PRO ROLÊ QUE HABITA EM VOCÊ
VAI SE JOGA & PLAY
BULA
A TARJA é a revista que questiona, incomoda e esclarece, isso devido ao fato de sermos muito diferentes de qualquer revista de negócios que você já pode ter lido, afinal, aqui falaremos sobre negócios paralelos à sociedade, que são negligenciados de um espaço plural na mídia tradicional. Semestralmente convidaremos você, leitor, a indagar-se sobre negócios que muitas vezes não temos noção de sua magnitude, de seu funcionamento e influência na contemporaneidade. Cada edição publicada abordará uma dessas atividades, com edições sobre drogas, pirataria, apostas, corrupção, deep web e, nesta edição, prostituição e pornografia que são os dois eixos da nossa revista, apresentados respectivamente pelas cores rosa e vermelho, predominantes nas páginas de cada um dos eixos.
Com um jornalismo investigativo aguçado, seremos o seu excipiente de assuntos densos, para que você possa consumir sem obstáculos e da forma mais clara possível uma análise complexa, apurada e detalhada sobre os temas. Visando assim, também pleitear um espaço para os acontecimentos e situações que ocorrem acerca destes negócios excluídos, e provocar você a perceber, refletir e entender o que consome no seu dia a dia de forma até então despretensiosa.
Para que assim, os tabus possam ser revelados para você como nada mais que uma encenação daquilo que é aceito pela sociedade, e posteriormente, apoós a leitura, você tenha novas possibilidades de ser, atuar e enxergar o mundo, com um senso crítico afiado, buscando promover ainda mais questionamentos sobre o cotidiano, seus arredores e o funcionamento do mundo.
Escola Superior de Propaganda e Marketing Graduação em Design Turma DSG3B – 2023.1
Projeto III – Marise De Chirico
Cor, Percepção e Tendências – Paula Csillag
Produção Gráfica – Mara Martha
Ergonomia – Matheus Pássaro e Carolina Bustos
Finanças – Alexandre Ripamonti
Marketing Estratégico – Leonardo Aureliano
Projeto Editorial e Gráfico
Ana Carolina Albertoni Giraldes
Eduardo Henrique Nicoletti Guimarães
Gabriel Haddad Camargo de Amorim
João Victor Mateus Manojo
Pedro Correa De Jacomino
Santiago Xavier Smith
COLABORADORES
Petra Collins
@petrafcollins
Artista e fotógrafa canadense, cuja identidade são suas fotos com uma sensação feminina e onírica, informada em parte por uma abordagem do olhar feminino.
Nicholas Kristof @nickkristof
Escritor e político afamado por suas colunas poderosas sobre o sofrimento entre as pessoas esquecidas do mundo, uma estrela-guia em questões de pobreza, dignidade e justiça.
Sérgio Rodrigues @sergiotodoprosa
Consagrado escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”, tendo uma como vertente em suas pesquisas e colunas a área da gramática.
Michael Oliver Love @michaeloliverlove
Fotógrafo caracterizado por imagens dinâmicas, combinando corpos bronzeados com cores ousadas e linhas curvas que refletem a paisagem natural.
Peggy Orenstein @pjorenstein
Como colunista escreve sobre a política da vida cotidiana e negócios, geralmente relacionada ao gênero. Seu livro ‘‘School girls’’ discutiu a desigualdade educacional.
Pamela Paul @pamelapaul2018
Escritora com vasta pesquisa sobre tendências sociais, culturais, e pornografia, assuntos de seu livro ‘‘Pornified’’. Testemunhou sobre no senado americano.
SIMONE DE BEAUVOIR JOSÉ SARAMAGO
Escolher marido por dinheiro. Que miséria! Não há, no mundo, pior espécie de prostituição.
Entre as que se vendem pela prostituição e as que se vendem pelo casamento a única diferença consiste no preço e na duração do contrato.
EMICIDA
A mesma grana que compra o sexo, também mata o amor
Traz a felicidade, também chama o rancor.
SÉRGIO RODRIGUES
Pornografia é uma palavra
muito mal entendida
Beijar alguém do mesmo sexo não é pornografia.
Exibir pistola automática em hospital é.
NATÂNIA LOPES
‘Supunham muros entre o Cabaré e a Universidade’: puta-antropóloga desafia os limites da academia
É num pequeno escritório no bairro de Oswaldo Cruz, Zona Norte do Rio de Janeiro, que Natânia Lopes se dedica à escrita. Antropóloga e pós-doutoranda em literatura na Universidade Federal Fluminense (UFF), a pesquisadora está prestes a lançar seu segundo livro em um ano, narrando as trajetórias possíveis entre as escadas do Cabaré e os muros de sua universidade estadual.
Desde 2012, Natânia pesquisa a prostituição feminina de luxo no Rio de Janeiro, enquanto atua como prostituta em casas de “alto escalão” da cidade. “Eu não sei se eu teria virado prostituta se eu não fosse antropóloga. Do jeitinho em que arranjei as coisas, ser prostituta confirma meu lugar de antropóloga. Por incrível que pareça, os papéis se alimentam”, diz, enquanto divide a atenção entre a entrevista e os carinhos do filho Bento, de 7 anos.
rídica e a mergulhar nos espantos e inseguranças de um campo de trabalho que pressupõe a vivência constante com o desconhecido, muitas vezes desconfortável.
Natânia é ativista do Movimento Brasileiro de Prostitutas, e integra a Rede Brasileira de Prostitutas e o Coletivo Puta Da Vida, fundado por Gabriela Leite, em 1992. A militância, para ela, surgiu não só como caminho político na defesa dos direitos das trabalhadoras sexuais, mas também como artifício para sustentar sua dupla posição de trabalho dentro da universidade. Sentada na cozinha da casa herdada da avó, a pesquisadora retoma a sua entrada, em 2005, no curso de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. À época, intercalava os estudos com o curso de direito, na Universidade Federal do mesmo estado. Foi o fascínio pelos trabalhos de campo e a inspiração em uma irmã que seguiu a carreira acadêmica que a levaram a desistir da esfera ju-
Na antropologia, pesquisou formas de criminalidade e criminalização dos pobres enquanto se relacionava com um namorado que havia acabado de sair da cadeia. No doutorado, o fascínio pelas putas e sua mística a levou para o Cabaré. A decisão desafiou os limites do método antropológico. Poderia uma pesquisadora se prostituir para fins de pesquisa? ou poderia uma prostituta romper as barreiras morais e ser uma pesquisadora? O embate rendeu alguns desgastes na academia, tanto na turbulenta relação com sua orientadora quanto com o breve contato com um professor que a receberia na França para cursar um período sanduíche na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris. Natânia precisou devolver a bolsa de seis meses fornecida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ouviu repreendida que seus desejos de pesquisa não serviriam ao campo. “Se você fizesse um trabalho de campo como babá, empregada doméstica, eu até poderia entender, mas garota de programa é realmente inaceitável, uma questão moral”, ouviu do professor. A trajetória na academia é narrada em Cabaré, livro de autoficção lançado pela Editora Urutau no início do ano. Para Natânia e o Movimento de Prostitutas, o trabalho sexual deve ser reconhecido como um trabalho. A regulamentação da profissão e a garantia de direitos faz parte da luta histórica do chamado “puta-ativismo”, que defende o reconhecimento da prostituição como uma atividade legitimada pelo estado.
Em 2012 o então Deputado Federal Jean Wyllys propôs o Projeto de Lei (PL) 4211/2012, que determinava a regulamentação da profissão e considerava profissional do sexo “qualquer pessoa acima de 18 anos, em plena capacidade de suas funções mentais e físicas, que presta, voluntariamente, serviços sexuais em troca de dinheiro”. O PL ficou conhecido como Gabriela Leite, em homenagem à prostituta e ativista que lutou pelo movimento desde a década de 80 O projeto, segundo o ex-deputado, em entrevista à Agência Câmara de Notícias, poderia garantir maior acesso à saúde e à segurança das trabalhadoras, além de contribuir no combate à exploração sexual, uma vez que possibilitaria
“Eu não cantava mais o canto das sereias. Eu era o canto” relata, relembrando seu passaado. Depois de varrer o tranquilo quintal no subúrbio carioca, Natânia reflete sobre a incursão no campo da prostituição e no mundo da antropologia. Diz que ambos trabalhos só fazem sentido se estão alinhados à escolha e ao desejo de quem o faz. O dinheiro, é claro, é parte central da dualidade. A boa remuneração em curtas jornadas de trabalho permite não só dedicação à escrita acadêmica, como também o sustento da casa que vive com o seu filho.
o controle do Estado sobre o serviço. Mesmo com forte mobilização do movimento de prostitutas, o PL acabou arquivado após pressão de grupos conservadores e contrários à medida. Natânia entende o reconhecimento da profissão como o rompimento de um estigma que regulamenta os corpos das mulheres. Para a prostituta, a marginalização da categoria está profundamente relacionada com os preconceitos de gênero e classe que operam nas sociedades. “As prostitutas são sempre chamadas a dar explicações sobre o porquê de se prostituírem. todos querem saber o que as teria levado até ali. Aos médicos, com seus bisturis em riste prontos para abrir barrigas, ninguém pergunta nada a respeito dos seus desejos estranhos; nem aos juízes, nem aos garis, aos antropólogos ou às manicures”, escreve, em Cabaré. O reconhecimento dos direitos das putas, para ela, possi bilita a redução dos riscos que as profissionais já enfrentam no exercício de suas atividades. A garantia de condições de trabalho atenderia principalmente à maioria das trabalha doras que atuam no “baixo meretrício”, onde estão mais sujeitas à violência e à vulnerabilidade associada à classe.
PROSTITUTA
DEVE SER
RECONHECIDA
COMO
PROFISSIONAL
A ruptura moral de receber dinheiro através do sexo é, para ela, uma alternativa à regulação e objetificação dos corpos femininos. Se há desejo e liberdade para ser o que se quer, por que não o fazer? Natânia diz que sua experiência parte da confirmação de uma escolha não só acadêmica, mas também de vida. O trabalho como prostituta está relacionado com o trabalho como antropóloga, e há, em tudo que faz, profunda conexão entre suas experiências e seu próprio modo de vida.
Natânia reconhece que sua jornada tanto como prostituta quanto como antropóloga não é convencional, mas acredita firmemente na validade de suas escolhas. Ela vê o trabalho como prostituta não apenas como uma fonte de renda, mas também como uma forma de desafiar as rígidas normas sociais e reivindicar o direito das mulheres sobre seus próprios corpos e escolhas. Para ela, a dualidade desses papéis não é somente uma questão de sobrevivência financeira, mas também uma expressão de sua identidade e de seus ideais de liberdade e a autonomia individual da mulher. A integração entre suas experiências na academia e no campo da prostituição é uma manifestação poderosa de sua busca por autenticidade e significado em todas as áreas de sua vida.
VÍTIMAS OU EMPODERADAS
Com a aproximação da Olimpíada e a questão do turismo sexual, essa discussão entra em debate no Rio de Janeiro e nas redes sociais
TEXTO LETÍCIA GONZALEZ ARTE BEATRIZ PERINIAs festas esportivas muitas vezes trazem uma violência policial dedicada a “limpar” os centros urbanos de sua presença
TTudo começou com o anúncio “Turismo sexual e Olimpíadas: quebrando tabus”, do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas e da Marcha das Vadias. A convocação, via Facebook, anunciava uma roda de debate no dia 16 de junho, duas semanas à frente, mas a briga se inflamou ali mesmo e de imediato, na internet. Furiosas com o nome do evento, um grupo de feministas se organizou para criticar a ideia. Em dois dias, uma guerra estava declarada.
De um lado, as prostitutas, idealizadoras da conversa, propondo discutir a realidade dos megaeventos, em que a “vida fácil” não passa de ilusão. Ao invés de lucros altos, as festas esportivas muitas vezes trazem uma violência policial dedicada a “limpar” os centros urbanos de sua presença. Do outro, feministas radicais, também conhecidas como radfem, para quem a venda de sexo é sinônimo de abuso sexual. “Prostituição e pornô são estupros pagos. Regulamentar, como elas defendem, não é dar direitos, e sim transformar o corpo da mulher em objeto”, acredita a gaúcha Fabiana Baldo, jornalista e dona da página RadFem Resiste, que se engajou na discussão. O grupo milita pelo fim de toda oferta de sexo, mesmo a autônoma praticada por adultos. A prostituta Indianara Siqueira, 45 anos, travesti e presidente do Coletivo Transrevolução, foi um dos primeiros alvos. “Me chamaram de cafetina e ameaçaram me reportar à polícia. Dezenas de vezes, todos os dias desde que anunciamos o evento”, lembra. “Eu deveria ser presa, escreviam elas.” Quando colegas e ativistas entraram em defesa, passaram a ser criticadas em suas páginas pessoais também. Como resultado, quatro foram banidas da rede social após denúncias em massa. Uma delas foi a prostituta Monique Prada. “Fiz um comentário sobre os projetos de lei que falam da profissão. Meia hora depois minha página começou a sofrer denúncias e saiu do ar”, lembra. Segundo a estudante de gestão de recursos humanos Juliana Lima, 25 anos, do grupo das feministas radicais, a ação foi espontânea. “Não foi organizado. Uma mostra para outra e a coisa viraliza. A internet tem essa força”, conclui. Como outras militantes, ela acredita que “não se pode colocar um preço para o consentimento no sexo”.
“Nunca vi uma truculência tão grande. É assustador”, define o antropólogo Thaddeus Blanchette, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e estudioso da prostituição há 12 anos. “Quando as radfem se mobilizam para bloquear o perfil de alguém, estão privando essas mulheres de toda sua rede de apoio, todos os contatos que a deixam mais segura. Dizem lutar contra a vulnerabilidade das prostitutas, mas a reforçam. Cadê a sororidade?” Ele também entrou no debate e afirma ter “perdido a conta” depois da trigésima mulher a insultá-lo em menos de 12 horas. “Macho explorador e proxeneta, é o que eu sou para todas elas. Elas estão até hoje me xingando muito.”
Como o ativismo funciona?
A advogada Eloisa Samy rebate a ideia: “Dizer a verdade não é xingar”. Carioca e ativista de direitos humanos, ganhou visibilidade em 2014, quando pediu asilo político ao Uruguai depois de ser acusada de comandar protestos violentos. Ela é também uma radical. Isso inclui defender o fim do sexo pago e não aceitar transexuais e travestis no movimento feminista. “Entendemos que o transexualismo não passa de uma grande performance”.
A posição dificulta o diálogo com as prostitutas organizadas, que incluem trans como a pré-candidata a vereadora de Campinas pelo PSOL Amara Moira. Seu perfil pessoal no Facebook também foi bloqueado após denúncias. “A mim, elas rotulam: macho de saia, fetichizador da opressão feminina se prostituindo por prazer. São incapazes de aceitar a profissão como escolha.” Após notificação, ela precisou comprovar seu nome social para reaver seu perfil e defender suas ideias. “Quando elas falam que tudo é estupro, estão banalizando a coisa de forma perigosa. Se é assim, como poderei ir à polícia em caso de violência real?”
Os dois grupos se acusam de não saber ouvir. Depois de dias de críticas, as radicais que integrariam a mesa no fatídico evento foram desconvidadas pela organização. “Os ataques eram atrozes e foram piorando. Elas diziam que iriam invadir ‘de bonde’ o local. A ideia inicial era ter um diálogo, mas a violência das ameaças nos fez repensar. Não podíamos permitir que chegassem para oprimir”, explica Indianara. As radfem criaram, então, um evento paralelo para discutir o tema entre elas. Ambos foram transmitidos via streaming e disponilizados na internet.
O debate está longe de terminar. A feminista Djamila Ribeiro, atual secretária adjunta de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo, lamenta tanta agressividade. “Não concordo com feminismo de mulheres agredindo mulheres. Nesse caso específico, acredito que o protagonismo é das prostitutas. As feministas radicais não vivem essa realidade e precisam se propor a ouvir, fora do purismo teórico. Como mulher negra, entendo o que é alguém de fora querer te salvar e dizer o que é melhor. Recuso esse papel e considero violência tirarem a fala de quem vivem sua vida.”
As páginas bloqueadas pelo Facebook começaram a voltar ao uso nesta semana. O site afirma que os nomes sociais das transsexuais são aceitos mediante combinação de até três documentos para comprovar a identidade. Quanto às acusações de infração das regras por parte das prostitutas, o Facebook afirma através de comunicado enviado à TARJA: “Quando reportados, os conteúdos são analisados por um time dedicado que avalia denúncias 24 horas por dia, 7 dias por semana, em mais de 20 idiomas e em tempo reduzido de resposta”. A ideia da empresa é que essas avaliações sejam feitas de forma cada vez mais dinâmica para que quem é denunciado de forma indevida não fique muito tempo sem sua página. Na plataforma, as trabalhadoras do sexo utilizam seus links para falar de direitos mais do que para contatos de trabalho – para isso usam o Twitter e a rua. “Os clientes não têm tesão pelo ativismo”, garante Indianara.
Exploração
Estima-se que, no mundo, mais de 40 milhões de pessoas se prostituam. Desse número, 75% são mulheres com idades entre 13 e 25 anos. Os dados são de um estudo feito em 2012 pela fundação francesa Scelles, que atua contra a exploração sexual. A prostituição no Brasil é vista, legalmente, como atividade de coação, sendo a prostituta vítima da exploração de terceiros. A punição não cabe à profissional, mas ao “agenciador”. Desde 2002, a atividade é reconhecida na Classificação Brasileira de Ocupação (CBO). Grande conquista para as profissionais do sexo, mas ainda falta muito. Quando chegamos à questão da prostituição infantil, é difícil pensar que das crianças veio a opção. O grande dilema entre escolha e imposição não tem espaço nesses casos. No Brasil, o cenário da exploração infantil se encontra principalmente em áreas do Norte e do Nordeste, em espaços esquecidos, onde a fome e a miséria ecoam. A raiz dessa realidade é a pobreza extrema e deficiência do sistema educacional no país, obrigando crianças a, muitíssimas vezes, trocarem sexo por um prato de comida.
As redes mundiais de tráfico de pessoas preferem as mais jovens, e as de baixa escolaridade são alvos fáceis para a aliciação, porém, para se prostituir, não é necessário nenhum pré-requisito.
A polêmica ao redor da prostituição como opção de vida veio à tona recentemente com o depoimento da recém graduada em Letras pela UFSCAR, Gabriela Natalia da Silva. Mais conhecida como Lola Benvenutti, a jovem de 21 anos ficou famosa por declarar que vende sexo porque gosta. O preconceito intrínseco ao mundo da prostituição advém da mentalidade conservadora que reprime a expressão da sexualidade. Quando “corpo” e “liberdade” são discutidos ao mesmo tempo, é difícil chegar a uma definição saudável e que vise a libertação.
Direitos e deveres
É imprescindível a garantia de direitos trabalhistas para profissionais do sexo, assim como para qualquer atividade profissional remunerada. O Projeto de Lei número 4.211/2012 do deputado Jean Wyllys quer regulamentar a atividade. No entanto, discussões polêmicas que envolvam direitos humanos vêm encontrando barreiras ideológicas cada vez maiores. O aumento da bancada conservadora e a consequente diminuição da progressista no Congresso trava o desenvolvimento de discussões favoráveis a questões de grupos minoritários e marginalizados.
O sexo, assim como qualquer pauta comportamental, é uma questão que encontra delongas no âmbito político. Os opositores de direitos humanos básicos não percebem que o tempo perdido negando direitos que são inegáveis deveria ser gasto com a garantia de bem-estar para outras causas. A negação à regularização de profissionais do sexo só atrasa o que ajudaria a combater a exploração sexual e a promoção do bem-estar. Enquanto isso, o mal da insegurança que
tira a infância de milhares de crianças no Brasil e põe em perigo a sobrevivência de muitas mulheres grita, e encontra ouvidos que temem não escutar.
Tudo começou com o anúncio “Turismo sexual e Olimpíadas: quebrando tabus”, do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas e da Marcha das Vadias. A convocação, via Facebook, anunciava uma roda de debate no dia 16 de junho, duas semanas à frente, mas a briga se inflamou ali mesmo e de imediato, na internet. Furiosas com o nome do evento, um grupo de feministas se organizou para criticar a ideia. Em dois dias, uma guerra estava declarada.
De um lado, as prostitutas, idealizadoras da conversa, propondo discutir a realidade dos megaeventos, em que a “vida fácil” não passa de ilusão. Ao invés de lucros altos, as festas esportivas muitas vezes trazem uma violência policial dedicada a “limpar” os centros urbanos de sua presença. Do outro, as feministas radicais, também conhecidas como radfem, para quem a venda de sexo é sinônimo de abuso sexual. “Prostituição e pornô são estupros pagos. Regulamentar, como elas defendem, não é dar direitos, e sim transformar o corpo da mulher em objeto”, acredita a gaúcha Fabiana Baldo, jornalista e dona da página RadFem Resiste, que se engajou na discussão. O grupo milita
NÃO CONCORDO COM A IDEIA DE MULHERES AGREDINDO AS MULHERES
O debate está longe de terminar
pelo fim de toda oferta de sexo, mesmo a autônoma praticada por adultos. A prostituta Indianara Siqueira, 45 anos, travesti e presidente do Coletivo Transrevolução, foi um dos primeiros alvos. “Me chamaram de cafetina e ameaçaram me reportar à polícia. Dezenas de vezes, todos os dias desde que anunciamos o evento”, lembra. “Eu deveria ser presa, escreviam elas.” Quando colegas e ativistas entraram em defesa, passaram a ser criticadas em suas páginas pessoais também. Como resultado, quatro foram banidas da rede social após denúncias em massa. Uma delas foi a prostituta Monique Prada. “Fiz um comentário sobre os projetos de lei que falam da profissão. Meia hora depois minha página começou a sofrer denúncias e saiu do ar”, lembra. Segundo a estudante de gestão de recursos humanos Juliana Lima, 25 anos, do grupo das feministas radicais, a ação foi espontânea. “Não foi organizado. Uma mostra para outra e a coisa viraliza. A internet tem essa força”, conclui. Como outras militantes, ela acredita que “não se pode colocar um preço para o consentimento no sexo”.
“Nunca vi uma truculência tão grande. É bem assustador”, define o antropólogo Thaddeus Blanchette, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e estudioso da prostituição há 12 anos. “Quando as radfem se mobilizam para bloquear o perfil de alguém, estão privando essas mulheres de toda sua rede de apoio, todos os contatos que a deixam mais segura. Dizem lutar contra a vulnerabilidade das prostitutas, mas a reforçam. Cadê a sororidade?” Ele também entrou no debate e afirma ter “perdido a conta” depois da trigésima mulher a insultá-lo em menos de 12 horas. “Macho explorador e proxeneta, é o que sou para elas. Estão até hoje me xingando.”
A advogada Eloisa Samy rebate a ideia: “Dizer a verdade não é xingar”. Carioca e ativista de direitos humanos, ganhou visibilidade em 2014, quando pediu asilo político ao Uruguai depois de ser acusada. de comandar protestos violentos. Ela é também uma radical. Isso inclui defender o fim do sexo pago e não aceitar trans.exuais e travestis no movimento feminista. “Entendemos que o transexualismo não passa de performance”.
A posição dificulta o diálogo com as prostitutas organizadas, que incluem trans como a pré-candidata a vereadora de Campinas pelo PSOL Amara Moira. Seu perfil pessoal no Facebook também foi bloqueado após denúncias. “A mim, elas rotulam: macho de saia, fetichizador da opressão feminina se prostituindo por prazer. São incapazes de aceitar a profissão como escolha.” Após notificação, ela precisou comprovar seu nome social para reaver seu perfil e defender suas ideias. “Quando elas falam que tudo é estupro, estão banalizando a coisa de forma perigosa. Se é assim, como poderei ir à polícia em caso de violência real?”. Os dois grupos se acusam de não saber ouvir. Depois de dias de
AS REDES MUNDIAIS DE TRÁFICO DE PESSOAS PREFEREM AS MAIS JOVENS
críticas, as radicais que integrariam a mesa no fatídico evento foram desconvidadas pela organização. “Os ataques eram atrozes e foram piorando. Elas diziam que iriam invadir ‘de bonde’ o local. A ideia inicial era ter um diálogo, mas a violência das ameaças nos fez repensar. Não podíamos permitir que chegassem para oprimir”, explica Indianara. As radfem criaram, então, um evento paralelo para discutir o tema entre elas. Ambos foram transmitidos via streaming e disponilizados na internet.
