R$16,50
Nยบ1/MAIO2020
Oi, seja bem vindx! A II Palitos chega como uma alternativa para os jovens que estão cansados de passar horas e horas nas redes sociais. Bombardeados por infinitas opiniões e polaridades, não sabem de que lado a verdade está. Mas será que ela está de um lado? A nossa intenção é reunir temas que envolvem cidadania e discuti-los de forma simples, sempre partindo do princípio que ninguém nasce desconstruído. Além disso, almejamos trazer para perto aqueles que de alguma forma não se sentem confortáveis para discutir esses temas. Para não nos deixarmos enganar, sabemos que a maioria dos jovens de hoje em dia perdeu o hábito de leitura, portanto não buscamos trazer matérias longas e cansativas. Ninguém tem tempo para isso. Queremos despertar o interesse pela leitura da maneira mais objetiva e visual, assim a revista pode ser lida nos momentos da vida cotidiana: no metrô, em uma fila, no horário de almoço, na sala de espera.
ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING PROJETO INTEGRADO 3º SEMESTRE PROJETO III – CULTURA E INFO. Profª Marise de Chirico COMUNICAÇÃO E LINGUAGEM II Prof. Celso Cruz
O foco está na cidade de São Paulo, que reúne pessoas de todo o Brasil e é palco de diversas manifestações urbanas muito importantes para as discussões sobre cidadania. A partir de uma linguagem fácil, sem firula, buscamos uma identificação por parte do nosso leitor, para que ele perceba que fazemos parte desse mesmo universo.
MÓDULO COR E PERCEPÇÃO I Profª Paula Csillag PRODUÇÃO GRÁFICA Prof. Marcos Mello PROJETO EDITORIAL E GRÁFICO Ana Luisa Antiorio Gabriela Afonso Sofia Schoedl
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MARKETING II Prof. Guilherme Umeda
Encontre sua história. Encontre seu match.
#DeslizeParaASuaHistoria Salvador Dalí e Gala, sua esposa em: “Casal com a cabeça cheia de nuvens”, 1936
II PALITOS INDICA EDIÇÃO ESPECIAL ESTRELANDO:
ABRIL DE 2020
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1.146 mortos por covid-19 no Brasil
Primeira semana de quarentena
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Jair Bolsonaro discursa em manifestação em Brasília que defendeu intervenção militar
Kim jong-un está morto.
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Não sou coveiro, tá?
Quarentena prolongada por mais 15 dias.
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Kim jong-un está vivo
8 23 3735 mortes por covid-19 no Brasil
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Thelminha vence o BBB20 :)
Presidente Jair Bolsonaro pede a volta ao trabalho, “obser vadas as normas do ministério da saúde”.
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Bolsonaro esfrega o nariz e cumprimenta idosa durante passeio
Sérgio Moro se demite do cargo de Ministro da justiça
Bolsonaro demite Ministro da Saúde
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Donald Trump sugere tratamento com alvejante para infectados por coronavírus
E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messia s, mas não faço milagre
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Ovnis?
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6276 mortes por covid-19 no Brasil
QUER QUE EU DESENHE?
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QUER QUE EU DESENHE?
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CIDADANIA E
M E S I R C E D S O MP
TE
A doença surgiu na China, começou a se espalhar pelo mundo e está causando preocupação global. Entenda tudo o que se sabe sobre o novo vírus e quais os seus impactos em nossa sociedade TEXTO THIAGO CAMARA FOTO PAULO PINTO ILUSTRAÇÕES JILLS ZUMBERT
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m novo vírus que ataca o sistema respiratório e se espalhou a partir da região de Wuhan, na China, foi classificado pela Organização Mundial da Saúde (oms) como emergência internacional. Ele pertence à família dos coronavírus, um grupo que reúne desde agentes infecciosos que provocam sintomas de resfriado até outros com manifestações mais graves, como os causadores da Sars (sigla em inglês para Síndrome Respiratória Aguda Grave) e da Mers (Síndrome Respiratória do Oriente Médio).
O primeiro caso da doença foi relatado no dia 31 de dezembro em Wuhan, cidade do interior da China com mais de 11 milhões de habitantes. Em cerca de três semanas, o vírus se espalhou para pelo menos outros nove países, incluindo Coréia do Sul, Japão, Arábia Saudita e Estados Unidos. Dois meses depois, já estava em mais de 50 países do mundo, se caracterizando como uma pandemia. No Brasil, o primeiro caso confirmado foi no dia 26 de fevereiro.
levar a doenças respiratórias mais graves, como pneumonia e síndrome respiratória – e até levar à morte. Não há nenhuma vacina ou tratamento específico para infecções causadas pelo coronavírus. Em geral, trata-se o sintoma, e o sistema imunológico do indivíduo é responsável por lutar contra a doença. Por essa razão, pessoas debilitadas, idosos e crianças são os grupos mais vulneráveis – e os que mais respondem pelas mortes do novo surto.
Evolução da doença – Brasil
Já são 114.715 as infecções por coronavírus notificadas, 48.221 (42% do total) pessoas são consideradas recuperadas, e 7.921 vítimas fatais da pandemia no país. É literalmente impossível definir qual foi a data que registrou o pico de mortes no país, uma vez que ao menos 1.579 óbitos ainda estão sob análise. O secretário de Vigilância em Saúde do ministério, Wanderson de Oliveira, reconheceu que o Brasil segue com problemas crônicos O termo “coronavírus” se refere, na ver- desde o começo da crise sanitária: ainda dade, a um grande grupo viral formado não está testando de forma suficiente por diversos vírus já conhecidos e iden- a população, tem um gargalo para protificados. A maioria, no entanto, causa cessar os exames que faz e tampouco sintomas leves de uma gripe, como tosse, consegue centralizar todos os resultados coriza, dor de cabeça e de garganta etc. de testes rápidos feitos por Estados e Alguns vírus do grupo, porém, podem pela rede privada.
“Ainda não dá para dizer quando chegaria o pico da crise. O isolamento social reduz a curva de casos. Ainda não sabemos em que data exata isso ocorrerá. O que posso dizer é que será entre maio, junho e julho, não tenho dúvida”, disse o secretário, que frisou a diferença de comportamento de contágio entre os Estados.
Foto: Getty Images
Foram publicados dois estudos – de um conjunto de pesquisadores brasileiros e da universidade Johns Hopkins e outro de pesquisadores da Unesp (Universidade do Estado de São Paulo) e da Universidade de Oxford – que apontam que o Brasil será o novo epicentro global da pandemia. Em estudo que ainda não foi revisado por outros cientistas, pesquisadores brasileiros e britânicos compararam as curvas epidêmicas do Brasil e dos Estados Unidos (considerado o atual epicentro da pandemia) e observaram que as taxas de mortalidade daqui seguem um aumento exponencial semelhante ao dos eua. Os cientistas estimam até 64.310 mortes no Brasil até o dia 9 de junho, considerando um cenário mais pessimista, e 31.384 mortes num cenário considerado mais otimista. Já as projeções dos pesquisadores em parceria com a Johns Hopkins, indicam que o número de infecções no Brasil pode chegar a 1,6 milhão, mais do que os 1,1 milhão de casos estado-unidenses. O estudo destaca a demora na notificação de casos no país como a razão pela qual os números oficiais ainda não são tão altos: o Brasil realizou cerca de 1.600 testes por milhão de pessoas, enquanto os eua administram 20.200 testes por milhão de pessoas, e alguns países europeus realizam 30.000 testes por milhão. Enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro e setores ligados a ele seguem fazendo campanha contra o isolamento, afirmando, sem qualquer evidência, que não funcionam para desacelerar
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os contágios. Uma análise feita pelo en- acesso a esses leitos. Aquelas poucas genheiro e cientista de dados Maurício mais de 55 mil de unidades existentes Féo mostra que, de fato, o país poderia estão divididas praticamente igualmente estar perto de um milhão de casos de entre os setores privado e público do Covid-19 se alguns Estados e cidades não país, mas o Sistema Único de Saúde atentivessem adotado medidas de isolamento de uma população muito maior do que o social. Quando o estado de São Paulo, sistema complementar, que é controlado que concentra o maior número de in- por empresas privadas. fecções, decretou a quarentena, em 23 de março, a curva começou a tornar-se As desigualdades ainda se aprofundam menos íngreme. a depender do estado ou do município em que o paciente residir. Segundo o Instituto de Estudos para Políticas de Colapso do sistema de saúde Saúde, quase 15% da população brasileira Um dos fatores determinantes para a exclusivamente dependente do sus vive gravidade da crise sanitária provocada em regiões onde não há leitos de uti. pelo novo coronavírus é a permanência mais longa de pacientes da doença em Nesse cenário, os dados oficiais atuais leitos de uti (Unidade de Tratamento indicam que a falta de leitos de uti no Intensivo). sus, visto como um todo, começará a ocorrer umas duas semanas antes do Pessoas infectadas que atingem um qua- que na rede privada, segundo projeções dro mais grave da Covid-19, doença cau- do Labdec (Laboratório de Tecnologias sada pelo novo coronavírus, costumam de Apoio à Decisão em Saúde), da ufmg. precisar de tratamento com respiradores Em diferentes estados, a ocupação mámecânicos e outros equipamentos médi- xima dos leitos públicos de uti já é uma cos por mais tempo do que no caso de realidade. Contudo, pessoas de classes outras doenças. Com isso, a rotatividade mais altas estão em melhores condições da ocupação dos hospitais é menor, e de manterem as medidas preventivas de um número maior de leitos é necessário distanciamento social. Logo, a contamipara dar conta dos doentes. nação entre esse grupo, que é o público dos hospitais particulares, tem sido mais No Brasil, o problema ainda se agrava baixa, o que diminui a necessidade de pelo desequilíbrio social em relação ao leitos de uti em relação à situação no sus.
O Ministério da Saúde, comandado por Nelson Teich, afirma que está implantando um censo hospitalar para verificar a disponibilidade geral dos leitos no país. “Um outro ponto que o ministério não fez foi uma adequada articulação com o setor privado. [...] Não se sabe nem qual é hoje a capacidade da rede privada que poderia estar à disposição de uma gestão única de vagas para casos graves, por exemplo”, afirmou o professor Mário Scheffer, da Faculdade de Medicina da Usp, em 15 de abril.
Em março, a campanha Leitos para Todos, defendida por mais de 50 entidades da área da saúde, pedia a unificação das filas para leitos de uti entre os setores público e privado (com o pagamento de indenizações para os hospitais privados). Medidas de unificação entre os sistemas público e privado também já foram adotadas em outros países que enfrentam a pandemia
Foto: China Daily/Reuters
Além do acesso a leitos, a rede pública de saúde tem também de resolver também o problema da falta de pessoal. “De que adianta ter o equipamento sem contar com um anestesista na hora de intubar o paciente? É o que estamos vendo por aí”, disse Leonardo Barberes, diretor da Associação de Hospitais do Estado do Rio de Janeiro. A lei que regulou a calamidade pública em razão da pandemia do novo coronavírus estabelece a possibilidade de o poder público requisitar bens (e serviços) de particulares, com “pagamento posterior de indenização justa”, para o enfrentamento da emergência de saúde pública. A Lei Orgânica da Saúde, que regula o sus, também autoriza as requisições, no caso de “necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias”. O mecanismo de requisição administrativa existe e está previsto pela Constituição Federal brasileira.
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da Covid-19. Na Espanha, por exemplo, o governo realiza uma intervenção temporária em toda a rede privada para a colocar à disposição do nosso Serviço Nacional de Saúde. À II Palitos Leonardo Mattos, pesquisador do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da ufrj, falou sobre como essa estratégia pode adiar o colapso do Sistema Único de Saúde. “Requisitando esses leitos [privados], a gente vai ter um tempo muito maior de preparação. A gente pode ter mais duas ou três semanas para segurar esse impacto. E, além disso, é não permitir que haja uma discriminação de quem pode viver e morrer por ter plano de saúde ou não”, disse o pesquisador Leonardo Mattos. Para ele, no entanto, o sistema ainda não foi implantado pelos governos estaduais do Brasil “porque isso é uma decisão política que necessita de um apoio maior do governo federal e de uma visibilidade ainda bem maior”.
processo de construção de sentido e aceitação da perda foram suprimidas: sem o acompanhamento do doente em seus últimos dias no hospital, com velórios suspensos e sepultamentos rápidos com poucos familiares à distância e com caixões lacrados, ficou difícil se despedir. A morte pela Covid-19 é uma morte afetivamente desamparada. Do lado da vítima, que até bem pouco tempo antes não tinha nenhuma perspectiva imediata de morte, não há ninguém para segurar a mão, e, se tiver, será de luva. Para quem fica, a perda repentina sem a despedida traz complicações unitárias potenciais e inumeráveis— diz Ana Claudia Quintana Arantes, médica com pós-graduação em Psicologia e Intervenções em Luto pelo Quatro Estações Instituto de Psicologia.
