pessoa horrível. 3 “E as proteínas, tira da onde?” Dizer que um animal não tem direito à vida e à liberdade Explique para a sua tia que a carne não é a única fonte e criar uma prática de escravidão e genocídio só porque eles de proteína. Castanhas também são uma boa opção e ainda são de outra espécie é um tipo de preconceito, indefensável têm alguns minerais bastante importantes. pela lógica e por argumentos éticos, chama-se Especismo. A chave de uma alimentação saudável é a diversidade. Uma galinha não se comunica como nós, não vive socialPratos coloridos, com vegetais de vários tipos, vale mais do mente como nós O que faz dela um animal privado do mais que qualquer multivitamínico de farmácia. básico direito à existência? 4 “E se a galinha fosse criada solta, você comeria?” Esse é o momento do silêncio à mesa. Parabéns, você Vou contar uma historinha, uma parábola. O seu sobrinho estragou o almoço de domingo.

RICARDO AMPUDIA é repórter, também produz e apresenta o podcast Folha na Sala, além de ser um vegetariano sempre em busca de novas experiências.

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O DIREITO À COMIDA VEM DO (DIREITO AO) SOLO Ilustração por GUINR

Falar sobre alimentação no Brasil e no mundo implica muita reflexão, estudo e atenção ao contexto histórico, político e social do país. Sabemos que comer é um direito que está na nossa Constituição. Com isso, o Estado recebe uma parcela de responsabilidade para com todos os brasileiros em garantir esse ato básico e fundamental para a sobrevivência de cada um de nós. Também ouvimos muito que “comer é um ato político”. Eu mesma sou uma disseminadora desta frase importante e impactante. Porém sabemos que comer só é um ato político para aqueles que podem escolher o que comer. A oportunidade de escolha em relação ao que colocar no prato é essencial para a concretização desta linda expressão. Poder e escolher consumir um alimento orgânico, agroecológico, proveniente de fazendas, sítios ou assentamentos locais é grandioso. É uma forma de acreditar e investir num mundo melhor, hoje e amanhã. Só que essa possibilidade não está nas mãos de todos os cidadãos brasileiros. Muitos até sabem dos benefícios dos alimentos orgânicos, mas ficam restritos a consumi-los pela falta de dinheiro ou pela falta de acesso. Acredito que o conhecimento sem o acesso, sem a oportunidade nos mantém num mesmo lugar. Portanto mudanças estruturais com foco em políticas públicas são necessárias para democratizarmos a alimentação saudável, que é inviabilizada sem uma democratização do acesso a terra. Pois, de onde vem a nossa comida? O Brasil tem uma história de concentração fundiária bem antiga. Desde os tempos do Brasil colônia, quando uma pequena parcela da população era a única com acesso a terra por meio de doação por parte da coroa ou herança. Somente em 1850, com a lei de terras que a compra e venda de propriedades rurais foi liberada, porém pessoas sem recursos, imigrantes europeus recém-chegados e negros escravizados já libertos ficaram sem direito às terras livres. Estas foram compradas por fazendeiros que já possuíam grandes propriedades perpetuando a concentração de terras e um agronegócio baseado na monocultura, escravização e produção voltada à exportação. Sistema agroalimentar que testemunhamos até os dias de hoje.

Somos um país sem soberania nem segurança alimentar. Ou seja, nunca houve uma distribuição de terra favorável ao povo brasileiro. Existe uma desigual distribuição da terra em nosso país, ou seja, há um enorme número de pequenos proprietários de um lado e, de outro, um número reduzido de donos de grandes propriedades rurais. A concentração fundiária em nosso país vem aumentando, com um agravante: a Amazônia e os cerrados tornaram-se, desde 1970, as novas regiões de fronteira agrícola. Afirmar que essas novas fronteiras agrícolas do país significa dizer que nas outras regiões, isto é, Nordeste, no Sudeste e no Sul, praticamente não existem mais terras disponíveis para a prática agropecuária. Além disso, o valor dos imóveis rurais nessas áreas tornou-se muito elevado, obrigando os agricultores menos capitalizados a deixarem seus estados de origem em busca de terras mais baratas. Com isso, têm-se algumas questões importantes, como o aumento dos impactos ambientais causados pela derrubada da vegetação original em enormes áreas, para dar lugar a pastagens e cultivos agrícolas, invasão de terras indígenas e a necessidade de sua delimitação e crescimento dos conflitos entre posseiros e grileiros, ocasionando não só o aumento da violência no campo como a expulsão de famílias de posseiros, que se vêem obrigadas a ocupar terras em pontos cada vez mais afastados no interior do território nacional. Portanto, a questão da terra, o Brasil, opõe diversos grupos, como boiás-frias, índios, minifundiários, colonos, posseiros, grileiros, grandes proprietários e até garimpeiros, entre outros. Nos dias atuais, 1% das propriedades rurais detém quase metade da área disponível pra cultivo no Brasil. Quanto maior a concentração de terra, maior a concentração de investimento. Quanto maior a propriedade, mais apoio ela recebe do governo, tanto na parte da tecnologia como nos benefícios fiscais. O que facilita a perpetuação da concentração de terras, da desigualdade social e do aumento da pobreza. Alimentação como direito começa com o direito a terra. Reforma agrária já! Só assim teremos soberania, democratização e segurança alimentar!

BELA GIL é chef de cozinha natural, ativista, escritora e apresentadora. Busca destacar a importância da alimentação saudável e consciente.

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QUAL O IMPACTO DO SEU ABSORVENTE? Em sua vida, uma mulher pode acumular cerca de 200 quilos de lixo menstrual, a maior parte feito de plástico

POR LARISSA MEDEIROS FOTOS JOÃO OLIVEIRA


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urante sua vida, uma mulher pode acumular cerca de 200 quilos de lixo somente em absorventes descartáveis. Noventa por cento desse material é plástico e demora mais de 400 anos para se decompor. Os números são do Instituto Akatu. Felizmente, nos últimos anos, uma onda de sustentabilidade tem colocado no mercado métodos ecológicos ou reutilizáveis e menos prejudiciais ao meio ambiente. O que falta é mais informação sobre a menstruação e sobre o uso desses produtos, de forma que mais mulheres façam escolhas conscientes. A ginecologista Isabela Correia afirma que os métodos reutilizáveis são uma opção melhor para o meio ambiente já que não há um lugar adequado para o descarte desses produtos e o acesso à coleta seletiva não é fácil no Brasil. No entanto, a médica lembra que essas opções de absorventes, apesar de serem as ideais, não são acessíveis a todas as mulheres. As mulheres em situação de rua, por exemplo, utilizam o que conseguem acessar, independentemente da ecologia. Apesar de não serem acessíveis a 100% da população feminina, métodos absorventes sustentáveis já são a opção de mulheres que podem fazer essa escolha. Entre os mais citados estão o coletor menstrual, a calcinha absorvente, o absorvente de pano e o disco menstrual. Mas você sabe qual é o melhor para o seu corpo? Veja as orientações da ginecologista Isabela Correia:

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Temos que desmistificar a ideia de que a virgindade se perde com coletor, manipulação vaginal ou absorvente interno

ABSORVENTE DE PANO

Esses absorventes são feitos de tecidos e, em alguns casos, com botões para ajudar na fixação à calcinha. A limpeza do produto deve ser feita de acordo com as instruções do fabricante e depende do material escolhido. Caso não haja orientação na embalagem, a médica Isabel Correia indica que a lavagem com água e sabão neutro já ajuda bastante, porém sem deixar resíduos dos produtos de limpeza. Quanto à troca, apesar de não ter um tempo específico, o ideal é sempre verificar para que evite o aparecimento de micoses na região da virilha ou candidíase. Os absorventes, entretanto, já não são tão fáceis de achar em farmácias como o coletor. O tecido poderá ser vendido O coletor é como um pequeno copo, feito de silicone, ge- em lojas específicas ou na internet. Os preços podem variar ralmente hipoalergênico, para introdução no canal vaginal. entre R$ 30 (a unidade) e R$ 150 (cinco unidades). A escolha do tamanho do coletor varia de acordo com idade e número de gestações. Um dos benefícios dos copinhos é a manutenção de fluidos benéficos dentro da sua vagina. Os absorventes internos costumam “sugar” os fluidos vaginais saudáveis como bactérias, hidratação e lubrificantes naturais. As calcinhas menstruais têm modelos iguais as tradicionais, Diferente desses absorventes, os coletores menstruais mas com um forro a mais, que pode ser retirado ou não, denão alteram a flora vaginal normal e mantém esses fluidos pendendo do modelo. Os tecidos se assimilam ao absorvente dentro da vagina. A esterilização do produto deverá ser feita convencional, com cobertura seca (poliéster) e suave (algodão). no início e final do ciclo menstrual, sempre de acordo com “Apesar de não ter um ideal, a calcinha com forro de algodão as orientações do fabricante. Uma outra opção é fervê-lo tem um fundo mais leve e menos alergênico, o que ajuda no micro-ondas ou no fogão, desde que se evite panelas na primeira experiência justamente por ser um material mais de alumínio. Durante a menstruação, a limpeza poderá ser natural que o poliéster” — explica a ginecologista. feita com água ou sabonete de preferência, porém sempre A limpeza segue a mesma orientação do absorvente de removendo todo o produto. pano e o tempo de troca varia de acordo com o fluxo menstrual Sobre o uso deste método por meninas que acabaram de de cada mulher. A calcinha menstrual pode ser encontrada menstruar e/ou não tenham vida sexual ativa, a médica Isabela com preços de R$ 59 a R$ 109. Correia afirma que não há contraindicação, mas alerta para uma discussão comum no início da vida menstrual: “Toda menina que tem uma menstruação visível tem o hímen perfurado. Temos que desmistificar a ideia de que a virgindade se perde com coletor, manipulação vaginal ou absorvente interno. A virgindade é um conceito social que O disco menstrual é uma alternativa para quem quer manter não tem relação com esses métodos” — ressalta ela. a vida sexual ativa durante a menstruação. Pode ser utilizado O tempo ideal para a retirada do coletor é a cada 12 ho- durante o sexo e retirado após 12 horas de uso. É feito de siliras, mas, caso o fluxo menstrual seja intenso, é necessária a cone hipoalergênico, igual ao do coletor, mas em um formato checagem antes do limite. Para retirar o coletor, basta apertar mais raso. Para colocá-lo, basta encaixá-lo em volta do colo a base do objeto com cuidado. Mulheres que utilizam DIU, do útero. A higienização deve ser feita da mesma maneira. método contraceptivo inserido no útero, podem usar o Apesar de não ter nenhuma contraindicação, a ginecocoletor, entretanto, a retirada precisa ser feita com cuidado logista Isabela Correia alerta que transar durante a menspara não puxar a corda do dispositivo. truação pode acarretar no desenvolvimento de infecções O coletor menstrual produto pode ser encontrado em sexualmente transmissíveis (ISTs), o que torna indispensável farmácias ou na internet com valores entre R$15 (só o coletor) o uso da camisinha masculina. Um disco menstrual custa em e R$ 70 (com o copo para limpeza). torno de R$ 120.

COLETOR MENSTRUAL

CALCINHA ABSORVENTE

DISCO MENSTRUAL

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COMO O CORONAVÍRUS INFECTOU O MODO COMO CONSUMIMOS O futuro não demora e já dá sinais de como vai se apresentar. Diferentes olhares sobre o mercado pós-Covid-19 nos ajudam a pensar sobre como vamos consumir em um mundo pandêmico

O panorama do que deve orientar nossa vida em sociedade durante e depois da crise provocada pela Covid-19 começa a se desenhar. Ainda são muitas as dúvidas, mas o futuro não demora e está dando sinais de como deve se apresentar. Novos hábitos já estão sendo incorporados em nossas maneiras de viver, morar, se relacionar e, claro, comprar. A pandemia é, em sua essência, uma crise de saúde pública, mas que trouxe um dos maiores caos econômicos da história. Mercados inteiros foram desestruturados. Milhões de pessoas perderam seus empregos. Quase ninguém tem segurança de que não enfrentará algum tipo de desgaste financeiro. “Segundo o Instituto Locomotiva, 51% dos brasileiros já tiveram perda de renda no Brasil. De maneira geral, o consumo deve cair e vamos conhecer um consumidor muito mais crítico”, explica Laura Kroeff, VP de Digital e Inovação da Box 1824, agência de pesquisa de tendências em consumo, comportamento e inovação. A biossegurança é um dos pontos centrais na avaliação do que será um produto de qualidade no mercado contemporâneo. Mais do que nunca, vamos buscar fornecedores que nos inspirem confiança. Em setores essenciais, como o da alimentação, essa tendência deve vir ainda mais forte. “A única certeza que temos é que vamos passar a comprar de produtores cada vez mais próximos. Isso já está acontecendo na China, na Índia e nos Estados Unidos. As cadeias industriais são muito complexas e o produto passa por muitas mãos até chegar ao consumidor. Isso representa um enorme risco. Comprar localmente será o novo normal”, opina Georges Schnyder, presidente da Associação Slow Food Brasil, rede presente em mais de 160 países e que trabalha pelo fortalecimento de agricultores de pequeno porte.

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Unsplash

Por Nathalia Zaccaro

Praticamente 7 em cada 10 consumidores brasileiros (69%) tiveram alguma perda de renda desde o início do isolamento social adotado para conter a disseminação pelo COVID-19 no país

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ELO DA CORRENTE A ideia do estreitamento entre os elos da cadeia produtiva deve chegar com força também no mercado da moda. A pressão por melhores condições de trabalho em fábricas têxteis e a demanda por consciência ambiental já vinham ganhando importância nos modelos de negócio fashion, mas devem tomar novas proporções no mundo pandêmico. Logo na primeira semana do isolamento já surgiram clientes preocupados com as condições de trabalhos dos entregadores das roupas. As pessoas estão se apegando mais às histórias humanas e cobrando posicionamentos, diz Francisco Zobaran, CEO da marca basico.com, que, desde seu surgimento, atua no mercado on-line. A pró-reitora de pesquisa e professora de Economia do Consumo da ESPM, Cristina Helena Pinto de Mello, pontua que tamanha preocupação social tem motivações bastante

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específicas do período de crise. “As pessoas olham para o que constitui o interesse delas. Hoje é o bem-estar do outro porque isso compromete seu bem-estar. Essa consciência social é um instinto de preservação da espécie, um comportamento pró-social voltado para o próprio interesse. É a percepção de que corremos riscos quando não protegemos o outro. Por isso esse critério ganha tanta força neste momento”, explica. O consumo consciente é um dos pilares do que a Box 1824 chama de Economia Regenerativa, uma visão sobre quais devem ser os principais comportamentos dos consumidores na era em que estamos nos preparando para viver. Outro ponto crucial do modelo é o consumo digital. Mais de 20 milhões de brasileiros realizaram sua primeira compra pela internet no ano passado, segundo um estudo realizado pela Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), em

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parceria com a Neotrust. O balanço das vendas on-line em 2020 registrou um crescimento de 68% , com um faturamento de R$ 126,3 bilhões , e mais de 300 milhões de pedidos realizados pelos consumidores. O comércio eletrônico vem crescendo no Brasil nos últimos 10, 15 anos, independentemente de governo ou crise. Mas os números de 2020 são bastante expressivos, e mostram o papel importante que o e-commerce teve para o distanciamento social — afirma Rodrigo Bandeira, vice-presidente da ABComm. A popularização desse mercado foi impulsionada principalmente pela pandemia, que manteve as lojas físicas fechadas durante os primeiros meses da crise sanitária no Brasil — e, mesmo depois da reabertura do comércio, fez com que a população continuasse optando pelas compras à distância. Não há quem ainda não tenha notado que as compras on-line invadiram as rotinas de todos, mesmo de quem não tinha o hábito de adicionar itens em seus carrinhos virtuais. De acordo com as informações do Compre e Confie, empresa