O debate aiestá longe de terminar. A feminista Djamila Ribeiro, atual secretária adjunta de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo, lamenta tanta agressividade. “Não concordo com feminismo de mulheres agredindo mulheres. Nesse caso específico, acredito que o protagonismo é das prostitutas. As feministas radicais não vivem essa realidade e precisam se propor a ouvir, fora do purismo teórico. Como mulher negra, entendo o que é alguém de fora querer te salvar e dizer o que é melhor. Recuso esse papel e considero violência. tirarem a fala de quem vivem sua vida.”
As páginas bloqueadas pelo app Facebook começaram a voltar ao uso nesta semana, mesmo em meio ao caos. O site afirma que os nomes sociais das transsexuais são aceitos mediante combinação de até três documentos para comprovar a identidade. Quanto às acusações de infração das regras por parte das prostitutas, a plataforma do Facebook afirma através de comunicados enviado à revista TARJA diretamente.
PROGRAMA A COACHING
Vanessa de Oliveira começou a fazer programas aos 17 anos para se manter, agora é uma mulher de negócios bem sucedida
Vanessa de Oliveira começou a fazer programas aos 17 anos para se manter financeiramente. Depois, conseguiu pagar a faculdade e se estruturar a ponto de abrir o próprio negócio do zero. Ela chegou a fazer 13 programas por dia, mas não se arrepende das escolhas de vida e afirma que seu foco sempre foi “buscar alternativas para ir além”.
“Comecei a fazer programa por necessidade, já aos 17 anos.
Eu já tinha uma filha e estava na maior pindaíba, com a luz cortada. Já tinha morado com 11 mulheres na mesma casa por causa de dinheiro. Uma dessas mulheres que eu conheci tinha 53 anos e era uma senhora de programa. Um dia, ela me falou: ‘Eu, com a sua idade, ganharia muito dinheiro. Você só passa vontade porque quer. Quando quiser mudar de vida, é só me avisar que te ajudo’”, disse Vanessa, em entrevista ao blog Universa do portal UOL.
“Daí, um dia, eu estava no desespero e liguei para ela. Ela me falou algo que eu nunca mais esqueci: ‘Se o teu primeiro programa for fácil, você não vai querer parar mais’”, relatou Vanessa. “Não deu outra. Peguei um cara com ejaculação precoce, que me pagou R$ 80. Na época, isso era muito para mim. Não me senti mal em momento algum, me senti aliviada, com a vida ganha. Foi um programa de nem cinco minutos e eu só fiz as contas: se eu estou ganhando isso em uma noite, quanto vou tirar em uma semana, um mês, um ano?”, completa a ex-acompanhante.
de bolo. Até certo ponto, aquilo foi confortável para mim, mas uma hora eu quis sair, buscar algo diferente.” Enquanto ainda fazia programas, Vanessa foi estudar enfermagem. Ela trabalhava à tarde, à noite, de madrugada e, às 8h, tinha que estar de pé, na faculdade. Mesmo assim, nunca repetiu uma disciplina. Só que, naquela época, já percebia que não ia se contentar com aquela atividade, principalmente do ponto de vista financeiro. “Ia ganhar um salário de R$ 3.000 contra os R$ 10.000 reais que eu fazia no programa, e isso há mais de dez anos.”
“Comecei oferecendo conselhos em um antigo blog meu. Eu tirava sarro da mulherada, falava para elas deixarem de ser submissas aos homens. Mesmo assim, elas queriam me ouvir, me escreviam no privado e me pagavam para trocar e-mails com elas.”
COMECEI A FAZER
PROGRAMA
POR SER
NECESSIDADE
“Tive a ideia de começar a trabalhar com isso e iniciei os atendimentos on-line, como coaching de relacionamentos. E, assim, fui estruturando a minha empresa, do zero. Hoje, tenho 43 anos e meus cursos somam mais de dez mil alunas. Para mim, a profissão do sexo nunca foi um fim, apenas um meio. Eu não sinto falta, não me arrependo do que fiz e, principalmente, não fico me vitimizando. A nossa ideia como ser humano deve ser a de sempre buscar mais. E foi o que aconteceu comigo. Eu me foquei em buscar alternativas para ir além.”
“A rotina de uma garota de programa é sempre muito igual. Eu desenvolvi uma técnica de trabalho como você desenvolve em qualquer outra profissão, algo que torna as tarefas mais fáceis, menos cansativas e que permite atingir objetivos altos. Com isso, cheguei a fazer 13 programas por dia. Eu tinha desenvolvido um esquema: eram as mesmas palavras, as mesmas posições, os mesmos toques, tudo igual, receita
Atualmente, Vanessa é uma palestrante motivacional e autora de vários livros bem recebidos, onde compartilha suas experiências de vida e oferece conselhos sobre empoderamento feminino e empreendedorismo. Ela se dedica a inspirar outras mulheres a superarem desafios e a buscarem independência financeira, mostrando que é possível transformar adversidades em oportunidades de crescimento pessoal e profissional.
ITATINGA O BAIRRO DA PROSTITUIÇÃO
Criado na ditadura militar para abrigar profissionais do sexo, a maior zona da América Latina reúne mais de 1,7 mil trabalhadoras
Em 2015, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) incluiu na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) “profissional do sexo”
OO bairro planejado para prostituição, Itatinga supera crise, pandemia e revolução sexual da internet: ‘Não vai acabar’
Bairro planejado e feito para a prostituição, Jardim Itatinga reúne pouco mais de 1,7 mil trabalhadores do sexo Criado no período da ditadura militar para isolar profissionais do sexo do restante de Campinas (SP), o Jardim Itatinga se transformou ao longo de décadas em uma das maiores áreas de prostituição da América Latina. Superou crises econômicas, pandemia da Covid-19 e revolução sexual da internet para seguir pulsante. “Não vai acabar”, enfatiza a pesquisadora Carolina Bonomi, da Unicamp.
De acordo com a Associação Mulheres Guerreiras, são 117 estabelecimentos e 1,7 mil trabalhadores do sexo em atividade atualmente no Itatinga, que “funciona” 24 horas por dia. Quem circula pelo bairro, às margens da Rodovia Santos Dumont (SP-075), logo entende a fama e os números expressivos: em meio a bares movimentados, música alta e mulheres seminuas, há um fluxo intenso de veículos, com placas de diversas cidades da região.
Esse cenário até foi impactado durante a pandemia, mas não “derrubou o bairro”. Doutoranda do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), Carolina Bonomi passou um ano no local para acompanhar a rotina das trabalhadoras e os desafios enfrentados justamente nesse período da emergência sanitária.
“Impactou muito para as pessoas que consomem esse tipo de serviço. Depois que passou o Auxílio Emergencial, foi decaindo o movimento nas zonas de prostituição. E além da Covid-19, também foi se consolidando o mercado sexual online. Mas nesse caso, muitas foram integrando os trabalhos. Se a renda do presencial não estava dando conta, começaram a vender conteúdo na internet”, explica a pesquisadora, acerca do momento enfrentado pelas trabalhadoras durante o Covid-19
A maranhense Betania Santos, trabalhadora do sexo há 32 anos no Itatinga, conta que algumas companheiras até migraram para a internet, algo que ela não considera seguro.
“Eu nunca aderi a outro tipo de relacionamento com o trabalho sexual. Para mim é no portão ou na boate, não gosto dessa coisa oculta. A internet expõe e esconde muito ao mesmo tempo”, defende.
Aos 50 anos, a ativista dos direitos da categoria, que chegou em Campinas no início dos anos 1990 e criou os três filhos com a renda obtida do trabalho sexual, explica que nos últimos tempos algumas trabalhadoras até deixaram o Itatinga, mas o bairro jamais parou e, ano após ano, reforça a sua própria existência.
“A gente vai sofrendo as mudanças como todo território brasileiro, mas no Jardim Itatinga até hoje, as mudanças foram para melhor. Hoje temos muito mais possibilidades, espaço para nossas crianças, temos outros estabelecimentos.
TRA BALHO
Transformações
Carolina Bonomi vê que os períodos recentes de provação do bairro, desde os percalços da economia até o impacto da venda de sexo pela internet, como mais uma transformação dentro de um ciclo que existe no Itatinga desde sua criação.
“As pessoas perguntam se eu acho que o Itatinga vai acabar. Não, não vai acabar. É um bairro que inclusive se consolidou na época da ditadura militar, que a gente tinha regras e leis muito rígidas. Várias prostitutas sumiram, foram torturadas, e isso não impediu o crescimento do bairro, que já passou por conflitos e tensões”.
A pesquisadora defende que a própria dinâmica do bairro cria formas para ele se regular e se manter.
“São muitas casas e a gente tem que pensar que, por exemplo, o público que consome esse tipo de serviço é o mais diversificado possível. Tem gente que não se adaptou aos sites, inclusive acham inseguros não saber quem é que está contratando, mas tem quem goste, inclusive, desse convívio com a zona, que gosta do cabaré, de ir ao bar e flertar com a profissional”, pontua Carolina.
SÃO QUASE 117
ESTABELECIMENTOS
DO SEXO QUE FUNCIONAM POR 24 HORAS
Regulamentação do trabalho
Diante de uma atividade com tanto interesse, que movimenta a economia local, a questão que Carolina e Betania levantam é a importância de discutir a normatização do trabalho sexual, que permita segurança tanto para quem atua como para quem consome esse serviço.
Em 2023, uma operação conjunta de órgãos públicos em Itapira (SP) resultou, pela primeira vez no Brasil, em um acordo de reconhecimento do vínculo empregatício para três profissionais do sexo - foi celebrado um acordo para que o empregador realizasse o registro em carteira de trabalho. Em 2015, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) incluiu na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) o verbete “profissional do sexo”.
“A prostituição é um fenômeno social, ela também tem suas transformações e ela vai se adaptando a cada momento histórico. Mas a gente tem que pensar: vamos deixar essas pessoas em condições ainda mais precárias?”, indaga a pesquisadora brasileira.
BALHO
“Trabalho sexual não é crime, mas apesar de existir um reconhecimento, não existe uma formalização, que impacta não só nós, mas toda uma cadeia. No Itatinga, você tem quem venda bebidas, roupas, procedimentos estéticos. É um bairro que economicamente depende do trabalho sexual”, enfatiza a Doutora Betania.
Apesar de barreiras de uma sociedade que, na visão dela, ainda é muito conservadora, a ativista lembra que ao passar dos anos mais pessoas conseguem se declarar como trabalhadoras do sexo, mas que alguns rótulos precisam ser desfeitos. “Não tem glamour, romantismo. Trabalho sexual é trabalho. Não é fácil coisa nenhuma, e não ganha muito como se imagina. O que se pede é um direito mínimo. A possibilidade de pagar uma Previdência e, num dia que estiver doente, poder ter um auxílio. Estou pensando em poder um dia ter uma aposentadoria”, defende Betania.
A maranhense Betania Santos, trabalhadora do sexo há 32 anos no Itatinga, conta que algumas companheiras até migraram para a internet, algo que ela não considera seguro. “Eu nunca aderi a outro tipo de relacionamento com o trabalho sexual. Para mim é no portão ou na boate, não gosto dessa coisa oculta. A internet expõe e esconde muito ao mesmo tempo”, defende. Aos 50 anos, a ativista dos direitos da categoria, que chegou em Campinas no início dos anos 1990 e criou os três filhos com a renda obtida.
Trabalho na pandemia
Ao longo de três décadas de atuação no Itatinga, Betania acumula histórias e clientes. Diz não ficar fixa em nenhuma das casas, mas pelo conhecimento, avisa que pode atender em qualquer uma delas – a relação entre os estabelecimentos e profissionais, conta, está na locação de quartos para o trabalho.
Ela também atende no imóvel onde funciona a Associação Mulheres Guerreiras, entidade que batalha pelos direitos e visibilidade das trabalhadoras do sexo. A casa simples reúne tudo o que ela precisa para sua profissão. “Elas não tem nada mais que um quarto e uma cama para dormir”, afirma. Das situações vividas nas últimas décadas, a pandemia foi uma que deixou muitas histórias. Por conta das relações estabelecidas, disse que não parou de atendê-los, quase vetando apenas um, já octogenário, por receio de que ele pudesse ser afetado pela Covid-19 “Eu não estava atendendo, e um dia a filha dele me ligou. Ao atender, pensei: ‘o que será que ela quer comigo?’. Mas ela me ligou para pedir que eu atendesse o pai dela, que estava entrando em paranoia. A família sabia que eu o atendia, disse que ele precisava do meu atendimento. Meu medo era grande. Mas acabei aceitando o convite, e acabei almoçando com toda a família, mulher, filhos, para depois poder atendê-lo”, recorda.
ELAS NÃO TEM NADA MAIS QUE UM QUARTO E UMA CAMA PARA DORMIR
E o futuro?
Se por um lado o Jardim Itatinga mostra-se consolidado, uma preocupação é com a ampliação do debate sobre o trabalho sexual, e como isso é visto na sociedade.
“Eu vejo agora um cenário muito crítico, uma nova geração conservadora, e em discussões assim a gente vê a criação de vários pânicos morais. Sexo como algo negativo. Sou de uma geração que se falava muito sobre Aids, gravidez, prazer. Mas da mesma forma que estamos em um ciclo ruim, já tivemos percalços em outras fases e depois mudou”, destaca Carolina, sobre os novos desafios que serão encontrados com a nova geração e consequentemente novos tabus sociais.
Já a pesquisadora da Unicamp defende que educação sexual deve ser tratada como política pública.
“É preciso discutir a relação das pessoas com o sexo como um todo. Entendimento do corpo, de prazeres, de que o sexo também pode ser pago. A gente conseguiu, ao longo dos anos, com o movimento feminista, falar que o sexo não é só reprodutivo”. A maranhense Betania Santos, trabalhadora do sexo há 32 anos no Itatinga, conta que algumas companheiras até migraram para a internet, algo que ela não considera seguro.
“Eu nunca aderi a outro tipo de relacionamento com o trabalho sexual. Para mim é no portão ou na boate, eu não gosto dessa coisa completamente oculta. A internet expõe muito e esconde muito ao mesmo tempo, é perigoso demais”, defende.
MIDNIGHT COWBOY
Às vezes divertido, mas essencialmente sórdido, Midnight Cowboy te leva em uma aventura como poucas outras
TEXTO ROBERT J. LANDRY
“Midnight Cowboy”, a saga às vezes divertida, mas essencialmente sórdida, de um prostituto em Manhattan, foca no choque, na sensação, no sexo, na curiosidade, na disputa e na popularidade de Dustin Hoffman, aparecendo em seu primeiro filme desde “The Graduate”. Hoffman interpreta um vigarista mesquinho e com tosse, de pernas tortas e sempre com a barba por fazer, que primeiro explora e depois se torna amigo do jovem traficante ingênuo do Texas. O papel-título é interpretado pelo estreante Jon Voight, que deve fazer sucesso com este lançamento. A questão de os casacos de couro com franjas, como o que ele usa na tela, entrarem ou saírem de moda na cidade é uma das questões provocativas que o filme insere na narrativa.
É possível que o título do filme passe para o idioma popular como sinônimo de trampolim. Nesse caso, isso ajudaria ainda mais a divulgação boca a boca que “Midnight Cowboy” provavelmente colherá, junto com as críticas de exibição. Presumivelmente, também ajudará o fato de o filme provocar reações de amor e ódio. Será aclamado e denunciado, precisamente porque alguns chamarão a atuação de Hoffman de um tour de force, enquanto outros a descartarão como uma mera façanha, um italiano interpretado com sotaque iídiche.
O filme está cheio de personagens desagradáveis vindos de ambientes ruins. É obcecado pelo sexo mecanicista e mercenário, assombrado por memórias de cruéis arrebatamentos grupais e irrigação forçada do cólon. A indignidade é endêmica. O garoto provavelmente é filho e neto de prostitutas. Ele viaja para o norte de ônibus através de uma América ridicularizada não somente em cada placa ao longo da estrada que a câmera detecta, como também em todos os passageiros idiotas em close-up.
No início, a história, roteirizada por Waldo Salt a partir do romance de James Leo Herlihy, desenvolve uma sátira social perspicaz. É delicioso quando o texano, ao dar a primeira caminhada pela Quinta Avenida, se depara com um
homem caído na calçada, morto ou inconsciente, ignorado por todos. A aventura inicial do jovem traficante na cidade grande é com uma prostituta durona e experiente. Eles se atacam com toda a sutileza de dois porcos entre palhas de milho. Longe de ser pago pelos serviços, ele é cobrado pela tarifa do táxi enquanto a garota se veste, atrasada para o próximo encontro. Tudo de bom pastelão impuro. Isso ultrapassa o ponto. Este rapaz vai descobrir que a agitação é, na verdade, um inferno.
bagunça sangrenta, desesperadora, triste e lamentável. Este não é o único detalhe do filme que grita misantropia, além das necessidades da história, ou assim se poderia argumentar. A sequência “A Festa” será muito discutida. É abertamente um Andy Warhol burlesco que, claro, é burlesco para começar. Aqui a produção fica “ocupada” com personagens esquisitos entrecruzados com fades psicodélicos, saltos, confusão e efeitos sonoros misturados com música supervisionada por John Barry. Tudo isso parece típico da preocupação cinematográfica do diretor. Schlesinger até emprestou alguns dos intervenientes da “sociedade por ações” de Warhol. Mas a orgia está enxertada dentro da história, principalmente como cena obrigatória da franquia favela.
A habilidade de Schlesinger em capturar a decadência urbana e a desolação emocional é notável, trazendo à tona o lado mais sombrio da humanidade com uma honestidade crua e sem concessões. Sua direção incisiva desafia o público a confrontar realidades desconfortáveis, tornando “Midnight Cowboy” uma experiência cinematográfica perturbadora, mas profundamente envolvente. A atuação de Voight, em particular, destaca-se pela vulnerabilidade e autenticidade, enquanto Hoffman oferece uma performance que continua a ser lembrada e discutida.
“Midnight Cowboy” não é apenas um filme sobre a degradação e os sonhos despedaçados de seus protagonistas, mas também uma crítica poderosa ao materialismo e à superficialidade da sociedade moderna. Através de suas imagens viscerais e narrativa provocativa, o filme deixa uma impressão duradoura, evocando reflexões sobre a natureza humana e as armadilhas do sonho americano. Com suas contribuições significativas ao cinema, “Midnight Cowboy” permanece uma obra seminal que desafia e inspira, refletindo a complexidade e as contradições do nosso tempo.
AMAZÔNIA E SUAS REDES DE PROSTITUIÇÃO
A zona da tríplice fronteira é a região ideal para o tráfico, não só de drogas e recursos naturais, mas também de mulheres
As adolescentes, não preveem um futuro próspero, por isso consideram essas propostas uma oportunidade para melhorar de vida
JJamais nos ocorreria mencioná-la. Se alguém nos perguntasse sobre um lugar onde há tráfico humano, poucas vezes responderíamos a Amazônia ou a tríplice fronteira entre Colômbia, Peru e Brasil. Entretanto, nenhum país se livra deste delito que comercializa as pessoas como se fossem mercadorias. Entre as vítimas, 62% são mulheres e 23% são meninas, e em torno de 80% das vezes o objetivo é explorá-las sexualmente por dinheiro.
Com o confinamento forçoso e todas as atenções voltadas para os mais de 699.252 casos confirmados e 19.917 mortos pela covid-19 em toda a Pan-Amazônia (até 28 de julho), junto com a necessidade de ação humanitária e o fortalecimento da saúde pública, fica mais difícil do que nunca medir o impacto do tráfico sexual, mas os especialistas no terreno afirmam que a crise econômica aumentou o narcotráfico, o desmatamento ilegal e o tráfico e exploração de seres humanos.
A localização fronteiriça dos municípios de Puerto Nariño (Colômbia), Caballococha (Peru) e Atalaia do Norte (Amazonas, Brasil), unidos e separados pelo rio Amazonas, são o caldo de cultivo ideal para o tráfico, não só de drogas ou recursos naturais, também de pessoas. Aqui, toda a comunicação se realiza dentro e através do rio Amazonas. As lanchas, botes e demais embarcações cruzam constantemente de uma margem à outra e, quase sem controle, mudam de um país para outro.
Puerto Nariño (Colômbia) é um destino turístico muito popular na região. Uma cidade pequena e pacata, com calçadões de pedestres e jardins bem cuidados, à beira do rio Loretoyaco, ideal para pequenos cruzeiros fluviais e para ver os botos cor-de-rosa em seu hábitat. Neste idílico povoado as alunas do Internato Indígena de San Francisco de Loretoyaco são o alvo de muitos olhares de desejo. Homens bem mais velhos que elas as seduzem na saída do colégio para que naveguem em sua companhia até Caballococha durante o fim de semana, prometendo-lhes diversão, presentes, roupa, um celular ou pequenas quantidades de dinheiro.
As adolescentes, com as circunstâncias de precariedade que afligem suas famílias, não preveem um futuro próspero, por isso consideram essas propostas uma oportunidade para melhorar de vida. As redes de tráfico sexual conhecem bem essa situação de vulnerabilidade e se aproveitam. Não são grandes organizações criminosas, e sim indivíduos que frequentam ou residem na área.
Dominam o contexto e se organizam para captar, transferir e explorar. Assim, nos finais de semana, há na região um grande fluxo de adolescentes levadas a estabelecimentos conhecidos como prostibares, geralmente propriedades de traficantes de coca e usados para todo tipo de negócios ilícitos, frequentemente.
O confinamento pela covid-19 agravou ainda mais esta realidade. Em seu aspecto positivo, a pandemia gerou mais coesão comunitária, o reforço das atividades de pesca e cultivo e o fortalecimento da prática da medicina tradicional para combater os sintomas do vírus. Mas, em relação ao tráfico sexual, houve um passo atrás, criando um falso imaginário de preservação, já que se acreditou que o fechamento de fronteiras e a paralisação do turismo ofereceria mais proteção, mas não foi assim. As economias ilegais continuam operando, e agora encontram mais necessidades e mais grupos de jovens desocupados e fáceis de captar.
Essa área da Tríplice Fronteira acumula (até 28 de julho) 14.927 pessoas contagiadas e 362 mortas, e quase não se fala das implicações sociais do confinamento em crianças e adolescentes. Mas a pandemia aumentou a evasão escolar, as escolas estão fechadas e sem conectividade, as privações diárias são maiores por causa do desemprego, o turismo é nulo e o abandono pelo governo faz que as economias ilegais continuem a crescer ―agora como uma das poucas alternativas possíveis― um meio de subsistência básico para as famílias por meio do narcotráfico, extração ilegal de madeira e outras atividades ilícitas, incluindo a exploração sexual.
Uma rede de proteção de lado a lado Nathalia Forero morava nesse internato em Loretoyaco. Hoje, ela é coordenadora da Rede de Combate ao Tráfico de Pessoas na Tríplice Fronteira (RETP), entidade nascida há quatro anos para lutar contra essa realidade e como fruto de um trabalho prévio de investigação. Foram identificadas duas formas fortes de exploração: a exploração sexual comercial de meninos, meninas e adolescentes; e outra, a laboral, ou seja, o trabalho escravo. Mas a investigação também pôs em evidência muitas situações de abuso e exploração que se tornaram naturais, passando a fazer parte de uma economia de subsistência numa escala social.
Ela e outros membros da rede, antes do confinamento imposto pela covid-19, percorriam as comunidades fronteiriças para dar esclarecimentos sobre as ameaças às quais as jovens estavam expostas: “O que acontece aqui é exploração sexual e trabalho escravo ao mesmo tempo. E vimos que é essencial trabalhar em rede, independentemente, mas pensando na Amazônia como um todo conectado”.
