ABACAXI R$ 25
sexo | atitude | relacionamento
NOVEMBRO 2020 | Nยบ 1 | ANO 1
Escola Superior de Propaganda e Marketing Graduação em Design | Turma DSG 3A 2020/2 Projeto III Marise de Chirico Comunicação e Linguagem II Celso Cruz Marketing II Neusa Santos de Souza Nunes Módulo de Cor e Percepção Paula Csillag Produção Gráfica Mara Martha Projeto Editorial e Gráfico Beatriz Emiry Toma Fernanda Viel Reis Luigi Romania Maria Eduarda França Andreoli de Oliveira Dias
CAPA Conceito FOTO Ana Cuba DIRETOR DE ARTE Sandra Mrkšić
Beatriz
ABACAXI
Oi docinhos, tudo bem? Aqui quem fala é sua mais nova melhor amiga, ABACAXI. Isso mesmo meus anjos, estou aqui para resolver todas suas dúvidas e inquietações sobre sexualidade e seu corpitcho que ninguém te explicou. Então vamos descascar esse abacaxi juntos? A educação sexual no Brasil têm sido negligenciado há tempo de mais. Pode isso? Old que não. Por isso a nossa revista é feita de jovens para jovens, queremos estar todos conectados e com os mesmos anseios que o crescer traz. Resolvemos abordar esse assunto justamente por ser tabu, queremos mudar a mentalidade de todos para formar adultos mais confiantes e confortáveis consigo mesmos no futuro. Afinal, sexualidade faz parte de nós, precisamos falar sobre isso urgentemente, e algo me diz que o momento é agora. Por isso, quisemos tornar a revista dinâmica, colorida e intrigante como a nossa geração. Nossa proposta era tornar aqui um lugar seguro de fala e que trouxesse diferentes pontos de vista sobre os tão amplos âmbitos da sexualidade. Sexo é algo natural, e que deve ser abordado com respeito e cuidado. Esperamos que nossa revista sacie suas curiosidades sobre seu corpo, sua sexualidade, suas vontades e principalmente que te proporcione auto-conhecimento. Afinal, é fundamental sabermos o que queremos para nossos corpinhos né mores? Na nossa tão esperada primeira edição vamos te contar tudinho sobre sexo durante a quarentena, vamos te dar dicas de produtos, filmes e até podcasts eróticos, como ter prazer com segurança! Aqui você vai encontrar sexo de A a Z, tudinho que você quiser saber. Ah! E se em alguma edição não te fizer…contente, temos uma seção só para você entrar em contato conosco e responderemos suas dúvidas na próxima edição com muito prazer. Temos seções tanto sobre ISTs quanto sobre fetiches, todas separadinhas e marcadas especialmente pra você com uma fruta saborosíssima. E matérias que irão fazer você abrir a boca… Somos a fruta especial de todos os dias trazendo frescor, doçura e acidez na dose certa. Depois de pegar a ABACAXI você não vai querer mais ninguém, pode acreditar. Agora, chega de vergonha hein, bora conhecer tudo de mais delicioso dessa vida.
Luigi Fernanda
Maria Eduarda
Colaboradores
REN HANG
Fotógrafo e poeta chinês. A expressão erótica, lúdica e casual de Ren, porém provocante, ganhou fama mundial.
ANA CUBA
Fotógrafa Inglesa, conta com clientes como The New York Times, Vanity Fair e é capa da primeira edição da Abacaxi.
JULIANA DE LIMA
Jornalista formada pela USP e Redatora de Contemporaneidades no Nexo Jornal.
MAURIZIO DI IORIO
Fotógrafo italiano, seu trabalho é fortemente estilizado e ousado, misturando realismo com uma certa dose de ambigüidade.
EVE LLOYD KNIGHT
Ilustradora, criou artes para diversas marcas e recentemente ganhou o premio Margaret Mallett Picture Book Award.
SASKIA LAWSON
Fotógrafa de moda, veio de uma pequena cidade do Reino Unido, teve destaque com seu trabalho para Vogue Itália.
Vem aí Nº 1 ANO 1 | SETEMBRO 2020
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FALA AÍ
Dúvidas dos leitores
SENTA QUE LÁ VEM HISTÓRIA Sexo tem a ver com política? Mutilação gental feminina
20
CHEGA MAIS
28
DESCOBERTA
“Sex Education”: a série mais vista na Netflix Contos eróticos chegam nos podcasts 1ª Menstruação: guia para pais
Pontos do clitóris que toda mulher tem que conhecer
36 40 78
BATE-PAPO
86
OBA OBA
94
VAMOS BRINCAR DE MÉDICO
98 100 102 110
Aline Castelo Branco
TE CONHEÇO? Coluna assinada
SALADA DE FRUTAS
Educação sexual em tempos de COVID-19 Nascida com dois sexos: intersexualidade Entenda o fetiche por tecidos Vibrador prejudica minha vida sexual? Óleo de coco e sexo? O que prejudica na eficácia do anticoncepcional
PITSTOP
Descobrindo a sexualidade
MIMOS
Recomendações de produtinhos
RAPIDINHA Coluna Assinada
SOPA DE LETRINHAS Poema Visual
48
MASTURBAÇÃO
O futuro do sexo é a masturbação!
54
PORNOGRAFIA
Como pornô influencia nossos desejos sexuais
62
AUTOESTIMA E CUIDADO Toque é mais do que toque
66 VIOLÊNCIA
Como abuso na infância e adolescência afeta vida sexual da mulher adulta
74
RELACIONAMENTO Trabalho prejudica o namoro?
FALA AÍ
Eu tenho DST, e agora?
Meu fetiche é estranho?
E dói?
fulaninho_ Eu contraí uma IST recentemente e agora estou começando a ter uma relação mais séria com uma pessoa, mas estou com medo de contar. Como posso fazer isso sem assustá-la?
fulaninho_ Descobri que eu não sinto prazer apenas com o sexo, me encontrei sentindo muito prazer quando dou tapas. Fetiches sadomasoquistas são incomuns ou, de alguma forma, errados?
fulaninho_ Eu comecei a ter relações com homens, ainda não expermientei sexo anal por medo da dor, mas tenho muita curiosidade.
abacaxi_ Uma situação como essa nunca será fácil de resolver. Se a relação é recente e não tem tanta intimidade, uma conversa como essa pode causar desconforto e timidez. A melhor maneira é a sinceridade, sempre acompanhada de muito jogo de cintura. Seja calma e deixe claro que a preocupação é apenas com a saúde dos dois e que essas coisas acontecem.
abacaxi_ Esses fetiches são mais comuns do que imaginamos, mas tudo tem um limite. Se o prazer está ligado somente à dor, aí sim vemos um problema. Porém, se é de comum acordo entre o casal e a prática oferece prazer a ambos, vale tudo. Fetiches normalmente estão relacionados a práticas proibidas ou experiências fora do lugar comum. Pesquisas indicam que algumas atividades sadomasoquistas alteram a liberação de certos hormônios ligados ao prazer, como o cortisol.
abacaxi_ Assim como um puxão de cabelo ou um tapinha, na hora do sexo a dor pode se transformar em prazer. Se você nunca fez sexo anal ou não experimentou estímulos na área, é possível que seja um pouco mais difícil. A melhor maneira é apostar nos estímulos múltiplos, pedindo ao seu companheiro que te masturbe enquanto o penetre por trás. É preciso paciência para que aos poucos você vá se acostumando. A boa notícia é que quanto mais você pratica, mais fácil e gostoso fica.
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Namoramos, mas...
Orgasmos múltiplos?
Virgindade
fulaninho_ Já namoro a mesma pessoa fazem 3 anos e não sentimos a necessidade de ter relações sexuais a todo momento, isto significa a falta de interesse? A falta de sexo é normal?
fulaninho_ Eu e minhas amigas estávamos conversando sobre nossas experiências seuxais quando chegamos ao tema orgasmo múltiplo, mas eu nem tinha noção do que se tratava e como funcionava.
fulaninho_ Tenho 31 anos, mas ainda sou virgem. Já tive algumas relações, porém nunca cheguei na penetração por receio e medo. Não sou confiante com meu corpo e sinto muita pressão social.
abacaxi_ Cada casal tem um perfil e uma forma de perceber a sexualidade em sua vida. A frequência não é determinada nem tampouco uma regra, deve ser um consenso entre os dois. Sexo não deve ser entendido apenas como o ‘coito’, mas associado a carícias, atenção, proximidade, contato, dentre outras demonstrações de desejo. Quando nenhuma dessas práticas que derivam da sexualidade do casal ocorrem, é sinal de que o distanciamento e esfriamento da relação pode existir, e o relacionamento então, merece ser revisto.
abacaxi_ Orgasmos múltiplos são sucessivos orgasmos ou picos de orgasmos na mesma relação. É quando a mulher após a excitação atinge o clímax e permanece nele sem interrupções. Tem um orgasmo, na sequência outro, depois outro e assim sucessivamente. Eles ocorrem porque o clitóris não relaxa imediatamente após o orgasmo. Mas também é uma característica que esses orgasmos sequentes sejam menos intensos do que o primeiro.
abacaxi_ Não existe idade certa para perder a virgindade. Cada um tem seu tempo para se descobrir e não há nada de errado nisto. Além dessa ideia de virgindade ser apenas uma contrução social criada por homens para controlar os corpos alheios. Existe o momento de maturidade emocional suficiente para viver essa experiência com equilíbrio e consciência. A pressão social para uma mulher permanecer virgem é assustadoramente proporcional ao incentivo que esta mesma garota recebe para fazer sexo desde cedo.
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SENTA QUE LÁ VEM HISTÓRIA
Sexo tem a ver com política? Embora a prática esteja concentrada principalmente em 30 países na África e no Oriente Médio, ela ocorre também em alguns lugares da Ásia e da América Latina POR Paulo Azevedo COLAGENS Vitor Vieira
Fomos educados numa cultura na qual tudo é compartimentado. Ou seja, desde pequenos, somos pautados por uma lógica ocidental. Assim, agimos como se as coisas não fossem estreitamente ligadas. Com o sexo não seria diferente. Dessa forma, naturalizamos que o corpo é separado da mente. Ou que sexualidade nada tem a ver com a formação da nossa identidade. Ou ainda que os valores são distintos de posicionamentos e escolhas políticas. Vale ressaltar que política aqui é compreendida como todas as nossas ações em sociedade. Por isso, vista muito além do complexo jogo eleitoral partidário, dever cívico dos brasileiros a cada dois anos. No entanto, basta uma breve visita pela história recente da humanidade para perceber o quanto a política está diretamente ligada ao sexo. Normalmente, só pensamos nesse forte vínculo quando nos deparamos com assuntos mais polêmicos. Aborto, criminalização da homofobia ou casamento civil entre pessoas do mesmo sexo são alguns deles. Muitas vezes, caímos numa leitura simplista, respondendo apenas “sim” ou “não”, sem aprofundar nessas questões. Pare e pense por um momento. Talvez, assim como eu, você tenha herdado hábitos e atitudes que reforcem preconceitos e padrões familiares. Imagine o quanto da relação com seu corpo, sua sexualidade e seus relacionamentos estão impregnados disso. Então, o primeiro passo nessa questão seria refletir: sexo tem a ver com política?
Ganância, corrupção e luxúria
Assim, em uma rápida busca pelos catálogos de streamings, é possível encontrar um acervo eclético de documentários, séries e filmes que abordam os domínios da política sobre a sexualidade. Por exemplo, disponíveis na Netflix, estão a já clássica “House Of Cards” (2013), que trata da controversa trajetória do congressista Francis Underwood e sua mulher, Claire, ao abrirem mão de qualquer coisa pelo mais alto posto do poder americano. Ou ainda a
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mais recente “The Politician” (2019), na qual o protagonista poderia ser considerado uma versão mais light e juvenil de Francis Underwood. Em ambos, os bastidores da política são expostos com fortes doses de ganância, corrupção e luxúria. Mesmo fora da ficção americana, em um mundo pra lá de globalizado, é curioso notar como a colonização européia ocidental deixou muitas marcas históricas que instauraram uma moral sexual comum. Ainda que tenham traços culturais e práticas sexuais distintos, possuem atributos comuns. Infelizmente, o fortalecimento da desigualdade de gênero e do patriarcado e a influência das religiões nas decisões do Estado em prol de um único modelo familiar são alguns deles. Prova disso, é o cenário revelado na única temporada da série documental “Amor e Sexo Pelo Mundo”, disponível na Netflix. Em apenas seis episódios, a jornalista Christiane Amanpour, da CNN, investiga temas envolvendo romance e sexo. Amanpour uma fluência impressionante para lidar com esse tema ainda tabu. Durante as conversas com pesquisadores e cidadãos comuns, ela não esconde o deslumbramento diante de inusitadas descobertas.
Faça amor, não faça guerra
Por exemplo, no Japão, documentos históricos que revelam a forte interferência da cultura vitoriana, a partir do Século XVII, sobre a intimidade sexual dos japoneses. A partir desse fato, livros que traziam pinturas de pessoas transando foram censuradas. O prazer cedeu espaço a culpa religiosa-cristã. O mesmo ocorreu no Líbano com o manual sexual “O Jardim Perfumado”, escrito entre 1410 e 1434, na qual Maomé, pênis e vagina ocupam a mesma página, além de ser um livro que tinha a igualdade entre gêneros como princípio. Imaginem quantas guerras civis naquele país não teriam acontecido com menos repressão e mais afetos entre seus cidadãos? Da mesma forma, é surpreendente descobrir o peso das castas nas relações e nas expressões públicas de afeto em Deli, na Índia. O paradoxo entre o sagrado e o profano, entre o permitido e o proibido, é concreto na vida das Hijras. Ainda que sejam o “terceiro gênero” e consideradas sagradas pelas escrituras milenares hindus, essa comunidade transexual e travesti ainda sofre com a discriminação social, mesmo protegidas por lei. E o tour sexual dessa série não para por aí: inclui ainda Berlim, Acra e Xangai. Vale cada milha da viagem. Em resumo, religião, sexo e política precisam ser constantemente discutidos e ter a relação sempre questionada. Mesmo nos países ditos laicos, tanto Alemanha, como o Brasil. Em ▸
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SENTA QUE LÁ VEM HISTÓRIA
comum, nesses países, as mulheres ainda sofrem opressões e muitas restrições sociais. Mesmo sendo as responsáveis por revoluções que geraram transformações palpáveis na sociedade, hoje é notável o avanço do conservadorismo. Infelizmente, essa luta milenar contra as formas de controle sobre o corpo da mulher pelo Estado está longe de acabar.