O instituto em São Paulo, que é especializado em luto, oferece suporte psicológico a indivíduos, grupos ou famílias que sofrem com os riscos de processos de luto complicados. Com essa pandemia mundial, a empresa desenvolveu um serviço específico de atendimento para As dores da perda casos relacionados ao atual vírus, que Há algo de novo e extremamente cruel está causando grande número de perno luto relacionado a mortes pela Co- das, como um grupo de apoio voltado a vid-19. Sob o alto risco de contaminação profissionais de saúde que atendem espelo novo coronavírus, algumas etapas pecialmente aqueles que acabam sendo que são consideradas fundamentais no vítimas do novo coronavírus.
Foto: Piero Cruciatti
Velório de vítima do novo coronavírus na Itália
O processo de luto é muito individual e as reações de sofrimento são diversas. Assim, cuidados e caminhos seguidos por um podem não valer para outro. De qualquer forma, é importante ter ciência de que perda pela Covid-19 é, por si só, um fato de risco potencial para um luto traumático, merecendo atenção na sua condução pela comunidade de apoio ao enlutado, que deve ser delicada e sensível. Na impossibilidade da realização de rituais de passagem nas formas convencionais, elaborar algum ritual que faça sentido para familiares e amigos próximos e que possa ser realizado remotamente pode ajudar. Velórios e missas virtuais são um caminho, assim como o uso das mídias para alguma homenagem póstuma, marcando a despedida e o apoio social. A experiência de não estar junto com o ente querido em seus últimos dias ou o pensamento de que algo poderia ter sido feito de forma diferente pode gerar sentimento de culpa entre as pessoas próximas. Se esse é o seu caso - e a menos que a culpa tenha a ver com processos anteriores da relação mal resolvidos e cuja solução deveria contar com a ajuda especializada de algum psicólogo -, aceite a impotência da ocasião e entenda que o que se deixou de fazer foi por impossibilidade e não por escolha. Tente, na medida do possível, lembrar-se dos aspectos positivos da relação e do amor envolvido, de forma que eles se sobreponham aos sentimentos e lembranças negativos dos últimos momentos. O apoio é fundamental Mesmo que à distância, se um parente ou amigo da pessoa precisar, ofereça acolhimento. Não a deixe sozinha em sua dor, a menos, é claro, que ela queira, o que você deve respeitar.
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Além de oferecer o suporte emocional Esquecidos da desigualdade ao enlutado, ofereça ajuda. Será que a Às vezes não nos damos conta do tamanpessoa precisa que alguém leve seu ali- ho da pobreza no Brasil. Com alguma mento, faça compras ou algo semelhante? variação entre metodologias, chega-se E que tal levar um livro? a 130 milhões de pessoas vivendo com até R$ 1.500 per capita de renda familiar. Se o sofrimento perdurar... Dentro desse grupo, aproximadamente No luto, é normal que a pessoa passe um quarto da população vive em famílias por uma série de diferentes reações ao que não chegam a meio salário mínimo sofrimento, que permeiam desde o es- de renda per capita. Ou seja, são famílias gotamento físico e emocional até grandes ganhando R$ 2.000 para conseguir susdificuldades no sono, na alimentação e tentar quatro pessoas. também a sensação de perda do sentido da vida. É preciso respeitar estas reações Apesar da alta vulnerabilidade, esse públie o seu tempo, que é extremamente par- co não é igualmente alcançado por polítiticular para cada um. Mas identifique se cas públicas. Mesmo em momentos de o volume de sofrimento não ceder após baixo desemprego, é comum que essas longo período e isto estiver atrapalhan- famílias vivam à base de inúmeras rendas do a continuidade das funções da vida, informais e variáveis. É o segurança com buscando, quando necessário, a ajuda contrato clt que faz bico em eventos no especializada de um psicólogo. fim de semana, a manicure que também vende cosméticos, até o assistente adNa linha de frente ministrativo que ajuda um parente que Além de conviver com a tensão pelo ris- tem um carreto de mudança. São várias co de ser contaminado a qualquer mo- as estratégias para garantir alguma segumento, profissionais de saúde na linha de rança de renda no final do mês. Ainda asfrente na luta contra a Covid-19 também sim, a maioria mal consegue garantir suas lidam, todo dia, com a preocupação de contas básicas. Muitos estudos da Plano contaminar membros de suas famílias. cde chegam a números similares. Por volPor isso em hospitais podem precisar ta de 80% da população das classes cde de um apoio extra na condução junto não têm poupança para viver um mês a pacientes (que podem falecer e estão sem nenhuma renda. Podemos imaginar, sem acesso a recursos e longe de seus o cenário de desastre causado pela crise entes queridos) e seus familiares. da pandemia de Covid-19.
Foto: Reprodução
A baixa poupança tem muitas causas, mas podemos argumentar que a principal delas é a dificuldade de se planejar quando a renda familiar varia mês a mês. Em um estudo sobre beneficiários do Bolsa Família, vimos que essa muitas vezes era a única renda garantida da casa, representando por volta de um quarto das entradas totais. Como há muita variabilidade, é comum que o Bolsa Família seja a única renda da família em alguns meses. Sem saber quanto entra mês a mês, é mais difícil pensar quanto se pode poupar, e manter essa poupança após um mês ruim. Isso posto, é muito relevante a criação da Renda Básica Emergencial pelo Congresso Nacional. Ainda que tímida, garantir de R$ 600 a R$ 1.200 por mês durante os próximos três meses pode assegurar o sustento de diversas famílias em posição de alta vulnerabilidade. Essas famílias, em momentos de aperto mais “típicos” recorrem a vizinhos, parentes, amigos. No contexto atual, de colapso da economia informal afetando também essa rede de apoio, essas famílias podem ficar totalmente desamparadas, e o Estado cumpre um papel relevante ao criar uma renda básica. No entanto, análises da última pof (Pesquisa de Orçamento Familiar), de 2018, mostram que os critérios para o benefício tornam elegíveis aproximadamente 32% das famílias brasileiras (totalizando por volta de 65 milhões de pessoas — próximo da estimativa do governo, de 70 milhões). Um olhar atento para um grupo imediatamente acima desses critérios (com renda familiar entre R$ 3.135 e R$ 6.000, e renda per capita até R$ 2.000), vemos 50 milhões de pessoas ainda em situação de vulnerabilidade. Nesse grupo, fora dos critérios do benefício, 60% da renda familiar também é informal e incerta. Isso é, temos perto de um quarto da população brasileira, que ainda pode ser incluída na “classe C”, altamente dependente de rendas variáveis, e que não receberá a renda básica. Nesse público, 47% das famílias têm toda sua renda oriunda de fontes variáveis
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ou também informais — públicos que certamente estão vivendo uma redução drástica de suas receitas no período de isolamento social, já que não trabalham. Nesses últimos anos, houve um avanço de percepções antiestado em diversos estratos da população. Uma desconfiança generalizada em políticas públicas é parte das muitas “ondas conservadoras” que ocorrem pelo mundo, incluindo o Brasil. Esse caso específico da Renda Básica Emergencial durante a pandemia lança luz sobre uma possível causa dessa desconfiança. Há um estrato relevante dos brasileiros que se sentem excluídos dos diversos “privilégios” criados pelo setor público. Há uma percepção de que as políticas públicas são sempre direcionadas para “o outro”. Além dos óbvios pontos de atenção do viés econômico da exclusão dessa parcela significativa da classe C do programa de renda básica, deve-se considerar que um projeto de renda básica altamente focalizado que pode gerar ainda mais desconfiança do poder público e sensação de descartabilidade nessas 50 milhões de pessoas não atendidas.
Como se prevenir
Caso precise sair para realizar compras essenciais ou trabalhar, utilize máscaras
Evite aglomerações e contato próximo com outras pessoas
Lave as mãos principalmente após passar por estabelecimentos
Quando não for possível lavar as mãos com água e sabonete, utilizar álcool gel 70% para higienizar
Coronavírus em números Municípios com mais Municípios comcasos maisconfirmados casos confirmados de de covid-19 e a taxa por habitantes covid-19 e a taxa 100.000 por 100.000 habitantes EM 30 DE ABRIL DE 2020
0
20 a 50
50 a 100
5.000
10.000
100 ou mais casos confirmados a cada 100.000 habitantes
Taxa a cada 100.000 habitantes
15.000 casos confirmados
São Paulo - SP
136
Fortaleza -CE
214
Rio de Janeiro - RJ
85
Recife - PE
208
Sete das cidades com mais casos confirmados de covid-19 estão no Norte ou Nordeste
Manaus - AM São Luís - MA Salvador - BA
142 221 57
Belém - PA
108
Brasília - DF
41
Maceió - AL
78
Fonte: Secretarias Estaduais
Taxa de mortalidade da covid-19 por idade
Taxa de mortalidade da covid-19 por idade
14,8%
Fonte: Worldometers
8,0%
3,6%
0%
0,2%
0,2%
0,2%
0,4%
Dos 0-9 anos
10-19
20-29
30-39
40-49
1,3% 50-59
60-69
70-79
80 ou mais anos
85k 28k 381 87% 6,2k 47% 69 18
Casos no Brasil
Casos em São Paulo
Municípios com casos
Dos leitos em SP ocupados
Mortes no Brasil
Isolamento em São Paulo
Dias de quarentena
Cidades em lockdown
*Até dia 30 de abril
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GALERA DA VEZ
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Jovens fingindo ser idosos confusos com a tecnologia Dificuldade em usar a internet, mensagens de bom dia e louvor a Deus sĂŁo a nova febre do Facebook. Principal grupo brasileiro tem mais de 600 mil membros
F
otos de tricô, frases com reticências e uma fé inabalável. É assim que milhares de jovens estão interagindo no Facebook ultimamente para imitar o comportamento virtual de seus pais, tios e avós, ou qualquer pessoa de idade.
Eles identificaram atitudes comuns de pessoas mais velhas na internet e resolveram se divertir com isso. Não demorou muito para a comunidade crescer e conquistar mais de 300 mil jovens em pouco menos de um mês.
Foto: Reprodução - Facebook
Tudo começou em 28 de junho deste ano, quando internautas, de em média 20 anos de idade, criaram um grupo chamado Grupo Onde fingimos ser idosos confusos com a tecnologia.
Exemplo de uma publicação no grupo em questão
Tudo vale por lá: animações de bom dia, boa tarde e boa noite; selfies em baixa resolução; frases mal escritas – na qual fingem dificuldade para digitar – e montagens com informações escandalosamente falsas, mas que muitos vovôs e vovós acreditam ser verdade. Coitados.
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GALERA DA VEZ
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Tiozões do zap
A ironia não vem à toa. De acordo com um estudo das Universidades de Princeton e de Nova York, divulgado no começo do ano, pessoas com mais de 65 anos compartilham sete vezes mais notícias falsas do que aquelas com idade entre 19 e 29 anos. Família é o tema mais falado no grupo. Os membros fingem ser parentes preocupados com os jovens, mães orgulhosas ao ver a filha se casando e avós que fazem tricôs para agradar os netos: Há também inúmeras mensagens motivacionais – típicas de alguns grupos de família – no grupo.
Os participantes postam, por exemplo, questionamentos sobre a veracidade de memes humorísticos ou “mensagens erradas”, supostamente confundindo o grupo com uma conversa privada ou fazendo perguntas a pessoas específicas sem marcá-las. Tudo com muitos erros – intencionais – de digitação. Hoje, com mais de 500 mil participantes, o grupo “dos idosos” recebe milhares de solicitações de novos membros por dia. Para dar conta da demanda e garantir que ninguém saia do “personagem”, os donos da página contam com moderadores. Uma delas, Aline Eiko, de 23 anos, explica que foram criadas regras para que o grupo “não perdesse o foco” e estabelecer diretrizes do que os participantes podem ou não postar. Se uma pessoa sai do personagem, por exemplo, ela é silenciada por sete dias e recebe uma explicação dos moderadores para entender o porquê. Há ainda a possibilidade de ser banido do grupo, caso o participante quebre uma “regra pesada”, como postar ofensas, conteúdo pornográfico, distribuição de links de fake news ou se for silenciado com muita frequência.
Para o moderador Pedro Barbosa, de 20 anos, é “um grupo de comédia”. E apesar de ter mudado sua rotina para poder dar conta de aprovar novos membros e analisar postagens, continua interagindo e comentando com seu “personagem”.
De espectadores a produtores
Esse sucesso rápido deve-se, em parte, segundo o doutor em psicologia pela Universidade de São Paulo (Usp) Leonardo Goldberg, a uma “completa mudança na lógica” do humor, uma vez que “os espectadores passaram a virar de fato os produtores de conteúdo da rede”. À BBC News Brasil, Goldberg diz não classificar o movimento como algo “positivo ou negativo”, mas acredita que pode haver um efeito catártico em um momento de polarização nas redes sociais. “É uma brincadeira em grupo, e isso pode ser muito interessante para o momento político atual do Brasil”, diz.