O confinamento agravou ainda mais essa realidade. Do lado positivo, a pandemia teve como resultado a coesão comunitária, mas as economias ilegais continuam a operar e encontram mais grupos de jovens desocupados e mais fáceis de captar. Forero não está sozinha. Conta com pessoas que fazem a ligação das três margens desta confluência Em Islândia (Peru), Ivanés Favretto alerta sempre que vê um movimento estranho: “Islândia é conhecida como a Veneza da Amazônia, por seus canais e casas em palafitas.
É muito difícil conseguir resgatar pessoas que já foram arrastadas para essa situação
Mas é também um enclave essencial para o tráfego de mercadorias e de pessoas”. Em Leticia (Colômbia) é o padre Valério Sartor, um jesuíta brasileiro do Serviço Jesuíta da Panamazônia (SJPAM) e da Rede Eclesial Panamazónica (REPAM), que ajuda a detectar, treinar e aumentar a conscientização sobre o tráfico para que possa ser evitado. “É muito difícil conseguir resgatar pessoas que já foram arrastadas para essa situação. Mas, com os jovens e as famílias, podemos agir antes”, diz o religioso. Em Atalaia do Norte (Brasil) está a madrilena Marta Barral, que também luta contra maus-tratos machistas e outros tipos de abuso. “É sempre o mesmo: os pais dos meninos, das meninas e os mais
jovens da comunidade são enganados. Alguém chega ao povoado e oferece uma vida melhor para os menores da casa, estudos ou talvez um pequeno emprego e formação profissional para obter renda para a família”, explica Barral. A realidade da pobreza e necessidade dessas comunidades, em sua maioria, indígenas, faz com que esse método funcione sempre, pois a sobrevivência vem primeiro. Poucos intuem que, por trás das promessas de uma vida melhor, se oculta o tráfico, a escravidão, os abusos e o começo de um caminho sem volta. Por esse motivo, a conscientização deve ser transversal e geral, e também o trabalho com a Justiça, porque, apesar de muitos países terem leis contra o tráfico de pessoas, é comum as vítimas serem criminalizadas e os traficantes ficarem impunes. Forero esclarece que não é fácil quantificar sua ação, pois seu trabalho se concentra mais no qualitativo. Mas ela fornece alguns dados.
Ativismo e parcerias
O ativismo de Fany e sua influência alcançam a esfera institucional com ações políticas para garantir as leis que protegem as comunidades, monitoram e alertam para a violação impune dos direitos indígenas. Fany é peça-chave em muitos painéis de discussão sobre direitos indígenas e, em particular, da mulher indígena.
“Nossa tarefa é conscientizar as mulheres indígenas sobre seus direitos, a soberania alimentar, a alimentação saudável e seus direitos econômicos, sociais e culturais. Nós as motivamos a serem empreendedores e, para aquelas que já possuem um empreendimento local, orientamos sobre como consolidá-lo e lhe dar-lhe mais viabilidade por meio de uma economia própria, na perspectiva da ecologia integral, de solidariedade, de reciprocidade, com uma conotação diferente da capitalista, que só quer lucrar”, conclui Fany.
Sem dúvida, são muitas as vozes na Amazônia que reivindicam políticas sociais e ações cívicas para fortalecer a proteção da situação frágil dessas meninas, meninos e jovens que nesta crise mundial da saúde viram sua vulnerabilidade aumentar. A covid-19 está arrasando sua saúde e também seus direitos fundamentais.
MULHER AMAZÔNICA É SER MUITO RESILIENTE E LUTADORA
Mulher indígena e amazônica
“Mulher amazônica é ser muito resiliente e lutadora, bonita e orgulhosa. Sente, ri chora, se assusta, sofre e dúvida, como todos nós.
Jamais nos ocorreria mencioná-la. Se alguém nos perguntasse sobre um lugar onde há tráfico humano, poucas vezes responderíamos a Amazônia ou a tríplice fronteira entre Colômbia, Peru e Brasil. Entretanto, nenhum país se livra deste delito que comercializa as pessoas como se fossem
% são mulheres e 23%
% das vezes o objetivo é
Eu as escutei exigir para seus filhos uma edu cação que respeite sua cultura, os direitos de seu povo, a denunciar as injustiças e levantar a voz pela Mãe Terra. É claro que nem todas as mulheres na Panamazônia são indígenas.
Há ribeirinhas, quilombolas, mestiças e migrantes. E, lamentavelmente, muitas delas são vítimas de tráfico de pessoas, violência e exploração sexual”, explica, em uma reunião digital organizada durante o confinamento, Ariana Díaz Acuña, professora da Universidade Católica da Costa Rica, apaixonada pela Amazônia e especialmente interessada na situação das mulheres locais e sua interrelação com os outros contextos estabelecidos dentro da região amazônica.
“Uma vez visitei uma área de mineração onde contamos 11 bordéis em 1,5 quilômetro, e nos informaram que em cada um deles havia de oito a dez mulheres jovens, a maioria menores de idade exploradas sexualmente”, diz, indignada, Díaz Acuña. “Isso não é possível! O clamor de todas essas meninas e mulheres está intimamente ligado ao clamor da Mãe Terra”, exclama. Fany Kuiru Castro é a única murui da Amazônia colombiana que se formou como advogada. Ela é líder desde que tem o uso da razão, nos conta em Bogotá, enquanto a acompanhamos ao seu escritório na Organização dos Povos Indígenas da Amazônia Colombiana (OPIAC), onde é coordenadora da seção Mulher, Infância, Juventude e Família.
A PROFISSÃO MAIS ANTIGA
Dizer que a prostituição é ‘‘a mais antiga das profissões’’ se tornou um dito popular, mas qual a procedência dessa informação? Ela é verídica?
Quando escutamos a expressão “Profissão mais antiga do mundo”, inconscientemente já relacionamos esse termo a um trabalho específico: a prostituição.
Essa relação já está tão enraizada, que em determinadas situações, quando não queremos usar a palavra (prostituição) propriamente dita, podemos apenas usar a famosa expressão popular, que certamente todos compreenderão. Mas será que realmente existe veracidade ou evidências históricas que podem comprovar essa hipótese?
Um estudo recente foi realizado pela renomada Universidade de Harvard. Ele foi divulgado pelo artigo Energetic Consequences of Thermal and Nonthermal Food Processing
e publicado pela revista Proceedings of the National Academy of Sciences. Os resultados desse estudo revelam o que todos realmente temiam: o conhecimento popular mais uma vez estava enganado. O estudo em questão descobriu o que ninguém poderia imaginar.
A primeira coisa a ser analisada pelos pesquisadores, foi o que de fato se encaixaria no conceito de profissão. Porquê atualmente, vivemos em um cenário capitalista e profissão é toda ou qualquer atividade que é financeiramente remunerada. E como já se sabe, ouve tempos, onde a moeda assim como a conhecemos nem mesmo existia. Após muitas análises arqueológicas chegou-se no consenso. E foi finalmente descoberto que a primeira profissão que existiu no mundo, foi a de cozinheiro.
O estudo também revelou que esse ofício surgiu muito antes do homem ser assim, como o conhecemos. Há aproximadamente 1,9 milhão de anos atrás, quando o Homo erectus dominava o solo desse planeta, surgiu a necessidade de se cozinhar e preparar os alimentos que eram encontrados. A profissão de cozinheiro também surgiu antes do ofício de agricultor, uma vez que esses grupos viviam
como nômades e não se instalavam fixamente em um único local. O cozinheiro, portanto, era a pessoa do grupo que era encarregada de uma das tarefas mais importantes. O seu trabalho era recompensado pelo direito a receber os alimentos, proteção e abrigo.
Os pesquisadores só puderam chegar a essas conclusões, após encontrarem utensílios específicos de cozinha próximos a fósseis dessa época. Além disso, o ato de cozinhar foi considerado a primeira profissão a existir, visto que caçar e coletar alimentos são hábitos que podemos encontrar entre outros primatas e mamíferos na natureza. Por isso essa foi a primeira atividade exclusivamente humana que pode ser considerada um ofício, uma profissão.
A expressão “A profissão mais antiga do mundo”, de um modo geral sempre foi utilizada como um eufemismo para se referir a prostituição. Mas se está não é de fato a profissão mais antiga, por que esse ditado se espalhou?
A explicação para essa situação é bastante simples! Rudyard Kipling, o escritor inglês que é conhecido por ser o autor da obra “O livro da selva”, que por sua vez deu origem ao clássico “Mogli, o menino lobo”, ou “O Livro da Floresta, como também é conhecido. Escreveu no ano de 1888 um conto sobre uma prostituta indiana chamada Lalun, para se referir a personagem ele escreveu: “Lalun é membro da profissão mais antiga do mundo”. Algum tempo mais tarde, os Estados Unidos da América passou por um intenso momento de discussões e debates. Visto que nessa ocasião específica se pensava em proibir a prostituta.
Nessa altura do campeonato, graças a popularidade das obras de Kipling, o trecho de seu conto foi incansavelmente repetido dentro do congresso. O trecho que descrevia a prostituta fictícia era usado por parte de quem defendia
a permanência da regulamentação da prostituição. O argumento era de que não se podia proibir a existência da “profissão mais antiga do mundo”, uma vez que está, estaria inserida na natureza humana.
Quando escutamos a expressão “Profissão mais antiga do mundo”, inconscientemente já relacionamos esse termo a um trabalho específico: a prostituição. Essa relação já está tão enraizada, que em determinadas situações, quando não queremos usar a palavra (prostituição) propriamente dita. Podemos apenas usar a famosa expressão popular, que certamente todos compreenderão. No entanto, com tudo discutido, é evidente que isso não está correto, muito pelo contrário, na verdade.
É fundamental questionarmos as noções populares e buscarmos o conhecimento respaldado pela ciência. A história é repleta de equívocos e mitos que, muitas vezes, moldam nossas percepções de maneira distorcida. A verdadeira origem das profissões humanas, como evidenciado pelo estudo minucioso da Universidade de Harvard, nos mostra que atividades essenciais para a sobrevivência da espécie humana ao longo dos séculos, como a de cozinheiro precedem, e muito, qualquer outra forma de trabalho regulamentado nos moldes atuais. Assim, reavaliar e corrigir esses mitos populares não apenas esclarece o passado, mas também nos ajuda a entender melhor a complexidade e a evolução das sociedades humanas.
A verdadeira origem das profissões humanas, nos mostra que atividades essenciais para a sobrevivência da espécie, como a de cozinheiro, precedem, e muito, qualquer outra forma de trabalho regulamentado nos moldes atuais. Ao reconhecermos que a primeira profissão foi a de cozinheiro, não só alteramos nossa perspectiva sobre o início das atividades profissionais, mas também reconhecemos a importância do preparo e da alimentação como pilares fundamentais para o desenvolvimento humano.
A VIDA DE UMA PROSTITUTA DE LUXO
A busca pelo dinheiro para uma cirurgia que o pai precisava, gerou uma vida dupla de muitas histórias, segredos e superações
TEXTO CARA BUCKLEY FOTOS CALYPSO MAHIEUAAva Xi’an vende imóveis em Long Island e começou a prática de vender a si mesma quando seu pai, que não tinha seguro saúde, precisou de uma cirurgia cardíaca. Ela começou com livros de instruções da Amazon.com, aumentou sua taxa ao perceber que isso poderia fazer com que os homens a tratassem melhor e atualmente está em um “encontro” de uma semana de US$ 45.000
Ela é uma jovem que pratica a versão do século 21 da profissão mais antiga, habitando um mundo secreto que ganhou destaque na semana passada, quando o governador Eliot Spitzer foi identificado como cliente do Emperor’s Club
V.I.P. pego em uma escuta federal. Ela não está envolvida no caso, embora tenha dito que já foi rejeitada pelo Clube do Imperador, mas a sua experiência permite-nos vislumbrar o rápido crescimento da indústria da prostituição, que na última década migrou quase inteiramente para a Internet.
As prostitutas com meias arrastão podem ser as mais visíveis, mas estima-se que representem talvez uma em cada cinco profissionais do sexo, disse Ron Weitzer, professor de sociologia na Universidade George Washington. A maioria, disse ele, trabalha em casas de massagens, bordéis, agências de acompanhantes ou, cada vez mais, por conta própria.
Hoje em dia, os homens podem se debruçar em sites repletos de avaliações de clientes e avaliações de usuários, classificando as seleções por cor de cabelo, idade, tipo de corpo ou comportamento – alguém que oferece “GFE” ou experiência de namorada, por exemplo, agirá de maneira extremamente adorável.
É um mundo cheio de vidas duplas e nomes falsos; A Sra. Xi’an contou sua história com a condição de que ela fosse apresentada pelo nome que ela usa no mundo do sexo, mas ela forneceu sua identidade real para que os detalhes pudessem ser verificados e eles foram. Sem dúvida, sua disposição de falar publicamente veio acompanhada de perspectivas incomumente otimistas; mesmo as prostitutas mais bem pagas enfrentam abusos físicos e correm o risco de doenças ao corpo.
Embora seja impossível saber exatamente como funciona uma empresa tão obscura, o que está claro é que o sexo está a ser vendido a preços elevados.
E quando se trata de preço, a Sra. Xi’an compartilhou um segredo. Quando alguém lhe paga US$ 1.250 por hora, ele recebe exatamente o mesmo que receberia por US$ 200, o valor que ela pagava quando ela começou. A diferença é psicológica, explicou ela: “Diga a um cara que você custa US$ 100 e ele o tratará de uma maneira – diga a ele que você custa US$ 1.500 e ele o tratará melhor.
“Já ouvi muitas garotas dizendo: ‘Essa garota está ganhando US$ 5.500 por hora porque mais bonita? Ela está fazendo algo que eu não faço?’”, disse Xi’an em entrevista por telefone. “A resposta é não. Mas aquela garota é capaz de
EU JÁ FIZ AS PAZES COM A MINHA MENTE E FIZ O TRABALHO
As prostitutas de luxo enfrentam diversas dificuldades para estabelecerem o seu valor
olhar nos olhos de um cara e dizer: ‘Isso é o que eu valho e é isso que você tem que pagar se me quiser.’ isto.” Xi’an que diz aos clientes que tem 26 anos, mas admite ter tirado alguns anos de folga, cresceu no Queens e se formou em psicologia e finanças em uma universidade de prestígio no Sul. Ela era a “garota do clube”, dançando e festejando até altas horas da madrugada, vestida com roupas pretas brilhantes de bondage. Eventualmente, as ofertas de aluguel como dominatrix tornaram-se ricas demais para serem resistidas.
Como tudo começou
Após a formatura em 1999, ela voltou para Nova York e se tornou corretora de imóveis, ao mesmo tempo que trabalhava em várias “masmorras” de dominatrix. “Tecnicamente, não havia sexo envolvido”, disse ela. “Mas é uma experiência sexual.”
Quatro anos mais tarde, quando o seu pai não segurado enfrentou uma ponte de safena tripla, a operação custou 95 mil dólares e o hospital exigiu um depósito de 35 mil dólares.
A Sra. Xi’an concluiu que vender sexo real seria mais lucrativo. Ela disse aos pais que o dinheiro vinha de imóveis.
“Foi um momento de desespero”, disse ela. “Mas eu fiz as pazes em minha mente com o que tinha que fazer.”
Ela comprou livros sobre como ser acompanhante na Internet e se debruçou sobre manuais sobre técnicas sexuais.
Sua primeira agência a contratou no Craigslist por US$ 200. Seu primeiro cliente morava em um conjunto habitacional no Upper East Side e mais tarde se recusou a pagar.
Em uma determinada semana, ela acabou se inscrevendo em uma agência de preços mais altos e também começou a contratar diversos clientes por conta própria. Em apenas um ano, seu preço era de US$ 1.250 por hora, ou US$ 8.000 por dia. Ela disse que ganha US$ 200 mil por ano, reivindicando a sua renda como uma receita imobiliária em suas declarações fiscais.
Sexo, coinsiste Xi’an, é uma pequena parte de todo o serviço que ela oferece; ela é atenciosa e compassiva e uma ouvinte atenta. Ela não recebe visitas em casa e chega a
A vida de uma prostituta de luxo é repleta de falsidades ideológicas, onde a vida dupla prevalece
cada encontro com roupas casuais de negócios indefinidas, uma bolsa cheia de lingerie, espartilhos de barbatanas de baleia e saltos altos enfiados debaixo do braço.
“Parece meio loucura, mas eu não sabia o quanto seria divertido e o quanto eu gostaria dos meus clientes”, disse Xi’an.
Mesmo assim, ela está enganando, pensando que seus pais descobrirão a verdadeira fonte de como ela pagou suas contas médicas, e ela disse que espera se retirar muito em breve. Pois a vida dela é isolada, com poucos amigos que sabem como ela passa suas horas de trabalho e sem sexo não remunerado ou relacionamentos românticos. “Quando estou fora do escritório”, disse ela, “realmente não quero pensar no escritório”.
Relação com os clientes
É um mundo de vidas duplas e muitos nomes falsos; A Sra. Xi`an contou sua história com a plena condição de que ela fosse apresentada pelo nome que ela usa no mundo do sexo, mas ela forneceu sua identidade real para que os detalhes pudessem ser verificados e eles foram. Sem dúvida, sua disposição de falar publicamente veio acompanhada de perspectivas incomumente otimistas; até mesmo as prostitutas mais bem pagas enfrentam abusos físicos e correm o risco de doenças corporais.
Embora seja impossível saber exatamente como funciona uma empresa tão obscura, o que está claro é que o sexo está a ser vendido a preços elevados.
E quando se trata de preço, a Sra. Xi’an compartilhou um segredo. Quando alguém lhe paga US$ 1.250 por hora, ele recebe exatamente o mesmo que receberia por US$ 200, o valor que ela pagava quando ela começou. A diferença é psicológica, explicou ela: “Diga a um cara que você custa US$ 100 e ele o tratará de uma maneira – diga a ele que você custa US$ 1.500 e ele o tratará melhor.
Xi’an, que sempre diz aos clientes que tem 26 anos, mas admite ter tirado alguns anos de folga, cresceu no Queens e se formou em psicologia e finanças em uma universidade de prestígio no Sul. Ela era uma “garota do clube”, dançando e festejando até altas horas da madrugada, vestida com roupas pretas
brilhantes de bondage. Eventualmente, as ofertas de aluguel como dominatrix tornaram-se ricas demais para serem resistidas.
Após a formatura em 1999, ela voltou para Nova York e se tornou corretora de imóveis, ao mesmo tempo que trabalhava em várias “masmorras” de dominatrix. “Tecnicamente, não havia sexo envolvido”, disse ela. “Mas é uma experiência sexual.”
Quatro anos mais tarde, quando o seu pai não segurado enfrentou uma ponte de safena tripla, a operação custou 95 mil dólares e o hospital exigiu um depósito de 35 mil dólares.
A Sra. Xi’an concluiu que vender sexo real seria mais lucrativo. Ela disse aos pais que o dinheiro vinha de imóveis.
“Foi um momento de desespero”, disse ela. “Mas eu fiz as pazes em minha mente com o que tinha que fazer.”
E quando se trata de preço, a Sra. Xi’an compartilhou um segredo. Quando alguém lhe paga US$ 1.250 por hora, ele recebe exatamente o mesmo que receberia por US$ 200, o valor que ela pagava quando ela começou.
A diferença é psicológica, explicou ela: “Diga a um cara que você custa US$ 100 e ele o tratará de uma maneira – diga a ele que você custa US$ 1.500 e ele o tratará melhor. Embora seja impossível saber exatamente como funciona uma empresa tão obscura, o que está claro é que o sexo está a ser vendido. a
preços elevados. Ela disse aos pais que o dinheiro vinha de imóveis. Mesmo assim, ela está enganando, pensando que seus pais descobrirão a verdadeira fonte de como ela pagou suas contas médicas, e ela disse que espera se retirar muito em breve. Pois a vida dela é isolada, com poucos amigos que sabem como ela passa suas horas de trabalho e sem sexo não remunerado ou relacionamentos românticos.
“Quando estou fora do escritório”, disse ela, “realmente não quero pensar no escritório”.
É um mundo de vidas duplas e nomes falsos; A Sra. Xi`an contou sua história com a condição de que ela fosse apresentada pelo nome que ela usa no mundo do sexo, mas ela forneceu sua identidade real para que os detalhes pudessem ser verificados e eles foram. Sem dúvida, sua disposição de falar publicamente veio acompanhada de perspectivas incomumente otimistas; mesmo as prostitutas mais bem pagas enfrentam abusos físicos e correm o risco de contrairem diversas doenças. Embora seja impossível saber exatamente como funciona uma empresa tão obscura, está claro é que o sexo está a ser vendido preços elevados.
PORNÔ NO BRASIL
Faixa etária dos consumidores de
Gênero
REINVENÇÃO DE MIA KHALIFA
Khalifa agora aos 27 anos, busca recuperar sua narrativa com mais de 15 milhões de seguidores nas redes sociais e se reposicionar no mercado
TEXTO ALICE OPHELIA FOTOS FABIEN MONTIQUE Mia Khalifa em França, Paris, posando ao lado da Torre Eiffel com um vestido vermelhoEEm um ano em que “morte” e “TikTok” estavam entre os termos de pesquisa mais populares do mundo, os casos de sucesso em 2020 são um luxo cobiçado na pandemia. No entanto, houve alguns vencedores, entre adolescentes típicos de Connecticut e um jogador de futebol de 23 anos responsável por alimentar as crianças famintas da Grã-Bretanha (verdadeiramente, você não conseguiria escrever isso se tentasse), e entre eles estava Mia Khalifa.
Khalifa não é estranha ao holofote, tendo passado mais de meia década sendo publicamente vilipendiada por seu período de três meses na indústria do entretenimento adulto a partir de 2014, aos 21 anos. Os 11 vídeos com Khalifa alcançaram mais de 642 milhões de visualizações apenas no Pornhub. Mas este ano, agora com 27 anos, e graças aos salvadores frequentemente convocados de 2020 - a Geração Z e o TikTok, com uma campanha #JusticeForMia - a consciência pública e a narrativa em torno de sua onipresença começaram a mudar para sempre.
“Nem todo mundo sempre vai me ver como ‘a estrela pornô’ ou ‘ex-estrela pornô’, algumas pessoas simplesmente vão me conhecer - e isso foi incrível”, ela me diz, enquanto liga de sua casa em Los Angeles. Ela está rodeada de cães Maltipoo dormindo, em um dos cenários mais aconchegantes de Zoom que já vi. É um momento encantadoramente completo do círculo da vida desde o primeiro TikTok de Mia. Postado em janeiro com a legenda “Como isso funciona”, o vídeo apresenta participações especiais de seus cachorros dormindo, enquanto são rudemente acordados para um áudio da extensa biblioteca do aplicativo - tal é a marca registrada de um TikTok destinado a se tornar viral. E viralizou, impulsionado pelo misterioso algoritmo do TikTok para 11,2 milhões de visualizações. Com isso, Mia Khalifa ‘a TikToker’ nasceu. Deixe os cães dormirem? Mia, na verdade, tem outros planos.
Como o aplicativo mais baixado de 2020, com 100 milhões de usuários mensais ativos nos EUA, a virilidade fugaz do TikTok pode não ser surpresa para os milhões de criadores que também se juntaram à plataforma este ano. Mas para Mia, foi um notável ato de resistência que cresceria para representar um marco em sua reinvenção - uma luta que durou seis anos. Agora, com um seguinte no TikTok de mais de 14 milhões acumulado em menos de um ano, Mia está usando sua nova plataforma para desvendar e reescrever sua antiga infâmia. “Esse ataque dissociativo por hora ao lembrar que a impressão de centenas de milhões de pessoas sobre você se baseia unicamente nos três meses mais baixos, tóxicos e mais não característicos da sua vida quando você tinha 21 anos”, diz ela em um vídeo inicial de sua conta na rede social “TikTok”. A pandemia foi a mudança para Mia se juntar ao TikTok, uma história familiar para muitos este ano, enquanto coletivamente internalizávamos nossa
busca por comunidade e um senso de pertencimento em cantos anteriormente desconhecidos da internet. Zombando deliciosamente de estar do lado errado das faixas para se qualificar como membro da Geração Z (aos 27 anos, ela é uma sólida millennial), Mia queria “participar da diversão” após anos de hesitação. “Sempre fui relutante e hesitante em participar (do TikTok) por causa da música viral ‘Mia Khalifa’ e estava totalmente convencida de que toda a plataforma foi criada para me atacar e me odiar e me rebaixar...