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do grupo ClearSale, as vendas on-line no país cresceram 40% só na primeira quinzena de março.”O isolamento está destravando as últimas ondas de negócios digitais. Empresas que já atuavam desta maneira viram o valor de suas ações subirem. O processo de digitalização está muito acelerado, está acontecendo em 5 semanas o que era esperado para 5 anos”, diz Laura. Para André Carvalhal, consultor e especialista em design para sustentabilidade, o momento é propício para o estabelecimento de parcerias entre marcas. “Os sites de marketplace devem misturar marcas grandes e pequenas em seus ambientes, este é um caminho tangível. Outra tendência é a aposta na produção de conteúdo digital, uma possibilidade de conexão entre as marcas e os clientes, que agora não estão dispostos a comprar”, diz. CONFORTO É O NOVO PRETO Nativa digital desde seu surgimento, a basico.com já enxerga a possibilidade de agregar outras marcas em seu site. “Agora

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Parcerias para criar novos canais de divulgação e cobranding foram algumas das soluções adotadas pelas marcas para, rapidamente, apresentar uma resposta à nova demanda do consumidor

é hora de atuarmos como ecossistema, é importante que a gente una forças”, diz Francisco. A partir da experiência de empresas que já têm quilômetros rodados no e-commerce, é possível sacar algumas das vantagens desse tipo de negócio. Além da personalização das ofertas e da relação com o cliente, o rastreamento do comportamento de compra é um importante aliado. “Como temos uma base de dados robusta sobre nossos consumidores, conseguimos analisar e comparar informações sobre o novo contexto. Isso traz insights de maneira mais rápida e, a partir daí, surgem as oportunidades”, diz Francisco. O que já deu para entender avaliando a movimentação dos clientes na plataforma da marca é que os produtos que oferecem mais conforto têm se destacado nas vendas. Em tempos tão incertos e assustadores, é natural que busquemos conforto. Seja para se vestir – especialmente considerando que pouco saímos de nossas casas –, seja em outros segmentos da vida. Uma das maiores vítimas da crise, a indústria do turismo enxerga nessa demanda

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uma possibilidade de reestruturação. “Muita gente cancelou viagens dos sonhos por conta da quarentena. No início da crise, imaginamos que, passado o isolamento, as pessoas voltariam a planejar visitas a esses destinos exuberantes. Mas, na verdade, a tendência indica que os viajantes irão buscar as confort travels”, opina Tina Lyra, que já esteve em cargos de liderança em grandes empresas de turismo, como o Four Seasons Hotels, e hoje é dona da agência TL Portfolio, focada no mercado de luxo. O desejo de viajar para ilhas paradisíacas ou destinos internacionais badalados vai dar lugar à vontade de revisitar espaços nostálgicos, marcados por memórias afetivas. Menos Croácia e mais interior de Minas Gerais, por exemplo. Não é exagero dizer que nada será como antes. Mesmo que nossas rotinas voltem aos padrões pré-Covid-19, o processo pelo qual estamos passando deixará descobertas, conclusões, cicatrizes e aprendizados que marcarão de maneira profunda nosso olhar sobre quem somos, do que precisamos e quanto estamos dispostos a pagar por isso.

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FLORESCER

NÃO PASSAR ROUPAS É O NOVO JEITO DE PRESERVAR O PLANETA Atitude benéfica para o planeta, para você – e até para o seu bolso. Veja ações que podem ser inseridas na sua rotina

Demorar menos no banho, manter os aparelhos eletrônicos desligados quando não estão em uso, evitar uso de sacolas plásticas, são algumas delas. Mas existe algo que dificilmente podemos imaginar: deixar de passar roupas. Essa certamente não é uma das atitudes mais populares na hora da conscientização da preservação ambiental, mas a ideia está se tornando bastante popular depois de um grupo de pessoas lançar uma campanha que promove o uso de roupas amassadas. O objetivo central da campanha não é fazer com que as pessoas passem a se vestir mal, apenas que tenham melhor consciência na hora de usar suas roupas, priorizando o corte de desperdício de energia elétrica para ajudar a natureza. A responsável pela proposta é a ambientalista colombiana Catalina Reyes, que acredita que a medida pode ajudar na redução do consumo de energia. Para ela, as roupas passadas a ferro são um conceito de moda imposto à sociedade e que colabora com a destruição do planeta. “Ao usar roupas amassadas, ou melhor, que não foram passadas a ferro, entende-se que o implemento que desperdiçou energia desnecessariamente não foi usado e, portanto, é absolutamente justificável”, explica Catalina. Catalina está conseguindo muitos apoiadores da sua ideia, pessoas que compreendem a importância de cuidarmos do planeta e que sabem que andar com roupas pouco menos padronizadas é algo positivo, se ajudar a preservar a natureza. Esse é o momento de repensarmos os nossos hábitos de vestuário e nos adaptemos para que se prolongue a vida de nossa espécie por meio do cuidado com o planeta. O consumo consciênte é um estilo de vida que precisamos adotar logo.

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Por Luiza Fletcher

O consumo de energia do ferro a vapor é maior devido ao aumento do número de vezes que ocorre o acionamento do termostato

ALECRIM


Para algumas pessoas, essa atitude, além de ser uma maneira especial de cuidar de nosso lar, chamado Terra, é um grande alívio porque, apesar de as roupas passadas serem bonitas e um sinal de zelo, é muito cansativo ter de passá-las, uma por uma, ainda mais depois de um longo dia de trabalho. A proposta é realmente interessante, pois além de ajudar o planeta ela também apresenta benefícios como, ganhar tempo para fazer outras coisas e gastar menos energia elétrica. Ao reduzir o consumo de eletricidade, reduzimos também as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera. Em uma casa onde não se usa mais o ferro de passar roupas, por exemplo, é como se o impacto dos gases produzidos por sete veículos deixasse de existir ou como se 7 árvores fossem plantadas. Essa pequena atitude equivale oxigênio para uma pessoa por 7 dias. Ou seja, menos energia = mais vida.

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Caso você não consiga abrir mão do ferro de passar, te ensinaremos alguns macetes capazes de fazerem a diferença no gasto de energia e no seu bolso também. A lavadora de roupas e o ferro de passar também podem ser utilizados de forma racional para evitar desperdício de energia elétrica. Uma dica importante: Evite usar aparelhos elétricos no horário de pico de consumo, ou seja, no início da noite, de segunda a sexta-feira, especialmente no horário das 18h às 21h. LAVAR Ao usar a lavadora de roupas aproveite para lavar o máximo de peças possível até a quantidade limite indicada pelo fabricante. Assim você economiza energia elétrica e água. Leia com atenção o manual do fabricante para saber tirar o máximo proveito de sua máquina de lavar.

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FLORESCER

PASSAR Ao usar o ferro tente passar o máximo de roupas possível. O aquecimento de seu ferro elétrico várias vezes ao dia provoca um desperdício muito grande de energia. Sempre verifique as etiquetas das roupas. Para evitar queimaduras ou evitar que a peça fique mal passada, confira a etiqueta da roupa. Veja se o tecido é indicado para passar e qual a temperatura ideal de acordo com o material, algodão, seda, linho, lã, dentre outros. E mais: regule a temperatura, no caso dos ferros automáticos. Passe primeiro as roupas delicadas, que precisam de menos calor. No final, depois de desligar o ferro, aproveite ainda o seu calor para passar algumas roupas leves. Nunca esqueça o ferro elétrico ligado, pois, além de desperdiçar energia elétrica, você corre o risco de provocar graves acidentes. Evite ligar o ferro elétrico nos horários em que muitos outros aparelhos estejam ligados. Ele sobrecarrega a rede elétrica.

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DOSSIÊ PARA APOSENTAR SEU FERRO DE PASSAR Escolha roupas que não precisam ser passadas: Os cuidados com as roupas vão desde a lavagem até a maneira de passar, dobrar e guardar, mas o primeiro passo sempre será identificar o tipo de tecido da peça. Portanto, quando comprar roupas novas, verifique se precisam ser passadas. Invista mais tempo na lavagem: Se você pretende economizar tempo e dinheiro não passando roupa, será preciso algum cuidado extra nas etapas anteriores para garantir o sucesso da operação. Não encha a máquina com muitas roupas: Siga a recomendação do fabricante, colocando apenas o peso de roupas adequado para cada nível de água. Assim a lavagem é eficaz e as roupas ficam menos amarrotadas. Atenção às roupas pesadas: Evite lavar roupas pesadas, como jeans, com roupas mais leves, evitando que o peso amarrote mais a roupa. Ou então, comoloque as roupas na máquina de acordo com o peso – pesadas no fundo da máquina, e as mais leves por cima.

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O que gasta mais energia é o aquecimento constante do ferro de passar

Use um bom amaciante: Além de deixar um cheirinho de “olha que trabalho bem feito”, o amaciante ajuda a deixar as roupas mais lisas. O vinagre e o álcool também são boas opções, assim como aquelas bolinhas que a gente dá para os cachorros, sabe? Pendure assim que lavar: Ver a roupa bater na máquina é uma das coisas que gosto de fazer, tipo observar pássaros ou ver o bolo crescer no forno (por favor, me digam se sou louca. Tá, eu sou!), então quando a máquina começa a centrifugar e já fico na espreita, para pendurar tudo assim que ela acabar o serviço. Quando menos amarrotar a roupa, melhor. Sacuda a roupa antes de pendurar: Aqui é o macete-mor da operação. Aquela batida na roupa, aquela esticadinha na hora de pendurar fazem toda a diferença. Faça o teste – pendure uma peça sem sacudir e outra semelhante com direito a sacudidas e esticadas. E lembre-se que é tudo para evitar aquela tarefa deliciosa #SQN de passar roupa. Pregadores por favor: Pendure sempre a roupa esticada e pelas pontinhas, de preferência em cima de costuras. Assim

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você evita marcas de pregador. Se a peça for de linha ou canelada, esqueça o pregador, para evitar que ela esgarce. Secou, dobrou: Recolha e dobre a roupa assim que ela estiver seca. Se estiver um pouco úmida, a peça pode ficar com aquele cheiro de cachorro molhado. Se secar demais, a peça fica difícil de dobrar. Mas daí é só borrifar uma mistura de uma parte de amaciante, 2 partes de álcool e seis partes de água, algo conhecido como “passe bem”. Cabide no varal: Camisas e camisetas podem secar diretamente nos cabides, assim é menos um trabalho e mais espaço no varal. Gravidade ao seu favor: Deixe a parte mais pesada das roupas para baixo, para que o peso da peça a deixe mais esticada. Calças, por xemplo, devem ser penduradas pelas pernas, não pelo cós. Ainda está amarrotada: Se a roupa ainda estiver amassada, não tem jeito. Bora pegar o pranchão e surfar. Mas antes borrife aquela misturinha de amaciante, álcool e água. Com a peça levemente úmida, fica mais fácil passar.

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ESTIMULANTE

RECOMENDAÇÕES DA ALECRIM

divulgação

Seleções de maio de podcast, livros, documentários e experiências culturais que vêm conquistando espaço na rotina cultural das pessoas.

Fala, Maju

Outras Mamas

AmarELo

Hora do Abacate

Podcast sobre experiências vividas por ela e sua visão de mundo. Disponível no Spotify.

Podcast sobre temas feministas, anticapitalista e antiespecista. Disponível no Spotify.

Podcats de conteúdo e informação construído através de vários olhares. Disponível no Spotify.

Podcast com o objetivo de responder perguntas e discutir o veganismo. Disponível no Spotify.

Documentário Seaspiracy Documentário sobre o impacto ambiental da pesca, dirigido e estrelado por Ali Tabrizi, um cineasta britânico. Disponível na Netflix.

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ALECRIM


Veggie Cast

Vozes do Planeta

A Terra é Redonda

The Simply Vegan

Podcast aborda assuntos sobre o vegetarianismo de uma forma leve. Disponível no Spotify.

Podcast que realiza entrevistas e aborda temas socioambientais. Disponível no Spotify.

O podcast utiliza pesquisas e dados científicos para tratar temas atuais. Disponível no Spotify.

Podcast analisa o mundo vegano e discute os tema que estão em alta. Disponível no Spotify.

Documentário Dominion Documentário por Chris Delforce. O filme mostra as muitas maneiras pelas quais os animais são regularmente abusados. Disponível na Netflix.

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ESTIMULANTE

A Política Sexual da Carne

A Dieta da informação

Moda com Propósito

Comer animais

Este livro estuda as influências de uma sociedade patriarcal nos hábitos alimentares e na relação com as mulheres e os animais.

Neste livro Johnson explica o papel da informação na história humana e por que sua dieta é essencial a todos que desejam ser inteligentes, produtivos e sadios.

Este livro mostra como é preciso aprender a viver com menos, pensar nas consequências de se buscar sempre o mais barato e refletir no impacto social.

O autor propõe um debate ético sobre o consumo alimentar dos animais. Defende o vegetarianismo com o objetivo de trazer benefícios para o meio ambiente.

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RETRATO

MULHERES QUE INSPIRAM: CRISTAL MUNIZ Ela decidiu tentar parar de produzir lixo e viver uma vida sem desperdício, mais natural, mais saudável e mais feliz. Por Laila Moualem

Uma parcela muito reduzida da população brasileira separa lixo para reciclagem. A coleta seletiva está presente em apenas 18% dos municípios do país, segundo a última pesquisa Ciclosoft, de 2016, promovida pela organização Cempre (Compromisso Empresarial para Reciclagem). Incomodada com essa realidade, uma designer catarinense decidiu mudar seu estilo de vida para contribuir de forma mais efetiva com a saúde do planeta. Pioneira do movimento lixo zero no Brasil, Cristal Muniz criou em 2015 o blog Um Ano Sem Lixo. A proposta é clara: reduzir ao máximo sua produção diária de resíduos. Não mandar lixo para aterros sanitários, comprar alimentos a granel, utilizar uma composteira doméstica, adquirir roupas de segunda mão, produzir cosméticos e produtos de limpeza, reduzir o número de itens dentro de casa e utilizar apenas o necessário. Além do kit lixo zero sempre na bolsa, com guardanapo de pano, pote com tampa para bebidas, talheres, hashis, sacola de pano para compras e uma toalha para evitar os papéis de banheiros públicos. Cristal Muniz foi uma criança criada para ser consciente, do tipo que separava o lixo e usava um produto até o fim antes de jogá-lo fora. Mas algo clicou quando ela entrou em contato com o conteúdo da blogueira norte-americana Lauren Singer e tomou conhecimento do movimento que pretende zerar o lixo em casa -- ou, ao menos, diminuir intensamente seu volume -- por meio da eliminação do desperdício, do consumo de plástico, de produtos com aditivos químicos. Bea Johnson é o nome que disseminou esse movimento mundialmente. Ela, seu marido e seus dois filhos vivem nos Estados Unidos e adotaram um estilo de vida lixo zero em 2008, apesar de terem entrado em contato com a ideia em 2006. Seu blog é o Zero Waste Home (“Casa Zero Lixo”). Ela conta que produzir lixo zero não significa reciclar mais, mas reciclar menos – já que evitar a produção de lixo vem em primeiro lugar. No Brasil, com o manuseio pouco eficiente do lixo reciclável, a necessidade de reduzir a produção torna-se mais urgente. Cristal notou o problema quando foi morar sozinha em Florianópolis e passou a se incomodar com a quantidade

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Cristal Muniz, pioneira do movimento lixo zero no Brasil (Foto: Carol Barreto)


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de sacolas de lixo que retirava semanalmente. Antes, quando vivia no interior de Santa Catarina com sua família, o reaproveitamento do lixo, a produção de adubo com os orgânicos e a alimentação baseada no que era produzido na horta de sua avó era uma realidade. Mas foi o contato com o conteúdo do Trash is for tossers (“Lixo é para idiotas”, em tradução livre), blog sobre lixo zero de Lauren Singer, que a fez querer modificar a realidade de sua nova casa. Lauren já havia modificado seu estilo de vida havia dois anos. Entre 2012 e 2014, ela produziu cerca de 450 gramas de lixo, o que cabe em um pequeno copo. Mas ela mora em Nova York, o que fez Cristal pensar que seria impossível reproduzir esse estilo de vida no Brasil. Lauren usava uma escova de dentes feita de bambu. Em um domingo ocioso, Cristal resolveu buscar no Google a tal da escova. Encontrou. E a partir disso, começou a pensar: “Se encontrei isso, o resto vou achar”. Logo no final de 2015, ela já considerava que chegou ao mesmo ponto que Lauren estava quando a inspirou, tendo