Válvula de escape e angústia de envelhecer
Já o doutor e mestre em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (Usp) Antônio Carlos de Barros Júnior alerta que “não há humor inocente”.
Segundo ele, “sempre há uma agressividade subjacente, que é socialmente aceita por ser uma ‘piada’” e apesar de haver uma identificação mútua entre os membros do grupo nessa agressividade que não aparece explicitamente, isso gera, segundo Freud, uma certa descarga de tensão e portanto uma satisfação que está presente não só na piada mas também nos fenômenos de bullying em geral”.
É uma brincadeira em grupo, e isso pode ser muito interessante para o momento político atual do Brasil
Confira as “gírias” do grupo: Deus ensaboe: deus abençoe Deus elimine: deus ilumine Capetão: capitão (Bolsonaro) Valor?: comentado em qualquer postagem, fora de contexto Último dia: ótimo dia
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BICHO PAPÃO
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Por que a educação sexual é tão importante para crianças e adolescentes? Especialistas em saúde e educação explicam por que abordar assuntos sobre sexualidade com os mais novos é o melhor caminho para um crescimento saudável
Foto: Reprodução - Netflix
Maeve acompanha Aimee na delegacia para fazer uma denúncia após sofrer abuso sexual
E
ducação sexual é tão importante que é assunto de uma das séries da Netflix mais assistidas no Brasil e no mundo. A tualmente em sua segunda temporada, Sex Education se passa em uma escola de ensino médio, no interior da Inglaterra. Um aluno chamado Otis Milburn (Asa Butterfield), cuja mãe é uma renomada sexóloga, começa a dar conselhos e informações em torno do tema a outros alunos, transformando a prática em um negócio com a ajuda de uma de suas colegas, Maeves (Emma Mackey).
Polêmicas envolvendo educação sexual seguem acontecendo no atual governo de Bolsonaro. O Ministério da Mulher, da O enredo passa por diversos assuntos, como sexo, diversida- Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), de, aborto, empoderamento feminino, bullying, inseguranças, comandado por Damares Alves, lançou desejos e abuso sexual. Tudo isso com muita naturalidade, uma campanha com o objetivo prevenir respeito e sem clichês. Criado por Laurie Nunn, o programa as gravidezes na adolescência. Como? se tornou um grande sucesso entre os jovens: logo na terceira Com abstinência sexual. A pasta emitiu semana de janeiro de 2020, foi o mais assistido em todo o uma nota técnica que serviu de orientamundo na plataforma de streaming (Netflix). ção para a campanha do governo federal. O documento dizia que começar a vida Mas há quem ainda acredite que falar sobre sexo com jovens sexual nessa fase leva, entre outras coié um tabu – ou, pior, errado. O atual presidente da República, sas, a “comportamentos antissociais ou Jair Bolsonaro, demonstra pensar dessa forma desde quando delinquentes” e também o “afastamento era deputado, quando já criticava o livro Aparelho Sexual & dos pais, escola e fé”. Cia - um guia inusitado para crianças descoladas (Companhia das Letras), dizendo que ele fazia parte de um suposto “kit A Organização Mundial da Saúde (OMS) gay” criado por Fernando Haddad quando foi Ministro da classifica como gravidez na adolescência Educação, de 2005 a 2012, nos governos Lula e Dilma Rousseff. aquela que acontece em meninas entre Esse projeto nunca nem existiu. 10 e 20 anos. Só no Brasil, a oms estima
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BICHO PAPÃO
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que 13 milhões de garotas tenham engravidado com essa idade nas últimas duas décadas. Um dos maiores problemas disso é a evasão escolar e, consequentemente, a falta de oportunidades no mercado de trabalho para elas. No entanto, embora a gestação precoce seja, realmente, um assunto de extrema importância em termos de políticas públicas, será que a solução é ensinar aos jovens que sexo é algo ruim e que, portanto, eles devem postergar o início da vida sexual?
Idade que as mulheres casam (Brasil)
Antes dos 16
Antes dos 18
A resposta de especialistas é clara: não. E não é para menos que a campanha do governo federal causou tanta polêmica. Entidades do país inteiro vieram a público se posicionar contra a abordagem proposta por Damares. No dia 28 de janeiro, logo após a publicação da nota técnica do mmfdh, a Sociedade Brasileira de Pediatria (sbp) emitiu um posicionamento enfatizando que o amplo acesso à educação e à informação, junto com serviços de saúde qualificados, são as únicas ferramentas comprovadamente eficazes para evitar que meninas engravidem. “A abstinência somente é saudável se for uma escolha genuína do adolescente e não uma imposição ou a única opção oferecida. É fundamental garantir espaço para a autonomia. Qualquer programa com o objetivo de reduzir a prevalência de gravidez precoce deve promover o acesso à orientação adequada”, diz a médica Luciana Rodrigues Silva, presidente da sbp, no comunicado. Esse é um problema de raízes profundas, que não se resolverá com medidas simplistas ou ideológicas. É preciso que diversos setores da sociedade se unam a fim de evitá-lo – o que no Brasil parece estar cada vez mais longe de acontecer. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em nosso país, 26% das mulheres se casam antes dos 18 anos. Em todo o mundo, a taxa de gravidez precoce é estimada em 46 nascimentos para cada mil meninas entre 15 e 19 anos, enquanto no Brasil esse número é de 68,4 nascimentos. Felizmente, a tendência é de que esse número vá diminuindo, mas ainda há muito para fazer. A Unicef estima que, a cada ano, 15% de todas as gestações da américa latina e caribe aconteçam em adolescentes.
Depois dos 18
68
Casos de abuso sexual (Brasil)
36%
>14 anos
127.685 Estupros registrados no Brasil em 2017 e 2018
64%
<14 anos
Além da educação
Fazer sexo sem orientação não leva apenas à gravidez precoce. Outro problema é a maior exposição a infecções sexualmente transmissíveis (ists). Segundo a Onu, uma meninna no mundo entre 15 e 19 anos é infectada com o vírus hiv, causador da aids, a cada três minutos. E não são só elas que estão sujeitas a essas doenças: os meninos também. De acordo com o Ministério da Saúde, a taxa de rapazes de 20 a 24 anos com aids cresceu 133% entre 2007 e 2017.
Educação sexual não tem a ver com pornografia e promiscuidade
Educar de maneira correta as próximas gerações aumentaria ainda a consciência da importância do consentimento durante a relação sexual. Em 2017 e 2018 foram registrados um total de 127.585 estupros no país, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Desses, 63,8% ocorreram em menores de 14 anos. É claro que, na maioria das vezes, esses crimes não A psicóloga Mary Neide Figueiró, espedependem do consentimento da criança – são simplesmente cialista em educação sexual e professora atos violentos e de abuso. Mas educar os pequenos para que da Universidade Estadual de Londrina eles conheçam sua sexualidade pode ser extremamente útil (UEL), no Paraná, alerta que esse tipo de para que eles saibam reconhecer situações desse tipo e pro- orientação deve acontecer para meninas curem ajuda o mais rápido possível, evitando futuros traumas e meninos – que desde cedo são estie problemas relacionados. “Se todo mundo tivesse educação mulados a se mostrarem sexualmente sexual, até os casos de assédio poderiam diminuir porque ativos, como se desejassem o ato sexual todos estariam cientes da questão do consentimento; de que o tempo inteiro. “Educação sexual é im‘não é não’ e ponto”, analisa a pedagoga Adriana de Oliveira, portante para que os garotos repensem professora da Escola de Aplicação da Faculdade de Educação essa questão, que cada menino tem seu da Universidade de São Paulo (Usp). tempo e autonomia, assim como as meninas”, destaca Figueiró. E o mesmo vale para assuntos ligados a gravidez precoce O papel de cada um e métodos contraceptivos. “Devemos Fica claro, então, que o ideal é, sim, falar sobre sexo com deixar claro para os garotos que eles são crianças e adolescentes. E esse é um papel que cabe a todos, corresponsáveis destas questões.” principalmente a família. Os pais são os primeiros “professores” de educação sexual – afinal, qual criança não faz perguntas É claro que tudo tem seu tempo, mas os curiosas quando está descobrindo sensações, gostos e cheiros pais e responsáveis nunca devem omitir a de seu corpo? E a dica dos especialistas é simples: responda orientação correta. No caso dos adolesnormalmente. “Educação sexual não tem a ver com porno- centes, se não se sentirem seguros com a grafia e promiscuidade. Pelo contrário, ela abre nossa mente resposta do adulto, é bem provável que para conhecermos nosso corpo e nossas limitações”, observa eles busquem informações por conta a psicóloga Bruna Zimmermann, que é especializada na área própria – e o grande risco é que façam de sexualidade humana pela Universidade de São Paulo (Usp). isso em fontes que não são confiáveis.
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BICHO PAPÃO
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Quando não souber o que falar, diga assim “olha, ótima pergunta, mas não sei como te responder agora. Vou pesquisar”, como propõe a professora da Uel. Como nem sempre essa é uma tarefa fácil para pais e mães, a escola também tem seu papel. Até porque é lá onde as crianças se sentem mais à vontade para tirar dúvidas, contar seus medos e desenvolver suas opiniões pessoais. “A educação sexual que eu defendo é emancipatória. Ensinar para que os jovens vivam bem com sua sexualidade, com liberdade e respeito, que sejam críticos e saibam identificar situações para serem capazes de se posicionar”, afirma Figueiró. Felizmente, isso já acontece em instituições de ensino básico do país. É o caso da Escola de Aplicação, da USP, que tem um projeto desde 1996 para abordar questões sexuais com os alunos. Inicialmente, ele foi chamado de “Orientação Sexual Adolescente”, mas hoje é conhecido como “Gênero e Sexualidade“. Um dos objetivos da iniciativa é falar sobre isso com os jovens de forma educativa, e não de maneira preconceituosa. Em seu site, a Escola de Aplicação tem uma página aberta apresentando as principais discussões do projeto. São temas como construção e reconstrução de identidade, desigualdade de gênero e questões relacionadas à sexualidade e à orientação sexual. “Não queremos, em momento nenhum, impor. Nossa única proibição é homofobia, racismo e machismo. Aqui, a gente não tolera isso. Mas as pessoas são diferentes e vão levar vidas diferentes. As decisões são deles [os alunos]”, pontua o professor José Carlos Carreiro Carreiro, um dos responsáveis pelo projeto, à II Palitos. A professora de teatro da escola, Adriana de Oliveira, ressalta que a instituição também respeita a idade e evolução das crianças, mas desde o ensino fundamental determinados assuntos são tratados. “Com os pequenos, nós falamos que não existem brincadeiras de menino e de menina; todos podem brincar. Falamos sobre as cores, rosa e azul, sobre vestimentas e até corte de cabelo”, detalha. “A gente explica que existem diversos tipos de famílias: não tem só pai, mãe, irmão e acabou. Existem pais héteros, homossexuais, mães solos, pais solos…
Conforme os alunos vão ficando mais velhos, é hora de abordar temas como as infecções sexualmente transmissíveis, prevenção de gravidez e consentimento. “[Falamos] Até mesmo sobre pornografia. A gente não vai proibir e falar ‘Não veja! Tá errado!’, mas vamos falar da indústria, do papel da mulher, dos problemas que envolvem este mercado. O aluno vai saber o que fazer a partir disso”, relata Oliveira. Um ótimo exemplo a ser seguido Brasil afora. Tratar a sexualidade como um tabu e estimular o desconhecimento sobre algo que é tão natural na vida do ser humano não vai ajudar os adolescentes – ao contrário: promete aprofundar ainda mais todos os problemas ligados à falta de uma educação sexual adequada.
A educação sexual funciona?
Especialistas do tema acreditam bastante que estes programas também contribuem para melhorias na saúde a longo prazo, para redução da violência doméstica e da discriminação e para promoção da igualdade de gênero.
Fertilidade adolescente (a cada mil mulheres)
120 100 80 60 40 20 0 1980–1985
1985–1990
1990–1995
1995–2000
2000–2005
Venezuela
Brasil
Canadá
2005–2010
2010–2015
A cada 100 gestações no mundo, 15 acontecem em meninas menores de 20 anos
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CA REN TENA
NÃO É ALCOOLISMO SE EU TO DE QUARENTENA
A GENTE SÓ DÁ VALOR QUANDO PERDE...
Especialistas recomendam fazer ligações em vídeo, evitar a rotina, dividir as tarefas domésticas e checar notícias em veículos de imprensa confiáveis
TEXTO FELIPE SOUZA ILUSTRAÇÕES LABORATELIE
ZEREI O NETFLIX E AGORA FAÇO O QUE?
E SE EU RASPASSE A CABEÇA?
ACHO QUE EU AINDA AMO X EX...
SAUDADE DE ROLE NÉ MINHA FILHA?
ACABA NUNCA?