Eu achava que todos estavam na brincadeira”, explica Mia, aconchegando-se ainda mais em sua blusa de gola alta enquanto começamos a entrevista.
A “música viral de Mia Khalifa” a que ela se refere é uma diss track de 2018 da dupla de Atlanta iLOVEFRiDAY, que começou como um tweet photoshopped e metastatizou-se em uma das primeiras tendências do TikTok, com mais de três milhões de vídeos criados para a música e 112 milhões de visualizações para o “desafio hit or miss”. Tamanha foi a viralidade da diss track, que foi relançada pela Records Co e Columbia Records três meses após seu lançamento independente inicial.
Apesar do início difícil, o TikTok é agora um lugar que Mia chama de casa, encontrando conforto e consolo em algumas das comunidades e desafios crescentes do aplicativo. “Eu pensei que o TikTok fosse apenas música, dança e vídeos engraçados, e então eu entro lá e o algoritmo... ele me coloca em um lado do TikTok onde me sinto em casa... Eu não sou a única assim,” ela diz com lágrimas se formando em seus olhos. Uma dessas tendências, o desafio “coma comigo”, é uma que Mia aderiu. Nessa tendência específica, os criadores simplesmente se sentam e compartilham uma refeição com seu público. Isso tem sido particularmente impactante para aqueles que estão se recuperando de distúrbios alimentares, em um ano em que os serviços de saúde mental estão à beira do colapso. “Bem-vindos ao TikTok do ‘nós não pulamos refeições’”, é a frase de abertura de Mia em seu próprio vídeo inspirado na tendência, que foi assistido mais de cinco milhões de vezes. Um dos principais comentários diz: “Estou em uma recaída de transtorno alimentar e isso me fez sentir tão segura.”
Pergunto a Mia sobre a importância de dedicar sua plataforma a tópicos como este, além de criar espaço para vozes marginalizadas em um ano em que o TikTok pediu desculpas depois de ser acusado de censurar postagens com a hashtag #BlackLivesMatter. “Eu não acho que mereço uma plataforma para nada além disso,” Mia responde com um tom que se afasta das risadas que estávamos compartilhando sobre os e-boys anêmicos e o TikTok heterossexual momentos antes. Foi ao ouvir outros criadores reclamando sobre a suposta supressão de conteúdo que ela percebeu: “um vídeo do meu cachorro comendo uma batata está che-
gando à página ‘Para Você’, e se eu fizesse um dueto com um criador falando sobre algo importante? Espero que o algoritmo escolha isso”.
Mia fez exatamente isso no Juneteenth, um feriado celebrado em 19 de junho para comemorar a emancipação dos escravizados nos EUA. Ela acabou criando vídeos em dueto juntamente com criadores menores, com a legenda “minha plataforma é sua”. E funcionou, com 38,5 milhões de visualizações combinadas para os TikToks postados em um único dia. Mia estava notavelmente ausente do próprio conteúdo, um exercício de dar espaço ao invés de participação, sem uma aparição performativa. Em um ano em que “como ser um aliado” foi pesquisado mais do que “como ser um influenciador”, foi apropriado. Até que a causa passou a ser a própria Mia.
À medida que junho chegava ao seu fim, a campanha “Justiça para Mia”, impulsionada por criadores da Geração Z, tomou conta do
TikTok da noite para o dia. A campanha pedia a remoção dos vídeos antigos de Mia e a devolução dos nomes de domínio – criados para desacreditar Mia – por parte do BangBros, o estúdio com o qual ela tinha um contrato em 2014. A hashtag #JusticeForMia alcançou 61 milhões de visualizações no TikTok, com outros criadores convocando as pessoas para “intimidar o hub (Pornhub) para retirar seus vídeos”. Em julho, saindo do TikTok e se espalhando para outros cantos da internet, a petição de Mia no Change.org reuniu 1,5 milhão de assinaturas – atualmente está com pouco mais de 1,8 milhão.
“Foi aterrorizante”, diz Mia sobre sua reação inicial à avalanche de apoio. “Para eles (Geração Z), terem seus olhos abertos para a verdade foi demais para eu lidar.” Sobrecarregada, mas visivelmente grata, Mia respondeu da única forma que sabia: recriando vídeos de seus apoiadores para reconhecer o impacto que eles tiveram sobre ela. O mais notável desses vídeos tem 23 milhões de visualizações e mais de cinco milhões de curtidas. Foi um movimento bem recebido, feito em suas próprias palavras enquanto falava a linguagem da Geração Z, algo que consolidou seu relacionamento com o
grupo demográfico mais prevalente do TikTok. que havia uma comunidade para mim na internet desse jeito – e não apenas para mim como criadora ou alguém com uma plataforma, mas para mim como alguém que procura conselhos e apoio... (TikTok é) a única plataforma que me dá esse tipo de tratamento.”
“O novo começo que venho tentando criar para mim nos últimos seis anos” é algo que Mia atribui ao seu público mais jovem, referindo-se a eles carinhosamente como sua família, que “estava no TikTok o tempo todo”. Visivelmente emocionada e sem um momento para duvidar, Mia descreve o apoio recebido dessa “nova geração inteira” como algo que “mudou sua vida”. Como resultado, ela é intensamente protetora de seus apoiadores no TikTok. “Estou nutrindo essas pessoas e cuidando delas”, ela diz com um sorriso. “Poder me apresentar para pessoas que não estão completamente corrompidas por expectativas ou estereótipos sobre mim… isso mudou minha vida.”
Estou curioso para saber se o TikTok apresentou a Mia um novo formato para discutir suas experiências passadas, em um movimento que parece uma mudança visível do conteúdo cuidadosamente planejado e otimista que vemos em seus outros canais sociais. “Isso me deu coragem e me forneceu um padrão, algo para admirar”, ela diz, referindo -se a outras mulheres na plataforma que usaram o TikTok como uma forma de navegar por seus traumas no domínio público, inspirando Mia a fazer o mesmo. Conversamos sobre a “tendência pose”, que ganhou força durante o verão e na qual Mia participou, posando em seu vídeo “como os homens que a abusaram mentalmente e manipularam sexualmente”, detalhando, entre outros, seu ex-marido,
que a manipulou desde os 16 anos. O vídeo é um repost, com a legenda: “Minha primeira postagem violou sim as diretrizes da comunidade, mas esses homens violaram muito mais do que aquilo.” Mia confirma minhas suspeitas sobre o TikTok ser o meio para a mensagem: “Acho que o TikTok tem sido ótimo para quem lida melhor com trauma por meio do humor, é aí que está o meu nicho.”
Encontrar um lugar para pertencer e uma plataforma para aliviar seu trauma é algo que Mia claramente valoriza. Ela me conta sobre a jornada que enfrentou para aceitar muitos aspectos de sua identidade, incluindo sua infância em “uma parte muito branca de Maryland”, onde era a única pessoa libanesa. “Cresci sentindo muita vergonha e constrangimento disso, porque eu era sempre ‘a terrorista’... Eu varria minha etnia para debaixo do tapete, tentando escondê-la e não reconhecê-la”, diz ela. Mia imigrou para os Estados Unidos ainda criança, em 2001 “Ainda não cheguei a uma linha de chegada, mas sempre lutei com a misoginia interna-
Você disse que recorreu à pornografia em uma idade muito jovem em busca de dinheiro, mas também de autoestima. Isso ajudou você para este último? Afinal, você se tornou uma das mulheres mais desejadas do mundo na última década.
De forma alguma. Porque quando os trolls me atacam com comentários repugnantes no Twitter e usam minhas fotos, eu não me reconheço naquela pessoa. E sinto pena dela, por onde ela estava mentalmente e como eu me amava e respeitava pouco e como ela tentava ganhar a aprovação dos outros. Entendo o que você está perguntando, se foi empoderador de alguma forma. E a resposta é não. Talvez agora eu me sinta empoderada pelo meu OnlyFans porque faço as coisas do meu jeito lá, não há nudez, eu não faço o que as pessoas esperam quando entram lá. Eu posto fotos divertidas e bonitas que me fazem sentir empoderada. E também me faz sentir poderosa bloquear pessoas que me dizem coisas rudes. É uma sensação maravilhosa poder dizer não ou mandar os que dizem: “Eu poderia conseguir isso de graça na internet” se foderem. Ótimo. Então vá online e procure então.
Por que você acabou seguindo este caminho mais modesto no OnlyFans?
Eu não gosto de chamar isso de modesto. Acho que é uma questão de só preferência. Provavelmente há muito mais pressões e barreiras para mulheres de certos contextos religiosos ou sociais do que para outras. E eu não gosto dessas mulheres que apoiam a narrativa “Defenda-se com seu cérebro, não seus seios”. Cale-se, por favor! Também não digo a coisa sobre não fazer nudez no OnlyFans de maneira pretensiosa ou para ser melhor do que os outros. Às vezes, na verdade, não gosto de dizer isso, porque sinto que algumas pessoas podem interpretar que estou dizendo que sou melhor do que aquelas que fazem, e não é isso de jeito nenhum. Estou confortável assim agora.
Você nunca mais vai se despir novamente?
Eu realmente tenho muito medo de as que minhas fotos nuas comecem a circular novamente, e tudo volte a ser como era antes, mas ultimamente, trabalhando na Europa, eu tenho me sentido bem melhor e estou criando artisticamente coisas muito bonitas e isso tem me dado confiança para mostrar mais de mim e do meu potencial. Mesmo quando eu fiz as fotos sem a parte de cima, me senti mais confortável do que antes, porque não me senti explicitamente sexualizada. De qualquer forma, se alguém começar a sexualizar essas minhas fotos, o problema é completamente e unicamente deles, não meu.
Por que você acha que existem mulheres, como Jane Birkin, que nunca tiveram medo de se mostrar nuas? O que faz uma mulher ser desinibida e outra não?
Bem, acho que a relação de Birkin com as transparências na verdade é seu legado na Europa, onde um seio nu não é sexualizado e demonizado ao extremo como nos Estados Unidos. Para vocês é uma coisa mais natural e é vista de uma forma completamente diferente. E então, como eu disse, tem muito a ver com preferências pessoais. No caso dela, acho que era uma questão de estilo, ela se sentia confortável com aquele visual descolado e sexy sem esforço.
Como sua criação influenciou sua relação com seu próprio corpo?
Bem, eu era muito mais modesta do que sou agora, sem dúvida. Acho que, na verdade, um fator decisivo nas decisões muito ruins que tomei há 10 anos teve a ver com o quanto eu estava reprimida na minha adolescência. Eu não tinha permissão para ser livre, não tinha permissão para me expressar. E isso me tornou muito vulnerável a certos relacionamentos e companhias que não deveria ter tido e que eu queria agradar. Eu era uma pessoa que queria agradar.
Não mais?
Não, infelizmente não. A Mia Khalifa, como vejo, é uma mulher educada que se expressa com extraordinária clareza. Quando morava em Beirute, seus pais católicos a enviaram para um colégio francês. Sua família veio para os Estados Unidos fugindo do conflito no sul do seu país e se estabeleceu em Maryland. Depois ela foi para um colégio militar. “Era uma escola muito prestigiada onde os candidatos a West Point estudavam. Foi um treinamento incrível. A instalação ficava a apenas duas horas da minha casa, então parece muito mais dramático do que era. Tínhamos algumas parafernálias militares, sim, como ter desfiles e marchas com armas, mas não servíamos ao governo dos EUA.” Mais tarde, na faculdade, ela estudou história. “Não foi a decisão mais inteligente
porque você não consegue empregos com isso e eles são mal remunerados. Mas quando eu era jovem eu adorava a aula de história, porque ler aqueles livros didáticos era como assistir a um filme. Parecia loucura para mim que todas aquelas coisas tivessem acontecido na vida real e fossem documentadas. Eu era apaixonada por isso. Até hoje, os livros que eu tendo a gostar são biografias históricas e ensaios de não ficção.”
Isso ajudou você na vida ao ver como a história é cíclica?
Bem, agora estou lendo American Prometheus, a biografia de [Robert] Oppenheimer na qual o filme de Nolan se baseia, e fico impressionada com o quão relevante essa história ainda é hoje. Esse cara fez uma grande descoberta na década de 1930 e passou a vida nos alertando que íamos entrar em um ciclo vicioso, o do terror nuclear, do qual nunca mais conseguiríamos sair. É assustador, mas também serve para ver o quão importante é conhecer a história, ter conversas sobre isso. É muito difícil viver em um estado como a Flórida, onde eles querem apagar a história e proibiram a teoria crítica da raça. Nas escolas públicas, não permitem que ensinem às crianças sobre as origens da escravidão e como essencialmente os escravos foram impedidos de ter mobilidade social mesmo após o fim da escravidão.
Quando você teve problemas com pornografia, não pensou em deixar os Estados Unidos da América?
A verdade é que quando a coisa explodiu há 10 anos, a América era o único lugar do mundo onde eu me sentia segura porque um dos grandes catalisadores para a revolta foi o ataque à sede do Charlie Hebdo. Havia desenhos meus na época na revista semanal e todos os extremistas na internet e no Twitter estavam falando de mim por causa disso. Foi aterrorizante. Eu diria que foi em 2021, quando o ataque ao Capitólio aconteceu, na época em que comecei a olhar para este país de maneira diferente e percebi que talvez a única coisa que realmente temos a
nosso favor é muito espaço para estacionar [risos]. Era uma escola muito prestigiada onde os candidatos a West Point estudavam. Foi um treinamento incrível.
Você tem um parceiro no momento? Como está sua vida amorosa?
Sou uma monogamista em série e estive em três relacionamentos de longo prazo na minha vida, mas no momento estou solteira e estou gostando muito disso porque não preciso sacrificar nada em troca de compromisso. Tenho um grupo de amigos que são minha rede, com quem me divirto muito, que me protegem. E bem, às vezes posso me sentir solitária, sim, mas existem alguns dispositivos movidos a bateria que podem resolver isso [risos].
Se você tivesse que dar conselhos a uma garota de 17 anos que estava prestes a assinar um contrato com sua própria imagem, o que você diria a ela?
Não assine nada que dê a alguém os direitos sobre algo seu para sempre. Nunca faça isso. Nunca. Não assine nada que tenha “em perpetuidade”.
Como sua criação influenciou sua relação com o seu próprio corpo?
Bem, eu era muito mais modesta do que sou agora, sem dúvida. Acho que, na verdade, um fator decisivo nas decisões muito ruins que tomei há 10 anos teve a ver com o quanto eu estava reprimida na minha adolescência. Eu não tinha permissão para ser livre, não tinha permissão para me expressar. E isso me tornou muito vulnerável a certos relacionamentos e companhias que não deveria ter tido e que eu queria agradar. Eu era uma pessoa que queria agradar.
Como foi crescer em um país tão polarizante e controverso como os Estados Unidos?
Bem, eu era muito mais modesta do que sou agora, sem dúvida. Acho que, na verdade, um fator decisivo nas decisões muito ruins que tomei há 10 anos teve a ver com o quanto eu estava reprimida na minha adolescência. Eu não tinha permissão para ser livre, não tinha permissão para me expressar. E isso me tornou muito vulnerável a certos relacionamentos e companhias que não deveria ter tido e que eu queria agradar. Eu era uma pessoa que queria agradar. Bem, eu era muito mais modesta do que sou agora, sem dúvida. Acho que, na verdade, um fator decisivo nas decisões muito ruins que tomei há 10 anos teve a ver com o quanto eu estava reprimida na minha adolescência. Eu não tinha permissão para ser livre, não tinha permissão para me expressar. E isso me tornou muito vulnerável a certos.
Quando Mia Khalifa deu uma palestra em Oxford em maio passado, convidada pela união estudantil da universidade, ela teve que enfrentar seu síndrome do impostor. É incomum uma mulher que deve sua celebridade global à pornografia ser uma voz respeitada em uma das universidades mais prestigiadas do mundo. Mas é difícil pensar em alguém que poderia falar com mais autoridade sobre o tema em questão: o peso de ser uma influenciadora e criadora de conteúdo e os limites da privacidade na profissão.
A CAMPANHA “JUSTIÇA PARA MIA” TOMOU CONTA
DO TIKTOK DA NOITE PARA O DIA
Há uma década, Sarah Joe Chamoun aceitou uma oferta de um colega de trabalho em um restaurante fast-food em Miami para assinar um contrato com um produtor de filmes adultos. Ela não sabia que em pouco mais de dois anos, e 37 filmes depois, ela se tornaria uma lenda, a atriz mais pesquisada na plataforma de pornografia mais popular do mundo, em parte graças a aparecer usando um hijab em algumas das cenas. Ela também não sabia que, dessa forma, estaria vendendo para sempre seu corpo para a empresa e que nunca mais seria proprietária de sua própria imagem. Quando ela tentou recuperá-la, já era tarde demais: “Tentei em certo momento, mas cerca de três anos atrás parei de lutar por essa causa quando um escritório de advocacia com o qual trabalhei pro bono me avisou que não íamos chegar a lugar nenhum: que a luta levaria décadas da minha vida, milhões de dólares e que mesmo assim não havia garantia de que eu poderia vencê-los”, explica, rindo e articulada do outro lado da tela, onde aparece em seu quarto vestida com um simples agasalho. Apesar de o quanto foi difícil para ela, Mia Khalifa acabou encontrando um novo caminho: ela tem seu próprio espaço no OnlyFans (onde faz performances, não nudez) e uma marca de joias chamada Sheytan. “Encontrei apoio em meus amigos. Uma delas, Sarah, me ajudou a racionalizar meus sentimentos, a aproveitar ao máximo meus sonhos e fantasias, a ver um futuro para mim”.
Quando ela tentou recuperá-la, já era tarde demais: “Tentei em certo momento, mas cerca de três anos atrás parei de lutar por essa causa quando um escritório de advocacia com o qual trabalhei pro bono me avisou que não íamos chegar a lugar nenhum: que a luta levaria décadas da minha vida, milhões de dólares e que mesmo assim não havia garantia de que eu poderia vencê-los”, explica, rindo e articulada do outro lado da tela, onde aparece em seu quarto vestida com um simples agasalho.
“Encontrei apoio em meus amigos. Uma delas, Sarah, me ajudou a racionalizar meus sentimentos, a aproveitar ao máximo, meus sonhos e fantasias, a ver um futuro”.
Com um olhar enigmático e tatuagens que contam sua história, Mia
parte de sua lista, Bella segue uma estratégia de pragmatismo implacável, assumindo material mais bruto, começando com uma sessão de BDSM – a única das várias retratadas dirigida por uma mulher – em que Bella é amarrada com uma corda e chicoteada. No entanto, a aspereza do material pornográfico é compensada pelo profissionalismo e compaixão da filmagem; a equipe regularmente fornece água para Bella e verifica como ela está, revisa várias palavras de segurança e coreografa cuidadosamente a cena.
Isso contrasta fortemente com uma filmagem subsequente, desta vez feita por um diretor homem, na qual Bella é cumprimentada e sumariamente submetida a material “áspero”
por dois atores masculinos, sem nenhum aviso sobre a coreografia (tapas, cuspidas, engasgos), sem menção de palavras de segurança, e nenhuma expectativa de nada, exceto Bella aceitar tudo o que ela lhe deu (“É bom dizer sim, certo?” o diretor diz a ela enquanto a coage a continuar a cena que seu pânico interrompe). A cena de violação é, sob a direção de Thyberg, repugnante, à medida que a câmera muda de um orifício consensual e mútuo – o lócus do olhar de Bella – para encobrir o abuso como performance. O prazer, em geral, dá um toque hábil à panóplia de emoções e experiências que as mulheres da indústria costumam encontrar no trabalho. O trauma, infelizmente, é proeminente, desde o assédio no set até a fetichização da chamada pornografia “interracial”, da qual Bella participa como uma maneira de provar seu valor (era uma cena de dupla penetração) e garantir uma melhor representação, para o estado dissociativo nebuloso em que Bella entra durante as filmagens mais difíceis, tanto como resposta ao trauma, método de enfrentamento e sinal de ruptura de limites, tudo em um. Mas o ponto principal é o trabalho, que não é nem con-
O PRAZER DÁ UM TOQUE
HÁBIL PARA PANÓPLIA DE EMOÇÕES
descendente nem descartado aqui, já que Thyberg evitou enredos mais óbvios que um diretor inferior, ou um homem, provavelmente seguiria - a mãe de Bella descobrindo sua nova vocação, por exemplo, ou uma cena de algum filme. cara, que não pertence à indústria reagindo mal ao seu tipo de trabalho, ou, em vez disso, confiando em uma agressão sexual direta fora do horário comercial.
Uma mistura fascinante de excesso de confiança e ingenuidade juvenil, Bella rapidamente ascende de uma artista estreante com limites de iniciante (ela ainda não faz anal, ela diz a um agente de elenco, porque está apenas começando) a uma arriscada escaladora, junto com o caminho esbarrando nos contornos de uma indústria pouco regulamentada, adjacente a Hollywood, que é tão suscetível a abusos – e às melhores práticas de negócios – quanto a próxima. O prazer dá um toque hábil para panóplia de emoções que são sentidas.
Esta sensibilidade em relação ao trabalho e à logística – uma apreciação saudável pelo conhecimento e experiência adquiridos, o olhar aguçado de Thyberg para os pequenos atos e detalhes do “negócio” – faz de Plea-
sure um filme muito mais interessante, emocionante e até refrescante do que o seu tema pode sugerir. É um estudo muitas vezes sutil (mesmo em suas muitas tomadas com classificação XXX) e sub-reptício de uma indústria construída sobre imagens explícitas e agressivas, um filme cativante que, embora não atinja o patamar, felizmente delineia entre o trabalho legítimo do filme adulto artistas e a toxicidade, a misoginia e o abuso que a indústria dominada pelos homens permite que apodreçam e dilacerem. O filme se encontra em diversas plataformas digitais para ser assistido, e vale a pena, especialmente para aqueles que conseguem lidar com os gatilhos e traumas que o filme apresenta em sua duração.
OS ‘E-PIMPS’ DO ONLYFANS
Marketeiros descobrem faciilidade de simular intimidade online, criando diversos modelos com mão de obra barata e estrangeira
TEXTO EZRA MARCUS ILUSTRAÇÕES PATRICIA DORIAPasse tempo suficiente nas redes sociais e você encontrará jovens envolvidos em todos os tipos de esquemas
JJaneiro em Miami, Jayson Rosero estava sentado à beira da piscina, encarando o telefone. Ele estava passando o dia como costuma fazer: tentando expandir seu negócio, Think Expansion, que é uma agência de marketing - mais ou menos. Rosero chamou sua linha de trabalho de “e-pimping”, e é um nome bastante apropriado. Think Expansion gerencia páginas do OnlyFans em nome de mais de 30 mulheres, e, como uma agência de serviço completo, Rosero e seus funcionários lidam com todos os aspectos da administração das contas. Eles as promovem nas redes sociais; eles escrevem todas as postagens diárias; eles até lidam com vendas por mensagens diretas, se passando pelas mulheres em conversas com seus assinantes para vender vídeos eróticos. Naquela tarde, Rosero estava procurando expandir sua equipe. Vestindo um moletom justo de manga curta, ele passou por inúmeras mensagens do Instagram que havia enviado para mulheres naquele dia. Todas diziam essencialmente a mesma coisa: Eu sei que você ganharia muito dinheiro comigo; quero trabalhar com você. Passe tempo suficiente nas redes sociais e você encontrará jovens envolvidos em todos os tipos de esquemas: administração de empresas de dropshipping, criação de NFTs, investimento em criptomoedas, venda de imóveis no metaverso. Muitos estão baseados em Miami. É um lugar onde os jovens profissionais de marketing abraçaram uma visão do que a internet realmente é que está em desacordo com a do Vale do Silício: menos uma fuga utópica da realidade e mais uma expansão infinita de seus shoppings centers. Rosero, 27 anos, é um membro exemplar dessa classe em ascensão. Ele começa seu treino diário na academia com um smoothie feito de claras de ovo e proteína de soro de leite, então passa o dia alternando entre OnlyFans e WhatsApp, onde gerencia seus funcionários. Ele gosta de trabalhar no deck da piscina do 27º andar do prédio de apartamentos no centro, olhando para a vastidão azul-acinzentada da Baía de Biscayne, São Fransisco.