Impregnados pelo Século XIX
“As consequências desses grandes paroxismos morais do século XIX persistem entre nós. Eles deixaram uma forte marca nas atitudes relacionadas ao sexo, na prática médica, na educação de crianças, nas angústias parentais, na conduta policial e na legislação sobre o sexo. A ideia de que o sexo per se é prejudicial aos jovens está inculcada em estruturas sociais e legais cujo objetivo é mantê-los afastados do conhecimento e da experiência do sexo. Muito da legislação ainda vigente a respeito do sexo também data das cruzadas moralistas do Século XIX”, contextualiza Gayle Rubin no livro “Políticas do Sexo”. Nessa publicação fundamental para entender o debate contemporâneo sobre gênero e sexualidade, Rubin problematiza as categorias classificatórias e expõe algumas formas regulatórias da sexualidade, como o direito e a medicina. É daqueles livros que deveriam ser obrigatórios na grade curricular do ensino médio. No Brasil então, nem se fala. Os recentes imbróglios envolvendo o perdão das dívidas de mais de R$ 1 bilhão das igrejas e o fanatismo religioso em torno do caso da menina de 10 anos vítima de estupro no Espírito Santo, são apenas sintomas do rumo do país em relação ao assunto. Não é possível ignorar o agente comum por trás de tamanha tentativa de cerceamento e controle: os homens. Em especial, a parcela branca, heterossexual e cisgênero. Pode parecer que não há uma saída para algo instituído historicamente ao longo dos séculos. Porém, cada vez mais percebo como a consciência é a saída.
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As consequências desses grandes paroxismos morais do século XIX persistem entre nós
Futuro x Memória
reflexos da polarização política e da ascensão É preciso compreender a institucionalização histórica do racismo da extrema-direita ao poder. Aliás, essa mesma no Brasil e a invalidação dos direitos povos originários. Quando extrema direita que se omite diante da violência o país validou a eugenia no final do século XIX, legalizando o contra mulheres, negros e a população LGBTQIA+, “embraquecimento” da população por meio da ciência, criou um enquanto prega valores em prol da família e contra dos mais vergonhosos aspectos da nossa história política. O a corrupção e a “velha política”. Me desculpe se reflexo pode ser visto ainda hoje presente na nossa música, na pareço duro demais. Infelizmente, o noticiário tem mídia e nas relações de trabalho: naturalizamos a objetificação reafirmado esses fatos. e a hipersexualização de homens e mulheres negras. Se esse No entanto, prometo terminar dando ao menos assunto parece novidade pra você, lhe convido a ouvir o episódio uma dica que traz um alento sobre como a obsti#6 do almasculina com o comunicador e palestrante AD Junior, nação de uma pessoa pode causar transformações já mencionado na coluna #4 aqui do blog. Em relação aos em grandes escalas. Baseado em fatos reais, o filme povos originários, a doutrinação sobre os corpos, o massacre “Suprema” (“On The Basis of Sex”, em português, e desapropriação de suas reservas persiste da chegada dos “Com Base no Sexo”), da cineasta Mimi Leder, portugueses até hoje. retrata a vida da advogada Ruth Bader Ginsburg, Afinal, como acreditamos ser “o país do futuro” sendo “o país formada em Harvard e Columbia. Apesar de ser sem memória”? O distanciamento necessário para compreensão recusada pelos principais escritórios de advocacia, dos fatos muitas vezes se perde em meio a nossa urgência ela enfrentou o machismo nos anos 50 e 60. Por cotidiana. A sensação de empobrecimento da nossa população conta disso, como professora, ela se especializou em todos os aspectos serve a um objetivo perverso e claro: a em direito relacionado ao gênero. A partir daí, dominação e perpetuação dos que se mantém no poder. Não há abriu caminhos para a igualdade de gênero no outra explicação a não ser a crença no movimento pendular da país. Por fim, esse sim é um conceito que devehistória no qual todo avanço, provocando um recuo em seguida. ríamos naturalizar quando o assunto é política: sexo deve ser um espaço aberto para descobrir Apego ao tempo nossas potências como parte fundamental de uma É o que mostra o alardeado documentário brasileiro “Democracia sociedade saudável. ◆ em Vertigem”, dirigido pela mineira Petra Costa. Indicado ao Oscar deste ano, o filme expõe uma visão pessoal da diretora resgatando fatos marcantes da nossa recente história política. Nele, duas coisas são improváveis: não se afetar pela força das imagens; e não se questionar se o processo de impeachment da ex-presidente do Brasil, Dilma Rousseff, teria sido conduzido da mesma forma caso fosse um homem na mesma posição. A votação para a queda de Dilma foi considerada como um dos
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SENTA QUE LÁ VEM HISTÓRIA
Mutilação genital feminina Embora a prática esteja concentrada principalmente em 30 países na África e no Oriente Médio, ela ocorre também em alguns lugares da Ásia e da América Latina POR
Juliana Domingos de Lima
Para marcar sua campanha permanente contra essa prática, a ONU definiu esta quarta-feira (6) como Dia Internacional da Tolerância Zero para a Mutilação Genital Feminina. A prática pode causar problemas físicos e mentais que afetam as mulheres ao longo da vida, como explica Bishara Sheikh Hamo, da comunidade Borana no Quênia. “Fui submetida à mutilação quando tinha 11 anos. Minha avó me disse que era uma exigência para todas as meninas, que nos tornaria puras.” Mas o que não disseram a Bishara era que ela passaria a ter ciclo menstrual irregular, problemas na bexiga, infecções recorrentes e, quando chegasse a hora, ela só poderia dar à luz por meio de uma cesárea.Agora, ela é uma ativista antimutilação. Os órgãos genitais externos femininos incluem o clitóris, uma pequena protuberância na genitália feminina que é sensível ao estímulo sexual, os lábios, as dobras de pele ou tecido que envolvem e protegem os órgãos genitais, e o hímen, uma membrana fina que circunda a abertura da vagina.
O que é a mutilação genital feminina?
Mutilação genital feminina, ou na sigla MGF, é o corte ou a remoção deliberada da genitália feminina externa. A prática envolve a remoção ou o corte dos lábios e do clitóris, e a Organização Mundial da Saúde a descreve como “um procedimento que fere os órgãos genitais femininos sem justificativa médica”. Omnia Ibrahim, blogueira e cineasta do Egito, afirma que a MGF é angustiante, prejudica os relacionamentos das mulheres e como elas se sentem sobre si mesmas.“Você é um cubo de gelo. Não sente nada, não ama, não tem desejo”, afirma.Omnia diz ter lutado contra o impacto psicológico da mutilação genital durante toda a sua vida adulta. Ela afirma que sua comunidade a ensinou “que um corpo significa sexo e que sexo é pecado. Na minha opinião, meu corpo se tornou uma maldição”. “Eu costumava me perguntar sempre: eu odiava sexo porque eu fui ensinada a ter medo dele ou realmente não importo com isso?”No Quênia, Bishara afirmou à BBC, a mutilação genital feminina foi feita nela ao lado de outras quatro garotas: “Eu estava vendada. Depois eles ataram minhas mãos para trás, minhas pernas foram abertas e prenderam meus lábios
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vaginais”.“Depois de alguns minutos, comecei a parto - o que geralmente causa complicações para mãe e filhos. sentir uma dor aguda. Gritei, gritei, mas ninguém E por fim a todos os outros tipos de mutilação, como perfuração, podia me ouvir. Tentei me soltar, mas meu corpo incisão, raspagem e cauterização do clitóris ou da área genital. estava preso.” Ela afirmou que o procedimento é trágico. “É um Por que isso ocorre? dos tipos de procedimentos médicos mais severos, A maioria das razões apontadas para a mutilação genital femie não há higiene. Eles usam o mesmo instrumento nina passa por aceitação social, religião, desinformação sobre cortante em todas. O único analgésico disponível higiene, um modo de preservar a virgindade, tornando a mulher era feito a partir de uma planta. “Há um buraco “casável” e ampliando o prazer masculino. Em algumas culturas, no chão e uma planta nesse buraco. Então, eles a MGF é considerada um rito de passagem à vida adulta e um amarraram minhas pernas como um cabrito e pré-requisito para o casamento. esfregaram a planta em mim. E depois na próxima garota, e na seguinte, e na seguinte...” Onde a mutilação genital feminina é praticada? Muitas das mulheres entrevistadas pelo Unicef e pela Organização Quatro tipos de mutilação Mundial de Saúde dizem que é um tabu discutir a mutilação O priemiro tipo é o clitoridectomia. É a remoção em suas comunidades - logo, as estatísticas são baseadas em parcial ou total do clitóris e da pele no entorno. estimativas. Às vezes, as mulheres não falam abertamente sobre O segundo é o excisão. É a remoção parcial ou o tema por medo de críticas do entorno. Em outros casos, em total do clitóris e dos pequenos lábios. A terceira países onde a prática é ilegal, é por medo de processo contra é a infibulação. O corte ou reposicionamento dos familiares ou membros da comunidade. grandes e dos pequenos lábios. Em geral inclui Estima-se que a mutilação genital feminina esteja concencostura para deixar uma pequena abertura. trada em 30 países da África e do Oriente Médico, e ocorra A prática não é apenas extremamente dolorosa também em alguns países da África e da América Latina, e em e estressante como também gera o risco de in- comunidades de imigrantes que vivem no Leste Europeu, na fecção: o fechamento da vagina e da uretra deixa América do Norte, na Austrália e na Nova Zelândia, afirma a as mulheres com uma pequena abertura pela qual ONU. De acordo com estudo do Unicef em 29 países da África passam o fluído menstrual e a urina. De fato, algu- e do Oriente Médio, mas vezes a abertura é tão apertada que é preciso Em países como o Reino Unido, onde essa mutilação é ilegal, abri-la para permitir a penetração no sexo ou o a jurista Charlotte Proudman afirma que a prática tem crescido ▸
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SENTA QUE LÁ VEM HISTÓRIA
Cerca de 200 milhões de crianças e mulheres que vivem hoje foram submetidas à MGF, e se os atuais índices persistirem, a estimativa é de que mais 68 milhões serão cortadas entre 2015 e 2030
em bebês e crianças e é “praticamente impossível de ser detectada”, já que as crianças não estão nas escolas ou não têm idade suficiente para denunciar isso. Recentemente, uma mãe - de Uganda - se tornou a primeira pessoa no Reino Unido a ser condenada por ter mutilado sua filha de três anos. “Você é um cubo de gelo. Não sente nada, não ama, não tem desejo”, afirma. Omnia diz ter lutado contra o impacto psicológico da mutilação genital durante toda a sua vida adulta. Ela afirma que sua comunidade a ensinou “que um corpo significa sexo e que sexo é pecado. Na minha opinião, meu corpo se tornou uma maldição”. “Eu costumava me perguntar sempre: eu odiava sexo porque eu fui ensinada a ter medo dele ou realmente não importo com isso?” No Quênia, Bishara afirmou à BBC, a mutilação genital feminina foi feita nela ao lado de outras quatro garotas: “Eu estava vendada. Depois eles ataram minhas mãos para trás, minhas pernas foram abertas e prenderam meus lábios vaginais”. “Depois de alguns minutos, comecei a sentir uma dor aguda. Gritei, gritei, mas ninguém podia me ouvir. Tentei me soltar, mas meu corpo estava preso.”
Acontece devido a desigualdade de gênero
Nos locais onde é praticada a MGF tem o apoio tanto de homens como de mulheres, normalmente, sem questionamento. Contudo, as razões para a prática têm, com frequência, raízes na desigualdade de gênero. Em algumas comunidades, ela é realizada para controlar a sexualidade de mulheres e meninas. Às vezes é um pré-requisito para o casamento e pode ter relação forte com o casamento infantil. Algumas sociedades fazem a MGF por causa de mitos sobre a genitália feminina. Um exemplo é a crença de que um clitóris que não é cortado pode crescer e ficar com o tamanho de um pênis, ou, que a MGF aumenta a fertilidade. Outros consideram a parte externa da genitália feminina como suja e feia. Qualquer que seja a razão por trás da prática, a MGF viola os direitos humanos das mulheres e crianças e priva elas da oportunidade de tomarem decisões informadas e críticas sobre o próprio corpo e vidas.