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s medidas adotadas para conter o novo coronavírus, como fechamento do comércio e estímulo ao home office, manterão milhões de brasileiros isolados dentro de casa nas próximas semanas. Muitos deles, sozinhos, em pequenos espaços e por um período ainda desconhecido.
O que fazer para evitar que o isolamento cause ansiedade, síndrome do pânico ou até mesmo depressão – principalmente quando entre crianças e idosos? O vice-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Claudio Martins, disse que é fundamental não perder o contato virtual com amigos e familiares, além de se manter ocupado. E recomenda que as pessoas que trabalham continuem seus projetos em casa sempre que possível. “É importante manter o autocuidado com a alimentação, hidratação e se comunicar por meios eletrônicos. É necessário ocupar a mente com outras coisas e não passar o dia vendo notícias sobre coronavírus. Não pode ficar concentrado na doença, pois isso pode gerar uma obsessão mental e incapacitar as pessoas de se desenvolverem”, afirmou Martins. Segundo ele, essa mudança comportamental repentina e a diminuição das relações interpessoais, associados a um estresse coletivo de medo, podem resultar em diversos transtornos psicológicos, como já citados anteriormente. Mas o que fazer para evitar que isso aconteça?
♥ ! Interação virtual
Fazer conversas em vídeo para ver as reações da outra pessoa e ter um contato mais humano do que uma simples ligação de voz. Isso diminui a sensação de distanciamento.
Não fazer tudo de uma vez
É comum as pessoas em isolamento soParticipar de grupos de WhatsApp com cial tentarem resolver todas as tarefas de colegas do trabalho ou até vizinhos, desde uma só vez. O ideal é que essas atividades que os integrantes não mandem men- sejam feitas de maneira parcelada para sagens pessimistas ou apocalípticas. O que elas não se esgotem rápido demais. ideal, é que as pessoas discutam pontos positivos do isolamento, como dizer o Também é importante fazer exercícios que estão preparando para o almoço, o de respiração, meditação e, caso a pesque fazem durante a tarde para se distrair soa siga uma religião, ler os livros sagrae sugerir atividades em grupo, mesmo dos dela. A intenção é se manter o mais que estando à distância. calmo, amparado e relaxado possível. O principal a se fazer nesse momento é se manter ocupado e calmo. Seja com exercício físico, leitura ou qualquer outra atividade. Esse é um fenômeno novo. As pandemias têm um perfil de guerra sem ter uma bomba e contra um inimigo invisível. Isso com certeza deixa as pessoas permanentemente inseguras.
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Fobia social e transmissão de pânico
O medo de contrair coronavírus pode desenvolver um Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). Esse contágio do pânico causa efeitos sociais, como a corrida desesperada aos supermercados em busca de papel higiênico ou em revendas de gás, como se precisassem de fazer um estoque por conta de uma possível crise de desabastecimento. Esse pânico coletivo, mobiliza a sociedade de maneira inadequada. Um exemplo desses é a pessoa que está calma em casa, mas sabe que o vizinho estocou comida para três meses. Ela, sem necessidade, vai querer fazer o mesmo para se sentir segura e isso pode desencadear uma cadeia de comportamento e gerar um desabastecimento real. Os especialistas afirmam que a melhor forma de combater esse pânico generalizado é se informar apenas por veículos de comunicação de credibilidade e checar informações, principalmente aquelas recebidas por WhatsApp.
Usar a criatividade para fugir da rotina
Mesmo sem seguir muitas recomendações, é possível conviver em isolamento por algumas semanas. Mas que a partir da terceira ou quarta semana, é necessário inovar. É importante, por exemplo, fazer novas receitas no almoço. Fazer exercícios diferentes em casa. Procurar novos canais no YouTube e tentar quebrar a rotina ao máximo. Parar uma série no meio e começar outra, interromper o livro no meio e começar outro. Desobedecer a ordem natural das coisas e tentar sermos pessoas diferentes é essencial.
Ser criativo, se adaptar a essa nova rotina ajudar o próximo com o que puder. Seja uma aula, fazer uma companhia virtual ou produzir algo que possa doar. Temos esse espírito em grandes tragédias e agora não deve ser diferente.
Faça terapia online
Caso você já faça terapia, não deixe de realizar as sessões por conta do isolamento. Converse com o seu psicólogo sobre a possibilidade da prática ser online, pois isso é bom tanto para o profissional Saiba que não está sozinho que não perde a sua renda, quanto para Por mais que o isolamento social afeo indivíduo que continua saudável. te a saúde mental e faça as pessoas se sentirem sozinhas, abandonadas e até Por outro lado, se você ainda não fizer rejeitadas, é preciso trabalhar a ideia de terapia e sentir que está com os níveis que este é um momento delicado pelo de ansiedade muito altos, essa pode ser qual todos nós precisamos passar juntos. a melhor hora para começar a se cuidar. Durante essa pandemia do coronavírus, A terapia é uma grande aliada em di- procure cultivar pensamentos positivos. ferentes momentos de nossas vidas e Isso porque os pensamentos podem ser principalmente agora, não poderia ser uma das grandes causas da sua ansiedade. diferente. Um profissional especializado Acorde, faça um alongamento, foque na pode ser essencial para te ajudar a lidar sua respiração e agradeça. com o medo e pânico excessivos, portanto, não hesite em procurar um psicólogo ao Ao longo do seu dia, não se deixe apemenor sinal de problemas. gar por pensamentos ruins e nem fique ruminando o medo. Procure conversar com familiares e amigos para desabafar e expor como se sente. Você não está sozinho, estamos todos juntos. Cuide-se.
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Karnal e Cortella: reflexões em tempos de coronavírus Em entrevista exclusiva a II Palitos, Leandro Karnal e Mario Sergio Cortella falam sobre seu novo livro e a vida em tempos – e após – o coronavírus
Divulgação – TV Cultura
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historiador Leandro Karnal e o filósofo Mario Sergio Cortella fazem parte do fenômeno moderno da “filosofia pop”, na expressão criada por Gilles Deleuze (19251995) nos anos 1970. Ao tratarem de Epicuro, Schopenhauer e Hegel como quem lida com as ideias de Anitta, Whindersson Nunes e Bruna Marquezine se tornaram verdadeiros ídolos populares, ressaltando todos seus grandes conhecimentos.
Mario Sergio Cortella e Leandro Karnal (esquerda para direita) na Roda Viva, TV Cultura
IIP: As epidemias revelam nossas desigualdades e escolhas? Karnal: Sim. Se esse é um vírus mundial, nós devemos lembrar que no Brasil temos crianças morrendo de diarreia e isso não é uma questão moral da diarEm um momento tão delicado como a vida diante – e durante reia. É uma questão moral nossa, que – uma pandemia que coloca nossa existência em risco, altera permitimos que uma doença que não completamente a forma como vivemos e socializamos e que é fatal se torne fatal para crianças. O implica na luta contra um inimigo invisível, reflexões éticas, mo- vírus não é moral. Ele tem lógica, não rais e filosóficas são mais importantes do que nunca para que é religioso, não é vingativo, não está espossamos manter a humanidade, a sobriedade e até a sanidade. tressado e não diz “vou atacar aquele Em entrevista exclusiva – e virtual – a II Palitos, Leandro Karnal porque aquele grita muito”. Essa é uma e Mario Sergio Cortella conversaram sobre suas definições leitura de sentido totalmente não ciende “sentido da vida” e como isso pode ser alterado diante de tífica. Porém, no momento que ocorre uma pandemia. Como a epidemia de coronavírus escancara uma doença, ela revela escolhas e essas nossas escolhas e a desigualdade do país, quais ensinamentos escolhas são morais. Ou seja, que haja éticos, morais e filosóficos isso deixa para o futuro, e como no Brasil gente morrendo por doenças nos comportar em momentos de crise. que tem tratamento e gente que não São fenômenos nas redes sociais, e juntos os dois somam 6,4 milhões de seguidores no Instagram, mais de 3 milhões no Facebook, para lá de 100 mil no Twitter e 1,2 milhão no YouTube. A popularidade desses intelectuais, escancara o crescente interesse pelos valores da existência humana.
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pode fazer isolamento porque vive num espaço apertado em comunidades, isso é moral. E não o vírus. O vírus vai atacar quem estiver com a imunidade baixa e não tomar as medidas claras a esse respeito. Mas as escolhas sociais históricas que fizemos estão revelando algo que, para mim, é o mais trágico dessa epidemia: criamos uma desigualdade tão brutal no Brasil que até a morte é desigual. Há pessoas que não podem fazer quarentena porque não têm dez reais para chegar no dia seguinte e nem comida no refrigerador. Isso é moral e algo para se pensar. Eu não tenho nenhuma raiva do vírus, da bactéria. Tenho raiva da gente. Todos somos culpados por essa sociedade que construímos.
IIP: Como você explica a negação da ciência e aumento de fake news (notícias falsas)? Karnal: Junto com a crise nós vivemos um aumento da irracionalidade, de negação da ciência e de busca por caminhos que não sejam os mais indicados. Quem pode dar bons conselhos sobre teologia são padres, pastores, teólogos e assim por diante. Quem pode me dar bons conselhos sobre doenças? São médicos infectologistas e especialistas em epidemias. Essas pessoas não são convergentes sobre tudo, mas são a
Foto: Elaine Higa
Cortella: Descartes introduz na filosofia uma conversa que é muito apropriada para os tempos atuais, que é a ideia da dúvida metódica. Não duvidar por duvidar, mas duvidar com organização, com disciplina, com método. Uma dúvida para construir certezas. Nós estamos vivendo tempos de certezas muito cristalizadas, em que quem tem uma posição dificilmente consegue admitir que essa posição possa ser colocada em xeque. Portanto, a ausência da dúvida metódica. Precisamos da reintrodução da dúvida metódica. Da capacidade de perceber “será que nós estamos vivendo do modo mais correto coletivamente? Será que a nossa injustiça de partilha da economia de bens numa sociedade está num caminho correto? Será que eu consigo lidar com isso como um momento transitório ou uma lição que a gente retoma mais adiante e reinventa nosso modo de ser?”. Até o título do livro traduz uma dúvida metódica: Viver, a que se destina? Quando nós nos dedicamos a pensar um pouco a questão, em forma de diálogo e de livros, ela é metodicamente colocada.
autoridade. Eles podem podem errar, mas errarão menos do que eu, que sou um historiador. Eu posso falar sobre infecções passadas, mas eu não tenho a menor ideia sobre como se combate uma infecção hoje. As pessoas confundem opinião com argumento. Esse é um elemento ruim desse momento. Às vezes deixamos que o grupo de WhatsApp, que reforça minha ideia porque tem identidade comigo, seja meu guia. O argumento pressupõe preparo, pressupõe formação. Esse é o momento para ouvir especialistas na área e não para consultar a minha tia, o meu grupo de WhatsApp ou as fake news. Cortella: Nós estamos vivenciando uma percepção dos nossos limites em relação àquilo que é a mera opinião. Isto é, não basta eu achar. Nessa hora, a ideia de que eu tenho o direito à minha opinião é inegável. O artigo quinto da Constituição garante a livre expressão. Mas o fato de eu ter direito à opinião não significa que essa opinião esteja certa. Há necessidade de uma série de cerimônias, de rituais, de metodologias e de comprovação. O que a ciência, especialmente na área da epidemiologia e da infectologia, faz hoje é usar essas ferramentas historicamente provadas para que a gente possa ter uma rota pessoas. Em segundo lugar, seus empreque seja menos errática. Ela não é absolutamente precisa. Mas gos, sua dignidade e assim por diante. é menos errática. Stephen Jay Gould, que foi um grande pa- Tem que colocar um projeto sempre de leontólogo norte americano, tem uma frase estupenda: “Não estadista à frente. Agir pensando no fubasta ser perseguido para se tornar um novo Galileu”. Como turo de médio longo prazo da maioria Galileu, você tem que estar certo. Há pessoas que acham que da população. Que age com politicalha, estão certas apenas porque não concordam com ela. Esse é pensando na próxima foto, na próxima o critério estranho à ciência, que, neste momento, é a rota entrevista e no número de likes deveria menos insegura para a gente seguir. ser levado para baixo do tapete nessa crise. Precisamos de bons administradoIIP: Como é o comportamento de figuras da política perante res, competentes, técnicos, que parem a pandemia que estamos vivendo? de ideologizar questões como esta. PreKarnal: Queria tranquilizar, se algum político nos ler, que a cisamos de pessoas que parem de fazer história registra todos. Tanto aqueles que foram muito ruins leituras políticas de remédio, de vacina, como os bons. A história é bastante neutra a esse respeito. de política e tomem as decisões mais Mas algo muito importante nesse momento são pessoas que, adequadas e mais lógicas. em meio a uma crise que põe em risco a vida e a economia nacionais, ficam pensando em número de likes ou projeção Cortella: Nós temos, na gestão pública, midiática. Elas perderam qualquer referência de humano. Não pessoas que não tinham sido colocadas à tem nenhuma importância a carreira ou o nome de ninguém. prova em relação aos desafios de natuO mais importante, em primeiro lugar, é a sobrevivência das reza nacional. Que estavam ainda apenas
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IIP: E visto nossa situação atual, qual o sentido da vida durante uma pandemia como esta? Karnal: O sentido é sempre dado pelo valor maior, que é a vida. A vida é o sentido maior. Quando você está em guerra, você não fica perguntando se as pessoas estão limpas ou se elas são religiosas ou se as flores estão desabrochando. Você quer sobreviver. Defendida a vida, vem uma questão de segunda instância, que é exatamente uma questão estética ou uma questão de outra ordem. Porém, às vezes, quando a vida está em crise, o limite de “não viver a qualquer custo” se torna elástico porque as pessoas querem sobreviver a qualquer custo. Esse é o lado ruim das guerras e das situações que ameaçam a vida. Elas revelam pessoas que não têm escrúpulos, mas também revelam heróis. É o que está acontecendo hoje. Tem gente trabalhando pelos moradores de rua e tem gente lucrando com a crise. Tal como acontece com qualquer crise, os canalhas perdem as máscaras.