Rosero tem um currículo extenso e colorido. Nascido na Flórida de pais colombianos, ele serviu no exército, trabalhou como stripper e importou ponchos da América do Sul. Ele fundou o Think Expansion em 2017, empregando uma mistura de amigos e vendedores que encontrou em fóruns. Eles ajudaram a gerar leads e construir contas de redes sociais para qualquer empresa que procurasse: comerciantes de iates, faturadores médicos, companhias de seguros, advogados, influenciadores, até mesmo firmas de marketing multinível. Ele é um negociante nato cujo herói pessoal é Jordan Belfort; seu discurso é pontuado por uma mistura de jargão de marketing (“reduzir o limite de ação”) e imitações de personagens de filmes e desenhos animados, às vezes na mesma frase. “Minha missão é parar o Dr. Evil a todo custo!” disse em 2019 em uma entrevista.
Ele começou a trabalhar no OnlyFans perto do início da pandemia, depois que o Think Expansion foi contratado por uma criadora do OnlyFans que buscava aumentar seu alcance nas redes sociais. Rosero notou uma forte correlação entre o alcance social dela e os lucros no OnlyFans. “Nenhum negócio realmente se beneficia tanto do crescimento no Instagram quanto alguém que trabalha na indústria do sexo”, me disse. É bastante intuitivo: o Instagram não permite nudez completa, mas fotos provocativas postadas lá podem impulsionar as vendas em outras plataformas que permitem. Ele começou a contatar modelos e criar páginas em seus nomes. Em novembro de 2020, ele postou no Instagram recrutando pessoas para trabalharem para ele gerenciando páginas do OnlyFans. “O OnlyFans é oportunidade às garotas e também para os garotos”, ele escreveu. “O que estou propondo aqui é ‘e-pimping’.
Acima de tudo, o manual enfatizava eficiência. Os gerentes eram orientados a responder mensagens diretas em menos de cinco minutos, já que os usuários iam para o OnlyFans em busca de gratificação imediata e procurariam outro lugar se ignorados. Ele incentivava a criação de atalhos de teclado, para que os gerentes pudessem lançar um arsenal de frases sexuais de forma rápida, direcionando as conversas para a venda agressiva. Também delineava uma série de estratégias para aumentar o engajamento nas páginas, incluindo um truque no qual as modelos ofereciam avaliar uma foto do pênis de um assinante por uma taxa. No entanto, as modelos não fariam isso; seus gerentes fariam, e o documento instruía-os a serem honestos nessas situações, enviando as maiores notas apenas para os bem-dotados e reservando as notas mais baixas para aqueles com fetiche de humilhação ou “claramente um pênis muito pequeno.” (A Ekko DM não respondeu a pedidos de comentário.)
Quando vi o documento pela primeira vez, eu nunca tinha ouvido falar de agências do OnlyFans. Achei que a Ekko devia ser um outlier agressivo explorando as margens das possibilidades em uma indústria não regulamentada. Na verdade, há uma variedade de empresas voltadas para o OnlyFans no setor, empregando uma gama de técnicas
Há uma variedade de empresas voltadas para o OnlyFans no setor
para maximizar os lucros das contas que gerenciam. Mas todas elas aproveitam os mesmos recursos básicos: a infinita capacidade de reprodução de imagens digitais; a disponibilidade global de mão de obra barata que sabe falar inglês; e o desejo inextinguível do mundo por companhia.
Uma das estrelas pornôs mais famosas do mundo, conhecida como Riley Reid, começou sua própria agência em 2021 chamada
A.S.H., abreviação de All Star Hustle. Ela me disse que iniciou a agência para poupar seus clientes dos modelos mais exploradores de outras agências, que frequentemente cobram 30% ou mais. (A.S.H. cobra entre 10% e 15%.)
Não usa operadores de chat ou depende de vendas mega agressivas de conteúdo pago por meio de relacionamentos de “experiência de namorada.” Em vez disso, a agência de Reid acompanha quais tipos de conteúdo performam melhor para cada página e então fornece direção criativa e estratégias de vendas. A influência de Reid ajuda-a a conseguir aparições na mídia para seus clientes.
ONLYFANS É OPORTUNIDADE ÀS GAROTAS E TAMBÉM PARA OS GAROTOS
porcentagens vai para os operadores de chat e o restante vai para as modelos. As modelos são solicitadas a promover as páginas em suas redes sociais — fora isso, tudo é feito internamente, com operadores de chat nas Filipinas e nos Estados Unidos se passando pelas modelos nas conversas com os assinantes. Os operadores de chat às vezes são instruídos a fazer com que os clientes sintam que têm “uma namorada online” para que eles deem mais gorjetas. Claro, esse modelo de negócio é “um pouco complicado” para os assinantes, reconheceu Schultheiss. Mas, no que diz respeito às estratégias do OnlyFans, ele disse, usar operadores de chat gera “muito mais dinheiro.”
A chave para esse modelo de negócio é a fácil disponibilidade de mão de obra barata que fala inglês em todo o mundo. Postagens de emprego para operadores do OnlyFans são até comuns em sites freelance como o Upwork, muitas oferecendo apenas US$ 3 por hora. Os chefes da agência disseram que contrataram trabalhadores
Outras agências assumem um controle muito mais ativo no gerenciamento das contas e ficam com uma parte muito maior dos lucros
Justin Dallas, fundador e diretor executivo da Cam Model Agency, em um e-mail. Esse fenômeno faz parte de um boom mais amplo de negócios online caseiros que conectam mão de obra barata do mundo em desenvolvimento com consumidores americanos, permitindo que o proprietário fique para trás e colha todos os lucros. Um exemplo bem conhecido é o drop-shipping, no qual os revendedores anunciam mercadorias enviadas diretamente de fornecedores (geralmente em Shenzhen) para os compradores. Isso pode ser mais ou menos automatizado para que os vendedores nominais não precisem fazer muito mais do que postar anúncios digitais para relógios ou vibradores e deixar o negócio rodar sozinho.
O marketing do OnlyFans, embora talvez mais demorado, reúne uma força de trabalho ainda mais dispersa geograficamente. Algumas das modelos vêm de países mais pobres na Europa e na América do Sul, e podem não ter habilidades em inglês para alcançar clientes americanos; um operador de chat, por exemplo, nas Filipinas completa o círculo mundial do OnlyFans.
É ESMAGADOR CRIAR CONTEÚDO
E PROMOVER
20, 30, 50 CONVERSAS DIARIAMENTE
Os operadores de chat não são necessariamente melhores para extrair dinheiro dos assinantes do que um criador que administra sua própria caixa de entrada; na verdade, eles podem ser piores. “Você deve fazer sua lição de casa muito bem sobre quem você contrata”, disse-me uma criadora do OnlyFans de 29 anos, que usa o nome Sonia LeBeau. Ela trabalhou com agências no passado e teve experiências negativas com elas. Em um momento, operadores de chat contratados para se passar por ela fizeram um trabalho tão ruim que seus assinantes mais leais perceberam que estavam sendo enganados. Ela se desculpou com todos os assinantes e voltou a responder suas mensagens ela mesma. Ainda assim, ela disse, as agências podem fornecer benefícios significativos, especialmente para contas grandes. Múltiplos operadores
podem trabalhar simultaneamente, e eles podem se revezar em turnos consecutivos, garantindo que nenhuma mensagem fique sem resposta. Contas populares muitas vezes recebem tantas mensagens que respondê-las todas seria quase impossível para uma pessoa; mensagens não respondidas significam dinheiro deixado na mesa. Além disso, há todas as outras tarefas exigidas de um criador do OnlyFans, como realmente criar conteúdo e marketing externo nas redes sociais, tudo isso tirando tempo de responder às mensagens diretas. Os operadores de chat que conseguem aliviar a carga.
Os operadores de chat também oferecem aos criadores uma barreira contra seus assinantes, que podem ser rudes, mesquinhos ou piores. “Você está constantemente grudado ao seu telefone negociando preços para vídeos personalizados com centenas de “creeps” solitários sem dinheiro? Parece divertido!” lê-se em uma postagem no site da Think Expansion, promovendo seus serviços para modelos. Dallas acredita que a maioria das modelos do OnlyFans com grande número de seguidores tem algum tipo de equipe para apoiá-las. “Torna-se esmagador criar conteúdo e promover 20, 30, 50+ conversas diariamente,” ele escreveu. Ao redor do mundo, porém, há um vasto número de trabalhadores dispostos a ter essas conversas, frequentemente por salários mais baixos do que americanos ganhando como atendentes de fast-food. Muitas empresas ocidentais dependem de mão de obra terceirizada nas Filipinas para atendimento ao cliente e entrada de dados da T-Mobile.
Dallas acredita que a maioria das modelos do OnlyFans com grande número de seguidores tem algum tipo de equipe para apoiá-las
IMPÉRIO ONLYFANS
Os negócios do OnlyFans cresceram durante a pandemia, tornando seu principal dono bilionário, despertando revelações sobre seu passado
Em outubro de 2018, o barão das fotos sensuais na internet, Leonid Radvinsky, comprou cerca de 75% de um negócio em crescimento e parcialmente inédito, chamado OnlyFans (ApenasFãs, em português). Na época, o empreendimento era um site social e de vídeos, com sede em Londres, que permitia a artistas voltados ao público adulto ganhar dinheiro sem sair do conforto de suas próprias casas. Os “criadores de conteúdo”, a maioria estrelas pornôs, cadastravam suas contas na plataforma e cobravam uma taxa de assinatura dos espectadores (chamados pela empresa de “fãs”). Essa taxa podia variar de US$ 4,99 a US$ 49,99 por mês, com os artistas ficando com 80% do valor cobrado. Durante a pandemia, com fechamento de toda a produção de filmes – adultos ou não – e pessoas solitárias presas em casa, os negócios do OnlyFans prosperaram.
aos repetidos pedidos de comentários da Forbes. Um representante do OnlyFans também se recusou a comentar. Sabemos que o OnlyFans foi fundado no ano de 2016 por um empresário britânico chamado Timothy Stokely, agora com 37 anos, ao lado de seu pai, Guy Stokely, um banqueiro aposentado, e de seu irmão, Thomas. Em arquivos no Reino Unido, Radvinsky e Guy Stokely são listados como os únicos diretores da empresa. Timothy, Thomas e Guy Stokely se recusaram a participar desta reportagem.
O POUCO QUE SE SABE DE RADVINSKY NÃO É LISONJEIRO
No ano, até novembro de 2020, o site registrou receitas de US$ 400 milhões, um aumento de 540% em relação ao ano anterior. Deste valor, 80% veio de clientes nos Estados Unidos, onde o OnlyFans é febre entre diferentes públicos. O número de criadores quase quintuplicou, atingindo 1,6 milhão, incluindo estrelas populares como a cantora Cardi B, o DJ Khaled, o rapper Fat Joe e a empresária Rebecca Minkoff. O número total de fãs pagantes cresceu mais de 500%, para 82 milhões de cadastros. Os lucros após o pagamento de impostos aumentaram quase 10 vezes, de US$ 6,6 milhões para US$ 60 milhões. A Forbes estima que a participação de Radvinsky na Fenix International – empresa controladora do OnlyFans – vale cerca de US$ 1,8 bilhão, fazendo dele um dos mais novos bilionários.
Além dessas informações financeiras impressionantes, publicadas no Reino Unido, pouco se sabe a respeito de Radvinsky (atualmente com 39 anos), que não respondeu
O pouco que se sabe sobre Radvinsky não é lisonjeiro. Cerca de vinte anos atrás, antes da pornografia ser amplamente disponível de forma gratuita na internet, ele dirigia um pequeno império de sites que anunciavam o acesso a senhas “ilegais” e “hackeadas” para outros sites pornôs, incluindo aqueles que eram advertidos por conta da presença de menores de idade. No final da década de 1990, esses sites eram comuns e usados para comercializar não apenas pornografia, mas também jogos de azar online e outras atividades do mercado paralelo. Mas a atuação de Radvinsky foi particularmente agressiva. Olhando através do arquivo disponível no portal Wayback Machine (que permite acessar páginas antigas na internet), a Forbes descobriu 11 desses sites de senhas ilegais, todos criados por Radvinsky e sua empresa Cybertania, baseada em Glenview (Illinois), no final dos anos 1990 até o ano 2000
Não há, no entanto, evidências de que qualquer um dos sites de Radvinsky tenha realmente redirecionado usuários para pornografia infantil ou zoofilia. Em vez disso, eles parecem ter sido uma forma de Radvinsky ganhar dinheiro cobrando de seus parceiros (sites pornôs verdadeiros) por cada clique. De acordo com a organização IWF, nenhuma das páginas estava vinculada a material ilegal.
EXISTE PORNOGRAFIA FEMINISTA?
Feministas de diferentes áreas, da produção de conteúdo adulto à militância antipornografia, debatem esse assunto cercado de tabus
TEXTO GIOVANNA DE AUSTRIA FOTOGRAFIA CALYPSO MAHIEUMuitas pessoas pensam que ao consumir pornografia elas estarão se posicionando contra o movimento feminista
AAtingindo picos de audiência durante a quarentena, o Pornhub, um dos portais de pornografia mais populares do mundo, se tornou alvo de uma petição que já reuniu mais de um milhão de assinaturas pedindo pelo seu fechamento. A organização norte-americana Exodus Cry, que organizou a campanha Traffickinghub, acusa a marca de lucrar com conteúdo ilegal, associado ao tráfico sexual e abuso real de crianças e mulheres.
Atrás das Filipinas, o Brasil é o segundo país com a maior proporção de acessos de mulheres no Pornhub – elas representam 39% dos visitantes, de acordo com o relatório divulgado pelo próprio site, em 2019. Mas ainda é difícil para elas assumirem que assistem pornografia por uma série de construções sociais, como explica Sheila Reis, psicóloga e presidente da Associação Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana (SBRASH). “As mulheres ainda se sentem culpadas, envergonhadas, é aquela história de ‘vi por acaso’ na internet”, comenta. Além do tabu, o tipo de conteúdo oferecido, principalmente pelos portais gratuitos, pode não agradar. “No pornô tradicional, a mulher aparece como submissa, coagida. O cara é quem manda e, às vezes, tem um tom de humilhação”, diz.
Se por um lado acessar pornografia pode ser um caminho para manter a atividade sexual ativa em tempos de distanciamento físico, por outro, o aumento do consumo implica em discutir sobre os impactos dessa indústria que, em geral, propaga uma visão estereotipada sobre as mulheres e vai na contramão de uma série de debates levantados pelo movimento feminista nas últimas décadas.
Afinal, dá para ser feminista e assistir pornografia? Existe um caminho saudável para esse tipo de consumo? Qual o impacto do pornô na vida das mulheres? Feministas de diferentes áreas, da produção de conteúdo adulto à militância antipornografia, debatem sobre o assunto, que ainda é cercado de tabus e contradições.
Proibir é a solução?
“A culpa ao assistir pornô aparece porque as mulheres, no fundo, sabem que estão vendo violência, ou, no mínimo, uma degradação da imagem feminina. Sem contar que, quando falamos em pornografia amadora, não temos como saber se a mulher que está ali consentiu com a publicação do vídeo, muito menos se ela foi vítima de tráfico sexual, está dopada ou é menor de idade”, diz Mariana Amaral, profissional de audiovisual e uma das colaboradoras da QG Feminista, coletiva que defende a pauta antipornografia. “Nosso posicionamento, enquanto feministas radicais, é de que a indústria pornográfica propaga um discurso de ódio que reafirma a subserviência das mulheres ao olhar masculino, o que é muito pautado pela violência. O mundo ideal é onde a pornografia não seja produzida”.
A ideia de abolir a pornografia vem junto com a crítica à “cultura pornográfica”, em que a cultura pop (na forma de músicas, videoclipes, séries e filmes) absorve elementos da pornografia e normaliza seu discurso. “É como se dissessem: já que a mulher não quer mais ser a ‘bela, recatada e do lar’, ela vai ser valorizada se pornificando, expondo o próprio corpo, usando sua liberdade sexual como liberdade de agradar ao olhar masculino. É como uma resposta às conquistas do movimento feminista, um backlash”, explica.
Para Sheila, é inegável que o consumo de pornografia, principalmente na infância e adolescência, é capaz de influenciar no desenvolvimento psicossexual, embora não seja possível fazer generalizações: “Se uma garota começa a assistir pornô aos 12 anos, começa a sentir prazer por meio de vídeos que colocam a mulher numa posição de coação e pode entender que aquilo é o natural”, diz. “Nada contra o pornô, o que me preocupa é a facilidade no acesso que a internet permite. Muitas vezes, jovens entram em contato com determinadas informações que não têm estrutura emocional para compreender.”
OS FILMES ADULTOS LEGITIMAM A MULHER COMO UM OBJETO E APLAUDEM VIOLÊNCIA
“Eu concordo que a maior parte do pornô tem características agressivas e violentas, não só em relação a questões de gênero, mas também de raça e classe. Mas, para mim, falar em proibição de pornografia é ignorância, porque ela vai continuar existindo”, diz a atriz e produtora de pornô Dread Hot, que faz uma analogia com o consumo de maconha no Brasil: “É proibida, mas muita gente ainda consome, só que um produto de baixa qualidade. Se proibir o pornô, vai ter gente produzindo clandestinamente”.
Outro pornôs
Dread Hot entrou para o camming (exibição sexual on-line por câmera) em 2016 e depois passou a fazer vídeos amadores junto com o companheiro, conhecido como Alemão. O sucesso conquistado em portais de pornô gratuito motivou a abertura a própria produtora, a Fever Films, em 2019, focada em pornografia alternativa. “Não gosto de usar o termo ‘pornô feminista’ porque a maioria das pessoas não entendem o que é o feminismo, acabam nem se interessando. Eu gosto de falar que é um pornô para todos, só que mais sensível, abrange os valores cinematográficos, tem roteiro, personagens bem construídos”, explica. “Eu ainda faço pornô mainstream, sim, mas não é o que eu curto. Eu faço porque é um acesso para as pessoas chegarem aos meus conteúdos, conhecerem outros trabalhos, mudar o tipo de consumo. É uma postura política.”
“A gente vê a pornografia dita feminista como um nicho de mercado, criado para tentar agradar um pouco mais o público feminino. Por mais que seja feito de uma forma mais respeitosa, acaba indo para os mesmos sites, então a pessoa que assiste o pornô feminista também vai assistir
A objetificação da mulher é um tema muito debatido na e o mundo pornográfico pode contribuir com essa objetificação
o pornô violento”, diz Mariana. “Falar em pornô feminista é como falar que a indústria têxtil não explora os trabalhadores porque uma mulher foi lá e fez uma camiseta escrito ‘feminismo’. É uma revolução muito grande que precisamos fazer para consertar esses problemas, rever o queremos para as próximas gerações.”
Giovana Bombom, atriz e produtora de pornô há cinco anos, dirigiu o filme Sexy, Bitch – Um poema pornô (2019). Ela conta que sofreu uma série de abusos ao longo de sua trajetória trabalhando com algumas produtoras do mercado mainstream. “Sempre me criticavam por conta do meu cabelo, por ter o corpo natural. Em algumas gravações, pedia para parar porque estava me machucando durante a cena, é constrangedor, é broxante. Aquele prazer que você vê no vídeo, em geral, é fake”, conta ela, que encontrou um cenário mais acolhedor trabalhando com a produtora de Brad Montana (ainda no segmento mainstream) e com a XPlastic, de pornô feminista: “Entendi que eu não tenho que me rebaixar e fazer o homem quer. Hoje, tenho um empoderamento muito forte que me traz segurança. Quero ser vista como eu sou, uma mulher preta, nordestina, que conhece seu corpo, seus fetiches e gostos”.
Para a cineasta Lívia Cheibub, produções que não repetem os padrões da indústria pornô podem ser ferramentas de autodescoberta.
“Na adolescência, eu consumia pornô e me incomodava muito ao ver que as mulheres não sentiam prazer nos filmes. Ainda assim, conseguia encontrar um vídeo ou outro em que via mulheres gozando e isso foi superimportante para mim. Até os 20 anos, não sabia o que era o clitóris”, conta. Lívia é diretora
de Landlocked (2018), um filme que ela prefere associar ao pós-pornô (movimento que une arte e pornografia como forma de questionar a indústria tradicional), ao invés de chamar de pornô feminista. “Quando você vai vender o filme, as pessoas usam os termos ‘pornô feminista’ ou ‘pornô para mulheres’ porque estão em alta. Eu quis fazer um filme que fosse mais palatável para mulheres que não se masturbam, não assistem pornografia e têm vergonha disso. Mas os homens também podem assistir, por que não?”
O jeito é falar
Para as mulheres que estão sozinhas em casa na quarentena, a questão do consumo ou não de pornografia pode ganhar novos contornos, de acordo com Sheila: “Se esse período está servindo para que elas entendam que podem ter, sim, uma intimidade com elas mesmas por meio da masturbação, é um avanço imenso. Mas é uma descoberta que não para por aí, não pode ser sempre uma válvula de escape, uma anestesia, tem que ir pro mundo real. O problema é que não estamos no ‘mundo real’ “.
“Quero ser vista como eu sou, uma mulher preta, nordestina, que conhece seu corpo, seus fetiches e gostos” Giovana Bombom, atriz e produtora de pornô
Não existem respostas fáceis quando se discute a experiência sexual virtualizada, que não é construída no encontro com o outro. O consenso é de que conversar sobre sexo e as infinitas formas de sentir prazer deveria ser algo mais presente na vida de meninas e mulheres, que acabam recorrendo à pornografia para tentar entender a própria sexualidade. “Quando se fala em educação sexual nas escolas ou mesmo em casa, pensam que é falar de pornô para as crianças. Pornografia é um dos últimos pontos a serem abordados. Primeiro, a gente fala sobre corpo, sensações, prazeres, o que nem sempre está ligado com pênis e vagina, nem mesmo com relações sexuais. Mas a gente ainda está brigando com isso no século 21”, reflete a psicóloga.
O que é pornografia feminista?
Atrás apenas das Filipinas, o Brasil é o segundo País com a maior proporção de acessos de mulheres no Pornhub – elas representam 39% dos visitantes, de acordo com o relatório divulgado pelo próprio site, em 2019
Atrás apenas das Filipinas, o Brasil é o segundo País com a maior proporção de acessos de mulheres no Pornhub – elas representam 39% dos visitantes, de acordo com o relatório divulgado pelo próprio site, em 2019. Mas a pornografia é uma faca de dois gumes: a indústria pornográfica e o abuso sexual e psicológico de mulheres x a liberdade da mulher de ter prazer assistindo pornografia. Será possível consumir pornografia e, ao mesmo tempo, ser feminista? Talvez, para a maior parte dos jovens.
A EJACULAÇÃO FEMININA
Especialista afirma que a ejaculação da mulher é cercada de lendas urbanas devido à falta de estudos científicos sobre o assunto
A atriz colombiana Amaranta Hank liga sua câmera e começa a gravar. Ela está sozinha, quase nua, em uma cama grande que lhe permite ficar confortável. A atriz começa a estimular a vagina para se masturbar: primeiro, ela faz isso em um ritmo lento até que, aos poucos, à medida que sua excitação cresce, ela aumenta a frequência. Finalmente, aparentemente coincidindo com seu clímax, um líquido transparente sai de sua vagina: acaba de ocorrer o que é conhecido lá fora como squirt (esguicho, em inglês).
Não passam mais de 30 segundos e isso acontece novamente. Num vídeo que dura três minutos e conta com mais de 1,4 milhão de visualizações, Hank, uma profissional da
pornografia com cada vez mais seguidores, parece viver essas experiências de forma espontânea, quase surpreendente. O que nem todos os telespectadores sabem é que, na indústria pornográfica, que movimenta anualmente cerca de 100 bilhões de dólares (mais de R$ 488 bilhões na cotação atual), tudo é sempre calculado com frieza, até mesmo o squirt. Hank diz que, obviamente, com o tempo aprendeu a fingir o squirt.