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reduzido seus resíduos ao máximo. “Não é impossível, é bem possível. É só ir fazendo aos poucos para se habituar e conseguir fazer”, conta. Mas, para isso, ela notou que não seria possível apenas reproduzir as metas de Lauren ou Bea. Era necessário adaptar o estilo de vida lixo zero para o Brasil. Enquanto elas usavam sabão de castela – feito de azeite de oliva, produto em abundância nos EUA –, Cristal passou a usar sabão de coco, por exemplo. A adaptação, porém, prevê que produzir absolutamente nenhum tipo de lixo ainda não seria possível, como é feito no exterior. “Por mais que eu continue falando sobre reduzir resíduos e impacto, a noção de países desenvolvidos é bem diferente da noção que a gente deveria ter no Brasil. Lá, eles têm uma coleta seletiva que tem um índice de retorno desse material muito mais alto”, conta. Outro empecilho para uma ampla adesão à rotina com menor produção de lixo é o privilégio do acesso à informação no país, além da desigualdade social. “Como você vai falar que a pessoa tem que separar o lixo, levar um kit lixo zero

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Nos últimos dez anos, a geração total de resíduos sólidos urbanos no Brasil cresceu 19%

na bolsa quando ela tem outras preocupações de graus de existência antes?”, diz. Há também um estigma quanto ao custo de vida de uma pessoa que adere a esse estilo de vida. Ela não paga mais pelo custo das embalagens, já que compra alimentos a granel. Ao fazer seus próprios cosméticos, ela utiliza ingredientes naturais que tornam o resultado final muito mais em conta. Todos os seus produtos de limpeza se resumem a três elementos: sabão de coco, bicarbonato de sódio e vinagre de álcool. Com essa troca, reduziu cerca de 70% do valor mensal que gastava com esses itens. “Ser mais natural não é só comer castanha de caju, que é muito caro. É uma luta que eu tenho para mostrar que existem muitas coisas que são mais baratas e outras que, pontualmente, são mais caras, mas que a longo prazo compensam o valor. Essa luta é para tentar chegar em lugares mais pobres, que têm deficiências de coisas muito básicas e que isso ajudaria” Hoje, com três anos de existência, o Um ano sem lixo conta com 3.500 acessos diários. No Instagram, são quase 70 mil

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seguidores. Entre junho e julho desde ano, Cristal lançará um livro pela editora Alaúde sobre o estilo de vida lixo zero e como torná-lo acessível na rotina dentro e fora de casa. O canal do Youtube, para despertar o interesse de um público diferente, também está para sair. Há, além disso, o e-book sobre beleza natural e sem lixo – disponível no estilo “pague quanto quiser” –, baseado nos workshops que dá em diferentes cidades do Brasil. Já surgiram blogs que se inspiraram no trabalho de Cristal – como é o caso do Casa Sem Lixo –, assim como ela se espelhou em Lauren, que seguiu os passos de Bea. “É um movimento que não tem volta, vai crescer sempre, porque se a gente continuar no modelo atual, daqui a pouco o planeta não aguenta”, diz. “Eu vi que o importante mesmo é cada um ir começando aos poucos a fazer mudanças para que a gente possa ter itens na nossa casa que tenham um movimento mais cíclico e menos linear, que possam voltar a ser reutilizados em vez de simplesmente jogados fora.”

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RETRATO

Até mesmo na intimidade a designer fez uma mudança radical: adotou o coletor menstrual reutilizável de silicone. O copinho maleável e higienizável com água e sabão neutro, substitui o poluente absorvente. Cristal também usa cosméticos naturais e escova de dente de bambu, compra xampu em barra e faz condicionador caseiro á base de vinagre. “Vinagre eu uso em tudo, como amaciante, condicionador e desinfetante. O que é mais caro são os sabonetes artesanais, mas eles duram mais”, diz. Ela lembra que costumava gastar 40 reais por mês com produtos de higiene e limpeza, e hoje, gasta apenas cinco reais. Quanto aos hábitos alimentares, Cristal passou a comprar alimentos mais frescos, deixou de comer itens industrializados e cozinha mais em casa. Com todas as mudanças, além dos benefícios para o bolso e o meio ambiente, a jovem afirma perceber efeitos positivos no próprio corpo. “Emagreci um pouco, porque como menos açúcar. Meu cabelo está melhor. Eu usava muito condicionador para ele ficar hidratado. Com o vinagre, ele está sedoso, não está esturricado. A maquiagem natural também agride menos a pele”, conta. Para as embalagens que não podem ser evitadas, Cristal colabora com o sistema de coleta seletiva. Ela também tem uma composteira de minhocas, ou minhocário, para colocar o lixo orgânico e a bucha vegetal que usa para lavar a louça. Em um de seus posts mais recentes, a jovem ensina dá a receita de um hidratante 100% natural, com manteiga de karité, óleo de coco, manteiga de cacau e óleo de amêndoas. Ela também já ensinou a preparar um desinfetante com álcool e limão, que pode ser usado para limpar o banheiro ou o chão, por exemplo. Numa postagem sobre um assunto polêmico, Cristal escreveu sobre o porquê de não comprar roupas “fast fashion” feitas na China. “Vale mais pro bolso e pra consciência ambiental ter menos peças e de qualidade superior, porque elas vão durar mais tempo.” Cristal, designer, mora em Florianópolis – uma das poucas cidades com sistema de coleta seletiva no Brasil – e com oferta generosa de produtos orgânicos e vendidos a granel. Em outras cidades do país, seguir o mesmo estilo de vida pode ser uma tarefa bastante complicada.

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O consumo de alimentos orgânicos cresceu significativamente: passou 23% para 48% a parcela da população que diz comprar este tipo de produto


ESSÊNCIA

O QUE SEUS PRODUTOS DE BELEZA ESTÃO ESCONDENDO? Todos nós queremos consumir com mais ética, mas a indústria da beleza está fazendo o suficiente para nos ajudar?

Aaah. Você afunda de volta nos travesseiros, fecha os olhos e deixa a nova máscara facial fazer o que deve fazer: simultaneamente acalmar sua pele e sua alma. Ou não é? Sua mente está realmente preocupada com as preocupações - sobre sua cadeia de suprimentos, ingredientes e sustentabilidade? Porque, a menos que você faça sua lição de casa, não há maneira fácil de saber o quão duro um produto está trabalhando para cuidar das coisas que você mais quer, ou seja, o planeta e a humanidade (e, sim, sua pele). Nós entendemos: ler as letras pequenas e vasculhar o site da marca antes de aplicar aquele tratamento pode ser tão emocionante quanto contar as unidades em uma grande taça de vinho ou as calorias naquela barra de chocolate, mas, quando se trata para a beleza, a ignorância não é tão feliz quanto parece ser. Esse produto pode não cair tão bem em sua consciência quanto em seu rosto quando você começa a fazer perguntas: algum animal foi prejudicado na fabricação deste produto? Os ingredientes são de origem ética? E o que “natural” significa afinal? Portanto, nós, os usuários de beleza, temos que levantar essas questões. Os consumidores têm a influência econômica para exigir o que realmente precisamos: mudança. Porque agora? Porque a mídia social nos deu os meios para nos comunicarmos diretamente e aplicar pressão às marcas. Aos poucos, estamos acordando para a ameaça terrível da emergência climática e o papel que o consumo excessivo e as cadeias de suprimentos opacas desempenham; e, este ano, a pandemia global recalibrou nossas bússolas morais e nossa ideia do que significa comprar bem. Temos as condições perfeitas para essa mudança.

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Por Katy Young

Brasileiras gastam R$ 1.530 por ano em maquiagem e cosméticos

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A verdade é que há muito exigimos transparência das indústrias alimentícia e da moda, mas a beleza sempre foi um pouco mais difícil de definir. Como acontece com todas as culturas, isso começa no topo da cadeia. A multibilionária indústria da beleza ainda é considerada trivial e pouco séria: não é de se admirar que seja deixada por conta própria para servir e, frustrantemente, se autorregular. Considerados um dos “pequenos luxos” da vida, os produtos de beleza simplesmente não seguem os mesmos padrões que a comida nas prateleiras dos supermercados. Um saco “orgânico” de folhas de rúcula está sujeito a uma série de verificações e regulamentações verdes. Um óleo de banho de lavanda “orgânico”? Quase nenhum. Somos basicamente cobaias. E se você quiser fazer compras de forma limpa e sustentável, é ainda mais complicado. Não existe uma definição oficial de” natural “ou” orgânico “,

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o que torna a indústria da beleza um foco de ‘lavagem verde’, em que os comerciantes são capazes de rotular ingredientes ruins com palavras boas. O greenwashing pode assumir muitas formas, desde as mais sutis e sofisticadas até deliberadamente enganosas. Há uma verdadeira desconexão entre as demandas dos consumidores por maior transparência e os resultados por lei para os produtores. ‘ Mas até que esses selos de aprovação padronizados sejam regulamentados e aplicados universalmente, precisamos mudar nossa mentalidade de consumidor para cidadão e retomar um pouco da responsabilidade por nossas escolhas. Desde ir sem crueldade até apoiar marcas que defendem a diversidade, veja como fazer compras como uma cidadã da beleza da mudança:

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ESSÊNCIA

O GUIA DE COMPRA RESPONSÁVEL 1.Livre de crueldade: Um produto não deve conter ingredientes que entraram em contato com animais para que uma marca diga que é livre de crueldade. Uma maneira rápida de verificar é procurar o símbolo do Coelho Pulando. É aplicado pela Coalition for Consumer Information on Cosmetics, formada para regulamentar um padrão livre de crueldade. Anteriormente, as marcas vendidas na China eram obrigadas por lei a fazer testes em animais, o que significa que aqueles com interesse no enorme mercado chinês tinham de fazê-lo. Mas, em abril de 2019, o governo do país anunciou que aprovaria métodos de teste que não envolvam animais, ajudando a indústria a se mover em uma direção mais livre de crueldade. 2. Vegano e vegetariano: Não presuma que sem crueldade significa vegano ou vegetariano: não significa. Frustrantemente, não é tão simples quanto procurar extratos animais nos ingredientes. Embora os suspeitos usuais incluam colágeno, gelatina, lanolina, seda, pérola, proteína do leite e glicerina,

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existem nomes menos conhecidos para produtos de origem animal, como ceraalba (o nome latino para cera de abelha) e guanina (que pode ser derivada de escamas de peixe). No momento, não há uma maneira simples de descobrir como sua marca preferida contribui para as emissões globais de carbono. Marcas individuais têm prometido se tornar “neutras em carbono”, fazendo uma série de mudanças, desde a produção e embalagem até o transporte. Mas até que haja um órgão independente verificando suas reivindicações, você terá que acreditar na palavra deles. 3. Amigável para recifes de coral: Em 2018, o governador do Havaí assinou um projeto de lei que proibia a venda de protetor solar contendo oxibenzona e octinoxato, devido aos produtos químicos serem tóxicos para os recifes de coral. Na época, pensava-se que esses ingredientes estavam em cerca de 80% dos cremes solares. Muitas marcas responderam com rótulos “seguros para recifes”, mas essa terminologia não tem definição legal. Em vez disso, verifique o Laboratório Ambiental Haereti-

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Existem apenas 19 produtos de beleza individuais em todo o mundo que passaram nos testes rigorosos de origem ética e vegana

cus, uma fundação sem fins lucrativos que desenvolveu uma certificação Protect Land + Sea que testa as fórmulas em produtos, incluindo ingredientes que podem não estar listados. Como regra geral, procure as fórmulas mais simples; até mesmo os FPS “naturais” podem conter ingredientes como eucalipto ou lavanda, que comprovadamente prejudicam a vida marinha. Na praia, use cremes em vez de sprays - que deixam os produtos químicos na areia que depois vão para o mar. E procure cremes solares de base mineral, feitos com óxido de zinco e dióxido de titânio. 4. Verdadeira diversidade: A necessidade de maior inclusão e diversidade na indústria da beleza é conhecida há muito tempo. Houve sinais de mudança positiva. ‘O efeito Fenty’ - e a reação alegre aos 40 tons de base disponíveis na linha de maquiagem da Rihanna quando ela foi lançada - destacou a falta de uma oferta variada em outras marcas e levou muitos a fazerem ajustes em suas linhas. No entanto, grandes mudanças

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precisam ser mais do que apenas cosméticas; eles precisam ser feitos em todas as partes da indústria, desde a contratação até o desenvolvimento, à distribuição, bem como educar a equipe sobre por que ela é tão necessária. 5. Cadeia de suprimentos: Infelizmente, não há apenas um adesivo que atesta a transparência do processo, mas várias certificações vão dizer muito sobre como uma marca faz um produto (é de origem ética, vegano, livre de crueldade?) E como é transportado (pegada de carbono) para sua vida após a morte (embalagem reciclável). Atualmente, existem apenas 19 produtos de beleza individuais em todo o mundo que passaram por esses testes rigorosos. 6. Ingredientes de origem ética:Ingredientes de origem ética são aqueles que foram obtidos de forma socialmente responsável. Isso inclui garantir que os trabalhadores sejam tratados de maneira justa e segura. A Union For Ethical Biotrade emite certificações para marcas que respeitam a biodiversidade do planeta e aquelas que assumem compromissos éticos específicos.

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ESSÊNCIA

COMO TRANSFORMAR SEUS HÁBITOS DE COMPRA O guia definitivo de como transformar seus hábitos de compra e reduzir sua pegada de carbono pensando na moda circular Por Daisy Murray

O QUE É MODA CIRCULAR? A moda circular é um reencaminhamento da jornada tradicional do “berço ao túmulo” para peças de roupa, sapatos ou acessórios. Do jeito que está, a maioria dos produtos de moda são feitos de novos tecidos, vendidos, usados, descartados e enviados, eventualmente, para aterro ou pior, eles são incinerados. O conceito de moda circular está redesenhando a indústria da moda para fazê-la trabalhar pelas pessoas e pelo meio ambiente. Seus princípios contribuem para o questionamento sobre a escolha de materiais, de produtos químicos, de processos de fabricação, de venda e uso. Esta nova forma de se pensar na economia propõe que materiais seguros sejam usados continuamente, que a água seja recuperada e que a energia seja limpa, permitindo que a indústria da moda se torne uma força para o bem. A moda circular visa interromper essa trajetória linear, mantendo roupas e materiais em uso por meio da reciclagem, reaproveitamento e reaproveitamento, evitando, sempre que possível, fazer produtos completamente ‘novos’ e reduzindo a quantidade de resíduos ecologicamente prejudiciais. ‘A moda circular significa projetar o lixo’, conta Charlotte Turner, chefe de moda sustentável e têxteis da Eco-Age. ‘Projetar produtos que podem quebrar naturalmente sem causar danos, ou que podem ser desmontados e recriados,

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Lidar com sua pegada de carbono pode parecer uma tarefa gigantesca, e talvez seja. Apesar de alavancar a economia, a indústria fashion é a segunda mais poluente, perdendo apenas para o petróleo. E a crescente preocupação com o meio ambiente tem a obrigado a repensar esses impactos. Entre as alternativas que surgem, está a moda circular. Entre mudar para vegetais sazonais e recusar viagens de trabalho no exterior, a lista cada vez maior e díspar de maneiras pelas quais somos encorajados a ser mais verdes pode parecer assustadora. Mas existe uma maneira coesa, relativamente fácil e potencialmente econômica (ou lucrativa) de reduzir drasticamente sua própria pegada de carbono: engajar-se de forma circular.