Consequências
As consequências da mutilação genital incluem hemorragia e infecção (incluindo tétano). As mulheres que sofreram infibulação podem ter infecções urinárias e ginecológicas recorrentes e formação de tecido cicatricial. As mulheres que engravidam depois de sofrerem mutilação podem apresentar sangramento grave (hemorragia) durante o parto. Os problemas psicológicos podem ser graves, dificuldades em urinar, diminuição do prazer sexual. A mutilação genital feminina pode estar desaparecendo devido à influência de líderes religiosos que se declararam contra a prática e devido à oposição em algumas comunidades. ◆
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CHEGA MAIS
‘Sex education’: a série mais vista da Netflix Com rigor no tratamento de assuntos sérios, preocupação em transmitir informações corretas e leveza na condução da trama, produção conquista público e é aprovada por especialista em educação sexual POR
Heloisa Noronha
Em tempos em que abstinência é recomendada como política pública para a saúde dos jovens, como defende, por exemplo, a ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, abordar o sexo na adolescência pode ser uma tarefa arriscada para produtos audiovisuais. Porém, com uma proposta bem-humorada, leve e didática, Sex education, série da Netflix, conquistou o lugar de título mais assistido da plataforma neste início de 2020. A segunda temporada da série foi lançada pelo serviço de streaming no último dia 17 de janeiro. Segundo o aplicativo TV Time, a comédia adolescente britânica, centrada em um tímido estudante de ensino médio, filho de uma terapeuta sexual, ultrapassou Você, também na Netflix, tomando o topo da audiência global na terceira semana de janeiro. A Netflix não costuma informar dados de audiência, mas, em um comunicado feito no fim do ano passado, a empresa divulgou as 10 séries mais vistas por brasileiros na plataforma em 2019. Sex education aparecia em quinto lugar, com sua primeira temporada, lançada em janeiro daquele ano. Não surpreenderia uma produção focada em sexo arrebatar grande audiência, sobretudo numa plataforma que independe de horário específico para exibir seus conteúdos. Porém, a proposta criada por Laurie Nunn passa longe de qualquer apelação. Embora fale primordialmente sobre “aquilo”, não existem cenas de nudez. Relações ou insinuações sexuais estão presentes, assim como a masturbação, mas em uma configuração permitida para menores, com classificação indicativa de 16 anos. Em sintonia com as principais pautas identitárias atuais, a comédia juvenil apresenta aspectos educacionais importantes e personagens carismáticos. O principal deles é Otis, interpretado por Asa Butterfield, de 22 anos. Ele é mais um aluno do ensino médio de uma pequena cidade no interior da Inglaterra. ▶
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Primeiramente pela rebelde e mal-humorada Meave (Emma Mackey), que também faz parte do time dos deslocados da classe. Com uma vida familiar arruinada, ela enfrenta sérios problema financeiros e descobre que uma parceria com Otis poderia render um dinheiro extra. Conhecedor da temática trabalhada pela mãe, ele consegue aconselhar sexualmente seus colegas e resolver os problemas deles, que vão desde inseguranças estéticas a incertezas sobre a própria orientação sexual. A garota vê aí um belo negócio e passa a atuar agendando e cobrando pelas consultas. A grande ironia é que Otis ainda não chegou nem perto de iniciar sua vida sexual. Dessa forma, não faltam situações cômicas e debochadas, com alguns exageros típicos do formato, além de romances e desacertos amorosos típicos de uma comédia protagonizada por jovens dessa idade. Tudo como pano de fundo para se discutirem questões importantes e sérias, como contracepção, autoconhecimento, direitos da mulher, DSTs e diversidade sexual, ressaltando como os adultos e os sistemas educacionais têm problemas em trabalhar isso com os jovens.Um dos segredos do sucesso é a preocupação com a representatividade. Assim como em outras séries contemporâneas, Sex education foge do ultrapassado modelo em que apenas um padrão majoritário tem vez entre os personagens. O melhor amigo de Otis, e um dos preferidos do público, é Eric (Ncuti Gatwa). Estudante de família nigeriana, ele orgulhosamente se declara gay e traz para a trama a perspectiva de sua orientação sexual dentro do que a série se propõe a abordar. Além dele, outros personagens de ascendência não inglesa e orientação não heteronormativa completam o núcleo principal. Apesar do tom bem-humorado e leve dominar a maior parte do tempo, há espaço suficiente para tratar de assuntos sérios. Em um dos episódios da primeira temporada, Eric é alvo de ataques homofóbicos e o preconceito é trabalhado e desconstruído em outros momentos. A segunda temporada da série foi lançada pelo serviço de streaming no último dia 17 de janeiro. Segundo o aplicativo TV Time, a comédia adolescente britânica, centrada em um tímido estudante de ensino médio, filho de uma terapeuta sexual, ultrapassou Você, também na Netflix, tomando o topo da audiência global na terceira semana de janeiro. A Netflix não costuma informar dados de audiência, mas, em um comunicado feito no fim do ano passado, a empresa divulgou as 10 séries mais
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vistas por brasileiros na plataforma em 2019. Sex education aparecia em quinto lugar, com sua primeira temporada, lançada em janeiro daquele ano. Não surpreenderia uma produção focada em sexo arrebatar grande audiência, sobretudo numa plataforma que independe de horário específico para exibir seus conteúdos. Porém, a proposta criada por Laurie Nunn passa longe de qualquer apelação. Embora fale primordialmente sobre “aquilo”, não existem cenas de nudez. Relações ou insinuações sexuais estão presentes, assim como a masturbação, mas em uma configuração permitida para menores, com classificação indicativa de 16 anos. Em sintonia com as principais pautas identitárias atuais, a comédia juvenil apresenta aspectos educacionais importantes e personagens carismáticos. O principal deles é Otis, interpretado por Asa Butterfield, de 22 anos, que, aos 10, protagonizou o filme O menino do pijama listrado (2008). Ele é mais um aluno do ensino médio de uma pequena cidade no interior da Inglaterra. Também na primeira sequência, o aborto é tema de outro capítulo, enquanto na segunda, a estudante Aimee (Aimee Lou Wood) é abusada sexualmente no transporte coletivo – violência sofrida cotidianamente por muitas mulheres ao redor do mundo. A situação é vista inicialmente com ingenuidade pela personagem, mas os traumas e desdobramentos logo. A situação é vista inicialmente com ingenuidade pela personagem, mas os traumas e desdobramentos logo aparecem, destacando a gravidade do crime, além da necessidade e das dificuldades de denunciá-lo. Também na primeira sequência, o aborto é tema de outro capítulo, enquanto na segunda, a estudante Aimee (Aimee Lou Wood) é abusada sexualmente no transporte coletivo – violência
sofrida cotidianamente por muitas mulheres ao redor do mundo. A situação é vista inicialmente com ingenuidade pela personagem, mas os traumas e desdobramentos logo aparecem, destacando a gravidade do crime, além da necessidade e das dificuldades de denunciá-lo. ◆
Não surpreenderia uma produção focada em sexo arrebatar grande audiência, sobretudo numa plataforma que independe de horário para exibir seus conteúdos
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Contos eróticos chegam nos podcasts O pornô inaugura uma nova modalidade. São histórias para ouvir, Elas fomentam a fantasia e transformam a voz no órgão erógeno por excelência POR
Rita Abundancia
Cronologicamente, a palavra falada veio antes da escrita, mas o homo millennial — que apareceu na História ao mesmo tempo que a Internet — vive uma trajetória inversa. Começou mandando mensagens de texto. Depois, cansado de tanto teclar, passou às de voz e, segundo me contava há pouco Diana Gutiérrez, diretora da editora espanhola LGBTI Café con Leche, especializada em livros eróticos e fantásticos, “outro dia escutei dois garotos dizendo: seria legal essa coisa de mandar mensagens de voz em tempo real e com resposta simultânea.” Eles acabavam de descobrir a conversa telefônica, dois séculos depois de Antonio Meucci inventar o telefone (afinal, Alexander Graham Bell foi somente quem o patenteou, em 1876). Duas provas dessa descoberta da voz por parte dos millennials e das novas tecnologias são os audiobooks e os podcasts. Os primeiros se limitavam aos membros da terceira idade, para que pudessem continuar desfrutando da literatura apesar de seus olhos cansados, mas agora são voltados à geração multitarefa. Conheça os clássicos da literatura enquanto corre, anda de metrô ou prepara o almoço! Aprenda inglês enquanto faz suas sessões de abdominais! Um conceito já familiar para donas de casa e taxistas, conhecedoras há tempos do rádio e de sua liberdade de movimento. O que dizer então dos podcasts, que se transformaram no formato de mensagens mais cool para blogueiros e influenciadores? Se antes uma imagem valia mais que mil palavras, talvez agora, em meio a esse revival das ondas sonoras, um som valha mais que mil imagens. Pois quem diria que algo tão visual quanto a pornografia se renderia também a essa tendência com o pornô em áudio? São histórias picantes para ouvir, não para ver, que podem revolucionar toda essa indústria. Algumas editoras de romances eróticos, como a Café con Leche, estudam a possibilidade de lançar livros nesse formato. “Ainda não consideramos isso seriamente, mas pode ser uma modalidade, e talvez a incorporemos à nossa coleção de relatos eróticos Cuando
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Calienta el Sol (quando o Sol esquenta)”, afirma Diana Gutiérrez. como se estivessem pedindo um tira-gosto num bar. “É curioso, porque é uma ideia que conecta mais com o tópico Um pouco de fantasia e até de teatro (nas doses de que a sexualidade feminina é menos visual que a masculina adequadas) não nos faria nada mal! e dá mais importância à voz. E talvez tenha relação com o fato Nesse caminho para se tornar uma tendência, de que cada vez mais mulheres consomem pornografia.” pode ser que notícias como o que ocorreu há alSegundo a sexóloga e ginecologista Francisca Molero, dire- guns anos num supermercado da rede Target, em tora do Institut Clinic de Sexologia de Barcelona e do Instituto San José (Califórnia) — quando as caixas de som Ibero-Americano de Sexologia, além de presidenta da Federação transmitiram um áudio erótico inadvertidamente Espanhola de Sociedades de Sexologia, “essa modalidade es- — se tornem cada vez mais comuns. timula mais a imaginação e a fantasia, ao obrigar o cérebro a formar suas próprias imagens e não consumir as que já vêm Onde escutar pornô em áudio prontas. A voz também tem muito mais nuances e diz muito mais, Quem quiser começar a exercitar o ouvido e deicom suas modulações, do que o mero significado da palavra que xar de lado as imagens durante um tempo deve emite. Por outro lado, deixar de olhar as estereotipadas imagens levar em conta que saber inglês e espanhol (ao dos corpos, que habitualmente vemos na pornografia, pode nos menos, ter o nível básico) abrirá um universo de ajudar a aceitar mais o nosso, a pluralidade e a diversidade.” possibilidades. Se o pornô em áudio se tornar uma tendência, talvez os cirurO site XVideos oferece histórias em espanhol, giões plásticos notem uma queda no negócio (especialmente no mas a grande maioria é narrada com sotaque lada cirurgia genital). Mas a macroeconomia indicará uma com- tino, o que faz lembrar alguns capítulos de novelas pensação com a maior demanda do serviço de fonoaudiologia, já mexicanas. É o caso dos áudios Electricista me que todos(as) vão querer parecer mais sensuais e interessantes. coge rico (eletricista me come gostoso) e Sexo en E talvez essa moda ajude um pouco os espanhóis, entre outros, Baño con Policía (sexo no banheiro com policial), da com esse mau hábito de levar sua propalada e descontraída série EsposaX, em que mulheres casadas vivem simplicidade até a cama e parecer, nos momentos mais íntimos, aventuras enquanto seus maridos trabalham — e ▶ set 2020 ABACAXI | 25
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também colocam chifres nas esposas. Uma voz feminina narra a história, que acaba sempre com exclamações clássicas do pornô latino (papi! más duro!). Pode ser interessante para quem assistiu à novela Cristal no SBT em 2006. A mesma plataforma traz também áudios para homossexuais, como o Audio paja gay español (áudio punheta gay espanhol), em que uma grave voz masculina, de galã sul-americano, anima e acompanha qualquer sujeito disposto a curtir um bom momento consigo mesmo. O Pornhub, um dos mais lendários sites pornô, já conta com sua seção de áudio com diversos posts de “hipnose erótica”, os chamados Hypno HFO (hands free orgasm, orgasmo sem as mãos). É uma espécie de meditação erótica guiada por uma voz feminina e sussurrante, que promete nos relaxar e levar ao sétimo céu. A maioria dos áudios, para não dizer quase todos, é em inglês. Mas as vozes falam tão lento –“I want to be part of you. I want to touch you, to feel you” – que parecem uma excelente ferramenta para se familiarizar com a língua de Shakespeare e matar dois coelhos com uma cajadada só. São também frequentes os áudios que simulam sons da felação para o público masculino. Erotic audio submissions. No final de 2018, o Tumblr anunciou que acabaria com o conteúdo para adultos. Mas devia se referir às imagens, já que nessa plataforma você pode escutar áudios, em geral de pessoas anônimas, que gravam praticando sexo em suas mais diversas modalidades. Você também pode se atrever a postar os seus. GoneWild Audio é outro portal onde você pode encontrar áudios gravados por amadores e postar os seus próprios. Esse site é muito do espírito LGBTI e contém regras bem estritas contra gravações que simulem ou possam evocar estupros e agressões sexuais. Aural Honey. Como diz esse site, o autor é “um ardente inglês, viciado em chá e com uma mente deliciosamente suja”. Outro bom lugar para você praticar inglês, desta vez escutando um perfeito sotaque de Cambridge. Há histórias românticas, noites de paixão que transcorrem enquanto a tempestade cai lá fora (na seção Sweet as Honey). Também encontramos histórias mais underground, de submissão e até mulheres vampiros que seduzem um pobre mortal (na seção Tea & Harlotry). Audible. O site de audiobooks da Amazon tem também uma seção erótica que tenta satisfazer públicos mais exigentes que o dos leitores de 50 Tons de Cinza. As lésbicas podem experimentar Naughty Lesbians: 10 explicit stories of lesbian erotica e os amantes do BDSM podem provar The Marketplace. Já os que se excitam com ficção científica têm a opção Sci-Fi & Fantasy Erotica. O site proporciona variadas formas de comprar os áudios ou de se tornar membro. ◆ 26 | ABACAXI
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1ª menstruação: guia para pais Qual o significado para o pai quando sua filha menstrua pela primeira vez? Um amigo contou a novidade de maneira espontânea na frente da própria garota. Não é constrangedor? POR
Ana Canosa
Eu arriscaria dizer que há grande chance de ser uma cena constrangedora, principalmente se a garota não foi consultada e se o evento carregar conotações pejorativas, preconceituosas ou catastróficas sobre a puberdade. Quando eu fiquei menstruada, no início dos anos 80 do século passado, meu pai me deu os parabéns e um dinheiro para eu comprar um presente para mim. Eu devia ter uns 13 anos. Não me lembro se fiquei constrangida, mas como comprar era um dos meus verbos prediletos na época, fiquei feliz da vida. Lembro até hoje da cor da nota. A menarca é um importante definidor da passagem da infância para a adolescência, independentemente do segmento social, e um dos poucos ritos de passagem que ainda permanecem valorizados nas sociedades modernas. E assim como é uma fase cheia de representações para as meninas, também é para os pais. Sabemos que muitas garotas não têm a mesma sorte que eu tive e sofrem com a notícia de que a partir daquele momento a vida mudou drasticamente e que o “inferno” vai começar. Os ritos de passagem da puberdade e da adolescência vêm acompanhados de muitas crenças e clichês, alguns bem verdadeiros: seu corpo vai mudar, os meninos vão te olhar diferente, o desejo sexual vai surgir. Esses ritos, por outro lado, também estão repletos de concepções sobre os papéis sexuais, o comportamento desejado, a construção do ser mulher. Alguns pais e mães podem ser pegos pela ansiedade da mudança e precisarão se acostumar a perder a meninice das filhas. Outros vão se orgulhar do crescimento saudável delas. Provável que aconteçam as duas coisas. A vida é composta de sucessivas passagens, determinadas pela biologia e pela cultura (nascimento, puberdade, juventude, maturidade, morte). Há diversas cerimônias que servem para marcar a passagem de uma situação para outra. Toda alteração na situação de um indivíduo implica ações e reações que as sociedades buscam regular. Nessa sucessão de ▶ 28 | ABACAXI
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Imagine que uma menina, ao se tornar púbere, já está apta para o casamento em algumas culturas. No Brasil, por exemplo, esse fenômeno ainda acontece, com a anuência da família, principalmente nas regiões menos desenvolvidas do país - segundo o instituto Promundo. Nesse sentido, a menarca ganha contornos sociais importantes; comunicá-la faria parte do ritual de passagem. O casamento pode ser visto como a solução para os riscos que os pais avaliam diante de uma vida sexual mais livre. Não é apenas um corpo, mas uma posição social que se modifica. Sociedades têm tratado esse fenômeno de forma distinta. Na cultura Kamayurá, no Alto Xingu, por exemplo, a jovem deve aprender voluntariamente as tarefas que a ela serão designadas na vida adulta. As meninas se esforçam para a ser a base da estrutura familiar e, para marcar essa passagem, ficam “reclusas” durante um ano, aprendendo com as mulheres mais maduras da tribo a fazer trabalhos manuais, executar tarefas domésticas e a preparar os alimentos; nesse período, elas não cortam os cabelos, cuja franja deve cobrir-lhe o rosto até a altura do queixo. Ritos de passagens são comuns em diversas culturas de diferentes partes do mundo, e a menarca é uma marca significativa desse rito para as meninas – e, consequentemente, para seus pais. Imagine que uma menina, ao se tornar púbere, já está apta para o casamento em algumas culturas. No Brasil, por exemplo, esse fenômeno ainda acontece, com a anuência da família, principalmente nas regiões menos desenvolvidas do país - segundo o instituto Promundo.