ORGANISMOS
FEMININOS
E MASCULINOS
SÃO BEM DIFERENTES
“As cenas são muito rápidas, têm muitas câmeras, e você pode até não gostar do ator com quem compartilha sua cena. Em contextos como este, com tanta pressão, é impossível alcançá-lo”, afirma. Por isso, para facilitar as filmagens, o squirt é falsificado por meio de garrafas de água, bolsas de água presas nas costas das atrizes e até enemas, explica. Com as pernas levantadas e a câmera focada onde deveria, a cena quase parece real. Há muitas décadas sabe-se que os orgasmos femininos e masculinos são bem diferentes. Porém, para muitos, numa espécie de lenda urbana, o squirt aparece como o máximo do prazer, uma espécie de equivalente feminino da ejaculação masculina, a prova definitiva de que a mulher gostou do ato sexual.
A realidade é que não é. Como Hank sabe em primeira mão, isso pode ser falsificado e até mesmo ser experimentado sem uma excitação extraordinária — apenas com o treinamento certo. Por outro lado, muitas mulheres experimentam orgasmos totalmente prazerosos, sem a necessidade de qualquer líquido sair de qualquer lugar. E, no entanto, aí o mito continua. Embora só agora esteja na moda, há registros de squirt desde os tempos antigos, quando o médico Hipócrates, no século 4 a.C., falou de “sêmen feminino”. A sexóloga Almudena M. Ferrer explica que muitas vezes o squirt é confundido com a ejaculação feminina, mas são duas coisas totalmente diferentes em diversos aspcetos. A primeira é a expulsão de um líquido diluído das glândulas de Skene, contendo ureia, ácido úrico e creatinina, enquanto a ejaculação feminina é a liberação de um líquido esbranquiçado, espesso e escasso da chamada próstata feminina. Algo muito importante de destacar é que ambos podem ocorrer sem que seja necessário atingir o orgasmo.
Um dos vários motivos pelos quais a ejaculação feminina é cercada de lendas urbanas e meias-verdades é a falta de estudos científicos sobre o assunto. Na Espanha, Francisco Cabello, diretor do Instituto Andaluz de Sexologia e Psicologia, tornou-se uma referência no assunto em 1993, quando decidiu estudar um fenômeno ao qual os demais médicos preferiram permanecer alheios. Muitas mulheres, como resultado de relações sexuais plenas, confundiam seu squirt com a vontade de urinar, o que muitas vezes fazia com que reprimissem seus próprios orgasmos. Na época, havia pouquíssima informação sobre o assunto, então Cabello decidiu realizar uma pesquisa que analisou a urina pré-orgásmica e a urina pós-orgásmica em busca de marcadores de líquido seminal masculino. A ideia era encontrar possíveis diferenças e
similaridades produzidas pela contribuição da urina aos elementos que compõem as glândulas parauretrais e os ductos corporais de Skene.
Foi criada uma fantasia sexual em torno do squirt que a pornografia tornou moda nos últimos anos. No portal de pornografia Pornhub existem mais de 200 mil vídeos com o título “squirting” ou “como conseguir um squirt”, segundo dados da empresa atualizados em 2021. “A conclusão que tiramos naquela época foi que 75% das mulheres apresentavam níveis de PSA na urina pós-orgásmica”, diz Cabello. Isso significa que muitas mulheres tiveram a possibilidade de ter o squirt e que grande parte de sua composição, na verdade, era somente urina.
Exatos 30 anos se passaram desde essas descobertas e o squirt está mais atual do que nunca devido à influência da pornografia. A própria Amaranta Hank, de 31 anos, só teve seu primeiro squirt quando a pandemia chegou e ela teve tempo de fazer algo que quase nunca conseguia: explorar seu corpo sozinha e se divertir. Ela começou a trabalhar no OnlyFans e, com a ajuda de seus brinquedos sexuais, muita paciência e dedicação, conseguiu isso sem ter que fingir como fazia há tantos anos no set. “Você precisa atingir um nível muito alto de excitação e sem haver distrações, mas cada corpo é único e para cada mulher as coisas funcionam de formas diferentes.”
A busca por autenticidade e prazer pessoal levou Hank a uma jornada de autoconhecimento e empoderamento. O que começou como uma necessidade profissional acabou se tornando uma forma de libertação e expressão pessoal. Essa experiência não apenas desmistificou o squirt para ela, mas também ajudou a redefinir sua relação com seu próprio corpo e sexualidade. Hank acredita que compartilhar essas experiências pode ajudar outras mulheres a compreenderem
HÉTEROS QUE FAZEM PORNÔ GAY
Em meio a fetiches e estigmas, a indústria de filmes com atores héteros, que fazem sexo com outros homens para se sustentar
TEXTO JR. BELLÉ FOTOGRAFIA MICHAEL OLIVERA indústria de filmes com atores héteros que fazem sexo com outros homens por dinheiro não para de crescer e despertar curiosidade
EEm meio a fetiches e estigmas, a indústria de filmes com atores héteros que fazem sexo com outros homens por dinheiro não para de crescer e despertar curiosidade. A indústria da pornografia é uma criadora voraz dos mais variados e estranhos fetiches, sejam eles cis, homo, bi ou trans. Um dos fetiches mais comuns no pornô gay masculino é conhecido como straight guy porn ou gay for pay: atores héteros que fazem sexo com outros homens por uma graninha a mais. E não são poucos aqueles que já se aventuraram por essa vereda envergada: Clay Maverick, Mike Branson, Wolf Hudson, Peter North, Christian Wians, Leo Giamani, Brent Diggs, Rod Daily, Paddy O’Brian, Chris Rockway, Sebastian Kross, Jeremy Walker, Castro Supreme, entre muitos outros. Para muitos destes atores, como Christian Wians, este se tornou um tema tabu desde que migrou em definitivo para o pornô hétero: “Não quero mais falar sobre isso, fiz onze cenas gays 13 anos atrás e ponto final”.
Apesar de não ser uma novidade, o straight guy porn ainda gera muitos debates e foi o tema da série True Life: I’m a Gay-for-Pay Porn Star, produzida pela MTV americana no final de 2015. A equipe seguiu de perto os passos de dois jovens atores em ascensão: Luke (ou Vadim Black) e Ben. Já nos primeiros depoimentos, Ben confessa: “Jamais pensei que fosse fazer algo assim”. No entanto, topou pela grana, que ajudaria bastante no sustento dos filhos, e porque a esposa Kristal é absolutamente compreensiva e o incentiva a continuar. Já Luke fez de tudo para esconder essa faceta de sua companheira Katelin, porém sem sucesso. “Quando descobriu, ela chorou muito e ficou realmente brava por eu ter mentido. Mas depois conversamos bastante e ela conseguiu entender meus motivos”.
Quem foi a fundo no universo gay for pay foi o diretor canadense Daniel Laurin em seu documentário Straight Guys, vencedor do Durban Gay and Lesbian Film Festival. A faísca para produzir o filme veio na época em que Daniel estava obcecado assistindo a algumas dessas produções. “Comecei a me perguntar por que cenas de homens héteros em filmes gays eram mais atraentes para mim do que entre dois atores que se identificavam como gays”, ele lembra.
Daniel então contatou algumas agências e mergulhou nos sets de filmagens e nas vidas dos atores. Logo de cara, ficou bastante evidente para ele que um estigma muito poderoso recai sobre esses profissionais no instante em que topam contracenar com outros homens. Mesmo dentro da indústria do pornô, eles sofrem com o rótulo de “gays enrustidos” e, por vezes, são preteridos por conta disso. “Muitas pessoas deixam de perceber o que isso é de fato: apenas um trabalho. A maioria desses atores aceitam o convite pelo dinheiro, pois o cachê é bem maior. Além do mais, esses caras viajam um final de semana, ficam hospedados num hotel, trabalham uma tarde e assim fazem alguns milhões.
Como funciona a indústria?
Os atores preferem trabalhar para filmmakers independentes, que garantem total anonimato, e por isso são avessos também a repórteres. Daniel acredita que isso se deva ao fato de que muitos deles são hesitantes em admitir que sentem qualquer tipo de desejo ou prazer que não se encaixe em sua identidade como heterossexual. “Isso é comum a todos, a maioria das pessoas tem dificuldade em falar sobre prazeres que estão fora da identidade sexual que admitem para si. Soma-se a isso a enorme desconfiança que pesa sobre homens que fazem sexo com outros homens e que não se identificam como homossexuais”, ele diz.
De qualquer forma, o gay for pay é um fetiche que conquistou seu mercado, e que continua em franca expansão.
A expansão do público, especula Daniel, talvez se explique pelo desejo comum que todos temos de descobrir um tipo de prazer que seja autêntico. “Mas fazendo este documentário aprendi que o desejo de assistir algo pornográfico nem sempre corresponde aos desejos da vida real”. Este contraste entre a fantasia e a realidade revela a complexidade da sexualidade humana e os variados fatores que levam alguém a se envolver em um setor tão estigmatizado. Além disso, a popularidade crescente desses filmes sugere que o público está em busca de novas narrativas e experiências, refletindo uma mudança nos padrões de consumo de pornografia.
Assim, a indústria continua a evoluir e se adaptar às demandas do mercado, proporcionando uma plataforma para que atores héteros explorem suas carreiras no pornô gay, ao mesmo tempo que desafia as normas sociais e culturais sobre sexualidade e identidade. A trajetória desses atores é marcada por dilemas pessoais, sociais e profissionais, que vão muito além das cenas que filmam. É um mundo onde os limites entre a identidade e a performance são constantemente testados, revelando as complexas dinâmicas que operam nos bastidores da indústria do entretenimento adulto.
Os estigmas que recaem sobre esses atores não se limitam apenas ao ambiente de trabalho. Muitos enfrentam julgamento e preconceito em suas vidas pessoais, o que pode levar a conflitos internos e externos. Alguns se veem obrigados a esconder suas participações em filmes gay-for-pay de amigos e familiares, temendo a reação e o impacto que isso possa ter em suas relações e reputações. No entanto, há aqueles que encontram apoio e compreensão de seus entes queridos, como no caso de Ben, cuja esposa o incentiva a continuar devido à necessidade financeira.
Além disso, o fetiche gay-for-pay não é apenas um fenômeno isolado, mas parte de um espectro mais amplo de exploração sexual e econômica dentro da indústria pornográfica. As escolhas desses atores são frequentemente moldadas por necessidades financeiras, falta de oportunidades.
Popularidade crescente desses filmes sugere que o público está em busca de novas narrativas e experiências
TRAJET0 DOS ATORES É MARCADA POR DILEMAS PESSOAIS
Dentro do universo
O documentário de Daniel Laurin, Straight Guys, oferece uma visão profunda e empática desse universo, destacando não apenas as cenas filmadas, mas também os bastidores, as histórias pessoais e os dilemas enfrentados pelos atores. Laurin apresenta uma narrativa que desafia as noções simplistas e os julgamentos superficiais, convidando o público a refletir sobre as questões de identidade, desejo e os limites da sexualidade.
Em suma, o fenômeno do straight guy porn expõe uma faceta intrigante e controversa da indústria pornográfica, que continua a evoluir e a desafiar normas estabelecidas. Ele nos convida a reconsiderar nossos próprios preconceitos e a entender melhor as complexidades do desejo humano e da expressão sexual. Enquanto a sociedade continua a debater e a reavaliar as fronteiras do aceitável e do moral, essas histórias de atores héteros no pornô gay nos lembram da necessidade de empatia, compreensão e uma visão mais nuançada das vidas que se desenrolam por trás das câmeras.
A indústria de filmes com atores héteros que fazem sexo com outros homens por dinheiro não para de crescer e despertar curiosidade. A indústria da pornografia é uma criadora voraz dos mais variados e estranhos fetiches, sejam eles cis, homo, bi ou trans. Um dos fetiches mais comuns no pornô gay masculino é conhecido como straight guy porn ou gay for pay: atores héteros que fazem sexo com outros homens por uma graninha a mais. E não são poucos aqueles que já se aventuraram por essa vereda envergada: Clay Maverick, Mike Branson, Wolf Hudson, Peter North, Christian Wians, Leo Giamani, Brent Diggs, Rod Daily, Paddy O’Brian, Chris Rockway, Sebastian Kross, Jeremy Walker, Castro Supreme, entre muitos outros. Para muitos destes atores, como Christian Wians, este se tornou um tema tabu desde que migrou em definitivo para o pornô hétero: “Não quero mais falar sobre isso, fiz onze cenas gays 13 anos atrás e ponto final”.
Apesar de não ser uma novidade, o straight guy porn ainda gera muitos debates e foi o tema da série True Life: I’m a Gay-for-Pay Porn Star, produzida pela MTV americana no final de 2015. A equipe seguiu de perto os
passos de dois jovens atores em ascensão: Luke (ou Vadim Black) e Ben. Já nos primeiros depoimentos, Ben confessa: “Jamais pensei que fosse fazer algo assim”. No entanto, topou pela grana, que ajudaria bastante no sustento dos filhos, e porque a esposa Kristal é absolutamente compreensiva e o incentiva a continuar. Já Luke fez de tudo para esconder essa faceta de sua companheira Katelin, porém sem sucesso.
“Quando descobriu, ela chorou muito e ficou realmente brava por eu ter mentido. Mas depois conversamos bastante e ela conseguiu entender meus motivos”.
Quem foi a fundo no universo gay for pay foi o diretor canadense Daniel Laurin em seu documentário Straight Guys, vencedor do Durban Gay and Lesbian Film Festival. A faísca para produzir o filme veio na época em que Daniel estava obcecado assistindo a algumas dessas produções. “Comecei a me perguntar por que cenas de homens héteros em filmes gays eram mais atraentes para mim do que entre dois atores que se identificavam como gays”, ele lembra.
Daniel então contatou algumas agências e mergulhou nos sets de filmagens e nas vidas dos atores. De cara, ficou bastante evidente para ele que um estigma muito poderoso recai sobre esses profissionais no instante em que topam contracenar com homens. Mesmo dentro da indústria do pornô, eles sofrem com o rótulo de “gays enrustidos” e, por vezes, são preteridos por conta disso. “Muitas pessoas deixam de perceber o que isso é de fato: apenas um trabalho. A maioria desses atores aceitam o convite pelo dinheiro.
Preferencias
Os atores, normalmente, preferem trabalhar para filmmakers independentes, que garantem total anonimato, e por isso são avessos também a repórteres. Daniel acredita que isso se deva ao fato de que muitos deles são hesitantes em admitir que sentem qualquer tipo de desejo ou prazer que não se encaixe em sua identidade como heterossexual. “Isso é comum a todos, a maioria das pessoas tem dificuldade em falar sobre prazeres que estão fora da identidade sexual que admitem para si. Soma-se a isso a enorme desconfiança que pesa sobre homens que fazem sexo com outros homens e que não se identificam como homossexuais”, ele diz.
De qualquer forma, o gay for pay é um fetiche que conquistou seu mercado, e que continua em franca expansão. A expansão do público, especula Daniel, talvez se explique pelo desejo comum que todos temos de descobrir um tipo de prazer que seja autêntico. “Mas fazendo este documentário aprendi que o desejo de assistir algo pornográfico nem sempre corresponde aos desejos da vida real”. Este contraste entre a fantasia e a realidade revela a complexidade da sexualidade humana e os variados fatores que levam alguém a se envolver em um setor tão estigmatizado. Além disso, a popularidade crescente desses filmes sugere que o público está em busca de novas narrativas e experiências, refletindo uma mudança nos padrões de consumo de pornografia.
Assim, a indústria continua a evoluir e se adaptar às demandas do mercado, proporcionando uma plataforma para que atores héteros explorem suas carreiras no pornô gay, ao mesmo tempo que desafia as normas sociais e culturais sobre sexualidade e identidade. A trajetória desses atores é marcada por dilemas pessoais, sociais e profissionais, que vão muito além das cenas que filmam. É um mundo onde os limites entre a identidade e a performance são testados.
Além do mais, esses caras viajam um final de semana, ficam hospedados em bons hoteis, trabalham uma tarde ou outra e assim fazem alguns milhares e milhares de dólares. Eles não amam seu trabalho, mas também não o odeiam tanto assim”, explica Daniel. É um mundo onde os limites são testados.
Estigmas e preconceitos
Os estigmas que recaem sobre esses atores não se limitam apenas ao ambiente de trabalho. Muitos enfrentam julgamento e preconceito em suas vidas pessoais, o que pode levar a conflitos internos e externos. Alguns se veem obrigados a esconder suas participações em filmes gay-for-pay de amigos e familiares, temendo a reação e o impacto que isso possa ter em suas relações e reputações. No entanto, há aqueles que encontram apoio e compreensão de seus entes queridos, como no caso de Ben, cuja esposa o incentiva a continuar devido à todas as suas necessidades financeiras.
Além disso, o fetiche gay-for-pay não é apenas um fenômeno isolado, mas parte de um espectro mais amplo de exploração sexual e econômica dentro da indústria pornográfica. As escolhas desses atores são frequentemente moldadas por necessidades financeiras, falta de oportunidades em outros setores e a busca por uma vida melhor. Isso revela uma realidade extremamente complexa, onde as motivações para entrar neste nicho são confusas, variadas e muitas vezes mal interpretadas quanto os próprios atores. Isso revela uma realidade complexa, onde as motivações para entrar neste nicho são tão variadas quanto os próprios atores.
O documentário de Daniel Laurin, Straight Guys, oferece uma visão profunda e empática desse universo, destacando não apenas as cenas filmadas, mas também os bastidores, as histórias pessoais e os dilemas enfrentados pelos atores. Laurin apresenta uma narrativa que desafia as noções simplistas e os julgamentos superficiais, convidando o público a refletir sobre as questões de identidade, desejo e os limites da sexualidade. Em suma, o fenômeno do straight guy porn expõe ENFRENTAM
uma faceta intrigante e controversa da indústria pornográfi ca, que continua a evoluir e a desafiar normas estabelecidas. Ele nos convida a reconsiderar nossos próprios preconceitos e a entender melhor as complexidades do desejo humano e da expressão sexual. Enquanto a sociedade continua a debater e a reavaliar as fronteiras do aceitável e do moral, essas histórias de atores héteros no pornô gay nos lembram da necessidade de empatia, compreensão e uma visão mais nuançada das vidas que se desenrolam por trás das câmeras. Apesar de não ser uma novidade, o straight guy porn ainda gera muitos debates e foi o tema da série True Life: I’m a Gay-for-Pay Porn Star, produzida pela MTV americana no final de 2015. A equipe seguiu de perto os passos de dois jovens atores em ascensão: Luke (ou Vadim Black) e Ben. Já nos primeiros depoimentos, Ben confessa: “Jamais pensei que fosse fazer algo assim”.
No entanto, topou pela grana, que ajudaria bastante no sustento dos filhos, e porque a esposa Kristal é absolutamente compreensiva e o incentiva a continuar. Já Luke fez de tudo para esconder essa faceta de sua companheira Katelin, porém sem sucesso. “Quando descobriu, ela chorou muito e ficou realmente brava por eu ter mentido. Mas depois conversamos bastante e ela conseguiu entender meus motivos”. Laurin apresenta uma narrativa que desafia as noções simplistas e os julgamentos superficiais, convidando o público a refletir sobre as questões de identidade, desejo e os limites da sexualidade. Ele incentiva a continuar.
MUITOS SÃO HESITANTES EM ADITIMITIR QUE SENTEM QUALQUER TIPO DE PRAZER
Gay for pay
O documentário de Daniel Laurin, Straight Guys, oferece uma visão profunda e empática desse universo, destacando não apenas as cenas filmadas, mas também os bastidores, as histórias pessoais e os dilemas enfrentados pelos atores. Laurin apresenta uma narrativa que desafia as noções simplistas e os julgamentos superficiais, convidando o público a refletir sobre as questões de identidade, desejo e os limites da sexualidade. Os atores preferem trabalhar para filmmakers independentes, que garantem total anonimato, e por isso são avessos também a repórteres. Daniel acredita que isso se deva ao fato de que muitos deles são hesitantes em admitir que sentem qualquer tipo de desejo ou prazer que não se encaixe em sua identidade como heterossexual. No entanto, topou pela grana, que ajudaria bastante no sustento dos filhos, e porque a esposa Kristal é absolutamente compreensiva e o incentiva a continuar. “Isso é comum a todos, a maioria das pessoas tem dificuldade em falar sobre prazeres que estão fora da identidade sexual que admitem para si. Soma-se a isso a enorme desconfiança que pesa sobre homens que fazem sexo com outros homens e que não se identificam como homossexuais”, ele diz.
De qualquer forma, o gay for pay é um fetiche que conquistou seu mercado, e que continua em franca expansão.
TORU MURANISHI
O diretor peitou o puritanismo japonês, ajudou a florescer a indústria pornográfica no país, ficou rico, faliu e foi preso diversas vezes
Em fins de 1986, a jovem universitária Megumi Sahara e o diretor Toru Muranishi se encontraram em um galpão no centro de Tóquio. Eles se acariciam, se beijam e se engalfinham euforicamente ao longo de 81 minutos, minuciosamente registrados por uma câmera VHS. Deste encontro nasceram uma atriz, um filme e uma lenda.
A atriz é Kaoru Kuroki, nome artístico adotado por Megumi, que se tornaria o rosto revo lucionário da indústria pornográfica no Japão. A garota de 21 anos se tornou a voz feminina nas discussões de liberação sexual na imprensa. O filme é SM Poi No Suki (1986), ou “gosto é no estilo do sadomasoquismo”, em tradução literal. Já a lenda é Toru Muranishi, o diretor pioneiro que inaugurou a ten dência “documental” nos filmes pornô, posicionando a câmera nas mãos dos atores, a fim de dar ao espectador uma perspectiva, digamos, privilegiada das es tripulias sexuais – até hoje, o gênero é dos mais populares no país.
Muranishi é um homem controverso. É considerado um artista visionário que peitou puritanismos da sociedade japonesa e intimidações de mafiosos da Yakuza, que monopolizavam a indústria do sexo no país. Por outro lado, já foi preso no Japão por incluir duas atrizes menores de 18 anos nas suas produções (inadvertidamente, diz) e, após gravar 30 vídeos durante 30 dias no Havaí, foi preso pelo FBI, sob acusação de irregularidades no passaporte. Ficou detido por meses. “Fui condenado a 370 anos de prisão, isto é, poderia morrer três vezes e ainda continuaria preso.” Só foi liberado graças ao pagamento de fiança milionária, obtida através das vendas de SM Poi No Suki.
Deste lado do mundo, Muranishi é conhe cido como “o imperador do pornô”. “Nós todos estamos em uma jornada. Às vezes, podemos rodar o mundo inteiro e talvez não encontrar a resposta sobre quem somos ou o que nos define. Eu sei quem eu sou”, diz à Trip o diretor, que já conta 71 anos, 3 mil filmes rodados e 7 mil atrizes no seu histórico sexual. “Sim, eu sou o imperador do pornô”, diz. “Três décadas atrás, era proibido mostrar mais do que três pelos pubianos nas revistas e nos filmes nipônicos. Precisei desafiar essas regras conservadoras para fazer a minha arte. Se não tivesse desafiado, a indústria pornô não teria florescido como aconteceu no Japão”, diz Muranishi, durante uma longa conversa por Skype.
Na década de 90, apesar da popularidade de seus filmes mirabolantes, o império começou a ruir: sua produtora faliu e o diretor se afundou em uma dívida de 5 bilhões de ienes (o equivalente à US$ 40 milhões à época). Com o advento da internet e a invenção do DVD, os anos dourados do VHS foram ficando para trás: Muranishi se despediu das festas regadas a champanhe e, pouco a pouco, se afastou dos holofotes. Embora não grave mais como ator, não se aposentou. Muranishi está fora da curva japonesa: a julgar por ele, o país transpira sexo, é tolerante e liberal.
Estatisticamente, não é bem assim: 70% dos millennials japoneses estão solteiros, 40% deles são virgens, os relacionamentos românticos seguem uma série de pudores e protocolos e há tempos o movimento LGBT batalha pela legalização do casamento gay. Entretanto, no universo do diretor, o Japão é um “paraíso” para dar vazão a fetiches e fantasias tabu e desconfortáveis.