Foto: Trumpauskas
nas ideias. Uma das coisas mais importantes naquilo que é a possibilidade de um governante ou uma governante é o que eu vou chamar de espírito público. A pessoa que de fato, de maneira não hipócrita, não dissimulada e não fingida age para que o bem comum. Nós temos vários exemplos na história e vários exemplos recentes de pessoas com espírito público muito decisivo. Nem sempre essas pessoas tiveram sucesso no que que intentavam, no que procuravam. Mas a gente notava sinceridade naquilo que faziam. Nessa hora, o que a gente necessita para que a gente consiga romper esse invólucro tenebroso que estamos vivendo é exatamente de pessoas com espírito público. Essas pessoas ficarão memoráveis. Afamadas e não difamadas. A construção de uma fama pode estar ligada àquilo que é afamado, portanto, uma boa fama; ou àquilo que é difamado. A escolha nem sempre é de quem procura. Será o momento histórico, a adequação, a pertinência, a relevância daquilo que fará. Não é estranho que autoridades queiram isso. No entanto, alguns fazem isso de maneira relevante, incisiva, marcante e outros caminham em direção àquilo que é o não censo. Para pensar no livro, é uma questão de escolha. Vários têm inteligência para fazer escolhas e alguns nem inteligência tem para que as escolhas sejam feitas.
Cortella: Em tempos em que a nossa existência física fica ameaçada, o primeiro passo é ficar vivo. Portanto, o sentido do sentido é ganhar existência. A segunda coisa é ficar vivo, mas não a qualquer custo. Ficar vivo com honra. E o que é que significa? Ficar vivo com honra é ficar vivo sem que a lógica seja a do movimento destrutivo, da incapacidade de partilha e de solidariedade. Hoje o sentido da vida está em xeque porque a própria vida o está e assim algumas coisas se tornaram irrelevantes. Coisas que até 60 dias atrás pudessem ser decisivas para nós, hoje são absolutamente secundárias. E isso é o que eu chamava de uma construção histórica social cultural do sentido da vida. IIP: Como ficam as liberdades individuais na pandemia? Karnal: Nós estamos obrigados à liberdade. Ninguém pode me tirar dessa capacidade. As escolhas que eu faço hoje, de manter o isolamento, são as que parecem melhores possíveis. Quando vier uma forte crise econômica, que parece que chegará, nós teremos que fazer outras escolhas. Eu tenho que sempre tomar a melhor e a mais ponderada decisão, que não comprometa o valor vida, não infrinja os valores éticos e que deixe possibilidades em aberto. Quanto mais portas você mantiver abertas estrategicamente, evitando portas definitivas como os vícios ou a morte, mais você continua podendo refazer escolhas.
tar em uma sociedade que pode colocar alguns constrangimentos, que devem ser eventuais. Quando não são eventuais, é ditadura. Neste momento, faz parte da combinação para proteger o todo.
IIP: O que esperar para o futuro? Karnal: Acredito que tudo o que acontece transforma a sociedade. O processo de revolução, o processo de guerra ou Cortella: É claro que as liberdades mudam nesses momentos. o processo de epidemia tem fator de A liberdade não é absoluta. Afinal, existimos com outros e aceleração da história. Nós já estávaoutras e isso significa que nós temos autonomia, mas não mos ficando online. Talvez agora vamos soberania. O que define o soberano é que ele faça o que descobrir que o trabalho em casa possa desejar, a partir da sua vontade, independentemente do que ser, por exemplo, mais produtivo. Nós outros pensarem ou quiserem. Já uma pessoa autônoma é teremos uma revolução educacional a aquela que faz o que desejar, no limite das fronteiras daquilo partir da percepção que é possível um que fere a coletividade ou que afeta aquilo que foi socialmente home schooling. Outra questão que está combinado. Em um condomínio, por exemplo, ninguém em sendo testada neste momento é a famísã consciência deixa de atender as regras porque elas não lia. Todo mundo publica no Instagram e boicotam a liberdade. Elas foram combinadas conosco e nos no Facebook que família é tudo. “Família colocaram na condição de serem regras que nos protegem. é dom de Deus”. “Eu amo minha família”. Esses tempos que estamos vivendo, são tempos em que a Chegou o momento da realidade. Já que nossa autonomia encontrará mais barreiras. Mas isso não é você amava tanto sua família, tome uma anulação da minha liberdade. É a minha concordância em es- dose cavalar, contínua e diuturna de sua
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família. São momentos para eu testar minhas convicções. Para ver se aquilo que eu publicava nas redes sociais era verdade. O mundo sempre será diferente, mas eu sou bastante otimista. Acho que as coisas podem melhorar. Eu vejo, por exemplo, que haverá uma maior valorização da ciência após essa crise. Veja que o SUS, que foi tão criticado no passado, hoje brilha como um exemplo de saúde pública, apesar de todos os seus problemas. Eu vejo que as pessoas entenderam que vida é mais importante do que quase tudo. Se isso vai ser usado para um aprendizado? Eu gostaria que sim. Nós continuamos em transformação contínua. Nunca somos a mesma coisa. Essa crise está mudando a maneira como as pessoas pensam. Cortella: Há dez anos, a gente não falaria de aplicativos de mobilidade urbana. Aliás, para usar uma piada, há alguns anos dizia-se – inclusive eu disse aos meus filhos: “Não pegue carona”. Ainda mais se ela fosse paga. Hoje isso se transformou. Há dez anos alguns jovens desejariam formar-se e morar num apartamento grande. Hoje esse é um sonho hoje de pessoas mais idosas, como eu. Uma pessoa mais jovem deseja imóveis de 30 metros quadrados em que haja só o prático. Todo o restante está na área comum, na parte inferior do prédio. Nós já estávamos numa rota de alteração de alguns modos de vivência. Essa pandemia nos colocou num redemoinho dessas coisas que, de repente, nós temos que reinventar. Alguns mitos também virão abaixo. Essa lógica de “eu quero conviver mais com os meus filhos” e a ideia de que os pais antigamente ficavam muito com os seus filhos, isso não é verdade. Eu, por exemplo, via meus pais durante o dia por duas ou três horas. Na hora das refeições ou na hora de ser acordado de manhã. No restante, eu chispava para o mundo. Para o quintal, para a casa dos outros. E no final de semana? As crianças e os jovens tinham seus programas. O adulto não ficava tendo que fazer a agenda de um menino de 7 anos de idade. Isso significa o quê? De repente, a proximidade trará alguns desencontros, alguns choques. Qual será o saldo disso? Ainda não sabemos. O que eu sei é que isso também é uma construção histórica social cultural e, agora, pandêmica.
Nós já estávamos ficando online. Talvez agora vamos descobrir que o trabalho em casa possa ser, por exemplo, mais produtivo – Mario Sergio Cortella
“Viver, a que se destina?” Mario Sergio Cortella e Leandro Karnal Disponível na Amazon por R$31,90
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x ESSA x MATÉRIA xxx FOI xxx
CANCELADA! Fenômeno nas redes sociais, ato de boicotar figuras públicas que agem de forma considerada ofensiva é muitas vezes menos efetivo do que gostariam seus adeptos e do que alardeiam seus críticos TEXTO JULIANA DOMINGOS DE LIMA FOTO THOM HOLMES
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lém, óbvio, dos seus usos mais tradicionais – como deixar de assinar um serviço ou desmarcar um compromisso –, o verbo “cancelar” tem sido empregado com muita frequência, recentemente, para pessoas. O ato de cancelar alguém costuma ser aplicado a figuras públicas que tenham feito ou dito algo considerado condenável, ofensivo ou preconceituoso.
MC Gui, cancelado após postar um vídeo em que ri de criança numa viagem à disney
foi apagado, a menina está visivelmente incomodada. Acusado de bullying nas redes sociais, o artista teve contrato e shows cancelados e publicou um vídeo de desculpas. Porém, ganhou milhares de seguidores durante a polêmica. “Há um aspecto bem performativo nesses cancelamentos, pode-se argumentar que ele paradoxalmente amplifica aquilo que busca suprimir, mesmo que só naquele momento”, diz um certo artigo publicado pelo site do dicionário de língua inglesa Merriam-Webster em julho de 2019.
São inúmeros os exemplos dos cancelados, e a lista aumenta a cada semana. O cancelamento é primeiramente decretado numa rede social, onde gera uma onda de críticas e comentários. Depois estampa manchetes e é seguido de uma Cancelar alguém publicamente requer retratação do cancelado, que pode ou um anúncio, o que torna o alvo do cannão ser acatada por seus críticos. celamento objeto de atenção. Isso seria um contrassenso, se visto na visão do Em 2019, o funkeiro mc Gui foi cancelado artigo, uma vez que “o objetivo por trás após postar um vídeo no Instagram no do cancelamento é muitas vezes negar qual ri de uma criança, gravado em uma essa atenção, para que a pessoa perca viagem à Disney World. No vídeo, que sua relevância cultural”.
Para ser cancelado, não é preciso nem mesmo estar vivo: a internet brasileira proclamou, logo no fim de outubro o cancelamento do músico Raul Seixas, após uma nova biografia levantar suspeitas de que ele tenha delatado o amigo Paulo Coelho a agentes da ditadura militar. O cantor americano Michael Jackson, que morreu no ano de 2009, também foi alvo de um movimento semelhante após o lançamento do documentário “Deixando Neverland”, em março de 2019, que reavivou a discussão sobre as acusações de abuso infantil contra o músico.
Quais as origens do fenômeno
Michael Jackson, cancelado depois de 10 anos de sua morte, por denúncias de abuso infantil
Internacionalmente, a ideia de cancelar celebridades é relacionada ao movimento #MeToo, série de denúncias de assédio sexual contra homens poderosos que se espalhou pelo mundo a partir de 2017, e que fez com que vários agressores fossem “genuinamente ostracizados em uma onda cultural de alta velocidade impulsionada pelas redes sociais”, segundo o que Osita Nwanevu escreveu para americana New Republic.
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Em meados de 2018, uma reportagem espaço maior na fala do público geral. publicada no jornal New York Times expli- “Não é mais uma pauta só de acadêmicava o fenômeno ao declarar que todo cos ou especialistas. As pessoas falam mundo estava cancelado, citando Kanye muito mais sobre esses assuntos agora, West, Taylor Swift e Gwen Stefani, entre e então conseguem identificar e criticar outras celebridades. também com maior facilidade as reproduções dessas lógicas”, disse. Esse clamor pela exclusiva responsabilização de pessoas públicas por seus atos O fato de as redes possibilitarem um e declarações tem pautado o compor- canal mais direto do público com artistas tamento delas nas redes e em eventos e autoridades também cria condições públicos, assim como marcas e outras para a cultura do cancelamento, disse figuras que são notórias. Leonardo Goldberg, psicólogo e doutor em psicologia, que estuda as subjetividaStephanie Ribeiro, grande arquiteta, que des no campo digital e suas implicações também é colunista da revista Marie Clai- para a clínica psicanalítica. re, além de feminista negra disse que os cancelamentos não são propriamente Goldberg aponta que, com isso, o usuáuma enorme novidade. “Há um ou dois rio pode participar ativamente dos perfis, anos atrás, a gente não falava em cance- das contas e das carreiras dos artistas. lamento, mas sim em linchamento virtual, “Acho que a cultura do cancelamento é mas não é muito diferente”, disse. uma consequência desse usuário ativo, que consegue, de modo engajado, social, Ela liga essas movimentações às redes político e coletivo dizer se está ou não sociais, “às possibilidades de interação e gostando” das condutas daqueles que de resposta muito mais rápidas”, tanto acompanha pelas redes. no que diz respeito a reagir a algo que desagrada quanto a conectar pessoas Outros dizem que, embora de fato não que pensam da mesma maneira. seja um fenômeno novo, a cultura do cancelamento tem ganhado escala. Para Ribeiro, os questionamentos feitos à conduta de figuras públicas estão relacio- O jornalista Osita Nwanevu, em sua anánados à popularização das pautas raciais lise para a New Republic, defende que e feministas, que passaram a ocupar um a novidade não está tanto na força do
Às vezes, é uma forma até meio rasa de lidar com questões que são estruturalmente muito complexas
cancelamento, mas em quem está fazendo as críticas: “jovens progressistas, muitas minorias, mulheres” que, em grande parte devido às redes sociais “conseguiram um lugar à mesa onde questões de justiça ou de etiqueta estão sendo debatidas e estão fazendo barulho para recuperar o tempo perdido”.