Como lidar?
Quando isso acontece, no caso da nossa sociedade ocidental, é preciso, em primeiro lugar, respeitar a intimidade das meninas – agora adolescentes – e perguntar se poderia contar para amigos ou família. Se ela não quiser, entenda e atenda. Um segundo passo seria externar sua satisfação por ela
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Muitas garotas não têm a mesma sorte, e sofrem com a notícia de que vida mudou drasticamente e que o “inferno” vai começar
estar sadia e passando por um rito de passagem importante para uma menina que está se tornando uma adolescente e, consequentemente, uma mulher. Deixe-a confortável para fazer perguntas e tirar dúvidas e, caso não saiba alguma resposta, diga que vai pesquisar e trazer a resposta (e concretize sua promessa). Não esqueça de dar dicas práticas, como o adequado uso de absorventes - e a deixe livre para escolher com qual tipo ela se adequa mais. Para isso, é preciso pesquisar, de preferência antes da menarca, os tipos existentes – sugiro, inclusive, deixar alguns em casa para que ela possa testar e usar de imediato. Exponha que, a partir de agora, há novos hábitos de higiene a serem adotados – e os explique. Há também a parte complicada que pode vir associada a esta nova fase, que são os sintomas de TPM, como irritabilidade, cólicas, dores nos seios, constipações. E avise que o corpo dela agora está preparado para gerar uma nova vida e, talvez, seja o melhor momento para falar sobre educação sexual, mostrar os diferentes métodos de contracepção e explicar como evitar doenças sexualmente transmissíveis. Fale de forma leve e descontraída (e não
uma conversa drástica – como foi a minha). Busque ter empatia com ela neste momento, pois por mais que concordemos que a menstruação é algo normal e rotineiro, as meninas podem estar sabendo dessas informações pela primeira vez. Os ritos de passagem da puberdade e da adolescência vêm acompanhados de muitas crenças e clichês, alguns bem verdadeiros: seu corpo vai mudar, os meninos vão te olhar diferente, o desejo sexual vai surgir. Esses ritos, por outro lado, também estão repletos de concepções sobre os papéis sexuais, o comportamento desejado, a construção do ser mulher. Alguns pais e mães podem ser pegos pela ansiedade da mudança e precisarão se acostumar a perder a meninice das filhas. Outros vão se orgulhar do crescimento saudável delas. Provável que aconteçam as duas coisas. A vida é composta de sucessivas passagens, determinadas pela biologia e pela cultura (nascimento, puberdade, juventude, maturidade, morte). Há diversas cerimônias que servem para marcar a passagem de uma situação para outra. Toda alteração na situação de um indivíduo implica ações e reações que as sociedades buscam regular. Nessa sucessão de etapas, tem-se a formação do homem e da mulher, comumente chamado de “construção social”, cuja atenção dirige-se ao aprendizado cultural e pragmático da vida em sociedade. ◆
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Pontos do clitóris que toda mulher tem que conhecer “Conhecimento é poder” consiste em uma máxima que vale para tudo na vida, inclusive para o sexo POR
Heloisa Noronha
Quanto maior o conhecimento que você tem sobre um determinado assunto, mais empoderada se sente. Isso serve, principalmente, em relação ao sexo: ao entender como o seu próprio corpo funciona, você pode se relacionar melhor com o outro, identificar com propriedade quais estímulos prefere e, claro, saber o que a leva ao orgasmo. O principal ponto de prazer feminino é o clitóris - que, aliás, também ostenta o título de único órgão humano com a função exclusiva de proporcionar prazer. São mais de 8 mil terminações nervosas e sensíveis. A parte visível - aquele “botãozinho” de carne onde os pequenos lábios se encontram - são, na verdade, a pontinha do iceberg. Há todo um território oculto que deve e merece ser explorado. Curiosa? Saiba quais são as partes mais preciosas do clitóris e como é possível extrair sensações deliciosas delas. “Primeiro é importante salientar que não há estímulo no clitóris que provoque sensação intensa de prazer se você não estiver conectada com os pensamentos, as fantasias e os desejos”, avisa Marlon Mattedi, psicólogo especialista em sexualidade da plataforma Sexo sem Dúvida. Ou seja, estimular o clitóris por estimular é até desconfortável se você não estiver ligada ao momento. “Estando aberta a pensamentos eróticos, cenas estimulantes, lembranças, sons, cheiros ou qualquer outro estímulo que a excite, fica muito mais fácil se deleitar”, completa.
Pontos do clitóris para estimular e ter mais prazer
Crus clitóris: são dois corpos cavernosos que se unem e formam o corpo do clitóris. Eles descem como duas pontas, como se fossem duas raízes de uma única árvore, onde cada raiz desce mais ou menos pela lateral da vulva. Ou seja, uma raiz de cada lado. Para identificar a posição aproximada, basta observar os grandes lábios: ali, por baixo da pele deles, estão os crus clitóris. “Faça um sinal de ‘V’ com a sua mão. Depois, desça ▶ 32 | ABACAXI
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Estando aberta a pensamentos eróticos, cenas estimulantes, lembranças, sons, cheiros ou qualquer outro estímulo que a excite, fica muito mais fácil se deleitar
os seus dedos, com um dedo sobre um grande lábio e o outro dedo sobre o outro grande lábio, e pressione um pouco contra o corpo. Essa é a maneira ideal de estimular os crus clitóris, deslizando a mão. É possível aproveitar a própria lubrificação natural para deslizar os dedos”, orienta Marlon. Bulbos do vestíbulo: é uma parte que também fica escondida debaixo da pele. “Na verdade, é como se fossem duas ‘bolsas’, uma de cada lado da entrada da vagina. O bulbo fica entre a vagina e o clitóris. Essas duas bolsas são eréteis e se enchem de sangue e incham quando a mulher está excitada”, conta Marlon. A introdução de um dedo, do pênis ou de um sex toy, sem passar dos três primeiros centímetros da vagina, produz a dilatação das suas paredes iniciais. Essa dilatação lateral vai empurrar para o lado a pele e, com isso, os bulbos se deslocam levemente e causam uma sensação prazerosa que também ativam os crus clitóris. Movimentos circulares suaves são os indicados, pois o segredo está no toque certo, e não na força utilizada. Segundo a sexóloga Danni Cardillo, do Rio de Janeiro (RJ), o parceiro pode estimular essa região ao espalhar lubrificante ou um óleo de coco aquecido subindo do períneo até a vulva, usando depois os polegares e os indicadores em formato de pinça para massagear os grandes lábios. “A massagem deve ser feita de baixo para cima, sempre pinçando, repetindo as manobras continuamente”, indica. Corpo cavernoso: fica no espaço intermediário entre a glande e os crus clitóris. “Quando há estímulo nos crus clitóris, os sinais são percebidos pelo corpo cavernoso e se conectarão com a glande do clitóris. Embora o clitóris seja dividido em partes para ser estudado, não há como estimular uma área sem passar
pela outra. É tudo interligado”, fala Marlon. Dessa forma, qualquer pressão com os dedos ou com a língua acaba gerando estímulos indiretos também no corpo cavernoso. Glande: é a “cabecinha” do clitóris, a região visível, e deve ser a última parte a ser estimulada, justamente por ser a mais sensível. De acordo com a psicóloga e sexóloga Carla Cecarello, consultora do site C-Date e fundadora da ABS (Associação Brasileira de Sexualidade), toques diretos sobre a glande nem sempre são indicados. “Enquanto ela não estiver bem inchado e gorducho, qualquer manipulação pode ser desconfortável e até dolorida para a mulher. O ideal é deixar essa cabecinha para o final, depois que as outras partes estiverem bem irrigadas de sangue e, portanto, sinalizando um ponto alto de excitação”, explica. Importante: movimentos em círculo em volta da glande do clitóris em vez de apertá-lo tende a ser mais gostoso do que o toque diretamente sobre ele. “Os movimentos devem ser contínuos e com a mesma pressão suave, para que a excitação seja constante”, diz Carla. Para facilitar o deslize com o dedo, um lubrificante à base de água é recomendado, seja na masturbação ou no sexo com o par. “Na verdade, é como se fossem duas ‘bolsas’, uma de cada lado da entrada da vagina. ◆
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Aline Castelo Branco Educadora sexual, terapeuta e youtuber. Aline Castelo Branco é sexóloga, treinadora de inteligência emocional, casada, apaixonada pelo que faz e mãe da Lua, uma dog muito carinhosa
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CONHECENDO ALINE
Reconhecida pelo seu trabalho com alta performance no relacionamento e com a inteligência emocional. Idealizadora dos Métodos: Desperta-te, Como dar prazer à mulher, Mulher com Atitude e a formação Mind Trainer. Aline também ajuda a você ter um empoderamento, despertar o gigante e a mulher imparável que há em si e a recuperar ou melhorar relacionamentos. É CEO do Instituto de desenvolvimento humano e sexualidade Women’s Inspiration.
abacaxi_ Quais são os tipos de orgasmos? Aline_ Orgasmo clitoriano é o orgasmo atingido quando acontece
grande estimulação do clitóris. Pode acontecer com sexo oral, manipulação com a mão, com um vibrador ou algum objeto. O clitóris é um órgão com muitas terminações nervosas, o que o torna muito sensível à estimulação. É o tipo de orgasmo mais frequentemente alcançado pelas mulheres. Também há o orgasmo vaginal é o orgasmo atingido com a penetração. Não é tão frequente quanto o clitoriano. Na penetração pode ocorrer pressão sobre o ponto G, o que amplia as sensações de prazer e leva a um orgasmo mais intenso. Orgasmos múltiplos ocorrem quando a mulher experimenta uma sequência de pequenos orgasmos, tendo no total uma maior duração de tempo.
abacaxi_ O que estimula o orgasmos feminino? Aline_ Para além destas formas mais frequentes de orgasmo,
outras também são possíveis. O sexo anal pode ser a preferência de algumas mulheres que atingem mais facilmente o orgasmo desta forma, especialmente porque a posição favorece a manipulação do clitóris. Muitas mulheres, no entanto, não apreciam este tipo de relação. Isso deverá ser respeitado pelas próprias e pelos seus parceiros. Outras mulheres experimentam o orgasmo com a manipulação dos seios e mamilos.
abacaxi_ O que são orgasmos? Aline_ O orgasmo pode ser atingido com qualquer elevada
estimulação de alguma área excitável. Torna-se ainda mais possível quando há uma entrega às sensações e ao parceiro. Antes de tudo, o orgasmo não deve ser a expetativa máxima de uma relação sexual. O encontro sexual pode e deve ser vivido em todas as suas etapas e o orgasmo é mais uma delas. Como é um momento de forte intensidade, é muito valorizado. No entanto, todas as fases de uma relação sexual devem ser vividas e, quanto maior for a entrega nas fases que antecedem o orgasmo, mais ele se torna possível.
abacaxi_ O que dificulta o orgasmo feminino? Aline_ A ansiedade é inimiga do relaxamento e entrega que
podem ser conseguidos na relação sexual e, quanto mais ficar ansiosa para atingir o orgasmo, maior dificuldade vai ter, pois não vai conseguir relaxar e se entregar verdadeira e espontaneamente à experiência. O mais valioso na relação sexual é poder vivê-la por completo, com a maior harmonia possível junto ao parceiro e a melhor condição de entrega à experiência. O que quero dizer, neste caso, é que é mais importante o caminho do que o destino. Se o seu destino, ao se relacionar sexualmente, somente for o orgasmo, não vai aproveitar todas as outras fases que poderão ser muito prazerosas e que facilitarão o aumento da excitação. Então procure viver cada momento da sua relação sexual como único e esteja o mais presente possível em cada etapa. Uma boa relação sexual vale muito mais pela entrega do que pelo desempenho. Não há uma performance pré-estabelecida que tenha que ser atingida. Não se esqueça que quanto maior for a intimidade entre os parceiros, maior a possibilidade de entrega orgasmo, não vai aproveitar todas as outras um ao outro.