O mercado da moda movimenta trilhões de dólares no mundo a cada ano e gera milhões de empregos. Só no Brasil, em 2018, foram 26 bilhões de reais

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COMO POSSO ME ENGAJAR NA MODA CIRCULAR? Já ouviu falar do ditado ‘reduzir, reutilizar, reciclar’? Em 2020, você já deve considerar reduzir o número de itens que compra ponto final. Não precisamos de uma roupa nova para todas as sextas-feiras à noite, realmente não precisamos. A atual taxa de crescimento da moda é imensa, com 114 DE ONDE VEIO A FRASE ‘CIRCULAR FASHION’? bilhões de itens de vestuário vendidos globalmente no ano Brismar, proprietário da empresa de consultoria Green Stra- passado (15 peças novas cada). tegy, cunhou o termo ‘Circular Fashion’ em junho de 2014. Comprar menos (também conhecido como redução) e ‘Pode ser definido,’ detalha a Dra. Anna Brismar, ‘como vestir novamente os itens favoritos do fundo do guarda-roupa roupas, sapatos ou acessórios que são projetados, adquiridos, (também conhecido como reutilização) ajudará a desaceleproduzidos e fornecidos com a intenção de serem usados e ​​ rar a moda rápida, reduzindo a superprodução e todos os divulgados de forma responsável e eficaz na sociedade pelo problemas resultantes. maior tempo possível em seus mais valiosos forma, e daqui Comprar menos também significa comprar melhor, e o que em diante retornar com segurança para a biosfera quando é melhor do que itens que já resistiram ao teste do tempo? não mais para uso humano. ‘ ou reciclados sem perder qualidade, para que trabalhemos apenas com o que já temos.’ ‘A ideia é reduzir a quantidade de recursos que estamos gastando, bem como a quantidade de materiais e produtos que vão parar em aterros.’

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ESSÊNCIA

LOJA DE SEGUNDA MÃO E VINTAGE Embora anos de superprodução (e pouca roupa) sejam, em grande parte, más notícias, uma vantagem é que já existem muitas roupas por aí procurando serem realocadas. Esta é a parte da reciclagem. Existem quase tantas maneiras de comprar roupas amadas quanto há itens para comprar. As lojas locais de caridade são um ótimo lugar para começar, já que você está matando dois coelhos com uma cajadada só, mantendo as roupas longe de aterros sanitários e dando dinheiro para instituições de caridade. Frequentemente, eles são a opção mais barata e os melhores no fornecimento de uma ampla variedade de tamanhos. ALUGUEL DE ROUPAS Estamos comprando mais roupas do que nunca, mas também as mantemos com a metade do tempo. ‘Ao usar uma peça de roupa por mais 9 meses’, relata o Big Think, ‘uma pessoa pode realmente reduzir sua pegada de carbono em 30%.’

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É aqui que o aluguel de roupas entra em jogo. Se você tem um item lindo pendurado em seu guarda-roupa e não consegue passeios suficientes, ou um evento que você sabe que exigirá um caso de uso único, então podemos sugerir o aluguel? ‘A moda de aluguel é uma ótima solução para muitas ocasiões em que corremos o risco de acabar com roupas não usadas no guarda-roupas, ou se realmente queremos usar algo que não podemos justificar ou ter recursos para comprar. - O Turner da Eco-Age nos contou. É importante ressaltar que a moda de aluguel não é necessariamente uma resposta abrangente para a questão da sustentabilidade. O impacto da fabricação é enorme: a indústria da moda é responsável por entre 8% e 10% das emissões de gás carbônico e é a segunda indústria que mais consome água. ‘Não é a solução perfeita’, aponta Turner, ‘já que há muita limpeza a seco e transporte envolvidos - e os itens não serão necessariamente reciclados ou reutilizados quando não puderem mais ser alugados. Dito isso, há absolutamente um lugar para aluguel de moda. ‘

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A indústria da moda é responsável por até 10% das emissões de CO2

USE SITES DE REVENDA Se o aluguel for muito efêmero para você, ele estará em segunda mão. Porém, você não precisa apenas comprar contribuir para o ecossistema circular vendendo também. De tempos para cá surgiram várias empresas de aluguel de roupas e acessórios, em sintonia com a preocupação com o consumo consciente. A tendência foi impulsionada pelo Rent the Runway, criado em 2009, que oferece locações pontuais e de pacotes mensais e se tornou um case de sucesso. Hoje no Brasil há plataformas com uma curadoria de marcas superinteressantes, tanto nacional como internacional.O mercado de roupas de segunda mão deve quase dobrar até 2023. No eBay, um item de moda usado é comprado a cada segundo e você pode entrar em ação de muitas maneiras diferentes. Avaliar itens que não se ajustam mais ao seu corpo ou à sua sensibilidade de estilo garante que o produto viva uma segunda vida, esperançosamente em um novo lar amoroso. ‘Eu adoro revender coisas’, diz a blogueira e co-apresentadora de podcast Charlotte Jacklin, ‘Eu faço isso principal-

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mente por meio do Depop e do eBay. Significa que o item tem uma vida útil mais longa e, como estou em uma posição privilegiada onde posso acessar um preço e qualidade de roupa mais elevados, sei que torna muito mais acessível para algumas pessoas entrar na economia circular. ‘Além disso, muitos dos meus itens são de tamanho 16 ou 18, o que pode ser mais difícil de encontrar em segunda mão.’ ESCOLHA OS TECIDOS COM SABEDORIA Se algumas marcas de moda sustentável estão fora de alcance, olhar para o material de maquiagem de qualquer compra pode ajudá-lo a participar da moda circular. Ao escolher roupas ou acessórios, é útil pensar sobre o que acontecerá com eles no final de sua vida útil - os materiais e as técnicas de produção são de qualidade alta o suficiente para serem passados para outra pessoa, para começar? Então, ele irá se biodegradar com segurança. Aí está, cada forma de experimentar a moda circular. Agora não há desculpa para você ser um quadrado. Faça parte do círculo.

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A SUSTENTABILIDADE ENTROU NO ARMÁRIO O ano de 2020 veio para quebrar e sacudir tudo – incluindo o guarda-roupa.

POR KARINA HOLLO FOTOS ANDREIA ALVES


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ata a primeira porta do closet quem realmente pensava em sustentabilidade na hora de se vestir até a pandemia nos tomar de sobressalto. Era sair a próxima coleção para a lista de desejos aumentar exponencialmente. Mas, de repente, fomos obrigadas a repensar por conta das manchetes diárias de incêndios nas florestas de um lado e geleiras derretendo do outro. Começou a rolar uma vontade de fazer o que for possível para a vida – nossa e do planeta – ficar melhor. Sim, compra com propósito é o que ditará o investimento do consumidor nos próximos dez anos. Isso sem falar que o home office mudou tudo – desde reduzir a necessidade de roupa a manter o olhar do look acima do teclado e apostar no comfy way da cintura para baixo. Simplicidade define o uso das suas peças. De acordo com o documentário “Explicando”, da Netflix, roupas esportivas tornaram-se um mercado global de 300 bilhões e dólares. O conceito Athleisure (usar roupas de treino no dia a dia), que antes não era bem visto, virou tendência. O fato é que é possível construir um guarda-roupa mais sustentável, limpar e renovar o que já está lá, encontrar peças ecológicas para preencher lacunas e repensar os hábitos de compras, integrando valores. E, nesse processo, transparência é palavra de ordem, levando em conta o trio economia, ética e meio ambiente para tomar a decisão certa.

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De acordo com o levantamento, 46% disseram que estão comprando peças usadas e 58% venderam itens de segunda mão As marcas que praticam a responsabilidade ambiental, a reciclagem, usam recursos biodegradáveis e fontes de energia sustentáveis, ganham cada vez mais espaço. “Um guarda-roupa é sustentável quando a gente usa muito tudo o que tem”, fala Fernanda Resende, consultora de estilo capixaba, criadora da Oficina de Estilo e autora dos livros “Como construir um Guarda-roupa Inteligente” e “Substitua Consumo por Autoestima” (Cia. das Letras). O negócio é entender como usar a criatividade para fazer as peças renderem muitos looks, sem levar coisas novas para dentro. “A gente coloca mais energia no que não tem do que no que já possui. É mais fácil olhar para fora e ficar encantado, do que para dentro para entender quem a gente é, do que gosta, quais as coisas importantes da vida que queremos experimentar, como quer se sentir e se parecer. Isso dá mais trabalho”, observa. A roupa é nossa interface de interação no mundo. A usamos para fluir e ampliar a capacidade de conexão com o outro. E essa é uma jornada para construir uma melhor experiência humana!

de moda, e se repaginaram com peças de coleções novas, e de grandes marcas, incluindo labels de luxo. São itens únicos que não se vê mais nas vitrines das lojas – uma forma de praticar a moda sustentável. “Sustentabilidade tem a ver com lifestyle”, fala o stylist Thiago Barcellos. “Brechós, com certeza, são grandes aliados para ter essa postura porque evitam consumo desnecessário e aumentam o ciclo de vida das roupas, ressignificando as peças antigas”, continua ele. Já Fernanda observa que brechós são potenciais desenvolvedores de criatividade. “Quando a gente entra numa loja, ela pensa a coleção toda coerente. As cores e formas funcionam entre si. Garimpar em brechó é também uma atividade intelecal”, diz. Reforma é outro movimento sustentável. “Você fica longe das compras e dá oportunidade para a costureira, um trabalho feito à mão, com provas e exatamente do jeito que você quer”, observa Thiago.

MIX IDEAL

O mix de peças ideais continua sendo aquele que atende a demanda cotidiana. O closet inteligente é versátil, conciso (estima-se que as mulheres usem apenas 20% do que têm no armário para compor 80% dos looks) e precisa ser atualizado com alguma constância. “Cada peça tem que dar certo com pelo menos outras três e montar um look de frio e um de calor, um de trabalho e um de lazer, um de dia e um de noite”, ensina Fernanda. Ter muita coisa atrapalha mais do que ajuda. Não sou a favor de abrir mão da autoexpressão em favor da sustentabilidade. Há maneiras de fazer boas escolhas sem abrir mão disso. E as escolhas não precisam ser básicas e atemporais. Cada uma tem uma personalidade. Mas a ideia é demandar menos consumo e se relacionar com as suas roupas com tempo e profundidade.” O consumismo é tipo uma ficada de uma A reforma de roupas também vem com tudo com a pos- noite, superficial. E a ideia é estabelecer um relacionamento sibilidade de voltar a frequentar as costureiras. Tem mais: longo, ganhar intimidade. repetir se tornou cool – e quem garante são os millennials. Até a princesa Kate Middleton aderiu à onda. Comprar novas peças não é um ato sustentável, e por isso precisa ser bem pensado. Uma das saídas é reciclar ou atualizar os itens que já possui, praticando o e-styling. Ser sustentável exige esforço. O mais interessante é estender E vestir jeans com joias pode ser fundamental nesse pro- o uso das peças tanto quanto possível. E adquirir coisas de cesso – é a história de olhar para o seu closet com outros qualidade para que, mesmo quando as repassarmos, elas olhos, eliminar o que não faz mais sentido, organizar o que ainda tenham muito tempo de vida útil. Dessa forma, comfica e ir atrás do que é necessário, focando em alternativas pra-se menos e melhor”, fala Fernanda. sustentáveis. E para resistir à tentação da próxima coleção questione-se. Uma pesquisa feita pela Piper Sandler, empresa norte-a- A gente vem perdendo o discernimento na hora de diferenmericana, aponta que os jovens preferem roupas de brechó ciar o que é desejo, impulso e necessidade. Diante dessa e estão reduzindo o consumo. Os brechós deixaram para encruzilhada, pergunte-se: Quero? Posso? Preciso? Respire, trás a imagem de lojas que só vendem coisas velhas e fora dê uma volta e reflita”, finaliza Fernanda.

FELIZ PEÇA ANTIGA

ESFORÇO SUSTENTÁVEL

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ESSÊNCIA

A GERAÇÃO Z NO FUTURO EM SUA RELAÇÃO COM AS MARCAS A pandemia tem estimulado uma tranformação em relação aos cuidados com as questões ambientais e tranparência

Nós estamos vivendo a maior crise recente da humanidade. Neste momento incerto e agoniante, o mundo publicitário parou para pensar: e agora o que eu faço? As campanhas tiveram que ser pausadas e repensadas. As marcas entenderam rapidamente que serão “julgadas” por um longo período pela forma que se comportaram durante a crise e por isso tiveram que que tomar decisões rápidas para se comunicar com o público de maneira efetiva e transparente. Temos visto diversas mensagens de como as marcas estão agindo perante o COVID-19 para proteger os funcionários, grupos de risco e entregar os produtos e serviços aos consumidores que devem fazer sua parte ficando em casa. Também estamos vendo a mobilização de diversas marcas que tentam de alguma forma colaborar com os governos e as comunidades e ajudar na gestão da crise. Alguns bons exemplos são os de marcas que mudaram a produção de uma fábrica inteira para produzir insumos que ajudam no combate do coronavírus – álcool em gel, máscaras, sabonetes e até aparelhos respiratórios-, outras ofereceram seus produtos e serviços gratuitamente, fizeram doação de kits de higiene e cesta básica, vimos marcas que criaram soluções para auxiliar pequenos negócios e ONGs e outras marcas até hospitais de campanha financiaram. Estamos vendo gradativamente o senso de coletividade aumentar, cada um fazendo a sua parte e marcas se prontificando a fazer a parte delas também. Se por um lado, o coronavírus nos trouxe situações tão ruins e momentos tão desesperadores por outro, tem nos ajudado a acelerar mudanças que há muito tempo eram necessárias: aumentou a flexibilidade das empresas em relação ao trabalho remoto, a educação a distância e o home schooling agora são vistos como uma possibilidade viável, a busca por sustentabilidade e o entendimento de que a natureza precisa de uma pausa para se regenerar são questões em evidência e a cobrança, por parte da sociedade, para que as empresas sejam mais responsáveis do ponto de vista social aumentou consideravelmente. Não existe um retorno ao “normal” como estávamos habituados. Apesar de toda a incerteza, temos como fato que

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Por Matheus Martins

A economia circular, encanta os olhos do consumidor da geração Z, que é bem informado e preocupado com o meio ambiente

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esta crise global está mudando o mundo rapidamente: como as pessoas pensam, se comportam, consomem e interagem umas com as outras. A reflexão que eu gostaria de propor hoje é que as marcas devem acompanhar essas mudanças e averiguar novas maneiras de criar vínculos fortes e duradouros com seus consumidores. Temos que começar já um verdadeiro exercício para entender como queremos posicionar nossas marcas perante as mudanças da sociedade com planos para curto, médio e longo prazo. As ações expostas acima foram apenas o primeiro passo para o gerenciamento desta grande crise global que não atingiu apenas uma marca, e sim todas. Este é um momento para as marcas se redescobrirem, se reinventarem e se reposicionarem. Mas como?