“Uma amiga, uma superstar de 84 anos, faz um sucesso tremendo, pois, por não ter mais dentes, dá mordidas suaves nos pênis. Outro amigo, também ator, gosta bem de levar chutes nas bolas por mulheres atraentes. Outro gosta de passar aspirador de pó no pênis. O que quero dizer é que todo mundo tem preferências. Um tipo de sexo pode ser considerado ‘normal’ para uns, ‘anormal’ para outros, mas, no fim, quem é que vai ditar o que é a ‘norma’? Sexualidade é parte do viver, vestir, comer, beber e muito mais”, pondera.
“E os tempos mudaram: ninguém precisa mais namorar para transar, como era antigamente. Hoje é legalizado inclusive o delivery fuzoku: você liga, diz suas preferências
e uma ou um jovem elegante é entregue na sua casa. Isso só acontece direito em um país como o Japão, onde não se tem medo de andar na rua de madrugada”, conta. De fato, o deriheru (abreviação japonesa da expressão delivery health e, neste contexto, health é compreendido como serviço sexual) é permitido, pois não é enquadrado como prostituição – esta, sim, teoricamente ilegal, mas definida apenas por relações sexuais vaginais. Pergunte a algum amigo se já usou.
indústria, elas são as estrelas: um ator recebe uns 40 mil ienes por gravação; uma atriz, a partir de 500 mil ienes”, diz. Muranishi é um insider de um Japão underground, libertino e tão inusitado à primeira vista que é tentador pensar se tudo não passa de uma mise-en-scène do diretor. “Sou sortudo, de verdade. A sociedade japonesa acolheu minha arte, minhas ideias”, disse, no fim de nossa conversa. “A minha vida teve muitos altos e baixos: 10% de alto e os outros 90%, muito abaixo. Não sou vencedor, fiz várias escolhas erradas, fali. Olha pra mim: tenho 71 anos, sete prisões, 370 anos de sentença que quase me deixaram trancado para o resto da vida. Mas se você está num barco, naufragando, e
NÃO SOU UM VENCEDOR, JÁ FIZ VÁRIAS ESCOLHAS
HORROROSAS
Nascido em Fukushima, Muranishi foi vendedor de enciclopédias estilo Barsa, na ilha de Hokkaido. Um dia, demitido após a falência da companhia na década de 80, o vendedor voltou para casa e flagrou a mulher transando com outro: ele não era um bom amante e nunca a fizera gozar, revelou ela na discussão que culminaria no fim do casamento. A busca por ver mulheres sentindo prazer marcou a trajetória do diretor desde então. Tempos depois, ele se casou com a atriz Mariko Nogi, com quem vive até hoje.
“Vídeos adultos devem contar histórias de prazer. Mulheres merecem prazer tanto quanto homens, obviamente. É uma questão de liberdade sexual para elas. Inclusive, na
sente que nada vale neste mundo, olhe para o lado e vai me ver agarrado a um graveto de pau tentando nadar contra a corrente com todo meu esforço, desesperado para não afundar”, suspirou, com os olhos marejados. “Não quero morrer. Quero gozar a vida até a última gota que ela oferecer.”
Apesar dos altos e baixos em sua carreira, Muranishi continua a ser uma figura influente e provocadora no mundo do entretenimento adulto. Sua abordagem inovadora e sua disposição para desafiar convenções estabelecidas garantiram seu lugar na história da indústria pornográfica. Com uma visão que combina arte, rebeldia e um profundo desejo de explorar a psique humana, Muranishi permanece um ícone controverso e resiliente, determinado a deixar uma marca indelével em um campo que ele ajudou a transformar. Ele acredita que, ao abraçar a diversidade e a complexidade da experiência sexual, a sociedade pode avançar para um futuro mais inclusivo e tolerante. Em suas próprias palavras, “A verdadeira liberdade sexual só pode ser alcançada quando todos têm a coragem de explorar e aceitar suas próprias verdades, sem medo de julgamento ou repressão.”
O PORNÔ TRANS NO BRASIL
Como é a vida de quem atua nesse meio, vivendo no país que mais mata transexuais e que mais consome pornografia com atrizes trans
TEXTO MARCOS CANDIDO ARTISTA MARY BETH EDELSONOO sucesso bateu à porta da transexual Hilda Gomes “Brazil” na forma de um produtor italiano, há cerca de dez anos. O europeu montava elencos para filmes pornográficos estrelados por transexuais e havia farejado talento ao acessar o blog pessoal de Hilda, à época com 18 anos. “Desde pequena sabia que tinha um lado artístico. Eu via televisão e queria estar lá”, conta. O convite do cineasta envolvia uma cena com mais quatro homens e uma mulher, com distribuição em sex shops e bancas de jornais do Brasil e na Europa.
Àquela altura, Hilda, recém estabelecida no Rio de Janeiro, já tinha implantes de silicone nos seios e cabelos tingidos de louro. Em Natal, onde nasceu e cresceu, havia contracenado em peças de teatro e ensaios fotográficos. Quando viu a oportunidade de alcançar o estrelato como artista, ela ouviu poucos conselhos e encarou a obra cinematográfica. “Foi um pouco difícil. A cena era bem pesada, me judiaram um pouco, mas depois me vi na capa e gostei”, explica.
É verdade que, hoje, os DVDs estrelados por Hilda e atrizes transexuais já não vendem tão bem. Os cachês generosos também minguaram e as propostas atuais para filmar ficam na casa dos R$ 500, enquanto uma atriz mulher heterossexual recebe R$ 800 a R$ 1,500, por cena. O que mantém Hilda famosa é a rede mundial de computadores. “Tem cara do Japão, da Austrália e do mundo todo vendo meus vídeos na internet”, se gaba.
Não à toa, um levantamento do RedTube demonstrou, em fevereiro deste ano, que “há 89% de chance de uma busca por shemale [termo em inglês para filmes com transexuais mulheres] vir do Brasil”. Uma rápida busca pelo termo gera uma biblioteca com 25 mil vídeos protagonizados por transexuais na plataforma. Termos regionais, como “travestis”, também aumentam o catálogo on-line. São filmes com as atrizes de diferentes etnias e países, sem uma ‘configuração’ para os roteiros: Hilda e colegas de cena atuam com transexuais, homens e mulheres cisgêneros em uma mesma cena. É tudo bem ‘mecânico’ (“não tenho muito prazer assim, não”), mas o desejo em ter fãs e reconhecimento é maior. “Sempre foi meu maior sonho”, diz.
Apesar de galgar nomes como o de Hilda para a fama, o Brasil lidera o ranking de países com os maiores números de homicídios contra pessoas transexuais no mundo. De acordo com último relatório públicado pelo Observatório Europeu de Transgeneridade em março, de 2008 a dezembro de 2015, foram registrados 802 assassinatos de pessoas transexuais no Brasil. “Somente contabilizamos casos registrados. Sabemos que, no geral, o número de casos reais é mais alto do que conseguimos identificar”, explica Lukas Berredo, pesquisador transexual brasileiro do observatório. Um exemplo da violência que assombra até mesmo estrelas do meio trans é o de Verônica Bolina. No ano passado, ela causou comoção na rede após uma foto na qual
aparece desfigurada e com a cabeça raspada ser republicada nas redes sociais. À época, havia sido acusada pela tentativa de homicídio de uma idosa e de ter tentado arrancar a orelha de um agente penitenciário, o que foi o estopim para o espancamento.
Segundo uma fonte próxima, Bolina, ainda presa no interior de São Paulo, topou a participação em um filme pornô para “ter uma coisinha a mais” para impulsionar a carreira na prostituição.
Ainda com os números do órgão europeu, há 65% a mais de chance de um(a) transexual ser morta caso exerça alguma profissão relacionada ao sexo em qualquer lugar do mundo.
Há 10 anos ou mais, era até possível se manter apenas com filmes pornôs. Hoje, se prostituir é um fator quase imprescindível não só para atrizes pornôs, mas para boa parte dos transexuais no Brasil. “De 10 transexuais de nossa rede, ao menos 9 vão para a prostituição, já que faltam oportunidades no trabalho formal”, explica Keila Simpson, presidenta do Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). “É óbvio que a prostituição pode ser uma opção voluntária, mas não deveria ser uma situação condicional à orientação e identidade de gênero”. Todas as atrizes pornográficas transexuais
que foram entrevistadas pela revista Trip também eram acompanhantes sexuais. O tempo de permanência de uma atriz trans no pornô costuma ser de três a quatro anos, com muita sorte e/ou bons contatos com os escassos produtores que ainda perambulam por aí. Louie Damazo, 48 anos, é um dos poucos cineastas brasileiros no gênero. Ele é um efusivo carioca de olhos azuis, sotaque carregado e a cabeça raspada. A primeira vez que o vi, numa casa de eventos em São Paulo no fim de junho, Damazo estava rodeado por ‘bonecas’ (termo que designa atriz transexual no meio pornográfico). Elas usavam fartos decotes em seus trajes de gala e sorriam ao desfilar com o agenciador, no ramo desde 1999. “Já fiz de tudo, mas foi nos filmes com trans que me encontrei”, diz o ex-gerente do Banco do Brasil.
A busca por elencos transexuais começou no fim da década de 1990 no Brasil. Como demonstra a pesquisadora María Elvira DíazBenítez no livro As Redes do Sexo, a fama gerada pelos filmes foi o principal estímulo para montar um elenco trans até então marginalizado por produtoras e revistas masculinas. “Eu ia em pista de dança e na rua atrás de gente [para filmar]”, explica. “Na época, comprei uma câmera de 5 mega pixel, muito cara, assim consegui fazer as primeiras filmagens”. Por volta de 2004, selos pornográficos de grande renome, como a Brasileirinhas, Buttmann já apostavam no gênero. O ator Alexandre Frota virou manchete, em 2006, ao protagonizar o longa Garoto de Programa em parceria com a atriz trans Bianca Soares. Assim, no outrora mundo on-line e off-line, surgiu uma rede de ‘t-lovers’, ou espectadores assíduos de atrizes transexuais
HÁ 65% DE CHANCE DE TRANS SER MORTO(A) TRABALHANDO NO MUNDO SEXUAL
que pagam para ter acesso a material exclusivo. Hoje, tran sexuais que desejam alavancar o número de clientes e ga nharam certo prestígio buscam Damazo via Facebook, a troco de pequenos cachês. Ele ainda se mantém rigoroso no processo de “escalação”. Religiosamente, faz uma triagem com as candidatas, cuja tarefa consiste em realizar “solo” de masturbação exclusivo para ele e sua câmera. “Nem toda garota consegue, porque pornô não é só ‘meter’ e ‘chupar’. Tem que saber atuar e fazer as caras”, defende. A violência contra as trans, diz, acontece devido ao “machismo e hipo crisia” do brasileiro, que consome, secretamente, materiais pornôs protagonizados por transexuais. Já a redução dos cachês - Damazo banca “um pouco acima” de R$ ser culpa das próprias atrizes, que topam valores baixos em troca da fama prometida por caras como ele.
Por mês, o diretor diz registrar de 12 a 15 a cenas, sempre no eixo Rio-São Paulo (“Em São Paulo, as garotas são mais profissionais, sabe?”). É um volume de produções acima da média, bancado por uma empresa norte-americana de produção de filmes e agenciamento de transexuais sustentada por assinantes fiéis. Também é dos Estados Unidos de onde Damazo migra condições a seu elenco (como uso de preservativo e casting somente de maiores de idade), já que não há qualquer lei brasileira que imponha restrições (uso de preservativos ou exames médicos para detectar DSTs) para rodar um filme pornográfico. “Podemos dizer que não há nenhuma lei Rouanet para o pornô”, brinca Damazo. “Mas eu não brinco com a saúde de ninguém”.
ESPECTADORES
DE ATRIZES TRANS PAGAM PARA TER ACESSO EXCLUSIVO
No final de junho, Hilda Brasil se tornou uma das candidatas na categoria “Melhor Cena Trans” em uma premiação importante da indústria pornô brasileira. Um júri técnico era responsável por avaliar as obras cinematográficas na disputa (um dos organizadores afirmou à Trip que o número de inscritos na categoria foi abaixo de todas as outras mo-
dalidades heterossexuais). Quando o nome ‘Hilda’ foi anunciado no telão, a atriz sacou o celular para filmar seu possível momento de glória. O prêmio, mesmo, não veio.
A ausência de troféu não abalou o orgulho que mantém sobre suas quase 200 cenas no pornô. Durante toda o restante da semana, Hilda postou sobre o evento em sua página pessoal no Facebook, para cerca de de 17 mil seguidores. “Tenho muitos fãs que me seguem no Face e no Instagram. Quando viajo para algum lugar, já corre fã para me perguntar: Você está aqui?”, explica. “O que eu sempre quis foi isso: ficar famosinha.”
Um exemplo da violência que assombra até mesmo estrelas do meio trans é o de Verônica Bolina. No ano passado, ela causou comoção na rede após uma foto na qual aparece desfigurada e com a cabeça raspada ser republicada nas redes sociais. À época, havia sido acusada pela tentativa de homicídio de uma idosa e de ter tentado arrancar a orelha de um agente penitenciário, o que foi o estopim para o espancamento.
Segundo uma fonte próxima, Bolina, ainda presa no interior de São Paulo, topou a participação em um filme pornô para “ter uma coisinha a mais” para impulsionar a carreira na prostituição. Ainda com os números do órgão europeu, há 65% a mais de chance de um(a) transexual ser morta caso
exerça alguma profissão relacionada ao sexo em qualquer lugar do mundo. Não à toa, um levantamento do RedTube demonstrou, em fevereiro deste ano, que “há 89% de chance de uma busca por shemale [termo em inglês para filmes com transexuais mulheres] vir do Brasil”. Uma rápida busca pelo termo gera uma biblioteca com 25 mil vídeos protagonizados por transexuais na plataforma. Termos regionais, como “travestis”, também aumentam o catálogo on-line. São filmes com atrizes de diferentes etnias e países, sem uma ‘configuração’ para os roteiros: Hilda e colegas de cena atuam com transexuais, homens e mulheres cisgêneros em uma mesma cena. É tudo bem ‘mecânico’ (“não tenho muito prazer assim, não”), mas o desejo em ter fãs e reconhecimento é maior. “Sempre foi meu sonho”, diz.
Há 65% a mais de chance de um(a) transexual ser morta caso exerça alguma profissão relacionada ao sexo em qualquer lugar do mundo.
O sucesso bateu à porta da transexual Hilda Gomes “Brazil” na forma de um produtor italiano, há cerca de dez anos. O europeu montava elencos para filmes pornográficos estrelados por transexuais e havia farejado talento ao acessar o blog pessoal de Hilda, à época com 18 anos. “Desde pequena sabia que tinha um lado artístico. Eu via televisão e queria estar lá”, conta. O convite do cineasta envolvia uma cena com mais quatro homens e uma mulher, com distribuição em sex shops e bancas de jornais do Brasil e na Europa.
Àquela altura, Hilda, recém estabelecida no Rio de Janeiro, já tinha implantes de silicone nos seios e cabelos tingidos de louro. Em Natal, onde nasceu e cresceu, havia contracenado em peças de teatro e ensaios fotográficos. Ela ouviu poucos conselhos e encarou a obra cinematográfica. “Foi um pouco difícil. A cena era bem pesada, me judiaram um pouco, mas depois me vi na capa e gostei”, explica.
HOT GIRLS WANTED
Tipo: Filme
Lançamento: 2015
Duração: 1h 24 min
Disponível: Netflix
O filme acompanha a trajetória de 4 meninas que decidem deixar suas cidades após se formarem do ensino médio e ir para Miami atrás de fama e dinheiro fácil. Lá, elas passam a morar todas juntas na casa do homem que as “recrutou”, e logo começam a trabalhar em ilmes e ganhar fama através das redes sociais. Com um formato simples e didático intercala cenas do dia-a-dia da vida das meninas com fatos sobre a indústria pornográfica, que revelam o quanto essa é problemática.
PORNOCRACY
Tipo: Documentário
Lançamento: 2017
Duração: 1h 17 min
Disponível: Amazon Prime, Youtube Na era da Internet, poucos negócios sofreram mudanças tão radicais e tão rápidas quanto a pornografia. Nunca assistimos tanto conteúdo pornô quanto atualmente. Mesmo assim, a indústria tradicional está desaparecendo. O surgimento de sites exibindo conteúdo amador ou pirateado tem transformado o modo como o negócio é feito e consumido. Cada vez mais, estúdios fecham as portas e atrizes são forçadas a atuar em cenas mais fortes por menos dinheiro.
RUA AUGUSTA
Tipo: Série
Lançamento: 2018
Duração: 12 episódios (45 min cada)
Disponível: HBO Max
Mika é uma stripper que tenta reconstruir sua vida após um passado conturbado e misterioso. Ela passa a trabalhar na agitada Rua Augusta, em São Paulo, onde é dançarina na Boate Love e se diverte na boate Hell. Em uma dessas noitadas, o destino da jovem se cruza com o do filho de um poderoso empresário, o que muda sua vida para sempre. A trama aborda o submundo das drogas, prostituição e diversão nas casas noturnas em uma das ruas mais conhecidas da cidade de São Paulo.
KING COBRA
Tipo: Documentário
Lançamento: 2017
Duração: 1h 17 min
Disponível: Amazon Prime, Youtube Stephen transforma Brent, um aspirante a intérprete adulto menor de idade, em um pornstar gay. Brent decide sair após descobrir o quanto Stephen está ganhando, lhe pagando pouco, no entanto descobre que seu contrato o impede de trabalhar para qualquer outra pessoa. Os produtores rivais Joe e seu amante Harlow, interessados em contratar Brent e ganhar muito dinheiro, decidem que precisam “dar um jeito” em Stephen para conseguir alcançar seus objetivos.
CAM
Tipo: Filme
Lançamento: 2018
Duração: 1h 34 min
Disponível: Netflix
Uma cam girl com a popularidade em alta tem sua conta roubada por uma sósia e precisa identificar a farsante para reaver sua identidade. O filme se desdobra no mundo do sexo on-line. Mulheres que são oprimidas em uma plataforma de performances ao vivo com interações em tempo real em chats que permite o anonimato de ambos os lados da transação. Experiências interativas cujos impactos no comportamento humano ainda não foram totalmente dimensionados.
BRASIL PARA MAIORES
Tipo: Podcast
Lançamento: 2023
Duração: 8 episódios (45 min cada)
Disponível: UOL, Spotify, Youtube, Deezer No podcast “Brasil Para Maiores”, os repórteres do UOL TAB
Marie Declercq e Tiago Dias resgatam uma era polêmica do pornô brasileiro nos anos 2000, quando celebridades passaram a fazer filmes adultos e a pornografia deixou as salinhas escondidas das locadoras para virar papo na mesa de bar e nos programas de fofoca. A série traz bastidores dessas produções e investiga a presença do erotismo na TV e por consequência, em toda a sociedade brasileira.
IGNORAR O PORNÔ NÃO É SOLUÇÃO
Os pais dizem muitas vezes que, quando tentam ter uma conversa sobre sexo com os seus filhos adolescentes, estes tapam os ouvidos e cantarolam ou fogem a gritar da sala. Mas no final do mês passado, esses papéis inverteram-se: Depois de um seminário para jovens do ensino secundário na Columbia Grammar & Preparatory School, que promoveu discussões a respeito do pensamento crítico sobre a pornografia em linha, foram os pais que se passaram. Alguns foram para os meios de comunicação social – The New York Post, Fox News, The Federalist e outros meios de comunicação social com a mesma opinião – acusando a escola de doutrinar as crianças.
Embora eu não conheça o conteúdo exato dessa apresentação, posso dizer o seguinte: Recusar-se a discutir os meios de comunicação sexualmente explícitos, que estão mais acessíveis a menores do que em qualquer outro momento da história, não vai fazer com que o assunto desapareça. Já em 2008 – basicamente a era do Pleistoceno em termos de Internet – um estudo concluiu que mais de 90% dos rapazes e cerca de dois terços das mulheres tinham visto pornografia em linha antes de completarem 18 anos, de forma intencional ou involuntária.
Há mais de uma década que ando a entrevistar adolescentes sobre as suas atitudes e expectativas em relação ao sexo. Quando falo com garotos, em particular, nunca lhes perguntei se tinham visto pornografia, isso iria destruir a minha credibilidade. Em vez disso, pergunto quando é que viram pornografia pela primeira vez. E para a surpresa de ninguém, a esmagadora maioria diz que foi logo no início da puberdade. Não só aprenderam a masturbar-se com as suas imagens, como também não conseguem conceber a ideia de o fazer de outra forma. “Tenho um amigo que era uma lenda no time de futebol”, contou-me um recém formado estudante do liceu. “Ele disse-me que tinha deixado completamente de usar pornografia. Ele disse: ‘Eu só fecho os olhos e uso a minha imaginação’. Nós pensámos: ‘Uau! Como é que ele conseguiu alcançar tamanho feito?
A curiosidade sobre o sexo e a masturbação é natural: é boa para as garotas, para os garotos e todos os que estão para além dessas designações. E estou a falar de crianças, muitas das quais ainda não deram o primeiro beijo; a utilização de pornografia por adultos é uma conversa diferente. Poder-se-ia também debater o potencial de libertação sexual da pornografia produzida de forma ética, da pornografia queer ou da pornografia feminista, mas esses sítios são normalmente pagos e a maioria dos adolescentes não possuem o luxo de ter um cartão de crédito.
O conteúdo gratuito mais facilmente disponível para menores tende a mostrar o sexo como algo que os homens fazem às mulheres e não com elas. Muitas vezes, retratam o prazer feminino como um desempenho para a satisfação masculina, mostram corpos extremamente irrealistas, são indiferentes ao consentimento (por vezes, na sua própria produção) e flertam com o incesto.
Os clips também podem inclinar-se para o hostil. Numa análise de 2020 de mais de 4.000 cenas heterossexuais no Pornhub e no Xvideos (os principais sites pornográficos da atualidade), 45% e 35%, respetivamente, continham agressão, quase exclusivamente dirigida a mulheres. Verificou-se que as mulheres negras são alvo de tais agressões com mais frequência do que as mulheres brancas e que os homens negros têm mais probabilidades de serem retratados como agressores do que os homens brancos. Por outras palavras, os adolescentes estão a ser servidos com uma grande dose de racismo juntamente com a sua misoginia erotizada.
Os rapazes que entrevisto asseguram-me normalmente que sabem a diferença entre fantasia e realidade. Talvez. Mas essa é a resposta costumeira que as pessoas dão a qualquer sugestão de influência. Não é preciso ter um doutoramento em psicologia para saber que o que consumimos molda de forma significativa os nossos pensamentos e comportamentos, mesmo – talvez especialmente – quando acreditamos que não é assim. Qualquer troll com uma conta no Facebook pode dizer-vos isso.
TEXTO PEGGY ORENSTEIN ILUSTRAÇÃO RICHARD PRINCEPor isso, não é de estranhar que os adolescentes que usam frequentemente pornografia tenham mais probabilidades do que os outros de acreditar que as imagens são realistas. Também é mais provável que experimentem alguns dos seus movimentos perigosos, como sufocar um parceiro durante o sexo (um comportamento potencialmente letal), que, tal como o coito anal heterossexual, parece estar a aumentar entre os adolescentes.
Entre os homens universitários, o uso de pornografia tem sido associado ao facto de verem as mulheres como descartáveis e, para ambos os sexos, a uma maior crença nos mitos da violação, como o de que uma mulher “pediu por isso” devido ao que vestia ou ao quanto bebia. A combinação da exposição e da perceção da exatidão da pornografia também foi associada a um risco acrescido de agressão sexual, que foi definida como pressionar alguém a ter relações sexuais que já recusou ou não consentiu.
Os pais tendem a subestimar o consumo de conteúdos explícitos pelos seus filhos, mas os adolescentes vêem muito mais pornografia e pornografia mais hard-core do que os seus pais do mesmo sexo. Verificou-se que os rapazes com idades compreendidas entre os 14 e os 17 anos têm pelo menos três vezes mais probabilidades do que os seus pais de verem coisas como dupla penetração, “gang bangs” e ejaculação facial.