abacaxi_ O que estimula o orgasmos feminino? Aline_ Para além destas formas mais frequentes de orgasmo,
outras também são possíveis. O sexo anal pode ser a preferência de algumas mulheres que atingem mais facilmente o orgasmo desta forma, especialmente porque a posição favorece a manipulação do clitóris. Muitas mulheres, no entanto, não apreciam este tipo de relação. Isso deverá ser respeitado pelas próprias e pelos seus parceiros. Outras mulheres experimentam o orgasmo com a manipulação dos seios e mamilos.
abacaxi_ Agora falando sobre pompoarismo, no seu site, você oferece um curso para ensinar sobre isso? Aline_ Pompoarismo nada mais é que ginástica pélvica, é uma
técnica milenar que surgiu na Índia e já é praticada há mais de ▶ set 2020 ABACAXI | 37
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1500 anos. Aqui, no Ocidente, só tomamos conhecimentos em meados da década de 40, quando um ginecologista norte-ame-
ricano, Arnold Kegel, começou a desenvolver esses exercícios para ajudar pacientes com incontinência urinária. Só que aí, as mulheres começaram a relatar outros benefícios e foi justamente esses benefícios ligados a parte da sexualidade. O que eu fiz? Eu adaptei alguns exercícios, trazendo para o lado fisioterapêutico, ensinando as mulheres a contraírem sua região genital, as ensinando a fazer exercícios de fortalecimento do assoalho pélvico.
abacaxi_ Quais são os benefícios do pompoarismo? Aline_ Com os exercícios, nós ganhamos duas coisas maravilhosas em nossa vida; Primeiro: saúde, mulher que pratica os exercícios da ginástica íntima não vai ter problemas de incontinência urinária, não vai ter cólica menstrual, ajuda a passar pela fase da menopausa de uma forma mais leve, já ouvi relatos de alunas que até a TPM melhorou bastante, facilita o processo de parto vaginal e na recuperação pós-parto. Segundo: Os benefícios sexuais, os exercícios melhoram a lubrificação, melhoram a libido, melhoram o orgasmo, não só da mulher como também o do parceiro, porque a gente consegue fazer uns movimentos diferentes.
abacaxi_ Em seu curso, você comenta que o pompoarismo ajuda na autoestima, como isso funciona? Aline_ Então, quando a gente consegue ter a nossa sexualidade
bem resolvida com a gente, você vai para uma relação sexual e sai dessa relação satisfeita, você não sai frustrada: ‘poxa, não consegui ter um orgasmo, não consegui de novo’. Você entra em um ciclo que é um ciclo positivo, você tem seu orgasmo, tem um orgasmo diferente com seu parceiro, proporciona para ele uma sensação diferente, aí o cara percebe e já te faz um elogio e o ser humano é movido a elogios. Uma coisa que percebi nesses anos de trabalho, com a melhora da autoestima, a mulher tem uma melhora em todos as áreas da vida, não só na sexualidade, a mulher começa a enxergar suas virtudes, começa a se desenvolver na carreira, em casa, no trabalho, na sua maternidade. É impressionante em como esse ciclo realmente eleva a autoestima da mulher. Então, eu sou defensora assídua da prática do pompoarismo, seja para saúde, seja para a sexualidade, seja para a melhora da autoestima. É algo que só traz benefícios, não tem nenhum malefício.
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abacaxi_ Em tempos de isolamento social, é possível fazer o pompoarismo dentro de casa, o que é preciso para fazer os exercícios? Aline_ Pode fazer, sim, sem problema, mas deve ter alguns
cuidados; Não pode praticar os exercícios quando estiver com algum problema de infecção, porque os exercícios aumentam a irrigação sanguínea e pode acabar alimentando as bactérias, nos primeiros três meses de gestação não pode praticar os exercícios, passou dos primeiros três meses, já pode praticar sem problema nenhum. Para fazer os exercícios, migo (sic), só precisa de mim na vida delas (risos), porque eu tenho o curso, ele é totalmente on-line, ela pode fazer em qualquer lugar que tenha Internet. Dividi o curso em seis semanas de prática, durante as três primeiras semanas, não precisa dos acessórios, depois, a gente sugere algumas ferramentas que são possíveis comprar pelo correio, não precisa sair de casa e se tem algo que tem funcionado neste país é o delivery. A prática não está condicionada única e exclusivamente ao uso dos acessórios. Ajuda? Claro que ajuda, melhora muito, tem resultados muito mais rápidos, mas não significa que se não fizer os exercícios não terá resultados.
abacaxi_ Em tempos de isolamento social, muitos casais estão podendo ter relações sexuais. O que você recomenda para eles? Aline_ Para quem está namorando, eu recomendo muita masturbação, muito facetime e muito nudes. Eu tenho uma funcionária que fala comigo que está desesperada: ‘Cátia, já faz dois meses que só faço facetime, eu não aguento mais facetime’. Temos que trabalhar as fantasias, as brincadeiras, trabalhar a troca de mensagens, fazer planos para quando estiverem juntos, eu até brinquei com a funcionária: ‘ Quando acabar a quarentena, vou te dar uma semana de férias, pode ficar uma semana transando por minha conta, não precisa aparecer aqui neste escritório’. Mas eu realmente acho que temos que aprender a nos readaptar nesse momento que o mundo está passando. ◆
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TE CONHEÇO?
Rina Sawayama A cantora Rina Sawayama fala sobre racismo, identidade e sobre sua própria narrativa através da música POR Telegraph FOTOGRAFIA Nicola
Formichetti
Quando a cantora britânica Rina Sawayama tinha apenas quinze anos, ela já havia mergulhado na cena musical do Reino Unido para desespero de sua mãe. Tendo crescido em Camden, ela frequentemente podia ser encontrada em shows de música ao vivo, voltando para casa às 22h em uma noite de escola ou saindo como uma groupie com suas bandas favoritas. Certa vez, ela até fez uma viagem improvisada a Paris com um estranho que conheceu em um show do Bravery para ir a um show. “Eu simplesmente amei música ao vivo;” ela diz. “Quando eu era adolescente, havia um grande movimento de música indie no Reino Unido. Eu era obcecada por várias bandas e viajava pelo país para vê-las.” Mas embora seja fácil passar por Sawayama como uma criança selvagem, a paixão da música pop desde tenra idade a fez ganhar atenção mundial, com Elton John até chamando seu álbum de estreia de SAWAYAMA, lançado em abril deste ano, seu álbum favorito do ano. Ela agora deve ser a atração principal de seu maior show até o momento no Roundhouse em 2021.
abacaxi_ O estilo do seu EP ‘Rina’ e do seu álbum são visivelmente diferentes. Existe um motivo para isso? Rina_ Houve três anos entre os dois registros. Acho que há uma lacuna muito grande entre seus vinte e poucos anos e o final dos vinte. Eu estava deprimida e insegura quando lancei meu EP; agora eu cresci um pouco, e também estendi a mão e colaborei com compositores e produtores incríveis. Eu definitivamente ainda tenho algumas coisas pessoais para lidar, mas me tornei mais confiante. Large fident como pessoa e acho que provavelmente você pode ouvir isso no som. Sua música STFU é sobre microagressões racistas.
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abacaxi_ Houve experiências particulares em sua vida que o levaram a fazer uma música como essa? Rina_ Eu experimentei microagressões pela pri-
meira vez enquanto estudava Psicologia, Sociologia e Política em Cambridge. Os incidentes podem ser tão pequenos que às vezes pode ser difícil expressar em palavras como são. Embora a letra da música em si seja enigmática, o videoclipe torna o assunto mais óbvio, pois há alguém dizendo alguns dos comentários que recebi diretamente para mim nele. Fiquei muito feliz por termos escolhido o ator e comediante Ben Ashenden como o vilão. Ele odiava interpretar o papel, mas era brilhante ou terrível, devo dizer.
abacaxi_ Como você passou de estudar psicologia em Cambridge a produzir musica? Rina_ Eu não faço ideia. Sempre me interessei
muito por psicologia e sociologia, mas meio que vejo minha graduação como um desvio, algo que eu tinha que fazer. Minha escola tinha grandes oportunidades de artes cênicas, então eu costumava me apresentar na igreja e estava à frente da banda
da sexta série. Eu também escrevia muitas partituras para as pessoas e era o vocalista de uma banda cover da Motown, o que era muito fofo. Foi assim que comecei e depois fui para a universidade e voltei direto a fazer música.
abacaxi_ Você disse anteriormente que seu álbum recente veio com o delicado processo de cavar através da história de sua família e decodificar suas experiências como uma mulher pansexual japonesa britânica. O que você concluiu com toda essa pesquisa? Rina_ Acho que as pessoas que vêm de situações familiares
desfeitas têm uma experiência única. Tive muita dificuldade em estabelecer qual era minha narrativa dentro da minha família quando meus pais se divorciaram quando eu era mais jovem. Ele falava muito, ela dizia continuando e eu não sabia em quem acreditar. Para mim agora, tem se manifestado como uma síndrome impostora, pois às vezes posso achar difícil de acreditar na realidade. O álbum me ajudou a estabelecer minha própria narrativa através de minhas experiências, o que foi realmente satisfatório para minha vivência. Conseguiu produzir um dos álbuns pop mais aclamados do início de 2020 e tem vindo a deixar a sua marca com uma mistura de géneros e ousadia. Rina Sawayama é muito mais que uma simples artista e prova disso está no seu curto, mas ▶ set 2020 ABACAXI | 41
TE CONHEÇO?
Nasceu em Niigata, Japão, em 1990, e aos cinco anos de idade mudou-se para Londres com os seus pais. Frequentou uma escola japonesa onde aprendeu caligrafia e dança ao lado das disciplinas típicas do currículo. Aos 10 anos mudou-se para uma escola da Igreja de Inglaterra, à qual foi difícil integrar-se. Rina nem sempre teve uma vida fácil e o divórcio dos pais e as constantes discussões sobre dinheiro pioraram tudo. “Os meus pais estavam a discutir constantemente e usavam os filhos para conversar sobre isso” afirma Rina, “Era o clássico, ‘oh, a tua mãe é assim’, ‘Bem, o teu pai disse isto’”. A somar a isso veio a revelação de Rina sobre a sua pansexualidade, um assunto que ainda não tinha abordado com os pais e que criou uma relação de instabilidade que piorou quando decidiu dedicar-se a sério à música. No entanto, e mesmo com a música a entrar em cena, Rina não permitiu que isso a prejudicasse na escola e conquistou um lugar em Cambridge, onde estudou Psicologia, Sociologia e Política, ainda que com a sensação de ser “outsider”. Em 2013 surge o seu primeiro single, “Sleeping in Waking” e os anos seguintes levaram-na a trabalhar como artista independente, auto financiando a sua música com trabalhos de modelo e, a certo ponto, com três empregos em simultâneo. Seguiram-se singles independentes, mas é em 2017 que Rina muda o jogo. Rina, o seu primeiro EP sai nesse ano, uma coleção de músicas que resultam de uma mistura entre R&B e a aquela sonoridade pop que Britney Spears cunhou nos seus primeiros trabalhos. O EP foca-se no estrangulamento tecnológico da sociedade, e cada música pode ser vista como um capítulo distinto que aborda o isolamento de relacionamentos e as consequências sociais da era cibernética. As influências, para além da própria Britney Spears, denotam uma certa nostalgia face às canções pop dos anos 2000, com um olho no presente e outro no futuro, algo que não é de estranhar visto que a educação musical de Rina ocorreu nessa época. Algures entre os seus dois discos, canalizou a sua personalidade pop e modernidade para a criação de um canal de YouTube ao qual chamou RINA TV e numa audiência, os “pixels”. A sua página de artista, na qual descarrega os seus videoclipes, funde-se assim com a sua vida privada e a sua persona youtuber, numa jogada que parece menos táctica do que orgânica – Rina é mais do que a sua música, um ícone.