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A GERAÇÃO Z E AS MUDANÇAS Um dos maiores desafios das marcas antes do coronavírus era entender a Geração Z, que hoje representa a maior Geração do planeta – 32% da população mundial. Eles são o “futuro de todas as nações” e também os principais consumidores de todas as marcas. São 2,47 bilhões de pessoas que há tempos tem sinalizado que consomem de maneira diferente. Entender esta Geração e ir além dos fáceis estereótipos (nativos digitais e jovens viciados em smartphones) era uma questão chave para as marcas. Pois bem, e se eu te disser que eles anteciparam algumas das mudanças e tendências que estavam por vir? Antes do coronavírus, quase 30% da Geração Z já estava preocupada com os impactos da pobreza e da fome. Eles são inclusivos e abominam qualquer tipo de discriminação e vão apoiar governos, marcas e personalidades idealistas

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que assim como eles buscam uma ruptura com os padrões de consumo e o mindset das gerações mais velhas. Eles são ativistas e conscientes de sua responsabilidade social e ambiental. No início da crise, eles entenderam rapidamente que todos nós deveríamos abrir mão da nossa liberdade para proteger uns aos outros, cobraram de seus influenciadores e celebridades preferidas ações filantrópicas e estão aplaudindo as marcas que tem ajudado a sociedade a sair desse caos o mais rápido possível.

e Alemanha – pela União para o BioComércio Ético (UEBT) mostrou que 89% da população brasileira considera importante consumir produtos de empresas que se preocupam em adotar boas práticas de acesso e uso de insumos naturais. 79% dos entrevistados declararam interesse em saber a procedência de ingredientes dos produtos que consome e 92% dão preferência a empresas que adotem políticas de respeito ao meio ambiente e à biodiversidade. Com esses números, é possível afirmar que empresas que desejam se manter no mercado, com crescimento progressivo CONFIANÇA E RESPONSABILIDADE SOCIAL e constante, devem se ater às responsabilidades ambientais e As marcas que querem estreitar o relacionamento com os prezar por práticas sustentáveis que contemplem as atividades consumidores da Geração Z precisam transmitir confiança diárias internas, a comunidade do seu entorno, o mercado e transparência. em que atua e o meio ambiente. Este público espera que as marcas tenham consciência coApenas um quinto dos consumidores da Geração Z e letiva e responsabilidade social e ambiental – não só em Millennials confiam completamente no que as marcas falam. momentos de crise. Paradoxalmente, 39% das marcas pesquisadas acreditam que Uma pesquisa realizada em nove países – Brasil, Equador, os consumidores confiam nas informações fornecidas sobre México, Estados Unidos, Reino Unido, Holanda, França, Índia seus produtos e serviços.

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Os jovens estão buscando uma melhor escolha na hora das compras, saber que a marca contribui para a sustentabilidade e para buscar o consumo consciente

Durante um gerenciamento de crise, as marcas sabem que a credibilidade e a confiança devem ser protegidas e reforçadas, portanto, um posicionamento se torna questão de sobrevivência, “tomar partido” e divulgar o ponto de vista da empresa sobre a crise de forma objetiva se faz necessário. Durante a crise causada pelo coronavírus, os consumidores têm pedido ajuda e esperam que as marcas sejam autênticas e transparentes em relação às suas ações e contribuições para acabar com isso logo. Se sua marca quer ter relevância para a Geração Z, ela deve ter posicionamentos claros e defender causas socialmente responsáveis. Segundo pesquisa da Federação Nacional do Varejo dos Estados Unidos, 55% dos jovens da Geração Z escolhem consumir de marcas que são “eco-friendly e socialmente responsáveis”. Como tudo o que envolve a geração Z, a transparência é primordial. Marcas devem ser genuínas ao adotar causas e realmente praticar aquilo que defendem. As marcas que tiveram posicionamentos claros e socialmente responsáveis têm criado empatia com os consumidores.

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A TV, por exemplo, nesta época de tantas fake news, através de um jornalismo sério e de qualidade se posicionou transmitindo confiança, cumprindo o papel de informar, educar e proteger a sociedade – fortalecendo e até mesmo criando relação com novos consumidores – as gerações mais novas que há tanto tempo reportava que “não assiste TV” passou assistir o noticiário. A Geração Z é ativista e sabe muito bem como alavancar uma causa usando o poder das redes sociais, eles têm a Greta Thunberg e a Amika George como ícones e 73% deles dizem que pagariam mais caro por produtos de marcas que são eco-friendly e sustentáveis. Para conquistá-los, as marcas devem ser genuínas ao adotar causas e realmente praticar aquilo que defendem em toda a cadeia de produção. Algumas das ideias apresentadas podem parecer distantes da nossa realidade atual, mas a nossa proposta era oferecer insights e inspirar uma transformação para seguirmos em frente com a missão de criar vínculos ainda mais fortes com os consumidores que sairão desta quarentena mudados.

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ESSÊNCIA

SOBRE NECESSIDADE: DE QUANTO VOCÊ PRECISA? ALECRIM investiga o movimento mundial de desacelaração do consumo e convida você a repensar sua lista de compras

Quando a estudante Camila Carvalho foi convidada para um casamento em cima da hora durante uma viagem a São Paulo, não quis ir ao shopping comprar mais um vestido de festa. Achou que seria melhor pegar um emprestado. Justamente por causa de situações como esta, fundou em 2014 o Tem Açúcar?, rede social brasileira de empréstimos entre vizinhos. “Coloquei o endereço do amigo que me hospedava, na Vila Olímpia, e escrevi: ‘Gente, tenho um casamento hoje, procuro tamanho 36/38, quem pode ajudar?’”. Dentro de poucas horas, três usuárias da rede responderam a mensagem. Lançado no último ano, a rede quer ajudar as pessoas a relembrarem que pedir emprestado é uma alternativa a comprar. O Tem Açúcar? é um dos exemplos de que há uma mudança em curso na forma como consumimos. Essa onda discreta porém crescente é uma resposta a anos de consumismo e coloca as decisões individuais do consumidor de novo no centro do debate sobre o futuro do bem-estar coletivo. Até pouco tempo atrás, ter um carro do ano, um apartamento com varanda e um bom guarda-roupa era (para alguns) a medida do sucesso. Era uma questão cultural. “O que as pessoas parecem estar percebendo é que isso é uma burrice”, diz o economista Jonathan Dawson, professor da Schumacher College, no Reino Unido. “Hoje, o que é cool é não ter.” Os analistas da agência brasileira de tendências de consumo Box1824 chegaram mais ou menos à uma conclusão: “Durante os grupos de pesquisa que promovemos, muitos jovens começaram a dizer que queriam consumir menos”, conta Rony Rodrigues, cofundador da agência. A agência lançou um vídeo-manifesto chamado The rise of Lowsume-

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Por Renan Fagundes

Os jovens brasileiros gastaram cerca de R$ 75 bilhões em 2010. A preocupação com a aparência é o item que consome a maior parte da mesada, sendo roupas e acessórios o que demanda maior gasto entre 37% dos jovens

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rism, com o termo cunhado a partir das palavras consumismo explica Martha Terenzzo, pesquisadora de consumo e inova(consumerism) e lento (low). O projeto analisa as mudanças ção e professora da ESPM (Escola Superior de Propaganda desde a industrialização, no fim do século 19, passando pelo e Marketing). “Em escala muito menor, a classe média está surgimento da propaganda e do crédito, pelo nascimento do procurando produtos sustentáveis e marcas mais autênticas.” sonho americano (e da associação entre ser bem-sucedido e Hoje, o risco de um crash econômico e ambiental coloca ter posses) até explodir na era do consumismo. A conclusão é as mudanças na forma em que consumimos na agenda do dia. radical: “consumo consciente não é mais o bastante”. “Você Estamos vivendo uma espécie de ressaca depois de décadas realmente precisa disto? Você pode pagar por isto? Você de consumismo, iludidos que estávamos pela ideia de que conhece a origem deste produto ou para onde ele vai depois não havia limites para o crescimento da produção. de descartado? Você está comprando isto influenciado por Há pelo menos uma maneira de enxergar esse momento campanhas?” Ser um lowsumer é ser mais consciente, mas é com certo otimismo: o ponto de vista do professor Dawson. principalmente consumir (muito) menos e buscar alternativas “Nos últimos 150 anos, a humanidade se perdeu do camide baixo impacto, como trocar, restaurar e fazer você mesmo. nho da cooperação e da colaboração. Se o meu jeito de No Brasil, vale dizer, o movimento de massa ainda é na direção ver o mundo for correto, então a crise econômica será uma de consumir mais: “Existe um país que quer consumir aquilo oportunidade de irmos de volta para esse caminho, que é a que nunca teve: quer viajar, quer carro e quer comprar roupa”, verdadeira natureza humana.”

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SHAMPOO EM BARRA: A NOVA MODA DOS COSMÉTICOS Uma seleção de shampoos sólidos que vêm conquistando seu espaço na rotina capilar das pessoas. Por Equipe Alecrim

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HIRAETH COLLECTIVE A marca vegana de Rooney Mara foi criada para atender mulheres conscientes que valorizam qualidade e design, mas não querem abrir mão de suas crenças éticas. FOTOS RIO PHOENIX

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Modelo veste camiseta Francis e vestido Coraline

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Modelo veste camiseta Louise e calça Alma

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Modelo veste vestido Eloise e bota Hanne Moto

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Modelo veste camiseta Margot e saia Amelie

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Modelo veste vestido Blaise e bota Hanne

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Modelo veste cropped Ella e saia Ella

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Modelo veste vestido Estella

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Modelo veste vestido Edith e bota Hanne

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Modelo veste vestido Ella e bota Hanne

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DIÁLOGO

EXPLORAÇÃO DE ANIMAIS SUSTENTA O COLONIALISMO Todas as opressões estão conectadas. Veganismo é uma extensão lógica da luta anti-opressão Por Marco Weissheimer

Existe uma hierarquia da opressão? Deve existir uma hierarquia entre as diferentes lutas contra diferentes formas de opressão? Essas questões entraram na vida de Sandra Guimarães desde cedo. Nascida em uma família vinda do Sertão nordestino, ela nasceu e cresceu em Natal, Rio Grande do Norte. O seu pai entrou no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) quando ela tinha 12 anos de idade e a reforma agrária passou a fazer parte de seu cotidiano. Estudar no exterior era o seu maior sonho e, desde os 14 anos, passou a economizar dinheiro para realizá-lo. Aos 20 anos, foi estudar em Paris onde morou por seis anos, formando-se em Linguística. Em 2007, decidiu fazer um trabalho voluntário de duas semanas na Palestina. Acabou ficando cinco anos lá trabalhando como voluntária no campo de refugiados de Aida, em Belém. Ao longo dessa trajetória, Sandra tornou-se chef vegana, escritora, ativista e guia política na Palestina. Editora do blog Papacapim, Sandra Guimarães vem levando, desde 2014, grupos de brasileiros para tours político-ativista-veganos na Palestina. Para ela, o veganismo não é uma escolha alimentar, mas sim política. “Embora a opressão tenha várias faces”, assinala, “cada uma com as suas particularidades, todas elas tem uma coisa em comum: a exploração, discriminação e violência contra o ser mais vulnerável pelo ser que tem mais poder”. A ALECRIM conversou com Sandra Guimarães sobre esse tema para saber qual a visão dela sobre e como a politica se relaciona com veganismo. Confira: Como se deu para ti essa confluência entre uma escolha alimentar e uma escolha política e de modo de vida? Primeiro de tudo acho importante esclarecer que o veganismo não é uma escolha alimentar. Na verdade o regime da vegana é “vegetariano”, ou seja, somente alimentos de origem vegetal (quem não se alimenta do corpo de animais não-humanos, mas consume seus derivados segue o regime “ovo-lacto-vegetariano”). Então a pessoa vegana tem um regime vegetariano, mas também boicota a exploração e a violência contra animais em todos os aspectos da vida. Logo, o veganismo vai muito além do prato.

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Tendo esclarecido o primeiro ponto, passemos ao segundo. Tem essa ideia de que a pessoa vegana optou por seguir uma ideologia, o veganismo, enquanto a pessoa que come animais e seus derivados, não. A verdade é que quando eu escolho comer plantas e você escolhe comer animais, nós duas estamos seguindo uma ideologia, mas a segunda é invisível porque é a ideologia dominante. Essa ideologia se chama “carnismo” e nos ensina, desde que nascemos, que comer animais e seus derivados é normal, natural e necessário. Mas não todos os animais! Em algumas partes do mundo cachorros e insetos são considerados alimento, enquanto no Brasil são considerados, respectivamente, como companheiros ou praga. O carnismo traça essa linha arbitrária que vai decidir quais animais são comida e quais não são. A pessoa onívora gosta de acreditar que “come de tudo”, mas esse “tudo” representa simplesmente o que a sociedade onde ela vive decidiu que era comida. O veganismo veio então como a ferramenta que faltava pra eu entender que embora a opressão tenha várias faces, cada uma com as suas particularidades, todas elas tem uma coisa em

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comum: a exploração, discriminação e violência do ser mais vulnerável pelo ser que tem mais poder. Do entendimento que justiça é algo indivisível. Se a justiça é dada a um grupo enquanto o outro é privado dela, isso é uma situação de injustiça. O que significa dizer que não é possível, coerentemente, ser um vegano de direita e/ou capitalista? A maneira mais frequente de descrever o veganismo é “um modo de vida que busca excluir na medida do possível e praticável toda e qualquer exploração e crueldade contra animais pra alimentação, vestuário e qualquer outro propósito”. O inglês Donald Watson, que criou a palavra “vegan” e fundou a primeira sociedade vegana, em 1944, é o autor dessa definição. Não é a minha maneira preferida de descrever o veganismo porque ela pode levar à uma interpretação focada exclusivamente no consumo individual. Eu prefiro outra definição, a que entende o veganismo como uma postura política que rejeita a objetificação e mercantilização de animais e se compromete com a luta por abolição da exploração animal.

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A exploração de animais nãohumanos foi e ainda é uma parte essencial na expansão e no sustento do colonialismo

Os valores principais do veganismo e da esquerda, como corrente política, são os mesmos: justiça, solidariedade e igualdade. Já o carnismo, a ideologia contrária ao veganismo, representa a ordem, onde os mais fortes, nesse caso os humanos, exploram os mais fracos, os não-humanos. Mas a comunidade vegana é diversa e muitas de nós seguem essa linha revolucionária e entendem o veganismo como um movimento radical, anti-capitalista e anti-colonialista, que luta pela abolição animal, mas que também se posiciona do lado de todas as pessoas oprimidas no mundo.

humano. As pessoas que participam da PAL também atuam na defesa dos direitos humanos e dos direitos da terra. Eu me encontrei muito com essa organização, pois ela representa a maneira como vejo essas conexões. A minha conferência será sobre o “vegan-washing” israelense, uma estratégia de usar o veganismo como uma cortina ou um mecanismo pra “lavar”, de alguma maneira, os crimes cometidos por Israel. Eles promovem Tel Aviv como a capital vegana do mundo e o exército israelense como o mais vegano do mundo, onde os soldados que se declaram veganos têm direitos a botas de couro sintético, boinas de lã sintética e a Você se considera uma ativista dos direitos humanos e dos refeições veganas. Não é questionado o fato de que esses direitos animais. Como esses dois planos se articulam, na mesmos soldados vão cometer crimes contra humanos. Essa tua opinião? é uma arma de propaganda bastante usada por Israel. O Pra mim, essa é luta só, uma luta contra a opressão. Atualmente governo está pagando viagens para blogueiras veganas do sou voluntária de uma organização chamada Palestinian Animal mundo inteiro irem pra Israel e descobrirem a capital vegana League (PAL/Liga Palestina dos Animais), que é a primeira do mundo, distraindo a atenção em relação à ocupação e organização palestina a tratar dos direitos animais. É uma or- colonização que está acontecendo na Palestina. Escrevi um ganização interseccional. O foco não é somente o animal não artigo no meu blog onde aprofundo essa questão.

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RECEITA

NHOQUE DE ABÓBORA COM MOLHO BRANCO DE GRÃO DE BICO Gostosuras práticas, saudáveis e deliciosas para o dia a dia, a maioria Plant-Based e sem glúten para incluir o máximo de estômagos possíveis Foto por Isabella Santana Rendimento: 4 pessoas INGREDIENTES: Nhoque: • 4 xícaras de purê de abóbora Cabotiá (é o que rende uma abóbora Cabotiá média no forno, veja as instruções em modo de preparo) • 1 xícara de fécula de batata ou de polvilho doce • 1 xícara de amido de milho • 2 colheres de chá de sal Molho branco: • 1 e ½ xícara de grão de bico cozido • 1 cebola • 3 dentes de alho • 1 colher de sopa de azeite • 1 xícara de leite vegeta • ½ colher de chá de sal • 1 colher de sopa de levedura nutricional • 1 pitada de noz moscada • 1 pitada de pimenta do reino Na hora de cozinhar o nhoque, tempere a água com azeite, sal e algum temperinho da sua preferência para dar seu toque especial. Reaproveitamento das sementes da abóbora: separe elas da polpa deixando de molho na água e seque com pano de prato ou papel toalha. Leve para o forno em uma assadeira com azeite e um pouco de sal até ficarem douradas e crocantes. É um ótimo petisco, além de ser uma boa opção para incrementar as saladas e sopas. Reaproveitamento da casca da abóbora: corte a casca em pedaços menores e leve para assar novamente no forno com alecrim, azeite e sal até ficarem crocantes. MODO DE PREPARO: Preaqueça o forno a 200 ºC e unte uma assadeira com azeite. Lave a cebola, os dentes de alho e a abóbora, tudo com as cascas. Use uma escovinha para limpar bem. Corte a cebola ao meio, e transfira para a assadeira untada, com a parte branca em contato com a assadeira e a casca virada

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Dica: Na hora de cozinhar o nhoque, tempere a água com azeite, sal e algum tempero da sua preferência para dar seu toque especial.