Sinceramente? Preferia que não tivéssemos de falar com as crianças sobre meios de comunicação explícitos e gostaria que a pornografia não fosse, para tantos, o seu primeiro encontro com a sexualidade humana, que não chegasse tão cedo para lhes sequestrar a imaginação com as suas fantasias proibidas. Mas, tendo em conta tudo isto, os pais e os educadores têm de trabalhar em conjunto para ajudar as crianças a desenvolver uma posição crítica para garantir que, aqui no mundo real, procedem com consentimento, respeito mútuo e intimidade autêntica. Por mais incómodo que seja, não podemos continuar a dar-nos ao luxo, ou ao falso conforto, do silêncio.
O SIGNIFICADO DE PORNOGRAFIA
TEXTO SERGIO RODRIGUES ILUSTRAÇÃO NATASHA ISHY“Pornografia é uma palavra que muita gente não entende direito. Beijar alguém do mesmo sexo não é pornografia. Exibir pistola automática em hospital é”, dizia um tuíte que publiquei na terça.
Por enunciar de forma sintética uma verdade que não é evidente para todos, o post merece desdobramento.
Primeiro é preciso recuar até o último e histórico fim de semana na Bienal do Livro do Rio. Como se sabe, o prefeito Marcelo Crivella, com a ajuda da Justiça, armou uma tempestade oportunista no copo d’água de uma história em quadrinhos e acabou derrotado.
Muito já se falou do desespero de um péssimo político que se vê prestes a descer pelo ralo nas eleições e apela para o populismo descarado. No caso, invoca o pânico moral provocado em parte da população pela ideia de “pornografia”. Que palavra é essa? Formada a partir do grego “porné” (prostituta), é jovem: nasceu no século 19 com a primeira acepção, em francês, de “estudo sobre a prostituição”.
O sentido que vingou no puritanismo da Era Vitoriana, porém, foi o de arte erótica em geral e pintura licenciosa da antiguidade em particular.
A palavra evoluiu daí para uma acepção de moralismo difuso: “reprodução grosseira e não artística de cenas sexuais que buscam excitar os baixos instintos do público”.
O pornográfico reivindicou parte da região até então pertencente ao erótico, território vasto demarcado por uma palavra que vinha de tempos remotos – do grego “erotikós”–e que incluía obras, tanto cabeludas quanto refinadas, nas quais eram retratados “amor, paixão ou desejo intenso”.
Desde então, o erótico vem sendo chamado cada vez mais a nomear apenas as terras altas da arte sensual. Os países baixos onde o pau come pertencem à pornografia.
Um trecho do Estatuto da Criança e do Adolescente contribui, e muito com manobras e tramas de má-fé como essa ao determinar no artigo 78 que seja vendido em embalagem lacrada todo e qualquer “material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes”.
A imprecisão de uma palavra como “impróprio” é imprópria ao texto de uma lei, e nesse escurinho se passou tudo: Crivella tramou inconstitucionalidades e um desembargador chegou a lhe dar razão, antes de ser corrigido pelo STF.
Logo adiante o ECA acende uma luz: determina que “as capas que contenham mensagens pornográficas ou obscenas sejam protegidas com embalagem opaca”.
Eis a palavra-chave que poderia dar fundamento à cruzada do pastorprefeito. Só que o livro em questão, da série “Vingadores”, da Marvel, é zero pornográfico ou mesmo erótico. A imagem de duas pessoas vestidas se beijando tem outro papel dramático, aliás banal e quase onipresente na ficção dos últimos séculos: o romântico. Bingo!
Para a parcela homofóbica da população, cujo obscurantismo Crivella ordenha de modo obsceno, romantismo gay é necessariamente erótico; e sendo gay e erótico, só pode ser pornográfico.
É o elemento “gay” que vicia o juízo, transformando o que seria corriqueiro entre homem e mulher num perigo do qual devemos proteger nossos filhos com embalagens lacradas. O nome disso é homofobia.
Quanto a posar no hospital ao lado do pai convalescente com uma pistola automática bem ostensiva na cintura, como fez o deputado Eduardo Bolsonaro, por que isso seria considerado pornográfico? Para entender essa questão, precisamos olhar além da definição tradicional de pornografia. Tradicionalmente, a pornografia é associada a imagens de nudez e atos sexuais explícitos. No entanto, a palavra evoluiu ao longo do tempo e, em seu sentido mais amplo e contemporâneo, passou a nomear, por analogia, a exploração despudorada e crua de outros baixos instintos humanos.
O termo “pornográfico” hoje pode ser aplicado a qualquer exibição ou comportamento que explore de forma chocante, sem pudor e com certa vulgaridade, emoções e instintos primários, visando provocar reações intensas e muitas vezes negativas no público. No caso do deputado Eduardo Bolsonaro, a ostentação de uma arma ao lado
de um ente querido fragilizado no hospital pode ser vista como uma exploração deliberada de símbolos de poder e violência, numa tentativa de afirmar autoridade e força em um momento de vulnerabilidade humana. Essa exibição pode ser interpretada como uma forma de insensibilidade e desrespeito pelo contexto em que se encontra, colocando em destaque a dissonância entre a fragilidade do pai e a brutalidade sugerida pela presença da arma. Essa analogia com a pornografia está na exploração flagrante e provocadora de elementos que apelam aos instintos mais básicos, como o medo e a agressão, numa situação que deveria inspirar compaixão e respeito.
O ato, portanto, não é apenas uma questão de mau gosto, mas um sintoma de uma sociedade onde a exibição de poder e agressividade se torna um espetáculo, mesmo nos momentos mais impróprios e íntimos. Ao reduzir um momento delicado a uma demonstração de força, tal comportamento escancara uma realidade onde os valores de empatia e sensibilidade são subvertidos pela necessidade de afirmação pessoal e política, tornando-se assim, em um sentido contemporâneo e ampliado, verdadeiramente pornográfico.
A análise do termo “pornográfico” revela como seu significado se expandiu além das fronteiras tradicionais, englobando agora a exploração indecente de qualquer instinto humano, não apenas os sexuais. Na era das mídias sociais e da política do espetáculo, essa ampliação é crucial para entendermos a manipulação de valores e a instrumentalização de símbolos de poder e vulnerabilidade. Tanto a reação ao beijo entre pessoas do mesmo sexo quanto a ostentação de uma arma em um hospital são manifestações de uma mesma lógica distorcida: a pornografia dos nossos tempos. Essa nova pornografia não está apenas na nudez, mas na exploração calculada de medos, preconceitos e violência para fins pessoais ou políticos. Em última análise, cabe a nós, enquanto sociedade, reconhecer essas manobras e rechaçá-las, reafirmando os valores mais verdadeiros e sinceros de empatia, respeito e humanidade.
O TAL
‘‘TRABALHO SEXUAL’’
TEXTO PÃMELA PAULO ILUSTRAÇÃO RICHARD PRINCENa semana passada, no escritório da Organização Nacional para Mulheres em Nova Iorque, defensores dos direitos das mulheres, grupos anti-tráfico e antigas prostitutas reuniram-se para galvanizar os nova-iorquinos a tomarem medidas contra o crescente comércio sexual da cidade. Além de defenderem a aplicação das leis existentes – e a penalização de compradores e cafetões em oposição às mulheres e crianças que são suas vítimas – queriam enviar uma mensagem importante sobre a linguagem utilizada em torno do problema.
“A mídia usa termos como ‘trabalho sexual’ e ‘trabalhador sexual’ em suas reportagens, tratando a prostituição como um trabalho como qualquer outro”, disse Melanie Thompson, uma mulher de 27 anos da cidade de Nova York que se apresentou como “Sobrevivente negra do tráfico sexual e da prostituição.” A linguagem do “trabalho sexual”, argumentou ela, implica falsamente que o envolvimento no comércio sexual é uma escolha muitas vezes feita de boa vontade; também isenta de responsabilidade os compradores de sexo. (Meu colega Nicholas Kristof traçou recentemente o perfil de Thompson, que agora trabalha para a Coalizão Contra o Tráfico de Mulheres.)
“Encorajo os meios de comunicação social a removerem os termos ‘trabalho sexual’ e ‘trabalhador sexual’ dos seus manuais de estilo”, disse ela.
Posteriormente, ao relatar o evento, o The New York Post usou o termo “trabalhadores do sexo”.
O Post não está sozinho. No que à primeira vista pode parecer um movimento positivo, o termo “trabalho sexual” de repente parece estar em todo o lado. Mesmo fora dos redutos académicos , activistas e progressistas , o “trabalho sexual” está a tornar-se um eufemismo generalizado para “prostituição”. Também pode se referir a strip-tease, massagem erótica e outros meios de envolvimento no comércio sexual. Agora é comumente usado por políticos, pela mídia e por agências governamentais . Mas não se engane: “trabalho sexual” dificilmente é um sinal de libertação.
Por que, você pode se perguntar, a troca de dinheiro por sexo precisa de uma reformulação de marca? Termos depreciativos como “vadia” e “puta” foram há muito substituídos pela expressão mais neutra “prostituta”. Mas “trabalhadora do sexo” vai um passo além, apresentando-o como um título de trabalho convencional. A sua variante mais grotesca é a expressão “criança trabalhadora do sexo”, que apareceu numa vasta gama de publicações, incluindo BuzzFeed , The Decider e The Independent . (Em alguns casos a frase foi editada após a publicação.)
O termo “trabalho sexual” surgiu há várias décadas entre os defensores radicais da prostituição. Pessoas como Carol Leigh e Margo St. James, que ajudaram a convocar o primeiro Congresso Mundial das Prostitutas em 1985, usaram o “trabalho sexual” num esforço para desestigmatizar, legitimar e descriminalizar o seu comércio. Não é de surpreender que esta mudança em direção à aceitabilidade tenha sido bem recebida por muitos homens, que constituem a grande maioria dos clientes. O termo posteriormente ganhou força nos círculos acadêmicos e entre outros grupos de defesa progressistas, como alguns focados nos direitos trabalhistas, direitos das mulheres ou ao aborto.
Ouvi o termo pela primeira vez no início dos anos 90, quando vivia na Tailândia, onde me ofereci como voluntária numa organização destinada a ajudar mulheres locais apanhadas na prostituição. Já estive em muitos bares com amigos, onde meninas menores de idade se jogavam no colo dos meus companheiros, enchendo-os de elogios e incentivando-os a beber. Apenas estar presente parecia cumplicidade no que parecia ser um ecossistema mutuamente degradante. Todos sabíamos que muitas destas mulheres tinham sido vendidas como escravas sexuais pelos seus próprios pais desesperadamente pobres
Mas em vez de se concentrar em desafiar sistemas de exploração, a organização que eu planeava ajudar, liderada em grande parte por mulheres ocidentais, pretendia equipar melhor os “trabalhadores do sexo” para exercerem o
seu ofício, como negociar mais dinheiro. Mudei de ideia sobre o voluntariado. Eu certamente não queria tornar a vida mais difícil para meninas e mulheres apanhadas em redes de prostituição, mas não poderia, em sã consciência, ajudar a perpetuar o sistema.
Nenhum trabalhador de defesa de direitos quer estigmatizar as mulheres ou crianças que são traficadas ou que recorrem à prostituição . Os sobreviventes do comércio sexual nunca devem ser responsabilizados ou criminalizados. Nem deveria a humanidade dos indivíduos que trabalham no comércio sexual ser reduzida ao que fazem por dinheiro. Os opositores e defensores do termo “trabalhador do sexo” partilham estes objectivos. Muitos dos que defendem a legitimidade do comércio sexual também se posicionam veementemente – e presumivelmente sem ver qualquer contradição – contra o trabalho infantil, a servidão contratada e a escravatura.
Numa altura em que os direitos laborais ganharam força e o movimento Me Too aumentou a sensibilização para o assédio e abuso sexual, é importante que os activistas escolham os seus alvos com sabedoria. O ímpeto das suas vitórias arduamente conquistadas não deve ser desperdiçado.
Uma pequena minoria, muitas vezes de elite, de pessoas que trabalham felizes no comércio sexual não deveria ditar os termos para todos os outros.
Nos últimos anos, a linguagem passou por mudanças drásticas em um esforço para reduzir os danos. Às vezes, essas mudanças resultam em uma linguagem distorcida que obscurece o significado. Às vezes, essas mudanças fazem as pessoas se sentirem melhor sem alterar nada substancial. E às vezes eles movem o ponteiro em direção a mudanças positivas, o que é sempre bem-vindo. Mas o recurso ao “trabalho sexual”, por mais elevada que seja a intenção, aumenta efectivamente a probabilidade de danos para uma população que já sofreu tanto. Para ajudar as pessoas prejudicadas pelo comércio sexual, precisamos encarar as coisas como realmente são.
A INFÂNCIA PROSTITUÍDA
TEXTOHá mais de uma década, conheci uma jovem assustada de 15 anos que tentava recuperar a vida depois de ter sido sequestrada por um cafetão e vendida para sexo.
Melanie Thompson relembrou o dia em que sua vida mudou: ela e duas outras meninas na cidade de Nova York encontraram alguns meninos mais velhos que as convidaram para sair. As meninas fizeram isso, os meninos forneceram álcool, Melanie desmaiou – e ela diz que acordou sendo estuprada. Ela me contou como um cafetão a trancou com outra garota em uma casa abandonada, e ela conseguiu um novo emprego: fazer sexo com estranhos contra sua vontade. Ela tinha apenas 13 anos.
Quando conversamos, dois anos depois, ela estava em um programa residencial para meninas ex-traficadas. Ela era atenciosa, charmosa e gostava de poesia, mas me perguntei se ela conseguiria reconstruir sua vida. Então eu a perdi de vista, até que chegou uma mensagem dela nesta primavera. Nós nos conhecemos e ela me contou sobre sua jornada acidentada – e sua campanha contra o que ela considera um liberalismo equivocado que legalizaria o proxenetismo. Melanie passou anos em um orfanato depois que a conheci. Não há dúvida de que alguns pais de acolhimento são excelentes, mas no geral, o sistema de acolhimento da América é uma vergonha. Apenas cerca de metade das crianças adoptadas terminam o ensino secundário; talvez 4 por cento obtenham um bacharelado. Segundo diversas estimativas, a maioria das meninas traficadas esteve em lares adotivos ou em alguma outra parte do sistema de bem-estar infantil.
Esse era o mundo de Melanie. Ela diz que foi traficada novamente, deixando sua adolescência como um borrão de trauma, sofrimento e dor. O comércio sexual deixou uma marca permanente nela e dificultou seu relacionamento com outros estudantes do ensino médio, disse ela.
“Você se sente como uma mercadoria danificada”, ela lembrou. “Você também internaliza a vergonha que as pessoas colocam em você.”
Depois de frequentar cinco escolas secundárias, ela finalmente se formou aos 19 anos. Um caminho se abriu quando ela estagiou na Coalizão Contra o Tráfico de Mulheres, uma organização sem fins lucrativos em Nova York.
Taina Bien-Aimé, a diretora executiva da coalizão, foi varrida. “Ela é um ser humano extraordinário, muito determinado, ambicioso, inteligente e focado”, disse-me Bien-Aimé. Então ela contratou Melanie, que agora é coordenadora de divulgação e defesa de direitos da coalizão.
Enquanto isso, Melanie obteve seu bacharelado em estudos de gênero. Na faculdade, ela frequentemente se via como uma mulher estranha. Nas aulas havia discussões sobre o comércio sexual, com estudantes ou professores abastados falando do trabalho sexual para adultos consentidos como fortalecedor, embora isso não parecesse nem remotamente verdadeiro para Melanie. A sua situação como criança traficada era, obviamente, diferente, pois não houve consentimento e ela só se lembrava de abusos. Mas a sua vida no mundo do sexo comercial deixou-a convencida de que os limites eram mais confusos do que os de fora imaginavam e que não havia muito empoderamento mesmo entre os adultos; tratava-se, em grande parte, da exploração de pessoas vulneráveis.
Essa desconexão agora é seu foco. Há uma tendência nos estados azuis, incluindo Nova Iorque , para descriminalizar todo o comércio sexual, dando luz verde ao proxenetismo e à manutenção de bordéis. Melanie defende algo mais próximo do modelo da Suécia e da Noruega, que não prendem prostitutas (em vez disso, oferecem-lhes serviços sociais), mas processam cafetões e clientes. Embora, francamente, nenhuma abordagem jurídica funcione tão bem, a Suécia promoveu a sua abordagem a nível internacional como forma de reduzir o tráfico. Maine acaba de se tornar o primeiro estado da América a adotar essa abordagem nórdica. Melanie, agora com 27 anos, alerta que o resultado da descriminalização total, incluindo a permissão de cafetões e bordéis, seria mais tráfico de vítimas que são em grande
NICOLAU KRISTOF ILUSTRAÇÃO OSWALDO GUAYSAMINparte negras e pardas, ou provenientes de lares adotivos, ou de jovens LGBTQ ou outros que são marginalizados. Na verdade, um grande estudo global concluiu que a legalização está associada a mais tráfico, e não a menos.
É evidente que há uma fatia do comércio sexual que é consensual, outra que é não consensual e outros elementos que são mais obscuros. Noutros contextos onde existe um desequilíbrio de poder significativo e vulnerabilidade, como nas relações entre chefes e estagiários, tendemos a aplicar proibições devido ao potencial de predação.
A pressão nos últimos anos para permitir o proxenetismo parece-me estranha, porque noutros lugares nós, liberais, estamos alertas para o potencial de exploração. Proibimos o trabalho entre adultos consentidos se for realizado por menos de um salário mínimo, por exemplo, e bloqueamos o trabalho consensual de alto risco, como o uso de plataformas para lavar janelas, sem muitas salvaguardas.
O sexo comercial é mais perigoso do que lavar janelas ou quase qualquer outro trabalho, e Melanie zomba da ideia de que os cafetões são parceiros de negócios de mulheres que vendem sexo. “Nunca toquei no dinheiro”, ela me disse. “E se você fosse pego tentando esconder alguma coisa, isso não seria bom para você.”
Essa análise em primeira mão ressalta uma importante disparidade no movimento de empoderamento feminino: enquanto mulheres ricas e instruídas têm visto avanços significativos com iniciativas como o Título IX e o movimento #MeToo, as mulheres mais vulneráveis, como aquelas que vivem em lares de acolhimento, continuam enfrentando desafios enormes. A preocupação é legítima e exige reflexão: a continuidade da descriminalização total do comércio sexual pode inadvertidamente fortalecer os cafetões em detrimento dessas jovens vulneráveis, como Melanie, que precisam de apoio e proteção. É essencial que consideremos essas nuances e implementemos políticas que protejam efetivamente as mulheres mais marginalizadas da sociedade capitalista.
HOROS
Descubra como cada signo do zodíaco explora o prazer, o sexo e os fetiches, revelando suas preferências e desejos
ÁRIES TOURO CANCER LEÃO
O ariano tem muito a ver com os guerreiros aos quais é associado no zodíaco. E é justamente por conta dessa referência que o nativo do signo, tanto o homem como a mulher, gosta de assumir posições que manifestem poder durante o sexo, mostrando-se bem dominantes na cama.
Taurino é uma pessoa sensual por natureza e gosta de uma boa preliminar para explorar os cinco sentidos. Como este é um signo regido por Vênus, seus fetiches têm a ver com um ambiente confortável e sedutor: cama grande, lençóis cheirosos e macios...
O interesse erótico desse signo não é despertado com fantasias nem com ambientação, mas, literalmente, com a prática verbal. Signo da comunicação, o geminiano se excita ao ouvir palavras provocantes. Basta um tanto de frases instigantes, antes e durante o sexo, para fazer seu prazer ir às alturas.
GÊMEOS
Romântico que é, o nativo de Câncer prefere as atitudes afetuosas ao sexo aventureiro. Mas tem uma queda pelas fantasias que revelem um quê de inocência, como a primeira vez dos dois ou as descobertas do casal. Ah! E a noite precisa começar com um jantar bem íntimo.
Leonino quer ser reconhecido como o dono do pedaço até na hora do sexo. O nativo precisa se sentir desejado. Como é performático, gosta de espelhos, shows particulares (strip-tease podem acontecer com frequência, viu?) e sentir que a performance está agradando.
Tido com um excelente profissional e que normalmente preza pelo outro, é comum que o virginiano adote uma postura de submissão durante o sexo. Uma tendência é fazer o que vai agradar a outra parte - e isso lhe dará um prazer enorme.
O fetiche do Libra está diretamente ligado à sedução, pois é aí que está o seu prazer - às vezes, se realiza mais na conquista do que na transa em si. É o signo que pensa no prazer dos dois. No quesito fantasia sexual, o nativo não brinca em serviço: as ideias são sempre requintadas.
O mais erótico entre os signos tem gás de sobra para o sexo, agindo de modo resistente e envolvente durante o ato - algo até meio professoral. Como gosta de ser um explorador entre quatro, pode curtir lances de dominação e sadomasoquismo.
Por ser mais “selvagem”, tende a liberar este lado na cama - ou fora dela, já que adora aventuras, inclusive sexo em locais proibidos. A intelectualidade desse signo, somada ao seu poder de ação, também pode impulsionar o nativo a explorar diferentes posições e possibilidades no sexo.
CAPRICORNIO AQUARIO SAGITARIO
Para os que são aquarianos, o campo sexual é um espaço amplo, que oferece inúmeras possibilidades e deve ser explorado. Eles gostam de sexo em lugares inusitados e sem muitas regras. Não possuem pudor e pode surpreender com certa frequência.
ESCORPIÃO LIBRA VIRGEM PEIXES
O capricorniano tende a ser tradicionalista. Por isso, pode abrir mão de fantasias e, por vezes, até de muitas preliminares, já que prefere ir direto ao ponto. Mas também eles gostam de se sentirem poderosos. no controle e no comando durante o sexo, algo fetichista para muitos dos nativos.
Esse é um signo romântico e profano ao mesmo tempo. Muitos desses gostam de experimentar coisas diferentes, inovando sempre na hora do sexo. O pisciano não dispensa demonstrações de carinho, sem deixar de lado a entrega.
VIRANDO ATOR PORNÔ
Sua vocação é virar ator pornô? Vamos descobrir agora com estas simples dicas
TEXTO SANTIAGO SMITH
CUIDADO COM AGÊNCIAS
Uma opção é procurar uma agência de modelos pornográficos. Nesse caso, é preciso pagar uma taxa para entrar na seleção. Você faz um teste penetrativo diante das câmeras, contracenando com uma atriz? ou com um rapazola, se o objetivo for ingressar no ramo dos filmes homo. Alguns produtores não recomendam a utilização de agências, acusando falta de profissionalismo. Se optar por esse caminho, acerte tudo antes de pagar uma taxa.
SEJA NO MÍNIMO BONITO
Para entrar no mercado, o tipo físico importa pouco, desde que o sujeito seja bonito. Pessoas com defeitos corporais ou cicatrizes não são aceitas. Nem menores de idade. O interessado, que estiver dentro dos padrões, pode mandar currículo com foto - nu, frente e verso - para alguma produtora (veja relação abaixo). É fundamental ter boa aparência e argumentação convincente. As produtoras recebem muitas cartas por dia, a maioria de aventureiros.
FAÇA UM AMIGO OBEDIENTE
Um dos fatores decisivos na carreira do ator pornô, e que define quem entra e quem fica fora do mercado, é a qualidade e a facilidade da ereção. Dos garotões que chegam interessados em participar de um filme, a grande maioria não consegue erguer seu talento diante da equipe técnica. É preciso estar bem à vontade diante da platéia. O maior drama hoje, para os produtores de elenco, é encontrar profissionais com instrumentos obedientes.
NÃO TENHA VERGONHA
Diferente do amor entre quatro paredes, você irá fazer sexo diante de uma parafernália de luzes e pessoas, e ficar em posições desconfortáveis para que a câmera capte melhor o encaixe principal da cena. É bom ter consciência também da exposição a que se está sujeito. Suas nádegas e genitália ficarão conhecidas do público em geral, seja família, seja amigos, seja estranhos. E saber enfrentar o preconceito.