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Eu era obcecada por várias bandas e viajava pelo país para vê-las
E se essa personalidade de culto se foi cultivando nas plataformas digitais com que se mostra ao mundo, como o YouTube ou o Instagram, musicalmente, Sawayama (2020) é a confirmação de que Rina é realmente tudo aquilo que parece ser. Em Sawayama mostra-nos aquilo que descobriu com o EP de 2017, concentrando o R&B pop a que já nos habituou e juntando o seu tão característico lado de pop-princess. “A influência foi música de Tops, e os Tops no início dos anos 2000 eram caóticos”, afirma. “Tu tinhas nu-metal numa semana e pop bubble-gum na outra, depois era Pharrell e Timbaland a elevar o R&B na semana seguinte”. Sawayama é também o seu primeiro projeto após assinar contrato com a label Dirty Hit — a mesma da qual fazem parte Wolf Alice e The 1975. A antecipação pelo álbum começou cedo, com o lançamento de “STFU!”, uma das músicas mais ousadas do álbum. Até ao momento da sua concepção, o nu-metal que acompanhou Rina durante a infância (de Limp Bizkit a Deftones ou System of a Down) ainda não tinha surgido em música alguma sua. Mas numa certa manhã ouviu o seu produtor — o cantor e músico de glitch pop Clarence Clarity — a dilacerar um riff na sua guitarra elétrica repleto de cordas puxadas e com distorção ao máximo, que posteriormente se transfigurava num banho acústico e cheio de glitter. Rina toma as rédeas desta dualidade sonora e direcciona-a liricamente para ventilar muitas das suas frustrações, motivada principalmente pela percepção distorcida que muitos têm da cultura japonesa, inevitavelmente regurgitada na direção dos cidadãos imigrantes ou seus descendentes. Toda esta atitude revoltada e badassery não se perdeu no single que seguiu “STFU!”. Em “Comme des Garçons (Like The Boys)”, diz-se adeus à guitarra e mete-se na
frente de ataque uma contagiante batida saltitona, tão densa e preenchida, capaz de nos arrancar o rabo da mais confortável cadeira para ir à festa electro-pop mais próxima. O tom provocador e cheio de atitude de Rina trata do resto, mas esta recusa-se a descurar as letras. Aqui em particular, há uma reivindicação do direito à confiança das mulheres, aquela que não é julgada nos homens, mas tende a ser alvo de capas de revista quando é assumida por uma mulher. Nota-se que Rina nunca descurou o seu passado académico, não deixando a leveza e diversão típicas do género pop interferir com as inúmeras ideias e irritações que lhe fervem na cabeça. Muito pelo contrário, a sua música assenta totalmente numa simples ideia: não há melhor veículo para espalhar uma mensagem positiva e construtiva do que através duma estética musical feita para nos entrar ouvido dentro, e de lá não sair mais — e é em Sawayama que a cantora transforma essa a ideia numa tese bem-formada. Rina enfrenta o peso que advém da sua herança familiar; não se focando especificamente na componente monetária, mas naquilo que se condicionava por influência do dinheiro: os valores culturais corrompidos, a moralidade rígida que se via distorcida. ◆
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MASTURBAÇÃO
O futuro do sexo é a masturbação! Dian Hanson está na vanguarda da indústria pornográfica desde o final dos anos 70 e ela sabetudo sobre sua vida sexual POR
TJ Sidhu
O
O caso privado da Biblioteca Britânica, uma coleção de conteúdo sexualmente explícito, foi aberto ao público no início deste ano. Sob estrito cadeado e chave por mais de um século, a compilação de literatura e desenhos ásperos era o pornô hardcore da época - “romances eróticos imaginando o corpo feminino como uma terra que precisa ser“ arada ”, como Alison Flood do The Guardian colocou isto. A pornografia há muito está infundida na cultura pop - seja o livro de Madonna, SEX, a revista Blue Boy ou os sites de tubo de hoje, nossa relação com o obsceno sempre foi um assunto de acalorada polêmica, tanto que até hoje - o mais próximo que nós Como já estive na liberação sexual, o mundo em geral evitará por pouco se confessar com seus fetiches, pois somos seres ocultos, preferindo nos retirar para nossos quartos escuros do que trocar o conteúdo das histórias de nosso navegador. Dian Hanson, a Sexy Book Editor de Taschen, não é do tipo que se esquiva de discussões francas e não há uma carga que o aficionado não viu ou não vai entreter. Como disse a New York Magazine 18 anos atrás, “Tudo o que Hanson viu em 23 anos escrevendo e editando pornografia a levou a uma verdade inelutável: que a aberração sexual não existe. Paradoxalmente, a aberração é a norma. ” Estar na vanguarda da indústria do sexo desde o final dos anos 70, tendo ocupado o cargo de Editora tanto no Leg Show quanto no Juggs, deu a Hansen a credencial para falar francamente sobre nossas vidas sexuais - porque ela sabe tudo sobre isso, por que os jovens de vinte e poucos anos estão fazendo menos sexo do que os baby boomers e por que a pornografia segue há muito uma narrativa misteriosa. Hanson está totalmente ciente dos efeitos prejudiciais que sua indústria teve na forma como os jovens abordam o sexo e os relacionamentos hoje, observando “Eu assumo a responsabilidade, tenho trabalhado com pornografia durante toda a minha vida adulta. Essa não era nossa intenção, não tínhamos a intenção de afetar a capacidade das pessoas de formar anexos. ” Embora seja fácil apontar o dedo para a pornografia pelo fato de que os jovens de vinte e poucos anos fazem menos sexo do que seus pais, você também pode argumentar que a educação sexual inadequada tem um grande papel a desempenhar. As diretrizes britânicas de educação sexual não são atualizadas
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desde 2000 e, evidentemente, muita coisa mudou desde então - a pornografia não era de forma alguma tão acessível como é hoje. Hoje em dia, os especialistas argumentam que os jovens estão obtendo sua educação sexual do PornHub e tentar imitar o que veem na tela está tendo consequências terríveis. Afinal, a maioria dos homens não consegue segurar uma ereção por uma hora, o anal não é indolor e o reflexo de vômito é uma coisa real. Hanson argumenta que a indústria precisa estar atenta. “O futuro da pornografia precisa ser o reconhecimento de que a pornografia é agora um educador sexual e que precisa assumir alguma responsabilidade pela educação sexual dos jovens e a compreensão mais ampla da sociedade é que é daí que vem a educação sexual.” É mais fácil falar do que fazer, claro, mas para as mentes jovens diferenciarem entre fato e ficção, mudanças precisam ser feitas - e as restrições de sites não são a resposta. Durante o próximo mês, Hanson lançou dois livros pela Taschen: o primeiro é Laurent Benaim, uma ode transgressiva ao fascínio do fotógrafo pela sexualidade extrema e alternativa. O segundo Roy Stuart: The Leg Show Photos, Embrace Your Fantasies, Getting Off colide o trabalho fetichista e destruidor de tabus de Stuart com o texto original de Hanson no Leg Show, quando ela ocupou o cargo de editora, de 1987 a 2001. Atos extremos e misóginos são tão comuns nos principais sites de pornografia – o quão extremo? Não sei exatamente por que eles decidiram que a misoginia seria vendida, mas geralmente tem sido essa a direção que a pornografia tem tomado. Quando veem vendas fracas, apenas aumentam a misoginia. Quando a pornografia do Gonzo começou por volta de 2000, era pior do que temos agora - eles estavam fazendo cenas de gangbangs e bukkake com 300 homens. É assim que o creampie se tornou tão grande ▶
MASTURBAÇÃO
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MASTURBAÇÃO
Agora temos sites de namoro para carinho, para a troca exclusiva de afeto não sexual
Como a indústria é financiada quando tão poucas pes- Será que a indústria pornográfica vai soas estão comprando pornografia? levantar as mãos e admitir que bagunçou Tudo é gratuito e todos esperam obter seu pornô de graça, a percepção de muitos jovens sobre sexo? exceto que as pessoas têm que ganhar a vida com isso. Agora, o artista tem que fazer tudo para produzir uma cena, depois levá-la ao site do tubo e obter uma pequena quantia de dinheiro por visualização. Então, é seu trabalho ir às redes sociais e tentar construir um público para seu nome. Essas estrelas pornôs não podem viver disso, é uma correria lateral para levar os clientes a comprar experiências pessoais com eles, sejam câmeras ao vivo ou prostituição, com que alguns se contentam, mas muitos não. As pessoas entram no pornô porque não querem trabalhar duro – agora elas têm que trabalhar nove horas por dia como executivos para ganhar uma quantia lenta de dinheiro para conseguir sobreviver e viver uma vida confortável.
Não, eu não penso assim. Sites como o PornHub são executados inteiramente por técnicos milenares – eles nem mesmo pensam no conteúdo, eles apenas usam algoritmos e exigem o que quer que tenha as melhores visualizações. As visualizações mais altas são das coisas mais simples como POV, um cara fazendo sexo com uma jovem com um corpo muito bonito - não é particularmente punitivo. As coisas realmente extremas, as coisas estranhas, simplesmente vão para baixo a partir daí. O maior termo pesquisado é ‘adolescente’, depois disso é ‘milf’ e ‘maduro’. Por quê? É sobre homens jovens que querem ser objetos sexuais e desejam ser Você notou algum padrão emergente entre os jovens no desejados - há um grande aumento de homens sexo e nos relacionamentos que talvez fossem diferentes jovens que querem fazer sexo com mulheres mais nos anos 80 e 90? velhas porque eles acham que essas mulheres mais As estatísticas nos dizem que as pessoas na casa dos 20 anos velhas vão ensiná-los a fazer sexo. estão fazendo menos sexo, menos relacionamentos e menos Deve ser ensinado nas escolas por um professor desejo por relacionamentos. Muito disso significa que você tem adequado que se sinta confortável em fazer isso rapazes se masturbando com pornografia e tendo dificuldade em – eles precisam de alguém que possa comunicar interagir com seres humanos. O que eles veem na pornografia seu próprio conforto para discutir pornografia é tão extremo que se tornou assustador ficar com uma mulher online, em uma classe mista. Os jovens com quem de verdade. Como eles serão capazes de corresponder a todas converso estão todos olhando para isso e há muito as coisas que veem na pornografia? O que estou vendo com os poucos com os pais com quem podem conversar rapazes é que eles não sabem fazer sexo – nem mesmo sabem sobre isso - essas pessoas têm uma compreensão relaxar e fazer sexo oral. Esses caras precisam ser educados melhor do que é real e do que não é. ◆ para ver que o sexo pode ser uma atividade mútua. O futuro da pornografia terá que ser o reconhecimento de que a pornografia é agora uma educadora sexual e que precisa assumir alguma responsabilidade pela educação sexual dos jovens e a compreensão mais ampla da sociedade é que é daí que vem a educação sexual e começa aos 11 e 12 anos. Não começa aos 18 – besteira. Eles estão vendo pornografia no minuto em que podem ficar sozinhos com o computador e isso está causando uma grande mudança no relacionamento.
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RIO Feel the summer!
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BERRIES ICE CREAM
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Como pornô influencia nossos desejos sexuais O fundador do Future of Sex, Bryony Cole, fala com a diretora Erika Lust, e os especialistas da indústria de sextec, Lora Haddock, Justin Lehmiller, SX Noir para determinar o futuro da foda. POR The Face FOTOS Ren Hang
E
Erika Lust é uma força sexual a ser considerada. O cineasta porque sexo é algo maravilhoso que deveria ser adulto independente e sex-positivo cria um cinema que vai contra algo ótimo acontecendo entre as pessoas. Uma a corrente da indústria pornográfica mainstream - filmes com conexão. E em vez disso, parece que é uma agresnarrativas sexualmente inteligentes, personagens relacionáveis são às mulheres”. e sexo realista (mas não menos quente e quente). Tendo estudado ciências políticas, feminismo e sexualidade Qual é o papel do pornô para o entendimento na Universidade de Lund, antes de se mudar para Barcelona de nosso desejos sexuais mais profundos? e ter aulas de direção de cinema, Lust estourou na indústria Erika Lust: “Eu acho que a pornografia pode deadulta em 2004 com seu curta-metragem independente The sempenhar um papel maravilhoso. Acho que tem Good Girl que vira o “Trope entrega de pizza menino” em sua muito potencial, e às vezes não vemos esse potencabeça. Desde então, ela dirigiu quatro filmes premiados e cial porque, ultimamente, a pornografia se tornou escreveu cinco livros, incluindo seu aclamado romance erótico algo que causa ansiedade. Muitas pessoas acesLa Canción de Nora. sam todos esses sites que deveriam ser gratuitos, A luxúria também quebrou limites. Em 2013 , ela criou o mas serão mesmo? Essa é a pergunta que todos XConfessions , um site que permite aos usuários assistir a cur- nós precisamos nos fazer. Quem está pagando? tas-metragens baseados em suas próprias preferências sexuais Toda essa pornografia online gratuita, lá fora, que anônimas. A cada mês, Lust escolhe duas das fantasias de seus estamos absorvendo como se fosse um saco de seguidores e as transforma em curtas eróticos explícitos. É a batatas fritas. Certo? Porque é isso que as pessoas primeira série de filmes eróticos de crowdsourcing na história do fazem. Eles ficam online, eles abrem guia, após cinema adulto e criada exclusivamente por mulheres criativas. guia, após guia, página após página e é como o Quando Lust não está realizando suas fantasias, ela pode ser que está acontecendo aqui? E quanto à atenção encontrada fazendo campanha para melhorar a pornografia (veja: plena? Que tal compreender nossa sexualidade, sua palestra TEDx de 2015 intitulada É hora de a pornografia nossas fantasias, quem somos, o que queremos, mudar), compartilhando sua sabedoria no podcast favorito de o que desejamos, o que desejamos? Essa é uma todos, O futuro do sexo , ou - no caso de na semana passada - história totalmente diferente.” participando de um painel de discussão realizado no The Face Apartment em Nova York, decodificando fantasia com SX NOIR , O que o americano fantasia? Digisexuality Thot Leader, Lora Haddock, fundadora e CEO da Lora Justin Lehmiller: “Eu examinei 4,175 pessoas de DiCarlo, e o psicólogo social americano e autor Justin Lehmiller todos os 50 estados na faixa etária de 18 – 87, reno The Face Apartment. presentando diversas identidades de gênero, orientação sexual, fundos políticos, identidades religiosas. Pornografia não é educação sexual Eu fiz 369 perguntas, as 69 não foram intencionais, Erika Lust: “Porno tornou-se vidas sexuais reais dos jovens, apenas funcionou dessa forma. Perguntei a eles de uma forma. Muitos deles hoje recorrem à pornografia para sobre sua fantasia favorita de todos os tempos, aprender sobre sexo. Quem sou eu? O que eu quero? As per- com o objetivo de ver o que estamos fantasiando guntas que sempre tivemos. Mas é um monte de punição de e o que nossas fantasias dizem sobre nós.” mulheres. É sobre destruir mulheres. É sobre nos bater, nos “Havia três fantasias sexuais que quase todo esmagar, nos sufocar. O que você pode fazer com uma mulher mundo relatou ter. Uma delas era o sexo com que a está destruindo com sexo? E eu acho isso muito triste, vários parceiros, que é fazer sexo com três ou ▶ 56 | ABACAXI
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PORNOGRAFIA
mais pessoas ao mesmo tempo. Isso varia muito de pessoa para pessoa, mas o trio era a fantasia sexual mais comum. Outro muito grande são as fantasias sexuais BDSM. Eles variam de leves a fortes - palmadas leves e assim por diante até atividades mais intensas. Mas as pessoas parecem ficar muito excitadas com o jogo de poder na atividade sexual. Curiosamente, os democratas mais do que os republicanos. Essa é uma outra história sobre como as fantasias sexuais estão relacionadas às nossas origens políticas. Os republicanos, aliás, têm fantasias sexuais mais tabu em geral. Essa é uma conversa totalmente separada. “A única fantasia que encontrei em que aprendi algo e disse: ’Isso é algo que eu nunca tinha lido sobre antes’ era a vaca Humano Fantasy. Esta foi uma mulher que descreveu sua fantasia como sendo amarrada no centro da cidade sendo alimentada à força com hormônios que a fariam amamentar continuamente, e então as pessoas viriam e ordenhariam sua vontade, para toda a aldeia, e transariam com ela quando eles queriam. Ela resumiu sua fantasia como vaca humana. Isto é novo para mim. Então, eu fiz algumas pesquisas depois, e descobri que há todo um gênero pornô dedicado a isso.”