Os impactos: positivos, negativos e nulos
Muitos daqueles que foram alvo de cancelamentos, ou que se solidarizam com pessoas que tenham sido criticadas dessa forma, se queixam de perseguição inquisitorial que cercearia o discurso e as ações de comediantes, artistas e youtubers. Críticos apontam ainda que as reações muitas vezes alcançam dimensões desproporcionais ou se dão sem base em fatos. “Não existe qualquer zona cinzenta a partir da lógica do espetáculo”, pondera o doutor em psicologia Leonardo Goldberg. “E a cultura do cancelamento entra nessa esteira de modo completamente arbitrário, porque faz parte da lógica da não contradição, que é algo tão extremamente presente na internet. Não existe conversa ou escuta”.
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“Acho que o aspecto negativo é a forma como a gente lida numa certa cultura do ‘hater’, e do ódio, e acaba esquecendo que precisa fazer críticas mais embasadas e ter mais consciência coletiva da nossa responsabilidade”, disse Stephanie Ribeiro.
Kanye West e Taylor Swift, ambos cancelados por seus atos e declarações públicas
Os efeitos da cultura do cancelamento, no entanto, são em geral menos efetivos do que os “canceladores” poderiam desejar e do que os “cancelados” costumam alardear. “Às vezes, é uma forma até meio rasa de lidar com questões que são estruturalmente muito complexas”, afirma Ribeiro. “Não
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Anitta, cancelada por não se demonstrar contra o presidente Bolsonaro nas eleições de 2018
vejo impactos muito reais em relação a manifestações virtuais que confrontam comportamentos ou falas”. Ela cita o caso daquele jornalista William Waack, que foi demitido da Rede Globo após o vazamento de um vídeo no qual fazia comentários racistas, e teve sua contratação recentemente anunciada por uma nova emissora.
devemos considerar que isso nunca custou tão pouco ou resultou em provocadores e ‘contrariadores profissionais’ ganhando tanto”, escreveu.
Embora critique a ausência de diálogo que impede “qualquer operação simbólica que possa fazer aquela pessoa mudar de opinião, porque ela está simplesmente cancelada”, Goldberg vê de maneira positiva que as críticas transformam os Ela afirma que a duração e o impacto do discursos públicos “em algo atravessado cancelamento têm “muito a ver com o por uma política daquilo que concerne a lugar social que cada qual desses atingi- população, ao bem maior. Todos aqueles dos ocupa e o peso que a sociedade dá que passam a emitir alguns discursos púou não para o que está sendo apontado”, blicos vão precisar prestar muita atenção lembrando do caso do músico Wilson com aquilo que dizem”. Simonal, um homem negro, “cancelado” pela classe artística e intelectual na época Além de mostrar que temas como o feda ditadura militar por ser visto como minismo e o combate ao racismo estão informante do regime. mais difundidos, o efeito sobre discursos preconceituosos de figuras públicas tamO autor do artigo da revista New Repu- bém é o aspecto da cultura do cancelablic, Osita Nwanevu, vai ao encontro des- mento que Stephanie Ribeiro identifica ses questionamentos sobre o verdadeiro como algo que seja positivo. impacto da cultura do cancelamento, sugerindo um entendimento mundano da “Hoje uma pessoa não pode dar uma enquestão: enxergá-la como expressões trevista e falar algo racialmente absurdo, públicas e também corriqueiras de desa- porque alguém vai dizer ‘não, isso está grado, manifestadas por pessoas comuns errado’. E aí isso vira uma chuva de coem novas plataformas. mentários e de tuítes, de falas, ações, respostas, vídeos. É muito positivo perceber “Se nos vemos passando vertiginosamen- que as pessoas estão identificando mais te de ultraje em ultraje a cada semana, facilmente determinadas condutas”, disse.
FIGURAS INCRÍVEIS
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NISE DA Nise da Silveira, psiquiatra alagoana (1905-1999), enxergou a riqueza de seres humanos que estavam “no meio do caminho”. No meio do caminho entre o existir e a dignidade. No meio do caminho entre a loucura e a exclusão total. Entre o aceitável e o abominável.
Ela foi uma mulher pioneira
Em 1926, ao se formar na Faculdade de Medicina da Bahia, Nise era a única mulher em uma turma de 157 alunos. Ainda na graduação ela apresentou o estudo Ensaio sobre a criminalidade da mulher no Brasil.
Ela deu voz à loucura
Nise era uma defensora da loucura necessária para se viver. “Não se cura além da conta. Gente curada demais é gente chata. Todo mundo tem um pouco de loucura. Vou lhes fazer um pedido: vivam a imaginação, pois ela é a nossa realidade mais profunda. Felizmente, eu nunca convivi com pessoas muito ajuizadas.”
Ela foi presa política
Nise ficou presa de 1934 a 1936, durante o Estado Novo, acusada de envolvimento com o comunismo. Ela foi denunciada por uma colega de trabalho, que era enfermeira. No presídio Frei Caneca, ela dividiu a cela com Olga Benário, a militante comunista alemã que na época era casada com Luís Carlos Prestes.
SILVEIRA Ela instaurou a to no manicômio
Em 1944, Nise passou a trabalhar no Hospital Pedro II, no Rio de Janeiro. Ela se recusou a seguir o tratamento que incluía choque elétrico, cardiazólico e insulínico, camisa de força e isolamento. Ao dizer “não”, a psiquiatra foi transferida, como “punição”, para o Setor de Terapia Ocupacional (to) do Pedro II. Foi nesse setor do hospital que ela implementou, junto com o psiquiatra Fábio Sodré, a Terapia Ocupacional no tratamento psiquiátrico.
Ela usou a arte para tratar problemas da psique Nise percebeu que as artes plásticas eram o canal de comunicação com os pacientes esquizofrênicos graves, que até então não se comunicavam verbalmente. As obras produzidas por eles davam “voz” aos conflitos internos que viviam.
Ela revelou as emoções dos esquizofrênicos
Nise constatou que o mundo interno do esquizofrênico, considerado inatingível até então, poderia ser acessado, revelando as emoções desses pacientes por meio das artes plásticas.
Ela questionou os manicômios
Para Nise, a experiência em manicômios mostrou que havia uma confusão entre hospital psiquiátrico com cárcere. Avessa a essa abordagem desde o começo, e defensora de um olhar humanista, em 1956, Nise fundou a Casa das Palmeiras, a primeira instituição a desenvolver um projeto de desinstitucionalização dos manicômios no Brasil.
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BABU um negro sob os olhares do racismo brasileiro Uma das maiores e mais consistentes tradições brasileiras é o racismo, desses que a gente encontra nas interações do dia-a-dia TEXTO ALE SANTOS FOTO ARTUR MENINEA
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ma das maiores e ainda mais con- negra brasileira que nega todas as classifisistentes tradições brasileiras é o cações criadas pelos teóricos do racismo racismo, desses que a gente en- científico do passado: contra nas interações do dia-a-dia. As expressões que ficam seguras na priva- “Um brasileiro é designado preto, negro, cidade dos pensamentos e dos pequenos moreno, mulato, crioulo, pardo, mestiço, julgamentos que fazemos sobre cada ação. cabra – ou qualquer outro eufemismo; e Ocasionalmente, esses atos de racismo o que todo mundo compreende imediapodem se transformar em expressões tamente é que se trata de um homem de maiores e demonstrações claras de su- cor, um negro não importa a gradação premacia racial, principalmente através de da cor da sua pele.” – O Genocídio do ofensas verbais. Todavia, os olhares de negro brasileiro: Processo de um Racisrepulsa e os preconceitos que colocam mo Mascarado - Abdias do Nascimento a pessoa negra em determinada posição continuam protegidos pela subjetividade, Superado esse entendimento podemos essa que tem se desmascarado na última seguir para o olhar que a sociedade tem edição do Big Brother Brasil em 2020. sobre essa parcela da população. A começar pela própria produção, que tende Alexandre da Silva Santana, o Babu, é um sempre a representar negros como midos dois participantes negros da casa, noria, estabelecendo um tipo de cota fixa junto com Thelma, que são a minoria de participantes, dificilmente passando representativa da maioria da sociedade. de dois negros por ano. Nesse aspecto, Negros passam de 55% da sociedade compartilho da tese de Jessé Souza de brasileira – há quem tente relativizar esse que a mídia não constrói o conhecimento, dado, questionando a negritude de pes- mas estabelece, reproduz a percepção na soas pardas. Aqui eu gosto de evocar sociedade do racismo defendido pelos a definição da própria intelectualidade teóricos do passado. O que a Globo faz é
naturalizar a superioridade numérica branca em um país onde ela não deveria existir e, assim, dificultando as chances da sua audiência se acostumar com vencedores negros no programa de televisão, Big Brother Brasil. Defender essa dificuldade da vitória representativa seria loucura, não fosse os ideais propagados pela “Elite Intelectual” brasileira do século passado. Eles construíram os estereótipos que são reproduzidos pelos participantes da edição em torno do ator e ex participante, Babu Santana. “Nenhum homem de bom senso, bem esclarecido sobre os fatos, poderá crer que em geral o negro valha tanto quanto o branco e muito menos seja-lhe superior. E se assim for, torna-se impossível acreditar que logo que sejam afastadas todas as incapacidades civis, desde que a carreira lhes seja aberta e que não sejam nem oprimidos nem favorecidos, nossos irmãos prognáticos possam lutar com vantagem com os seus irmãos mais bem favorecidos de cérebro”. Esse trecho de Thomas Henry Huxley é defendido e discutido por um dos maiores teóricos do racismo científico no nosso país, Raimundo Nina Rodrigues, em sua obra “As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil”. O pai da psiquiatria e antropologia criminal brasileira defendia um código penal distinto para as consideradas raças inferiores que, segundo ele, desenvolviam máculas morais e intelectuais. Note que
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na descrição de Huxley, (e nas obras de Homens negros acabaram se tornando Nina Rodrigues) enquanto descreve a as maiores vítimas dessa criminalização. inferioridade de pessoas negras, os cha- O Brasil manteve aquele desprestígio dima de irmãos. Essa condescendência é recionado aos escravos e importou mão característica marcante e cruel racismo de obra europeia, branca e privilegiada, que ocorre com os basileiros. para substituir a força de trabalho. Quando negros conseguem acessar as oportunidades de destaque, são com esses “eufemismos” racistas que tem que lidar. “A Marcela me olha igual a minha patroa”, disse o Babu, logo após a saída de Lucas do bbb 20. Ele ainda completou com “um ranço abstrato, é o jeito de olhar, eu já recebi muito aqueles olhares”.
O próprio Fernando Henrique Cardoso, enquanto sociólogo, afirmou que “o processo de não-reconhecimento social do escravo gerou consequências deletérias para o liberto inserido na nascente da sociedade de classes”. Consequências que arrastamos por ai enquanto ainda não discutirmos diretamente a imagem de pessoas pretas, refletidas pela ImprenUm ranço abstrato erguido por uma so- sa e também pela Televisão. ciedade com um racismo dúbio, que não ousava declarar abertamente “eu odeio É mais certo que encontramos negros negros”, mas utilizava-se dos artifícios em programas policiais do que em realiindiretos para manter essa população ties que falam sobre gastronomia, moda, hierarquizada. Desde a abolição da es- cultura. A superioridade branca é reacravidão manifestações culturais negras firmada nas dimensões ligadas a divereram vistas como nocivas em uma so- são e intelectualidade, enquanto sobra ciedade totalmente dependente da ima- para homens como Babu a imagem do gem europeia em seu estilo de vida. Isso agressivo e do rabugento, colocando-o levou a criação da Lei da Vadiagem, em no lugar pré-estabelecido pelo racismo. 1942, que criminalizava “habitualmente à Um desses lugares é a cozinha, como a ociosidade” e quem não tinha uma ren- gente ouvia muito no passado o dito poda de trabalho que pudesse comprovar. pular de quem “tem um pé na cozinha”.