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para cima. Junte os 3 dentes de alho na assadeira, também com a casca.Corte a abóbora ao meio, retire as sementes com uma colher e transfira para a mesma assadeira da cebola e do alho, com a casca virada para cima. Leve a assadeira ao forno por 40 minutos, ou até a abóbora e o alho amolecerem bem e a cebola ficar caramelizada. Para ter certeza que está bem assado, espete com um garfo, se entrar sem resistência, está no ponto! Para fazer o nhoque, retire a abóbora assada da casca com uma colher, esse é o purê que você precisa. Misture o purê de abóbora com a fécula de batata e o amido de milho primeiro com uma colher tipo pão duro, depois com as mãos, até obter uma mistura homogênea e que solte da mão Jogue um pouco de fécula de batata na superfície em que for enrolar o nhoque para que a massa não grude. Faça isso sempre que for necessário.

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De punhado em punhado, vá esticando a massa com os dedos, fazendo “minhocas”. Feitas todas as “minhocas”, é hora de cortar com a massa com a faca do tamanho que você desejar e levar para cozinhar em uma panela com água fervendo. Quando o nhoque boiar na água está pronto, retire da panela com uma escumadeira e sirva com o molho branco de grão de bico, ou com outro molho de sua preferência. DICA DE CONSUMO: Quando a massa é boa, ela nem precisa de molho! Esse nhoque pode ser servido só com um bom azeite e ervinhas frescas como manjericão, tomilho ou sálvia. Com ou sem molho, sementes tostadas ou gergelim (sésamo) tostado acrescentam textura e sabor ao prato.

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EMPURRÃOZINHO

DICAS FÁCEIS E EFICIENTES PARA SE TORNAR VEGANA(O) Pensando em virar vegana(o)? Aqui vão 12 dicas pra fazer a transição com sucesso e, de quebra, ganhar muita saúde Por Gabrielle Pires

1- ADICIONE PRIMEIRO, SUBTRAIA DEPOIS Ao invés de começar cortando coisas do seu cardápio, adote uma estratégia diferente: comece adicionando novos alimentos. Ser vegano não se resume a uma longa lista de alimentos que você NÃO PODE COMER e muitos ficariam surpresos ao descobrir a grande quantidade de alimentos que PODEMOS COMER. Explore esse mundo novo e só quando sua alimentação estiver bem variada, com vários legumes, frutas e grãos diferentes, passe à etapa seguinte que é:

3- LEMBRE-SE DOS PRATOS VEGETAIS QUE SEMPRE FIZERAM PARTE DA SUA DIETA E DOS QUE PODEM SER VEGANIZADOS FACILMENTE Ao invés de pensar em tudo que você não vai mais poder comer tente lembrar de pratos conhecidos e apreciados por todos que são naturalmente veganos. Cuscuz, tapioca, feijão, macarrão com molho de tomate, sopa de legumes… Não precisa procurar receitas exóticas pra ter um regime vegano. E com algumas adaptações é possível transformar qualquer prato onívoro em prato vegano. Você pode fazer deliciosas lasanhas e sanduíches veganos. Tofu mexido pode ser mais gostoso que ovos mexidos. Castanha e feijão podem ser a base de deliciosos burgers. Creme de castanha de caju é tão parecido com creme de leite que ninguém vai notar a diferença. Com um pouco de motivação, conhecimento e criatividade você vai criar receitas melhores que as originais.

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2- DIMINUA PROGRESSIVAMENTE O CONSUMO DE PRODUTOS DE ORIGEM ANIMAL E AUMENTE O CONSUMO DE PRODUTOS DE ORIGEM VEGETAL Passe a comer carne só uma vez por semana. Pare de comer queijo diariamente. Comece misturando um leite vegetal a outros alimentos que você gosta pro seu organismo ir se acostumando. Aumente a quantidade de vegetais da sua dieta. Coma legumes refogados/gratinados no almoço, como prato principal. Capriche nas saladas cruas. Coma mais frutas. Mas vá com calma, um passo de cada vez. O ideal é que a mudança seja feita de maneira suave, assim seu corpo não terá problema em se adaptar ao novo regime e você nem sentirá falta dos alimentos que for eliminando do cardápio.

A vitamina C é um antioxidante, ou seja, ajuda a proteger as células contra os efeitos dos radicais livres que podem ainda favorecer o surgimento de alguns tipos de câncer e outras doenças

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4- APRENDA O BÁSICO DA NUTRIÇÃO VEGANA: PROTEÍNA + FERRO + CÁLCIO I- Existe proteína suficiente, completa e de ótima qualidade na alimentação vegana. Proteína vegetal completa = leguminosa + cereal. II- A dieta vegana é rica em ferro. Dica importante: vitamina C estimula a absorção do ferro no organismo. Incluindo uma fonte de vitamina C junto com o feijão com arroz de todo dia você tem a garantia de que seu corpo vai aproveitar ao máximo esse mineral. III- Leite de vaca não é a única, nem mesmo a melhor, fonte de cálcio. Folhas verdes e feijões, por exemplo, são alimentos vegetais ricos em cálcio e com boa biodisponibilidade. 5- CUIDADO COM O EXCESSO DE SOJA Esse é um erro comum entre pessoas que acabaram de se tornar vegetarianas/veganas: substituir os produtos de

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origem animal (leite, requeijão, manteiga, carne) por equivalentes feitos com soja. Não há nenhum problema em ingerir quantidades moderadas de soja e seus derivados, o risco é cair no excesso. Qualquer alimento consumido em grandes quantidades é prejudicial e a soja não é uma exceção. E quando comemos muito de uma determinada comida, privamos nosso organismo dos nutrientes oferecidos pelos outros alimentos. Pode confiar: existe proteína vegetal além da “carne” de soja. Mais sobre proteína vegetal aqui e sobre a soja na alimentação vegana aqui. 6- APLIQUE A FÓRMULA DA SACIEDADE NAS SUAS REFEIÇÕES PRA EVITAR A SÍNDROME DO “NUNCA ME SINTO SATISFEITO DEPOIS DE COMER ALGO VEGETARIANO” A fórmula da saciedade é simples: fibras + proteína + gordura boa.

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7- INCLUA FRUTOS E SEMENTES OLEAGINOSAS NO SEU CARDÁPIO DIÁRIO Castanha de caju, castanha do Pará, amêndoa, noz, linhaça, chia, semente de girassol etc. são ricas em minerais, vitaminas, proteínas e antioxidantes. Embora sejam calóricas, é um mito achar que elas fazem mal. A gordura presente nas oleaginosas é a gordura boa que luta contra o colesterol e faz bem ao coração. 8- EVITE ÓLEOS RICOS EM ÔMEGA 6 (SOJA, MILHO, GIRASSOL, MARGARINA), POIS ELES DIMINUEM A ASSIMILAÇÃO DE ÔMEGA 3 Pra poder ser assimilado, o ômega 3 vegetal é transformado em EPA e DHA pelo corpo (ômega 3 de origem animal já vem na forma EPA e DHA). Um consumo elevado de ômega 6 dificulta essa conversão. Além de evitar os óleos citados acima, retire frituras e alimentos industrializados (que usam esses óleos em sua composição) do seu cardápio. Refogue os alimentos com o mínimo possível de óleo, use óleo de

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coco virgem na cozinha (ele se mantém estável mesmo com o calor) e use azeite de oliva e óleo de linhaça pra temperar saladas (use sempre o óleo de linhaça cru, pois o calor destrói seus nutrientes). 9- SUPLEMENTE A VITAMINA B12. A vitamina B12 é o único nutriente essencial que não está presente em uma dieta 100% vegetal. Ela é produzida por bactérias que moram no estômago dos ruminantes (por isso carne e laticínios contêm B12) e nas plantas, mas a dose de B12 vegetal é insignificante. Vegetarianos e veganos precisam tomar um comprimido de 10mcg de B12 por dia ou, a solução mais prática, um comprimido de 2000mcg por semana. 10- COMA ALIMENTOS, NÃO PRODUTOS COMESTÍVEIS Ser vegano não significa que sua dieta será automaticamente a mais saudável de todas. Refrigerante, salgadinhos, biscoito recheado e afins também podem ser veganos, mas deveriam passar longe da sua alimentação. Alimento é aquilo que saiu da

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A composição de nutrientes provenientes das castanhas controla a velocidade de absorção do açúcar no sangue

12- VEGETARIANOS: NÃO CAIAM NA ARMADILHA DO CARBOIDRATO+LATICÍNIO Se você for vegetariano, ou estiver pensando em se tornar vegetariano antes de adotar o veganismo, aqui vai um aviso: cuidado pra não fazer da mistura carboidrato+laticínio sua refeição principal. É muito comum ver vegetarianos se limitarem a esses dois 11-APRENDA A COZINHAR grupos de alimentos, afinal é quase sempre a única opção Saber cozinhar significa independência, controle da qualida- vegetariana nos cardápios de lanchonetes e restaurantes de do que colocamos no nosso corpo e economia. Ainda é e todo mundo gosta de macarrão, pizza e sanduíche com difícil, e caro, comer fora quando se é vegano e se você não queijo. Mas além de ser calórica, essa combinação é pobre quiser passar fome vai ter que aprender a se virar na cozinha. em nutrientes e com o tempo você pode desenvolver carênNão precisa se tornar um chef, basta ser capaz de preparar cias. E tem mais: excesso de cálcio de origem animal impede pratos nutritivos e capazes de preencher o estômago. Pros o corpo de assimilar o ferro (por isso casos de anemia são que já sabem cozinhar: aprendam a cozinhar pratos veganos. mais comuns em vegetarianos). Alguns alimentos, como as Estamos tão acostumados a preparar pratos onívoros que variedades de feijão e o grão-de-bico, contêm grande conao se tornar veganas a maioria das pessoas fica sem saber o centração de fitatos e taninos que atrapalham a absorção do que preparar. Aprender novas maneiras de cozinhar significa ferro pelo organismo. Pra manter a saúde, e a linha, privilegie ter a garantia de desfrutar de uma comida sempre saborosa. alimentos como feijões, verduras, frutas e cereais integrais.

terra e chegou na sua mesa com o mínimo de transformação possível e que, segundo o dicionário, “serve para conservar a vida”. Se um produto foi feito em uma fábrica, usando ingredientes criados em laboratório que prejudicam o nosso organismo ao invés de nutri-lo, ele não deve ser considerado “alimento” e sim um “produto comestível”.

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A CONVERSA SOBRE COURO QUE NÃO ESTAMOS TENDO Por que nós ficamos chocados com roupas de pele animal e vemos o uso de couro como algo normal?

Em 2021, a controvérsia sobre pele de animais dificilmente é controversa. Nos últimos 40 anos, temos sido submetidos a imagens de crueldade contra os animais, protestos de ativistas e o ocasional editor de moda manchado de tinta. Exceto por alguns resquícios, a maioria das pessoas admitiria que é um material amplamente desnecessário. Claro que o corte ocasional pode passar por nós, mas é raro ver alguém balançando uma pele até o tornozelo. O movimento lento, mas constante, não é surpreendente. Sim, rejeitar peles é moral, mas também é fácil. É como rejeitar caviar ou foie gras, a realidade é que poucos de nós realmente temos algo a abrir mão. O couro é mais complicado e o debate em torno dele é mais complexo. É frequentemente apontado que o couro é um subproduto da indústria da carne, então, a menos que você seja vegetariano ou vegano, você pode desfrutar de seus sapatos, carteira, bolsa, interior do carro, cinto e inúmeras outras coisas sem culpa. Mas, embora isso possa ter sido verdade em um ponto, poucos de nós poderiam realmente acreditar que aquelas botas de couro de pônei teriam sido esfoladas de qualquer maneira, ou a enorme quantidade de couro que compramos e usamos diariamente equivale à carne em nossos pratos. Então, por que nós ficamos chocados com roupas de pele animal e vemos o uso de couro como algo normal? Mesmo os ativistas mais fervorosos podem entender a enorme tarefa de iniciar uma conversa sobre couro. Lynda Stoner, do Animal Liberation, disse à ALECRIM: “Acho que muito trabalho foi feito para tornar a pele um item de moda repugnante porque era factível e alcançável. Enquanto que

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Por Wendy Syfret

Todos os anos, cerca de 100 milhões de animais são criados e mortos pelas suas peles

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com o couro, existe aquela falsa crença de que é um subproduto e, portanto, é muito difícil.” Mas por milênios o couro e a camurça foram apenas um subproduto da carne, e usar as peles de animais mortos para alimentação era indiscutivelmente respeitoso - pense nisso como a versão da moda de comer nariz com cauda. Mas, ao longo do último meio século, nosso desejo por esses produtos explodiu. Um bilhão de vacas são mortas por causa da carne a cada ano, com sua pele fornecendo cerca de 20 por cento da receita total de cada animal. E por muito tempo, esse foi o modelo. Mas como usamos couro para tudo, desde interiores de carros a bolas de críquete, pela primeira vez na história, nossa fome de pele está superando nossa fome de carne. Lucy Adam, da escola de moda e têxteis da RMIT, disse à ALECRIM que a relação do subproduto está sendo invertida,

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pois “a carne é cada vez mais um subproduto da indústria do couro”. Mas não se trata apenas de quantidade, trata-se de qualidade. O couro que cobiçamos é muito diferente do de nossos avós. À medida que as peles desapareceram das coleções dos nossos designers favoritos, o couro foi entrelaçado com o nosso conceito de luxo. Para animais como avestruzes, 80 por cento do valor da carcaça vem da pele, para répteis é perto de 100. De repente, surge um mercado que existe totalmente separado da comida. Mas, embora não estejamos todos comprando bolsas de crocodilo e sapatos de pele de crocodilo, o tipo de couro que valorizamos é menos valorizado por ser resistente e mais por ser macio e perfeito. O melhor couro, e muitas vezes até de nível médio, vem de vacas muito jovens ou de animais criados para sua pele, não para carne. Lynda continuou: “A maior parte do couro vem da Índia ou da China, seja feito

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na Itália ou em qualquer outro lugar, os animais sofreram terrivelmente. E na maioria das vezes eles não são mortos como um subproduto da indústria de carne, são mortos por causa de sua pele.” As condições para produzir um bom bife e camurça não são as mesmas, então é provável que as vacas nunca sejam destinadas a ambos. Um animal freqüentemente sofrerá tanto para dar uma bela pele quanto um belo pelo, com recém-nascidos ou mesmo animais não nascidos sendo usados ​​para obter a melhor pele de bezerro. Apesar da atenção que a pele animal recebe, é uma indústria minúscula em comparação com o couro. E as consequências ambientais refletem isso. Pele é cruel, mas é um nicho, e há pouco nas ramificações ambientais de maior alcance da indústria. A indústria de tingimento de couro polui as cidades há quase tanto tempo quanto as cidades existem. Muito do trabalho é feito no terceiro mundo, onde o custo humano é muito menos fácil de justificar do que o custo animal. O cromo

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cancerígeno é bombeado para o lençol freático enquanto os trabalhadores sofrem danos respiratórios crônicos. Como tantas questões têxteis, de fábricas exploradoras a horas de trabalho, sua contenção ao terceiro mundo significa que muitas vezes está fora da vista e da mente. Mas, curiosamente, a Índia, líder mundial na produção de couro, também está liderando o movimento para proibir os produtos de couro. Muitas escolas pedem que as crianças não usem sapatos de couro. Embora a economia ofereça menos opções, a visível devastação das indústrias de curtumes ao país deixa a população motivada a agir. Mas a realidade é que sabemos essas coisas. Embora eles não estejam em nossa linha de visão direta, qualquer adulto poderia lhe falar sobre a origem do couro e não seria ingênuo o suficiente para assumir que sua produção faz parte do círculo da vida. O couro acompanha nossa atitude em relação à comida e ao conforto - duas das partes mais arraigadas e enraiza-

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A produção do couro prejudica os animais, o meio ambiente e os trabalhadores que o fabricam e o tingem

das de nossa comunidade. Lucy comenta: “Comer carne é visto como uma coisa aceitável a se fazer, assim como usar couro”. E a semelhança de ambos em nossas vidas os tornou amplamente invisíveis. Embora Michael Pollan e Jonathan Safran Foer nos avisem que nosso peito de frango embalado removeu nossa capacidade de ver os animais que comemos, pode-se argumentar que nossos produtos de couro macio, bonito, tingido e perfeitamente cortado não são mais registrados como pele. Ao tocar em uma pele, é difícil não pensar em um animal de estimação infantil; mas, puxando um par de mocassins, poucos de nós considerariam a vaca a quilômetros de distância. Lynda reitera que nossa indignação com a pele é justificada pelo motivo de que ela sempre foi um pouco estranha: “Na Austrália, se houver uma atrocidade no exterior, como bile de urso ou o tratamento de animais em matadouros no exterior, as pessoas podem apontar o dedo. As pessoas estão muito mais prontas para isso. Defender uma causa que não os afete.”