Como fantasiar pode existir em um espaço que não é real
SX Noir: “A minha experiência pessoal tem sido com
profissionais do sexo. Então, cam girls, dominatrixes, acompanhantes, etc. que estão constantemente retratando uma fantasia. Acabei de assistir Hustlers, o que foi fenomenal. Então, parte da fantasia toda é entrar no clube, ter toda essa experiência, perder o rumo. Parte dessa fantasia é cara. Custa envolver-se nessas coisas. Custa envolver-se em algumas dessas fantasias, certo? Quando você se aproxima da fantasia, descubro que há dois
lados diferentes. Há o lado de, ok, posso encontrar alguém que realmente goste de mim e posso interagir com essa pessoa e construir essa confiança mútua, e podemos brincar com essa fantasia. Ou vou entrar em contato com um estranho. Porque a fantasia é baseada no realismo, mas não precisa acontecer na vida real. Portanto, essa também é uma distinção importante a se fazer, que a fantasia pode existir em um espaço que não é real. É importante que falemos sobre espaço digital, falemos sobre consentimento, falemos sobre segurança e falemos sobre privacidade. Exatamente como eu faço na vida real. Como faço para ter controle? Do meu ponto de vista, esse é o tipo de coisa em que temos que pensar. Não é muito sexy, mas temos que pensar na legislação, temos que pensar nas leis atuais e todas essas coisas que nos permitem explorar. A Lei para Acabar com a Violência Contra os Trabalhadores do Sexo é uma resposta direta ao FOSTA-SE STA que foi uma lei aprovada para combater o tráfico sexual online, mas realmente atacou a indústria da sexualidade como um todo.”
Como erika lust entra em contato com suas fantasias
Erika Lust: “Às vezes, é um pouco como sonhos. Durante o dia você tem inspirações de várias coisas que acontecem, e de repente, durante a noite, coisas aparecem. Você realmente não entende o porquê, mas são as combinações estranhas. Você sabe? Algo que você viu com um velho amigo da escola, ou na cidade onde você morava ou com o cheiro de alguma coisa na cozinha. Acho que fantasias são um pouco como sonhos, de alguma forma. Simplesmente está lá. Está em você.”
Comunicar seus desejos é a chave
Erika Lust: “Na verdade, eu desenvolvi um aplicativo pouco tempo atrás. É chamado de Xconfessions, e é muito legal porque ajuda os casais a se conectarem em torno de suas fantasias e o que desejam. A idéia é que poderíamos jogar, você e eu. Então, nós dois nos conectamos, por exemplo. Abrimos uma conta e, em seguida, deslizamos para a esquerda ou direita com diferentes propostas de fantasias ou ideias. Então, aqueles que nós dois roubamos, eles somam na mesma conta. Então, nós os vemos. Se eu não gostasse desse. Você não verá isso. Mas, se gostei, ▶ set 2020 ABACAXI | 59
você vai ver. Portanto, é uma boa maneira de se comunicar porque, para muitas pessoas, é um grande problema. Eles estão neste relacionamento em que se sentem muito presos porque sentem que,” Meu parceiro nunca me entende. Ele não quer fazer nada. Ele é tão chato. ‘ E provavelmente, ele tem a mesma sensação. Você sabe?”
O que acontece no site, xconfessions.com
Erika Lust: “Comecei Xconfessions há seis anos. É um site online para pessoas de todo o mundo anonimamente escreverem suas fantasias, suas histórias de sexo, coisas que desejam fazer, torções, coisas que fizeram e compartilhar com o mundo. Então, o que eu faço junto com minha equipe de diretores em todo o mundo, é que escolhemos as histórias que mais gostamos e fazemos filmes com elas. Acho que é uma ideia fabulosa. Comecei porque quando fiz meus primeiros filmes e exibições, as pessoas sempre me procuraram e disseram,’ Ei Erika, eu tenho essa idéia. Escute isso. Adoraria ver um filme sobre este assunto. ‘Então, sim, começou por causa da comunidade e por causa das pessoas, e por causa da importância de ouvir vozes diferentes. Porque todos nós sabemos que a maior parte do pornô que é feito, ainda hoje - mesmo que esteja melhorando é claro - é feito pelos manos. Eu realmente acredito que é importante interromper isso e ter diferentes pessoas de diferentes origens, diferentes visões e mulheres obviamente envolvidas. Acho que fiz mais de 150 curtas-metragens neste momento. Estou trabalhando com uma grande equipe de diretores convidados por aí, de todas as partes.”
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Lora dicarlo fundadora e ceo , lora haddock
Lora Haddock: “Ele não vibra. Utilizamos biomimética, que imita os movimentos humanos. Criamos um programa de pesquisa financiado pela indústria com a Oregon State University, que por acaso é o quarto programa de pós-graduação em robótica do país. Sentei-me com eles e disse: ’Ei, eu quero fazer este brinquedo sexual. Mas não é um brinquedo, é complicado pra caralho. E o que eu quero fazer é eliminar a vibração. Eu quero me sentir como um parceiro humano. Eu quero ser capaz de curar o desejo que foi pensado por alguém com uma vagina. E eu quero que caiba em todos. Eu quero que caiba em quem comprar. Para fazer isso, fica muito complicado. Você precisa perguntar às pessoas, ei, onde está seu clitóris? Onde está seu ponto G? ‘ Essa foi uma conversa divertida. Mas, também mexe muito com as pessoas. Eles ficam muito curiosos. Eles vão,’ Espere, não. Me diga mais.’ “Agora, já se passaram 2 anos desde que fundei a empresa e temos um produto que chegará ao mercado, com sorte, no final de novembro. Isso não ajuda você apenas a ter um orgasmo. Não é uma solução para todos. Ajuda você a aprender sobre seu corpo. Este é um catalisador para a autodescoberta. Isso te ajuda a descobrir exatamente como você gosta do seu prazer, onde você gosta, com que tipo de intensidade você gosta, e permite que você descubra que, talvez meu corpo seja muito diferente do que eu pensava porque eu continuei comprando todos esses outros produtos, e eu pensei que estava quebrado. Você não está quebrado. Você apenas não encontrou o caminho certo ainda.”
As fantasias melhoram nossa vida sexual
Fantasias são consideradas um indicador da nossa vida sexual. Para começar, quem é o objeto do desejo no imaginário erótico é um dos indicadores para definir a orientação sexual. Isso não significa que imaginar uma prática erótica com uma pessoa do mesmo sexo converta automaticamente quem a tem
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em homossexual ou bissexual. A orientação sexual não é uma questão do que fazemos (ou imaginamos fazer), mas sim de por quem nos apaixonamos e por quem nos sentimos atraídos. Por outro lado, uma maior frequência de pensamentos sexuais positivos está relacionada com maior desejo sexual, melhor funcionamento e maior satisfação, embora a existência de fantasias negativas não esteja necessariamente relacionada a um pior ajuste sexual, segundo o estudo Positive and Negative Sexual Cognitions: Subjective Experience and Relationships to Sexual Adjustment (Cognições sexuais positivas e negativas: Experiência subjetiva e relacionamentos para o ajustamento sexual), de Renaud e Byers. Já a ausência ou redução de fantasias eróticas de modo persistente é considerado um critério, entre outros, para diagnosticar se uma pessoa tem um transtorno por pequeno desejo sexual, de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5). Um baixo desejo ou interesse sexual pode se tornar um distúrbio quando causa desconforto à própria pessoa e não tem uma causa significativa ou relação com medicação. E, depois das fantasias, surge a questão de colocá-las em prática ou não. “Se isso é algo que me excita, eu deveria fazer?”, pensam alguns. Nancy Friday dá a resposta em Meu Jardim Secreto, quando diz que só a pessoa “sabe se levar a sua fantasia à prática enriquecerá ou não sua vida, mas nada garante que o que teve êxito no nível da imaginação também terá na realidade. É uma jogada de pôquer. Algumas mulheres me confessaram que só fato de contar seus desejos secretos –sem nem sequer pensar em vivê-los– destruía sua veracidade”. ◆
No Brasil, há 22 milhões de pessoas que assumem consumir pornografia – 76% são homens e 24% são mulheres. A maior parte é jovem, de classe média alta e está em um relacionamento
Às vezes, é um pouco como sonhos. Durante o dia você tem inspirações de várias coisas que acontecem, e de repente, durante a noite, coisas aparecem
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Toque é mais do que toque Sua pele tem mente próprie e outras reflexões do autor por trás de ‘Moan: Anonymous Essays on Female Orgasm’ POR Emma Koenig FOTOS Mautizio Di Iorio
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Anos atrás, tive uma experiência sexual desagradá- Toque é Cultural vel. Por mais que eu quisesse me render ao êxtase, Aqui está um exercício: faça uma lista de todas as maneiras nada parecia bom, e a outra pessoa não captou pelas quais o país mudou em relação a sexo e gênero desde a meus sinais não-verbais: meu corpo tenso, meu primeira vez que você fez sexo. (Isso não funcionará tão bem rosto vazio. Ele presumiu que minha experiência se você perder a virgindade ontem, mas neste ciclo insano de foi positiva. A maioria de nós acha que é inteligente notícias de 24 horas – pesadelo das profundezas do inferno, o suficiente, equilibrado e experiente o suficiente ainda pode ser aplicado!) para fazer a coisa “certa” em cenários como este. O que está na sua lista? Talvez cite avanços médicos como Acreditamos que seremos capazes de identificar a vacina do HPV, a aprovação da PrEP pelo FDA ou a liberação por que nos sentimos desconfortáveis e expres- do Plano B. Talvez isso mergulhe no advento da mídia social, sar nossas preocupações em um tom forte, mas que alimentou o ciberassédio, a pornografia de vingança e o sensível, mas casual. Mas naquele momento, eu movimento incelente. Talvez inclua #MeToo, a crescente renão consegui falar. presentação na mídia de pessoas LGBTQIA, as últimas ameaças Só mais tarde é que pude identificar a causa: de acesso ao aborto ou o fato de que nosso presidente tem 17 queria ser educado. Oprimido pela sensação física, (até o momento) acusações de má conduta sexual contra ele. inconscientemente priorizei a experiência dele O pano de fundo de nossa vida sexual está em constante consem detrimento da minha. (Aparentemente, ele e trução, assim como nossa relação com o toque e o ser tocado. eu tínhamos isso em comum.) Quando comecei Estamos lutando com novas informações, atitudes, linguagem e a examinar todas as coisas que levaram a esse leis, que podem afetar os níveis de sensibilidade física. Embora momento de silêncio auto-imposto, fui atingido essas ansiedades possam se manifestar de maneiras diferentes pela necessidade de mergulhar nas experiências durante o sexo, um bom ponto de partida é o reconhecimento, sexuais dos outros. Passei anos colecionando compartilhado por todos os parceiros, de que nem sempre é histórias de mulheres em torno do orgasmo e da possível abandonar essas preocupações na porta do quarto. sexualidade, que eventualmente se tornou o livro Simplificando, se os políticos estivessem lutando contra os Moan: Anonymous Essays on Female Orgasm. cones de açúcar, provavelmente seria mais difícil desfrutar do Eu estava me esforçando para criar algo que seu sorvete. E se você fosse convidar alguém para sua sala explorasse o espectro do desejo feminino, tanto de visitas favorita, seria útil discutir como essa agenda radical as alegrias quanto as frustrações. Digerir todas pode impactar sua diversão. essas histórias e as reações do leitor que inspiraram levou à conclusão enganosamente simples Toque é Emocional de que o toque é muito mais do que toque. Todos A emoção vive em nossos corpos. Sempre que encontramos nós vimos os artigos cheios de dicas sobre os situações em que queremos chorar, gritar ou simplesmente falar, melhores ângulos para acertar os pontos certos ficamos tensos. Nós apertamos nossas mandíbulas, levantamos e ter o melhor orgasmo de nossas vidas! E em- nossos ombros e apertamos nossas mãos em punhos. Anos de bora eu apoie qualquer coisa que nos ajude a nos tensões acumuladas afetam nossos corpos e mentes: armazeconcentrar em nos sentirmos bem, é míope falar namos as coisas que acontecem conosco dentro de nós mesmos sobre sexo como se fosse uma aula de exercícios, e, mesmo que estejamos fazendo o trabalho de exorcizar nossos onde os fatores mais importantes são a forma e demônios, estamos todos carregando um monte de merda, escontas matemáticas impossíveis. pecialmente quando se trata de algo tão poderoso quanto sexo.
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AUTOESTIMA E CUIDADO
Toque é Individual
Constantemente ao longo dos quatro anos que passei coletando histórias de sexo de pessoas: a mesma merda não funciona com todos. Todos nós temos diferentes ofertas e alergias - em nossos menus sexuais. Pode ser enlouquecedor descobrir que a coisa que deixou seu último parceiro louco de prazer enoja seu companheiro de cama atual, mas lembre-se de que há alegria na variedade infinita e potencial para experimentação, e esse toque pode se expandir e evoluir. Bem, não estou insistindo que analisemos em demasia cada insegurança erótica e cada momento embaraçoso. Estou apenas sugerindo que temos alguma compaixão e consciência básicas - que entramos em cenários sexuais (e, idealmente, nos espaços que vêm antes deles) com a consciência de que acontecem dentro de um denso ecossistema de pessoal, cultural e, é claro , forças biológicas. É minha esperança que esta consciência ajude todos nós a encontrar duas coisas: nossas vozes quando o toque é desconfortável e a liberdade de explorar todo o prazer.