Para os participantes, esse é o lugar do Babu em uma posição inferior na casa, a Xêpa. Numa das polêmicas, Marcela soltou: “Juro, eu tenho dó, porque ele está há muito tempo na xepa. Eu pensaria em tirar ele um dia” e foi respondida por Daniel com “E a imagem dele só vejo lá [na xepa], agora, aqui [no vip] não vejo a imagem dele de jeito nenhum. O Big Brother Brasil 20 está se mostrando um espelho perfeito de como funciona o racismo cordial brasileiro. Duvido que algum dos participantes vai dizer abertamente que não gosta da cor do Babu, nem os inventores do racismo tupiniquim faziam isso. Basta ler alguns para perceber que a covardia expressa no eufemismo é o dna do nosso preconceito. Cada dia que sobreviver no jogo, Babu vai enfrentar as dinâmicas racistas brasileiras, que ficam mais fortes na medida que ele se aproxima do topo na hierarquia social sem abandonar os ideais da negritude. Quando não for discriminado dentro do programa, será nas redes sociais ou pela própria sociedade que empurra um ator talentoso para a necessidade de se sujeitar a esse tipo de exposição, na expectativa de não ser mais um desconhecido e conseguir mais trabalho para sobreviver.
O processo de não-reconhecimento social do escravo gerou consequências deletérias para o liberto inserido na nascente da sociedade de classes
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ELAS DIZEM
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POR GABRIELA COSTA ILUSTRAÇÃO LABORATELIE
Lá no início, quando tudo ainda era nada para nós e a gente achou que era cedo para pânico, eu não fazia ideia de que tudo ia virar de cabeça para baixo em uma fração de segundo e a tudo o que eu conhecia como hábito teria de mudar. Novos hábitos levam tempo para realmente se tornarem um hábito, já ouvi dizer que é preciso 21 dias até que isso ocorra. Ficar de quarentena já é algo novo o suficiente, mas em um momento me vi em conflito com o que vocês podem considerar como a mais simples das novas tarefas. Usar máscara. Saí poucas vezes de casa nesses quase 50 dias, mas quando precisei sair, usei máscara. Na primeira vez, era um ou outro que também usava. Na segunda vez, comecei a me perguntar se eu estava exagerando de colocar uma máscara só para pegar delivery no térreo do meu prédio. Era um sentimento engraçado. Quase como quando você está com o dente sujo e ninguém te conta: você sabe que as pessoas estão estranhando algo, mas não entende o que. Como o brasileiro só aprende na marra, precisou ser obrigatório com direito a multa para todo mundo realmente começar a usar máscaras na rua. E aí que percebi. Usar máscara era como ir à uma festa. Se todo mundo está fantasiado e você não, é desconfortável. Se ninguém está fantasiado e você está, também. Sair sem máscara é fora de cogitação, porque a festa agora é a fantasia.
e até se seu dente estava sujo. Saudades de ver se um dente está sujo? Não é isso, entende? É tudo o que envolve o uso da máscara. É triste, você respira no seu rosto, embaça os óculos, machuca a orelha, mas é necessário. Por mais que ela represente tudo aquilo que a gente não queria estar vivendo, ela também é o que te protege. Protege o outro. Ainda que não completamente. E o que a gente mais quer agora é proteção. Ficar em casa é estar protegido. É uma pena que muitos não se sintam assim, na verdade. Nesse momento isso se equivale à um abraço da sua mãe quando você não consegue dormir. E até o abraço hoje está em extinção. Só com álcool em gel. Mas esse assunto fica para outro dia.
Sabendo disso, minha mãe resolveu usar tecidos que ela jogaria fora para fazer máscaras de pano e doar para quem quisesse. Durante uma semana ela vinha todos os dias no meu quarto perguntando se eu queria escolher uma para mim. Eu já tenho uma, mãe. Você vai precisar ter várias. Várias? Fiquei pensando. E aí me vi com os olhos cheios de lágrimas por ter que usar uma máscara. E porque eu já estava com saudades das pessoas e agora quando eu puder vê-las, se é que esse dia vai chegar, elas vão estar de máscara também. Fiquei com saudades de uma coisa simples que eu jamais teria dado valor: olhar para o rosto de uma pessoa e reparar nos movimentos de sua boca, no franzidinho do nariz ao dar risada
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ELAS DIZEM
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POR SOFIA SCHOEDL ILUSTRAÇÃO LABORATELIE
Todo mundo está se sentindo meio sozinho. Conversei com a minha terapeuta, e ela me disse que fizeram tomografias em pessoas que estão realizando o isolamento social, e que as partes do cérebro que se iluminavam eram as mesmas iluminadas de quando estamos com fome. Socialização é uma necessidade humana, e estamos parcialmente privados dela. Estamos com fome de carinho, atenção e abraços.
no meio de uma pandemia, que pessoas maiores de 60 anos tem maior taxa de mortalidade pela Covid-19, que ninguém pode sair de casa. Que estamos no meio de uma crise de saúde, de economia e de política, e que, mesmo que querendo, não podemos entrar na clínica.
Nesses momentos, não posso deixar de pensar na minha vó. Tínhamos uma rotina, no mínimo 5 dias No começo desse ano, transferimos ela para uma casa de por semana alguém ia visita-la. Agora, repouso. Ela é bem velhinha, tem Alzheimer, e está sendo não vamos mais. Sua única companhia alimentada por sonda, porque quando ela come, broncoaspira, são as cuidadoras, e as vezes uma ene já teve um monte de pneumonia. Ela adorava comer, prin- fermeira ou fisioterapeuta. Em seu frágil cipalmente seu lanche da noite com chá. Também precisa de pensamento, a única coisa que deve fazer oxigênio extra pra respirar, porque se não, a oxigenação do sentido é a mais fácil de alcançar: que nos sangue cai. Até pouco tempo atrás, também só urinava por cansamos dela, a deixamos apodrecer sonda, mas agora melhorou, e está conseguindo fazer na fralda. em um asilo e fomos viver nossa vida, Decidimos pela transferência porque estava sendo mais finan- mandando um cheque mensalmente. O ceiramente viável colocá-la em uma casa de repouso do que que não poderia ser mais distante da vermanter aluguel de cama hospitalar, cuidadoras 24h, oxigênio dade (dona Lídia sempre foi um pouco e as contas da casa. Além disso, no caso de uma emergência, exagerada. Nada passível de mudança). sempre há um médico de plantão para atende-la. Nos falamos por vídeo ocasionalmente, menos vezes que nos veríamos normalEla é uma pessoa extremamente frágil, mas muito resiliente mente, e com certeza não é a mesma ao mesmo tempo. Pela doença, parece ser um disco riscado, coisa. Não sei se ela lembrava que a visisempre repetindo as mesmas frases, os mesmos pedidos (pede tamos quando pisávamos pra fora do sempre por chá, e sempre recebe a mesma explicação de que quarto, e não sei se ela lembra que nos não pode. Mesmo espessado), e até os mesmos nomes: chama falamos quando terminamos a ligação. Ela todas as cuidadoras de “Maria”, talvez porque sempre estava parece, talvez, mais triste quando ligamos a chamar pela minha tia Marisa, e uma cuidadora que ficou para ela, porque se lembra da situação. bastante com ela se chamava Maria. As vezes lembra meu Minha vó está sim, com fome, talvez mais nome, as vezes não. Parece que tem muito medo de morrer, do que todos nós. De chá com bolo, mas, mas só quando sente que está próxima. Mas o que ela mais principalmente, de abraços. teme é ser abandonada. E pela segurança dela, e também de todos os outros habitantes que são de grupo de risco da casa de repouso onde ela mora, foi proibido a entrada de visitantes no complexo. O que significa que o maior medo dela se tornou realidade. Ela não tem cognição suficiente pra compreender que estamos
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ELAS DIZEM
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POR ANA ANTIORIO ILUSTRAÇÃO LABORATELIE
E de repente surge um novo vírus na China que nos coloca em uma situação que nunca antes pensamos que iríamos estar. A cada dia que passa, são milhares de pessoas infectadas e muitas, mas muitas mortes. Alguns diziam que não ia ser tão grande, outros sempre nos alertaram, mas o que está acontecendo, só o tempo vai nos esclarecer. Poderia falar sobre mil coisas, mas algo que tem me chamado atenção é como seremos depois desse surto, afinal, nossas atitudes vão mudar? Nossa maneira de olhar o mundo? O que comemos e onde frequentamos? Ou vai acabar sendo só mais um escândalo que vamos todos esquecer daqui uns meses? Porque uma vez que tudo voltar ao “normal”, não vamos ouvir falar mais nisso. Nosso planeta estava realmente precisando de um descanso, e apesar de sempre ter demonstrado, foi preciso acontecer uma catástrofe mundial para ser ouvido. As pessoas aplaudem os níveis de gases poluentes terem diminuído, ou aquela história de que tinham golfinhos nos canais de Veneza e até mesmo os artistas que estão fazendo apresentações em suas sacadas, mas elas realmente se importam? Ou só estão à procura de coisas positivas e alegres no meio de um momento tão complicado? Algumas coisas estão passando a ser mais valorizadas, mas quanto tempo isso vai durar? Quando finalmente pudermos sair de nossas casas, e voltar a frequentar lugares públicos, tudo isso vai ser esquecido. Porque é impossível ir pro meu trabalho sem carro, eu faço o que quiser nas minhas férias e se meu vizinho começar a tocar guitarra meio alta no meio da tarde, eu vou precisar reclamar.
afeta, e como não poder dar um abraço em uma pessoa querida nos chateia. Empresas estão falindo, escolas se reinventando, trabalhadores lutando e pessoas morrendo. Mas mesmo assim, o show deve continuar. Bola pra frente, porque a gente não pode parar. Acho que lá na frente, quando pararmos para observar o que estávamos vivendo, a gente perceba que tudo, sem exceções, foi de nossa responsabilidade. E olha, não digo somente o alarme do Covid-19, mas sim, da situação que nosso planeta se encontrava. E realmente espero muito que esteja melhor até lá. Sendo assim, fico positiva em afirmar que algumas coisas irão melhorar, mas cabe a nós entendermos tudo isso e de fato mudar nossos hábitos. Afinal, todos nós sabemos que é preciso dar o primeiro passo para começar a caminhada... mas quem vai dar o primeiro passo?
Mesmo não conseguindo imaginar uma grande mudança em massa, vejo aqueles que provavelmente vão mudar significativamente no aspecto individual. Porque com esse isolamento social descobriu muitas coisas. Sobre si mesmo e sobre a nossa sociedade como um todo. Não são muitos que tem essa consciência e privilégio, mas eles existem. Sem dúvidas, levaremos muito aprendizado dessa pandemia, pois estamos vivendo de uma forma totalmente diferente do que éramos habituados. Vemos a importância dos relacionamentos sociais, como viver isolado de tudo e de todos nos
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Graças ao movimento contra as vacinas, que se baseia em fake news, doenças graves (e evitáveis) como o sarampo voltaram a ser motivo de preocupação TEXTO LUCAS FERRAZ ILUSTRAÇÃO JOÃO MONTANARO
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staria o direito individual acima do “O mais espantoso, e que não saiu em coletivo?”, pergunta Massimiliano nenhum jornal, é que recebi durante o Fedriga, político que virou chacota período em que fiquei no hospital várias global. A internação dele em março, por mensagens desejando a minha morte”, cinco dias, para tratar uma catapora, foi conta. “Minha questão é a liberdade de notícia no mundo todo. escolha – a vacina não pode ser imposta.” Filiado a um partido acostumado Governador de Fruili-Venezia Giulia, uma a inflamar o debate em temas como a das regiões do norte da Itália, e membro defesa da família tradicional e das políticas da Liga, partido da extrema direita e hoje contra a imigração, o político de 38 anos, a maior força política do país, Fedriga o mais jovem governador da Itália, disse é um dos expoentes desse movimento ter se espantado com o ambiente “tóxico que prega a liberdade da vacinação. Ele, e extremista” sobre a questão, agora contudo, acabou indo parar no hospital classificada por ele – já recuperado e de vítima da doença cuja melhor maneira volta às funções políticas – como uma de prevenção é exatamente a vacina. A “guerra típica das torcidas organizadas”. vacina tetra viral, que protege contra Ele reclama ter sido uma vítima do que sarampo, caxumba, rubéola e catapora, é é o principal responsável do movimento disponibilizada gratuitamente pelo Siste- contra as vacinas: a desinformação. ma Único de Saúde desde 2013.
Ameaça Global
A resistência à vacinação foi listada pela Organização Mundial da Saúde (oms) como uma das dez maiores ameaças à saúde global neste 2019. Segundo números preliminares do órgão, os surtos de sarampo, doença altamente contagiosa, aumentaram 300% no mundo nos primeiros três meses deste ano em comparação ao mesmo período de 2018. O crescimento foi maior na África (700%) e na Europa (300%). Relatório do Unicef, órgão da Onu para a infância, cravou que 98% dos países reportaram aumento nos casos de sarampo, doença que ressurgiu em locais que até pouco tempo atrás estavam perto de erradicá-la. Os três piores do ranking (que compara 2017 com 2018), respectivamente, foram Ucrânia, Filipinas e Brasil. A organização alertou: “A verdadeira infecção desse mundo é a desinformação do povo”.