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Os consumidores precisam assumir a responsabilidade e articular suas demandas por meio de suas compras. Isso pode ser feito de duas maneiras: Em primeiro lugar, precisamos pesquisar os produtos que compramos para pressionar os designers e fabricantes a investigarem as melhores práticas. Gigantes como Stella McCartney e Vivienne Westwood já demonstraram que você pode administrar um negócio enquanto participa da indústria têxtil e de produção de forma responsável. E a cada ano as escolas de design produzem ondas de graduados que cresceram em uma era pós-internet, em que as questões de seu quintal ainda eram sua responsabilidade. Em última análise, ser um consumidor atento não significa automaticamente privar-se de um produto que foi criado e usado por milênios. Trata-se de fazer uma pausa em nosso consumo infinito do mundo físico e perguntar o que é importante para nós. Quer sejam os belos produtos que procuramos, pesquisamos, estimamos e guardamos para sempre, ou os animais que os dão para nós.

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DIÁLOGO

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PARA ONDE VAI TANTA SOJA? O hambúrguer vegetariano não é o culpado pela devastação da Amazônia

POR FABIO CHAVES FOTOS KAMILA CASTRO


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Nas últimas semanas, uma imagem publicada no Facebook e compartilhada por milhares de pessoas relaciona o consumo de soja pelos vegetarianos e a morte de animais silvestres. A imagem traz uma visão simplista e não verdadeira da questão da soja no Brasil. Uma observação: o produto mostrado na imagem não é vegano, tem clara de ovo em sua composição. Este texto não é para defender o produto e sim para criticar a incoerência das informações passadas na imagem publicada na rede social. Ela é uma planta originária da região denominada Manchúria, que fica no nordeste da China. Foi trazida para a Europa no século XVII, durante o período conhecido como o das grandes navegações, onde permaneceu por mais de 200 anos apenas como uma curiosidade botânica, nos jardins botânicos das cortes europeias. Chegou aos Estados Unidos da América por volta do ano 1890 onde era cultivada como forrageira. Na década de 1940 a soja chegou ao Paraguai e na década de 1950 ao México e Argentina. No Brasil, a grande expansão teve início a partir da década de 1970 e, na última safra de 2015/2016, a produção foi de 95,4 milhões de toneladas. As estimativas para a safra 2016/2017 variam entre 101 e 104 milhões de toneladas, o que vai depender da produtividade dos campos nessa safra vindoura. . Os principais Estados brasileiro produtores são: Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do Sul e Goiás.

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Tenha uma certeza: o Brasil não produz tanta soja porque há muitas pessoas consumindo hambúrguer de soja por aí

O Brasil é o maior produtor de soja do mundo. Na safra 2012/2013 foram 81,5 milhões de toneladas do grão. Segundo a EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), o país faturou mais de 50 bilhões de reais com exportações de soja. No Brasil, o consumo de soja diretamente na alimentação humana ainda é muito restrito, apenas 3,5% da produção em média, simplesmente por não fazer parte do hábito alimentar do brasileiro, ao contrário do que ocorre em diversos países orientais, cujo consumo é verificado há pelo menos três milênios. Assim sendo, a conscientização do mercado consumidor brasileiro em relação aos benefícios dos alimentos funcionais demanda uma série de pesquisas com novas cultivares e novos produtos à base de soja, em busca de qualidades organolépticas adequadas ao nosso paladar, verticalizando a cadeia produtiva. A monocultura da soja existe porque este é um dos principais alimentos utilizados para engordar animais considerados de consumo como bois e porcos. A soja é utilizada no Brasil como parte da ração dada para complementar a alimentação dos animais que são criados no pasto e como um dos principais alimentos dos animais criados de forma intensiva, como é o caso dos porcos. Porém, mais de dois terços da soja produzida no Brasil não são utilizados aqui. Países da União Europeia e asiáticos, principalmente a China, importam milhões de toneladas da soja produzida no Brasil para alimentar os animais confinados por lá. Imagine bilhões de animais em barracões abarrotados pelo mundo. O que eles comem? Soja brasileira, entre outros grãos. O custo da soja brasileira não inclui a devastação das florestas, o uso da água ou os animais silvestres mortos, por isso, para países europeus e asiáticos compensa mais importar a nossa soja do que produzir por lá. Literalmente, o Brasil é usado como quintal de outros países. O agronegócio avança na trilha do desmatamento e da superexploração do meio ambiente. No lugar da floresta, grandes pastos para receber gado, lavouras de soja e algodão. E o que restou de árvores que alimentaram madeireiras e carvoarias ou que serviram de insumo para a construção

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civil das grandes cidades. Esse é o alto preço que paga o país por apostar na grande propriedade rural como alavanca para o desenvolvimento econômico. As ameaças ao Pantanal, Cerrado e Amazônia são apenas a face mais conhecida da destruição ambiental provocada também por grandes projetos de infra-estrutura que obedecem às demandas da indústria e da agricultura exportadora. A agricultura empresarial depende da exploração de grandes extensões de terra. E o termo agronegócio – utilizado para modernizar a imagem do latifúndio – não esconde que, por onde a atividade avança, crescem a degradação ambiental e a concentração fundiária. “O agronegócio também é insustentável do ponto de vista social porque expulsa os pequenos agricultores do local”, afirma Sergio Schlesinger, do Fórum Brasileiro de Organizações Não-governamentais (Fbons). Assim, quem mais contribui para a morte dos animais mostrados na imagem publicada no Facebook é quem consome carne, leite, queijo etc e incentiva a pecuária, uma das atividades humanas mais nocivas ao meio ambiente. A atividade agropecuária aparece como grande responsável pela degradação intensa das águas. As águas de muitos cursos hídricos, antes consideradas inalteráveis, chegaram ao limite, em que não se recomporão de forma natural. Muitas fontes naturais de água acabaram devido ao mau uso e manejo incorreto dos mesmos. A monocultura estende-se para várias culturas como soja, pinho, eucalipto. Este exerce um grande custo ambiental para sua implantação em extensas áreas, pois devido à sua alta transpiração há enormes perdas de recursos hídricos e do solo. Estudos mostram que as plantações de eucalipto reduziram 227 mm por ano (52%) o fluxo fluvial no mundo. Além do que você paga diretamente no balcão do mercado e que corresponde ao custo econômico da carne, há outros fatores envolvidos que deveriam compor o preço final do produto. Entre eles, o custo ambiental da carne, que é um dos maiores problemas ambientais da Terra. Uma série de cálculos e estudos estabelece a relação do consumo de carne com a saúde do planeta. As coisas podem ter custos econômicos, culturais, sociais, estéticos, ambientais, morais… E a produção de carne gera vários tipos de custos – infelizmente, quase todos desconhecidos da maioria das pessoas. É sua escolha de como contribuir com os animais e o planeta. Se você come um bife de boi ou um pedaço de queijo, além de matar o boi e a vaca (sim, elas são mortas quando não produzem mais a quantidade de leite desejada!), está incentivando a monocultura da soja que devasta nossas florestas e mata também animais silvestres. É importante enfatizar também que a alimentação vegetariana não precisa de soja, temos milhares de outras opções. Quando você optar por consumir soja, certifique-se de comprar soja orgânica, o que diminui drasticamente as chances de ser um produto que degrada o meio ambiente.

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OUTRAS MAMAS PODCAST: Elas te contam porque feminismo e veganismo andam juntos

POR JULIANA AGUILERA FOTOS BRUNO MARINHO


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uais são as relações entre veganismo e feminismo? Uma rápida pesquisa no google revela, em imagens, o que inspirou a dupla Thais e Babi, do Outras Mamas. Como o feminismo e o veganismo podem – ou talvez, devem – andar juntos? Tido como “o primeiro podcast feminista vegano do Brasil”, o Outras Mamas propõe uma discussão que engloba fêmeas humanas e não-humanas, olhando para como todas as opressões estão conectadas: sociais, de gênero, raça, classe e espécie. Todas têm a mesma raíz. Conhecida como A Chata Vegana, Thais Goldkorn já tinha o conceito de feminismo consigo quando se deparou com o livro A Política Sexual da Carne, em 2017. Ela caminhava no seu 2º ano e alguns meses de vegana e, até então, nunca tinha relacionado um tema com o outro. Para a produtora, suas lutas pela causa animal e pela causa das mulheres seguiam rumos diferentes. Mas a leitura do livro trouxe um momento de epifania. “Eu falei ‘nossa, as coisas são conectadas e esse meu sentimento de lutar contra a violência, contra a opressão, tem uma mesma raiz’”, afirma. Inspira pelo podcast Talvez Seja Isso, ela decidiu procurar alguém que topasse fazer episódios relacionados aos capítulos do livro. Foi aí que procurou Bárbara Miranda. Elas correram para encontrar equipamento, aprender a editar e “fuçando em tudo, na raça”, nasceu o Outras Mamas, no início de 2018.

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@REVISTA.ALECRIM


A tendência em se engajar na militância política abre espaço para discussões como terra, meio ambiente e população indígena

A expansão do tema proporcionou um público mais abrangente. Thais explica que algumas ouvintes são feministas, mas possuem crenças erradas sobre veganismo e acreditam que ele nada tem a ver com sua luta. E, por outro lado, também possuem ouvintes veganas que nunca pensaram no feminismo, ou que têm concepções erradas sobre o movimento. Essa quebra, dos dois grupos, tem sido muito gratificante.

VEGANISMO POLÍTICO

No mês de setembro, como em muitos canais de comunicação, elas também não puderam fugir do tema política. Apesar de terem recebido muitas críticas, ambas reconhecem a importância de dar a cara a tapa e se posicionar. Veganismo não só A ligação do feminismo e do veganismo pode ser feita em tem a ver com feminismo, mas também com política. muitos pontos: o primeiro, a exploração em si. É fácil projetar Ao menos é assim que pensa a corrente que Bárbara e Thais a exploração da mulher, quando pensamos em hierarquia seguem. No veganismo político as pautas são diversas, nem social e a do animal não é diferente. “As fêmeas são as mais sempre relacionadas ao veganismo. A tendência em se engajar exploradas durante toda a vida. Além de serem colocadas como na militância política abre espaço para discussões como terra, alimento, elas também são utilizadas para reprodução e pelo meio ambiente e população indígena. “Estamos vendo medidas que geram para gente consumir”, explica Bárbara. que o Bolsonaro já anunciou, ou que ‘desanunciou’ e voltou a A segunda ligação é feita através da linguagem: como des- anunciar, que vão atingir diretamente a vida dos animais. Mas crevemos as mulheres que desprezamos? Elas são chamadas eu não sou só vegana, minha preocupação é com o povo de vacas, porcas, baleias. A linguagem demonstra como os indígena, com as mulheres, com o povo preto.”, afirma Thais. animais e mulheres são menosprezados na sociedade. Há O crescimento do veganismo no Brasil segue uma tendência também toda a construção social, com diversas nuances, da mundial e, para Bárbara e Thais, o movimento aqui, apesar de opressão. Esses detalhes são discutidos ao longo do podcast recente, já cria sua estrutura ideológica. Apesar de mercados porque, apesar de serem opressões diferentes, elas acabam como o americano e europeu disporem de uma variedade de acontecendo de forma semelhante. alimentos veganos que dão inveja aos veganos brasucas, muitos A ideia de um podcast discutindo os capítulos do livro A produtos nascem pelo princípio do consumo saudável e pelo Política Sexual da Carne se manteve até o episódio nove. ritmo já esperado do capitalismo. “Tem esse lado positivo do Assim que o livro foi encerrado, Bárbara e Thais se sentiram veganismo estar crescendo, mas nós sabemos também que livres para abordar outros assuntos que fizessem parte desse uma parte desse crescimento é rentável. É o veganismo do universo. Atualmente com 22 episódios, o podcast reúne produto, da alimentação saudável. É uma coisa das grandes temas que ora pendem mais para o lado vegano, ora para o empresas: assim como tem o greenwashing [lavagem verde], lado feminista. Mas a costura com ambos assuntos está sempre tem o veganwashing. Eles vêm o nicho, colocam o selinho do sendo levantada: “nós brincamos que os ensinamentos da ‘vezinho’ e – não importa se em outros produtos exploram gente, “titia” Carol ficaram na gente e tentamos levar isso para outros terra ou os próprios animais -, a galera abraça”, explica Thais. temas”, explica Thais. Os conteúdos se esbarram junto a assuntos mais específicos, como ginecologia natural, discutido com Beatriz Sabô; Comida Saudável, com Juliana Gomes; e Moda e Sustentabilidade, com a fundadora do Modefica, Marina Colerato. “No fundo, Os ouvintes podem esperar temas mais leves ou mais tranquiestamos sempre falando de questões que queremos que- los, como nutrição e maternidade. Mas também se acostumar brar, que dialogam com o novo modelo de sociedade que com o tom político do podcast. Bárbara também garante desejamos criar. Neste novo modelo, não queremos nem que que encontros presenciais, com roda de conversa e oficinas, animais ou mulheres sejam explorados desta maneira”, reforça irão acontecer. Ainda sem local definido, a proposta de um Thais. Questionamentos como o modo em que acontece essa primeiro evento em dezembro já está de pé. Fique de olho exploração, onde elas são parecidas e como podemos lutar e não perca essa oportunidade de participar de uma vivência contra elas são discutidas entre os episódios. sobre lutas sociais, engajamento, feminismo e veganismo.