Desinformação
Como acontece com os terraplanistas, os descrentes do aquecimento global e os que acreditam que o nazismo era de esquerda, o principal canal difusor das (des)informações é a internet, especialmente redes sociais como o Facebook. Pressionada, a plataforma criada por Mark Zuckerberg desativou recentemente anúncios com conteúdos contra a imunização nos Estados Unidos, onde estima-se que esse tipo de publicidade atingia quase 1 milhão de pessoas. Na Europa, o aumento dos casos de sarampo – o maior índice em 20 anos – foi relacionado à expansão da agenda populista de direita e anti-establishment, que tem a causa como bandeira política. O cerne da crítica é a imposição das vacinas, método que alguns políticos chamam de stalinista.
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Jogo sujo
Em 1998 foi publicado na Inglaterra um estudo que deu grande impulso ao movimento antivacina no mundo. O responsável foi o gastroenterologista britânico Andrew Wakefield, que sugeria a relação entre a vacina tríplice e o autismo. Apesar das insinuações, o próprio Wakefield escreveu: “Não provamos uma associação entre a vacina contra sarampo, caxumba e rubéola e a síndrome descrita”, sugerindo a realização de novas pesquisas para melhor conhecimento sobre assunto.
Segundo a bióloga norte-americana Donna Haraway, o debate sobre a vacinação envolve “dualismos inquietantes”. Após ser mãe, a escritora Eula Biss investigou o tema no livro Imunidade: Germes, Vacinas e Outros Medos (publicado em 2014 O estudo causou um rebuliço no meio e lançado no Brasil no ano passado pela científico. Pouco depois, um jornalista editora Todavia). Para ela, os dualismos descobriu que essa pesquisa foi finan- referidos por Haraway “jogam a ciência ciada por um advogado que tinha várias contra a natureza, o público contra o causas contra um fabricante de vacinas. privado, a verdade contra a imaginação, o O Conselho Geral de Medicina da Grã- eu contra o outro, o pensamento contra -Bretanha abriu investigação sobre o tra- a emoção e o homem contra a mulher”. balho de Wakefield e concluiu que ele era “irresponsável e desonesto” e violou O Brasil, felizmente, ainda não tem um “repetidamente princípios fundamentais movimento antivacina organizado, mas da pesquisa em medicina”. diversos médicos, pesquisadores e até mesmo o próprio governo federal se Proibido de exercer a profissão no Reino dizem preocupados com a disseminaUnido, emigrou para os Estados Unidos, ção (quase sempre em redes sociais) de onde ainda hoje é um ícone, mesmo após informações falsas e teorias conspiratóa desconstrução de sua pesquisa – ainda rias. No caso do país, trata-se de grupos em abril deste ano, mais um grande estu- nanicos no Facebook que muitas vezes do, que avaliou mais de 650 mil crianças, somente reproduzem as mensagens direfutou as suas conclusões. fundidas em outros países.
1763 1796
Entre 10 e 16 de novembro, o Rio de Janeiro foi palco dos protestos da Revolta da vacina. A campanha, moralista, questionava até a nudez das mulheres durante a imunização
1904
Na Inglaterra, a vacina contra a varíola é desenvolvida usando varíola bovina. Clérigos se opõem à novidade, dizendo que a doença é punição divina e não deve ser tratada
1998
Mas, como em todo movimento, nele há algumas subdivisões e divergências: uns pregam a liberdade vacinal e outros rejeitam todo e qualquer tipo de vacina. E não é uma pauta somente da direita populista em ascensão. Há entre os adeptos muitos naturalistas que sempre votaram na esquerda e que veem com desconfiança o sistema de vacinação “massificado”, como dizem. Eles também replicam falsificações sobre uma suposta conspiração global entre governos e a indústria farmacêutica, algumas envolvendo o dono da Microsoft, Bill Gates, por suas enormes doações à causa de vacinas.
Na França, a inoculação da Varíola (técnica que precedeu a vacina) é proibida pelo parlamento. Voltaire (ele mesmo, o filósofo) é um dos que defendem veemente a imunização
O médico Andrew Wakefield publica estudo que relaciona a vacina tríplice viral com o autismo. Apesar de ter sido provada a fraude, o material ainda é citado pelo movimento
Dos 83 mil casos de sarampo na Europa só em 2018, 53 mil foram registrados na Ucrânia, mas os índices foram alarmantes também em países como Sérvia e Grécia. O número de descrentes aumentou ainda na França e Alemanha. Diante desse cenário, o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC) tem dispensado tempo e recursos para enfrentar a “hesitação vacinal”. O órgão lembra que a vacina é o principal meio de prevenção primária de doenças e uma das medidas de saúde pública com melhor relação custo-eficácia. A imunização ainda é a melhor defesa contra doenças contagiosas graves que podem ser fatais.
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II PALITOS INDICA
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Na caneca Bolo de chocolate
Tempo de preparo: 7min Rendimento: 1 caneca Nessa quarentena, quem não está louco procurando doces pra comer? Você faz essa receitinha em 2pê, com ingredientes super simples, e mata aquela vontade de bolo da vovó. Tudo que você vai precisar é: 3 colheres (sopa) farinha de trigo 1 e ½ colher (sopa) de açúcar 2 colheres (sopa) de achocolatado 5 colheres (sopa) de leite 1 colher (sopa) azeite ou óleo ½ colher (sopa) fermento em pó Com tudo isso em mãos, você só precisa juntar tudo. Misture o óleo, o açúcar, o leite, o achocolatado. Dai coloque a farinha e o fermento e mexa delicadamente até encorpar e ficar homogênia. Leve por 4 minutos no microondas na potência máxima. Tá pronto seu bolinho!
Moscow mule
Tempo de preparo: 10min Rendimento: 1 caneca Não vão acreditar se você falar que não tá sentindo falta do barzinho de sexta. Pra te ajudar a encarar a quarentena de uma maneira mais leve e descontraída, que tal trazer o happy hour dentro de casa? Presta atenção no que você tem que ter: 1 dose de Vodka 1 limão 1 canela em pau 2 folhas de hortelã 1 colher de gengibre picado Açúcar mascavo Cubos de gelo Água com gás Daí em uma panela leve uma xícara de água filtrada, o açúcar mascavo, o gengibre e a canela em pau. Deixe ferver. Em uma caneca (a tradicional é de cobre, mas não precisa), acrescente o gelo, o suco do limão, a vodka, o líquido de gengibre e canela feito anteriormente e complete com a água com gás. Finalize com as folhas de hortelã.
Divulgação
Apps Stopots
IOS e Android Gratuito
É a versão virtual do Stop, aquele jogo de advinhar as coisas com certa letra. É otimo para dar boas risadas – e discutir se “gelo” é cor.
Zoom
IOS e Android Versão gratuita
Rappi
IOS e Android Gratuito
Serviço de delivery bastante conhecido mas que se diferencia dos concorrentes por entregar qualquer coisa, de fato o céu é o limite.
Aplicativo bastante utilizado, que permite fazer videoconferências com uma grande quantidade de participantes, basta convidá-las.
Tik Tok
IOS e Android Gratuito
É uma rede social de vídeos curtos. É um dos aplicativos mais usados na quarentena e já tem criado os novos influencers da geração.
Instas
@boletinhos
Todos sabemos que chega uma hora, que precisamos ter autonomia financeira e esse insta aqui ajuda a gente saber como lidar com tudo isso da melhor maneira. instagram.com/boletinhos
@sentomesmo
Senta. Sento mesmo. Sento forte. Esse perfil aqui posta sobre sexo da maneira mais natural possível, além do mais, por que não deveríamos? instagram.com/sentomesmo
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II PALITOS INDICA
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Livros Meu Ano de Descanso e Relaxamento Ottessa Moshfegh
A narradora é bonita, bem de vida, mas tem o peito vazio, muitos problemas de família e um asco pela humanidade. O jeito que encontrou foi se esconder para se autopreservar; driblar as mazelas e o trabalho pela via dos entorpecentes.
A origem do mundo Liv Strömquist
De forma bem-humorada, mas com algumas pitadas de irritação e sarcasmo, Liv faz do quadrinho uma aula, onde ela ilustra um panorama de teorias e mitos que direcionaram a forma como nossa sociedade lida com aquilo que se costuma chamar “genitália feminina” e que, consequentemente, refletem no tratamento das mulheres.
A sutil arte de ligar o f*da-se Mark Manson
Publicado no princípio de 2018, o livro de Mark Manson é duro, cru, mas ao mesmo tempo extremamente honesto e tece uma crítica à sociedade contemporânea que se habituou ao pensamento sempre muito positivo.
Séries
Sex education
Pandemia
Netflix Em uma época onde a educação sexual é vista como depravação moral por boa parte dos brasileiros, sex education cai como um par de luvas para os jovens. A questão que precisamos encarar é que os jovens estão fazendo sexo.
Netflix Chegou no catálogo da Netflix em janeiro e é instigante, sem causar nenhum alarme exagerado. A série documental é uma belíssima aula sobre a importância da ciência e sobre como uma “gripezinha” é uma catástrofe mundial.
A vida e a historia de Madam C.J Walker
Explicando
Netflix Contra todas as expectativas, Walker foi a primeira mulher negra milionária nos Estados Unidos a conquistar a própria fortuna. Com momentos de emoção e uma trama que vai te conquistar desde o primeiro episódio.
Netflix A série documental que é produzida pela Netflix em parceria com a britânica VOX se distingue no horizonte pelo formato enxuto – são episódios com menos de 20 minutos – e pela pluralidade temática. A cada semana “Explicando” examina e discorre sobre um tema diferente.
doispalitos.com.br maio 2020
II PALITOS INDICA
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Filmes Grandes olhos
Netflix É baseado na história real de Margaret Ulbrich, uma pintora insegura que acaba deixando seu marido Walter Keane receber todo crédito de suas pinturas. Mas como todos teriam acreditado nessa farsa durante tanto tempo? Por que Margaret teria se deixado levar pelo esquema?
Milagre na cela 7
Netflix É o tipo de história edificante e emocionante que sempre é um prazer para todos. Trata-se de uma garotinha desesperada para recuperar seu pai falsamente acusado de um crime e com deficiência mental.
Felicidade por um fio
Netflix É um filme lindo, que nos traz diversas reflexões sobre padrões impostos pela sociedade. É uma história de amor diferente, que não acontece primordialmente entre uma mulher e um homem, mas sim entre ela e ela mesma.
Youtube Epicurious
Uma das suas séries de vídeos é o “4 levels of cooking” onde três pessoas, com níveis de habilidade culinária diferentes, cozinham um mesmo prato, e são analisados depois por um cientista de comida. Cuidado, que a fome vem. youtube.com/epicuriousdotcom
Cymye
A brasileira Cyntia Midori mora na China e com a pandemia passou a mostrar o dia a dia do confinamento, e agora mostra como a cidade, vizinha de Hong Kong, está saindo dele. youtube.com/cymye
Human the movie
Feito com filmagens aéreas exclusivas e histórias pessoais, o documentário foi filmado em 60 países por dois anos. Ele desenha o retrato da humanidade atual. É um ótimo jeito de refletir sobre nossas vidas. youtube.com/HUMANthemovie2015
Spotniks
Toda semana postam vídeos exclusivos que informam, divertem, emocionam e ainda estouram a sua bolha, fazendo você enxergar tudo o que acontece de relevante nesse planetinha azul com a visão panorâmica da órbita espacial. youtube.com/tvspotniks
doispalitos.com.br maio 2020
II PALITOS INDICA
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Playlist
Me conta da tua janela Anavitória
O duo Anavitória surpreendeu os fãs com o lançamento que fala com grande delicadeza sobre as sensações vividas durante a quarentena e toda arrecadação do lançamento será encaminhada aos profissionais autônomos da indústria.
Future nostalgia Dua Lipa
A sonoridade dançante do álbum resgata as tendências do pop e da música disco trazendo um toque bastante moderno. Confira a faixa Physical, que é uma das músicas perfeitas para arrastar os móveis da sala e dançar muito.
Podcast Mamilos
Spotify, Apple Podcasts, Pocket Casts e Google Podcasts O nome faz sentido: o Mamilos discute semanalmente temas polêmicos – por isso a piada que faz alusão ao meme dos mamilos polêmicos – e complexos, sempre com a opinião de especialistas e de uma forma completamente imparcial.
Braincast
Spotify, Apple Podcasts, Pocket Casts e Google Podcasts Apesar de ser um podcast que começou dedicado ao público que trabalha com marketing e comunicação, o Braincast aborda vários temas diferentes em seus episódios. Semanalmente os convidados discutem a temas importantes para a sociedade.
BEIJO, TCHAU
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