EXPLORAÇÃO DA FÊMEA

O QUE VEM POR AÍ

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PARA REFLETIR

PARA DEFENDER MEUS VALORES FEMINISTAS, ME TORNEI VEGANA Nunca pensei que iria me tornar vegana, porém percebi que foi uma das coisas mais feministas que já fiz

Há alguns anos, uma amiga me disse para começar a “viver de acordo com todas as merdas feministas” sobre as quais escrevo. Estávamos bebendo vodka martinis em um bar de hotel no centro de Chicago - preparando-nos para uma noite fria - quando ela começou a implorar para que eu largasse meu então namorado. Ela nem sabia que ele gostava de me machucar durante o sexo ou que eu não podia nem escovar os dentes antes de fazer recados sem levantar suspeitas de infidelidade. Ela só sabia que eu não estava feliz e que ela não gostava do cara. Dois meses depois, depois de economizar milhares de dólares e perguntar aos meus pais se poderia ficar um tempo com eles, terminei com ele. Para grande desgosto do meu ex abusivo física e emocionalmente, sempre fui franca quando se trata dos direitos das mulheres e meninas. Mesmo quando não sentia que poderia me defender, defendia outras mulheres e pessoas não binárias por meio de minha escrita, minhas plataformas de mídia social e minhas conversas com amigos e familiares. Mas desde que deixei meu ex, eu recuperei o tempo perdido quando se trata de “viver de acordo com toda a merda feminista.” Eu larguei meu emprego e comecei a escrever em tempo integral, escrevendo sobre coisas como violência sexual na faculdade e como feministas ocidentais podem ajudar feministas não ocidentais sem fetichizá-las. Eu marchei para proteger a Paternidade planejada. Eu dirigi pelo país sozinha - duas vezes. Inferno, na semana passada eu até gritei de volta com um assediador de rua. Mas de todas as “merdas feministas” que fiz nos últimos três anos, tornar-me vegana leva o bolo livre de crueldade. Nada mais me deu poder para estabelecer limites saudáveis ​​ e gritar besteiras sexistas como estender meu círculo de compaixão aos animais de criação. Eu sei que uma mulher branca fazendo esse tipo de declaração, pode ser perturbadora - e eu entendo isso. Historicamente, o feminismo das mulheres brancas está longe de ser interseccional. Também é verdade que, embora eu tenha começado a mudar para o veganismo enquanto morava em um lugar remoto no sudeste do Missouri, agora moro no sul da Califórnia, onde comida vegana acessível é amplamente acessível. Mas eu acho que é um ponto válido que precisa

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Unsplash

Por Elizabeth Enochs

Similar ao racismo, o sexismo e outros tipos de preconceito, o especismo se utiliza de argumentos sem base científica ou moral para validar a exploração e subjugamento de uma espécie sobre outra

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ser feito, e as mulheres negras têm expressado sentimentos semelhantes por décadas. Na verdade, feministas veganas como Angela Davis e Audre Lorde me inspiraram a parar de comer carne em 2016. Como uma mulher lésbica de cor, autora, poetisa, mulherista e vegana, Audre Lorde sabia melhor do que qualquer outra pessoa que o feminismo interseccional se estende além do escopo dos direitos humanos femininos. Em suas próprias palavras, “Não existe luta de um único assunto, porque não vivemos vidas de um único assunto”. E embora o ícone da libertação Angela Davis nem sempre tenha falado sobre seu estilo de vida vegano, isso está mudando cada vez mais nos dias de hoje. Como Davis disse há alguns anos durante a 27ª Conferência Anual de Empowering Women of Color, “Acho que é o momento certo para falar sobre isso porque é parte de uma perspectiva revolucionária - como podemos não apenas

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descobrir relações mais compassivas com os humanos seres, mas como podemos desenvolver relações compassivas com as outras criaturas com quem compartilhamos este planeta. ” Enquanto me tornava vegetariana, e por quase um ano depois, pensei que ser vegetariana era o suficiente. Mas depois de aprender sobre as muitas maneiras pelas quais as fêmeas de criação são brutalizadas apenas para que os humanos possam comer pizza de queijo e omeletes, abandonei laticínios e ovos também. Como alguém que foi estuprado silenciosamente por seu parceiro em uma cama - que foi empurrado, imobilizado e sufocado, mas nunca socado, chutado ou cortado - percebi que não poderia mais participar de um sistema que permite aos consumidores absolver sua culpa minimizando alguém o sofrimento de outra pessoa. Dor é dor, e não há maneira aceitável de machucar, dominar à força ou explorar alguém.

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PARA REFLETIR

A ideia de que explorar alguns animais por seu leite, carne matadouros aumentou as taxas de detenção total, incluindo e ovos é aceitável, enquanto outros animais são feitos para detenções por estupro e outros crimes violentos. De acordo serem animais de estimação ou viver na selva, é o mesmo com o PTSD Journal, “Esses funcionários são contratados tipo de lógica que sexismo, misoginia, classismo, homofobia, para matar animais, como porcos e vacas, que são criaturas bifobia, transfobia, xenofobia, islamofobia, racismo, apetite e em grande parte gentis. Realizar esta ação requer que os todas as outras formas de discriminação. A pecuária industrial trabalhadores se desconectem do que estão fazendo e da não está apenas prejudicando os animais; está destruindo criatura que está diante deles”. Essa dessensibilização torna o planeta, explorando os pobres e as comunidades de cor, mais fácil para eles serem insensíveis a outras formas de criando uma crise de saúde pública por meio dos efeitos violência, como violência doméstica. negativos dos alimentos de origem animal e, literalmente, Como todo grupo de humanos que já foi rotulado de alimentando uma cultura mundial de masculinidade tóxica. “outro” ou “menos que”, os animais de criação são usados, Em todo o mundo, as sociedades feminizam a compaixão intimidados e mortos simplesmente porque a sociedade os e masculinizam o consumo de carne. Mas bem-intencionado considerou indignos de nosso amor ou preocupação, sua ou não, esse tipo de linguagem apenas promove a ideia autonomia corporal e desejo de uma vida feliz de alguma de que alguns corpos merecem ser vítimas de violência, forma “diferente”. enquanto outros não. Também existe uma ligação inegável É exatamente por isso que sinto que as feministas têm entre o abuso de animais e a violência contra as mulheres. Um uma responsabilidade especial de defender todos os aniestudo de 2009 da criminologista Amy Fitzgerald descobriu mais - devemos ser capazes de ter empatia com as vítimas que, em comparação com outras indústrias, o emprego em da violência, nossa sociedade silencia.

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A média de produção de leite no Brasil, é cinco litros por vaca. Mas, há registros de vacas que chegam até 10 litros por dia, principalmente, em regime de semi-confinamento

As indústrias de carne, laticínios e ovos lucram com os sistemas reprodutivos femininos, e bilhões de filhotes são separados de suas mães a cada ano para que possamos beber o leite de suas mães. Começando por volta dos 12 meses de idade, as vacas que vivem em fazendas de laticínios são fecundadas à força por meio de inseminação artificial, repetidamente, até que as vacas estejam muito exaustas para continuar, quando então são enviadas para o abate. E quando vacas que vivem em fazendas de laticínios dão à luz bezerros machos, esses bebês são tirados de suas mães - que estão visivelmente tristes - e vendidos como vitela. Infelizmente, a indústria de ovos não é nada melhor. Galinhas “caipiras” ainda são debicadas, amontoadas em galpões e empurradas para colocar até 500 ovos por ano. Assim como as galinhas engaioladas, as galinhas “caipiras” nunca verão suas mães ou brincarão no pasto. Nunca imaginei que “viver de acordo com toda a merda feminista” incluiria tornar-se vegano, mas evitar produtos de origem animal é uma das coisas mais feministas que já fiz. Isso

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não desfaz todas as vezes que membros da família, colegas de trabalho, “amigos” ou namorados fizeram coisas ao meu corpo que eu não queria que eles fizessem. Mas é incrivelmente fortalecedor saber que não estou contribuindo para uma indústria que lucra com o abuso de corpos inocentes e a exploração do sistema reprodutor feminino. Não importa que tipo de dia eu esteja tendo, eu sei que estou fazendo a diferença. Talvez o mais importante, tornar-se vegano me ensinou uma lição vital sobre o amor próprio: quando você estende seu círculo de compaixão a cada ser senciente na Terra, torna-se cada vez mais fácil defender a si mesmo. É impossível fomentar a crença de que os animais de criação merecem uma vida feliz, livre de privação, abuso e assédio, sem também reconhecer que você merece o mesmo. Rejeitar o conceito de que alguns animais merecem paz, enquanto outros merecem dor, leva você a valorizar e proteger seu próprio bem-estar seja isso significa deixar um relacionamento doentio, priorizar o autocuidado ou mandar um assediador de rua dar o fora.

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PARA REFLETIR

PECUÁRIA INTENSIVA E ACUMULAÇÃO DE CAPITAL Livrarmo-nos do especismo e das dinâmicas de opressão e exploração dos animais é impossível sem sem nos livrarmos da superioridade do capital sobre as pessoas

Quem não estiver disposto a falar de capitalismo também não deve falar da pecuária industrial. É assim que podemos alterar uma citação famosa de um filósofo e um representante da teoria crítica da Escola de Frankfurt, Max Horkheimer, que escreveu em 1939: “Quem não estiver disposto a falar de capitalismo também não deve falar do fascismo.” (Horkheimer 2005). Ele sublinhou que o fascismo não é apenas um desvio aleatório do padrão ou um defeito na aliança que ocorre naturalmente entre democracia liberal e capitalismo. O fascismo está na sombra de uma consequência oculta das contradições da lógica da produção capitalista aguardando pela sua oportunidade. A radicalização de indivíduos e de sociedades inteiras é afetada por muitos fatores, no entanto, estes estão frequentemente relacionados à crise sistémica da acumulação de capital e crescimento económico, que são vitais para a estabilidade do capitalismo. Tal como Horkheimer, que procurou as causas sistémicas do fascismo, podemos também pensar noutros problemas igualmente sérios no mundo de hoje, tais como as mudanças climáticas ou a chamada “produção animal”, fortemente ligada ao capitalismo. À primeira vista, pode pensar-se que o título deste texto combina dois temas absolutamente diferentes e não relacionados nas nossas vidas. Portanto, vamos clarificar gradualmente a legitimidade dessa reivindicação e esclareceremos o impasse entre capital e pecuária intensiva. Mas, para isso, devemos começar na antiguidade. Embora a domesticação tenha profanado animais, o capital drenou também o que restava das suas vidas. Como Marx disse: “o capital pinga da cabeça aos pés, por todos os poros, com sangue e sujidade” (Marx 1985). Para o capital existir

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Por Patrik Gažo

A relação entre humanos e outros animais mudou radicalmente com a domesticação

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como capital, ele necessita de crescer constantemente e expandir. O seu objetivo não é dar resposta às necessidades, mas produzir bens para venda no mercado com perspectiva de lucro, independentemente do impacto no meio ambiente e nas vidas das pessoas e dos outros animais. Na lógica do capitalismo de Descartes, um animal na pecuária industrial é apenas uma máquina em máquinas, um corpo irracional, um bem para venda, para consumo e para subsequente lucro. A este processo da chamada mercantilização não escapou nada vivo ou mesmo morto. Animais individuais são simplesmente intercambiáveis por outros pedaços de animais anónimos. O seu valor e importância são determinados por um cálculo económico sem coração. Obviamente, a racionalização da produção e automatização na criação e abate de animais também teve impacto nas pessoas que trabalham nas quintas e matadouros. Os

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trabalhadores estão igualmente sujeitos à maximização da produtividade. Desde o aparecimento dos primeiros pavilhões, os trabalhadores que lá trabalhavam eram na sua maioria imigrantes e de vários grupos socialmente marginalizados, vivendo na miséria e sem a possibilidade de se sindicalizar. Padrões de segurança baixos ou inexistentes, trabalho acelerado com objetos afiados, contacto com animais infetados, o ar cheio de pó e sujidade - tudo isto contribuiu para que o trabalho na indústria do processamento da carne se tornasse um dos trabalhos mais perigosos e mentalmente adversos de sempre. Para muitos será uma surpresa que a linha de desmanche nos matadouros tenha contribuído para a criação das primeiras linhas de montagem. Henry Ford, conhecido por ter inaugurado a produção em massa de carros com redução de custos, inspirou-se num sistema de matadouros em Chicago.

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Ao longo da história da humanidade, é inédita a frequência da carne no menu do dia-a-dia da forma como tem sido desde o século XX. Para além dos graves impactos ambientais, isto está diretamente relacionado com o desenvolvimento das chamadas doenças de civilização. Quando nos colocam a questão sobre o motivo de as pessoas comerem tanta carne, somos tentados a responder que é por causa da expansão das quintas e, portanto, da maior acessibilidade à carne. No entanto, a pecuária não surgiu porque houve uma procura inicial de carne, leite e ovos. Bem pelo contrário, as quintas expandiram-se principalmente porque o desenvolvimento dos métodos de produção intensiva permitiu o surgimento da automatização, resultando na geração de enormes lucros para um grupo restrito de pessoas. A indústria dos laticínios e do processamento de carne é uma das mais poderosas e mais ricas do mundo, e é também fortemente subsidiada pelo Estado. Como resultado, existe necessariamente um receio de perder esta posição. Os lucros dos produtores estão fortemente dependentes de as pessoas consumirem

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o suficiente do que produzem. Os enormes recursos destas empresas são portanto usadas para influenciar os hábitos do consumidor por meio de publicidade e lóbi político. Eles depois também, direta e indiretamente, financiam a pesquisa e desenvolvimento de métodos para uma exploração economicamente mais eficiente. Além das explorações pecuárias, agricultores, criadores, e proprietários de matadouros, de restaurantes de fast-food, várias instituições financeiras, lobistas e governos estão envolvidos. Juntos, eles formam um forte rede de interesses pelo aumento do consumo de animais para alimentação. Claro que isso não significa que outros fatores não sejam significativos, mas o princípio da acumulação de capital é unificador e um imperativo orientador em segundo plano. O ciclo de vida e morte na pecuária intensiva é uma metáfora para o ciclo de acumulação de capital. Uma vaca nasce apenas para criar lucro para o seu dono. Ela é sugada até ao ponto de não criar um valor maior ao custo de manter essa vaca viva. Depois vem a morte. Entretanto, a vaca foi fecundada

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Este sistema não pode ser “humanizado”. Os animais ainda são reduzidos a bens e propriedades

artificialmente várias vezes e deu origem a outras rodas nesta máquina. Esta é uma realidade diária para milhares de milhões de animais que vai continuar até que a lógica da acumulação de capital seja substituída pelo princípio de atender às necessidades de animais humanos e não-humanos simultaneamente. A pecuária intensiva não surgiu do nada. A sua história de crueldade está ligada à história da domesticação, ou ao processo de profanação animal, e intensificou-se com o desenvolvimento global dos modos de produção de mercadoria. Nem todos os abusos de animais são uma consequência da pressão do capital, mas as atividades do capital têm sempre efeitos extremos nos animais dentro e fora das quintas. A normalização da nossa relação para com os animais como sendo recursos para as necessidades humanas é, pela sua própria natureza, omnipresente no capitalismo. Este é sem dúvida um grande problema ético mas ao mesmo tempo, apesar das suas causas socioeconómicas, é um problema insolúvel. Contudo, superar o capitalismo por si só não é uma condição suficiente para acabar com a pecuária intensiva. Para além disso, é necessário

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confrontar a aparente neutralidade e a natureza abrangente da lógica industrial de produzir os produtos necessários para responder às necessidades. Também é importante mudar a nossa relação com a comida. Uma parte essencial desta transformação é o nosso entendimento sobre o papel dos animais no processo revolucionário como parceiros iguais e como testemunhas do poder destrutivo do capital e de seu estado. A análise do capitalismo aprofunda a compreensão das relações que levaram ao início da pecuária intensiva e refina a crítica da simple frase paternalista até à transformação radical da relação entre humanos e outros animais. É apenas superando a perceção de alienação dos próprios seres humanos e do seu trabalho que as pré-condições sistémicas, para superar a alienação das pessoas em relação à natureza e aos seus outros habitantes, podem ser garantidas. Por outras palavras, livrarmo-nos do especismo e das dinâmicas estruturalmente condicionadas de opressão e exploração dos animais é impossível sem nos livrarmos da superioridade do capital sobre as pessoas.

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ASAP

ENVIRONMENTALLY SAFE RENEWABLE SOURCES RESPONSIBLE CONSUPTION MINIMAL IMPACT

AS SUSTAINAB AS POSSIBLE


AQUI TEM BORO GODÓ





NÃO ESPERE DOS OUTROS SEJA A MUDANÇA. COMECE A PARTIR DE VOCÊ.




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