Toque é Cuidado
O que está na sua lista? Talvez cite avanços médicos como a vacina do HPV, a aprovação da PrEP pelo FDA ou a liberação do Plano B. Talvez isso mergulhe no advento da mídia social, que alimentou o ciberassédio, a pornografia de vingança e o movimento incelente. As últimas ameaças de acesso ao aborto ou o fato de que nosso presidente tem 17 (até o momento) acusações de má conduta sexual contra ele. O pano de fundo de nossa vida sexual está em constante construção, assim como nossa relação com o toque e o ser tocado. Estamos lutando com novas informações, atitudes, linguagem e leis, que podem afetar os níveis de sensibilidade física. Embora essas ansiedades possam se manifestar de maneiras diferentes durante o sexo, um bom ponto de partida é o reconhecimento, compartilhado por todos os parceiros, de que nem sempre é possível abandonar essas preocupações na porta do quarto. Simplificando, se os políticos estivessem lutando contra os cones de açúcar, provavelmente seria mais difícil desfrutar do seu sorvete. E se você fosse convidar alguém para sua sala de visitas favorita, seria útil discutir como essa agenda radical pode impactar sua diversão. ◆
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VIOLÊNCIA
Como o abuso afeta a vida sexual da mulher adulta Os aspectos neurobiológicos e psicológicos do trauma de uma violência sexual são extremamente complexos, não existe uma reação que seja comum a todos, menos ainda consequências singulares POR
Ana Canosa
J
Janaína é uma mulher de 35 anos, criativa, articulada, sensível e afetuosa, além de ter uma presença física bem compatível aos padrões da mulher “bonita e boa de corpo”. Ela decidiu procurar a psicoterapia em razão da insegurança, que mina a sua autoestima e a faz sofrer diante de um namorado 15 anos mais velho, que segundo a sua descrição, é o típico macho sedutor orgulhoso, com boa posição social, atividade profissional eticamente suspeita e que adora ostentar. Toda vez que discutem, porque ele sumiu ou fez algo que aparentemente demonstra que estava com outras mulheres, traindo o contrato monogâmico, ele dá um jeito de inverter a situação e colocar a culpa nela, por não ser “confiável”, andando por aí com roupas justas e sendo espontânea com as pessoas. Janaína sabe da violência emocional que essa relação produz na vida dela, mas simplesmente não consegue sair disso. Perdeu a bússola e chega mesmo a se confundir: será que ela merece ser constantemente atacada?
Ela fica imóvel na hora do sexo
Também é a culpa que move Cristiane, 43, cada vez que faz sexo com a companheira, “repetindo” uma posição de sedução e violência sexual vivida. O sexo a aprisiona num modo de “congelamento”, uma das possíveis reações diante do agressor. Essa paralisia, chamada tecnicamente de imobilidade tônica, o último recurso de defesa contra a predação, é bastante comum. A expectativa de que a mulher reaja firmemente e fisicamente contra o agressor é refutada, inclusive por estudos científicos. Pesquisadores do Centro Nacional de Recursos contra a Violência Sexual de Estocolmo, na Suécia, entrevistaram quase 300 mulheres que procuraram o atendimento emergencial da clínica até um mês depois de sofrer um estupro ou tentativa de estupro. 70% delas disseram ter sofrido um nível importante de “imobilidade tônica”, ou paralisia involuntária, durante o ataque e 50% a sofreram de maneira extrema, levando a um comportamento catatônico. A sensação de congelamento, que petrifica o corpo, faz vagar a mente para um lugar “mais seguro” do que a situação real. Mas depois vem a culpa, por não ter tido reação contrária, de fugir do agressor. E as acusações sociais do “deve ter gostado
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disso, já que não fugiu” ajudam a colocar mais peso na situação. O problema da Cristiane é que, agora, com uma parceira que ela escolheu e deseja, tem dificuldade de mudar o padrão aprendido na hora do sexo. Ela fica imóvel, na cama, esperando passivamente a parceira fazer sexo com ela. O desafio é combater a culpa que a situação lhe remonta e libertar-se para curtir o sexo, mesmo que seja só nessa posição – ou aventurar-se a explorar melhor o corpo da parceira. E por falar dela, afetuosa e compreensiva, ao seduzir e acolher, faz amor.
Ela não se sente à vontade com um homem
Giovanna, 25, tem uma relação de defesa diante dos homens, não se sente totalmente à vontade. Seja no plano intelectual, quando debate fervorosa sobre a vida, no emocional, quando os dilemas afetivos ameaçam a percepção sobre ser amada, ou no sexual, quando não consegue se sentir à vontade para fazer sexo. Gosta de transar com homens e curte penetração, mas não tem facilidade de lidar com o corpo masculino. Não que na sua percepção o pênis seja propriamente nojento, mas é um custo para ela fazer-lhe um agrado. A relação com os homens é um eterno vaivém emocional. Mas ela luta bravamente para reconstruí-la, junto ao pai, que a abusou sexualmente anos atrás. A vantagem dela é que há uma genuína intenção de perdão e aprendizado emocional entre eles, o que vai melhorando, pouco a pouco, a construção da sua sexualidade. Mas as repercussões podem ser muito mais amplas: dificuldades no convívio familiar, gravidez, prostituição, uso de drogas, baixa autoestima, depressão, comportamento autodestrutivo, ideias suicidas e homicidas. Durante décadas de atendimento em consultório, fui testemunha de uma única história de mulher que sofreu ofensa sexual na puberdade, cometida ▶
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por um tio, e que não sente que isso tenha lhe provocado um vítima e a confirmação diagnóstica pelos meios trauma grave. Todos os outros tiveram implicações em sua vida hoje oferecidos pelas medidas legais de averiemocional e sexual, em maior ou menor grau de sofrimento, sejam guação do crime”. homens ou mulheres, cis, trans, de qualquer orientação sexual. Sabe-se através de depoimentos e estudos de especialistas na Consequências na vida adulta do menor que área, que a maioria das ocorrências, tanto com crianças quanto sofreu abusos com adolescentes, ocorre dentro de casa e os agressores são A especialista cita efeitos psicológicos do abuso sepessoas do convívio das vítimas, geralmente familiares, e a xual e ressalta como eles podem ser devastadores: violência tende a ser praticada mais de uma vez. “os problemas decorrentes do abuso persistem na A neuropsicóloga Roselene Espírito Santo Wagner é uma das vida adulta dessas crianças. Essas vítimas são subestudiosas que se dedica a este tema, que é ainda cercado de metidas a uma violação inominável e apresentam tabu na sociedade e cujas vítimas sofrem em sua maioria em tristeza constante, prostração, sonolência diurna, silêncio. Ela fala sobre as consequências do abuso sexual de medo exagerado de adultos, habitualmente aquele jovens e define o conceito: “Define-se abuso ou violência sexual do sexo do abusador, além de apresentarem hisna infância e adolescência como a situação em que a criança, tórico de fugas, comportamento sexual adiantado ou o adolescente, é usada para satisfação sexual de um adulto para idade, masturbação frequente e descontrolada, ou adolescente mais velho, incluindo desde a prática de carícias, tiques ou manias, enurese ou encoprese e baixo manipulação de genitália, exploração sexual, voyeurismo, porno- amor-próprio na vida adulta”. grafia, exibicionismo, até o ato sexual, com ou sem penetração, Além disto, a neuropsicóloga também salienta que sendo a violência sempre presumida em menores de 14 anos”. existe a possibilidade de transitar da passividade da experiência para a atividade e aplicar ao mundo Perfil do abusador externo a agressão que lhe foi conferida: “a criança A Dra. Roselene Wagner aponta que geralmente é de difícil se desforra por procuração. Assim, estabelece-se suspeita e complicada confirmação a iden-tificação do abusador: um processo defensivo, o qual tende a se perpetuar, “Porém, é claro para nós profis-sionais envolvidos, que, os casos que é a identificação com o agressor como uma de abuso sexual na infância e adolescência são praticados, na maneira psíquica de sobreviver ao abuso. A vítima, sua maioria, por pessoas ligadas diretamente às vítimas e sobre ao se igualar com o seu agressor e se converter as quais exercem alguma forma de poder ou de dependência”. em molestadora, torna o abuso sexual um legado Ela também revela que o abuso sexual não necessariamente passado à próxima geração de vítimas. De outra é acompanhado de violência e agressões físicas visíveis, o que forma, poderá apresentar a possibilidade de estorna ainda mais complexa a identificação das vítimas: “Nem tabelecer uma relação abusiva consigo mesmo. sempre o abuso é acompanhado de violência física aparente A vulnerabilidade às sequelas do abuso sexual e pode se apresentar de várias formas e níveis de gravidade, depende do tipo de abuso, de sua cronicidade, da o que dificulta enormemente a possibilidade de denúncia pela idade da vítima e do relacionamento geral que
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tem com o agressor: “Seus efeitos podem ser devastadores e perpétuos, não estando descrito, no entanto, nenhum sintoma psiquiátrico específico resultante do abuso sexual. Essa sequência vai provocar uma cascata de reações de autodefesa ou de autodestruição, na dependência da assistência e proteção oferecidas a essas vítimas”, salienta.
Acolhimento e Amparo
Na opinião da especialista, o acolhimento da criança ou adolescente é o primeiro passo para um bom resultado do tratamento físico e emocional: “A escuta de sua história, livre de preconceitos, sem interrupções ou solicitações de detalhamentos desnecessários para a condução do caso, vai demonstrar respeito a quem foi desrespeitado no que tem de mais precioso, que é seu corpo, sua imagem e seu amor-próprio”. A Dra. Roselene afirma que o psicólogo deve lembrar sempre que está diante de uma criança extremamente fragilizada: “a vítima está confusa em seus sentimentos, humilhada, envergonhada, culpada, desamparada. É preciso que se crie um bom vínculo, nunca prometendo o que não se pode cumprir, como, por exemplo, que essa violência não mais acontecerá, ou que a criança estará sempre protegida, ou que nunca mais irá lembrar disso. Deve-se diferenciar a condução do atendimento inicial para as situações agudas do estupro ou outra forma de abuso sexual que são emergenciais e demandam uma sequência de condutas de assistência imediata, tanto à saúde física como emocional, daquelas crônicas e repetitivas, ambas extremamente desastrosas para a criança ou adolescente”.
Procedimentos legais no combate ao abuso
Nos casos com menos de 72 horas do ocorrido, as medidas legais já devem acompanhar toda assistência inicial de diagnóstico e tratamento. Para fins de processo judicial e comprovação da agressão sexual, bem como a confecção de exames que levem à identificação do agressor, é preciso que os responsáveis façam um boletim de ocorrência em delegacia de polícia, que requisitará o laudo do Instituto Médico Legal. Na recusa dos responsáveis em fazer a denúncia, a hipótese de autoria, conivência ou impotência deve ser levantada, sendo então obrigatória a presença do Conselho Tutelar. Sabe-se através de depoimentos e estudos de especialistas na área, que a maioria das ocorrências, tanto com crianças quanto com adolescentes, ocorre dentro de casa e os agressores são pessoas do convívio das vítimas, geralmente familiares, e a violência tende a ser praticada mais de uma vez. A neuropsicóloga Roselene Espírito Santo Wagner é uma das estudiosas que se dedica a este tema, que é ainda cercado de tabu na sociedade e cujas vítimas sofrem em sua maioria em silêncio. Ela fala sobre as consequências do abuso sexual de jovens e define o conceito: “Define-se abuso ou violência sexual na infância e adolescência como a situação em que a criança, ou o adolescente, é usada para satisfação sexual de um adulto ou adolescente mais velho, incluindo desde a prática de carícias, manipulação de genitália, exploração sexual, voyeurismo, pornografia, exibicionismo, até o ato sexual, com ou sem penetração, sendo a violência sempre presumida em menores de 14 anos.A especialista cita efeitos psicológicos do abuso sexual e ressalta como eles podem ser devastadores: “os problemas decorrentes do abuso persistem na vida adulta dessas crianças. ◆
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Trabalho prejudica o namoro? Estar separado do companheiro nos horĂĄrios de trabalho muitas vezes ĂŠ essencial para o casamento dar certo POR Beatriz Helena FOTOS Saskia Lawson
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Estar separado do companheiro nos horários de trabalho muitas Como salvar meu relacionamento vezes é essencial para o casamento dar certo. Isto porque para Converse com o parceiro. Para Ramy, a solualguns casais a distância é necessária para alimentar a saudade, ção está primordialmente no diálogo. “É preciso, o desejo e a vontade de estar junto. No entanto, quando as tarefas antes de qualquer coisa, sentar e conversar para externas começam a tomar muito tempo e disponibilidade de ver quais são as bases daquela relação”, orienta. um ou de outro, a relação pode ser atingida. Perguntas como “por que estamos juntos?”, “qual Segundo a terapeuta comportamental Ramy Arany, atual- é o propósito na nossa relação?” e “quais são os mente, aliar a carreira de sucesso com o casamento tem sido nossos sonhos?” podem ser o começo de uma um grande desafio. As empresas exigem muita dedicação de conversa saudável. seus funcionários e o companheiro muitas vezes não consegue Somente o dialogo é capaz de fazer com o que dosar até onde deve se doar sem se ausentar de casa. o outro compreenda a situação e que passe a “A pessoa que trabalha fora comumente fica na empresa muito confiar na relação e aceitar os momentos difíceis. tempo além do seu horário, viaja por longos períodos ou faz “Um casal só consegue acabar com o ciúme, com plantões aos finais de semana. Nesses casos, é muito comum a magoa e com as cobranças quando conseguem que o tempo de dedicação ao companheiro diminua, gerando ter conversas sinceras”, conta a terapeuta. falta de atenção e vontade de sair para se divertir ou ânimo para Evite as cobranças. No entanto, na tentativa dividir as responsabilidades da casa e dos filhos”, diz a terapeuta. de salvar o casamento a cobrança pode ser um “A vida sexual também pode ser afetada, pois a tendência é que caminho sem volta. “Somos seres que cobram a pessoa chegue em casa e só queria descansar”, completa. demais. A cobrança serve como um instrumento O pouco tempo disponível acaba gerando a ausência e ela mina para dizer que não estamos felizes com determicompletamente a intimidade do casal. A pessoa que começa nada situação – seja a distância, a ausência ou a sentir a falta, por mais que entenda a necessidade do trabalho, falta de intimidade, atenção ou carinho”, diz. Mas, começa a se perguntar sobre a necessidade daquela hora extra segundo a terapeuta, esta é uma postura ruim, pois ou sobre o tempo real da viagem. Insegurança ,desconfiança e gera ainda mais estresse para a relação. culpa começam a surgir. “É natural que nesses casos o parceiro “Cobrar o outro só vai deixá-lo mais tenso. A desconfie de traições, se culpe ou se pergunte se o amor não saída sempre é sentar e conversar, colocar tudo acabou”, exemplifica Ramy. em pratos limpos. É necessário construir um ponto Segundo a psicóloga, o maior problema está em quando, a comum aos dois. Quais são as prioridades do casal? partir dessa situação, um dos lados começa a criar situações O que vai poder ser relevado? Quem vai abrir mão hipotéticas. “O outro vai se tornando estranho e isso vai fa- do que? É muito importante ter em mente que os zendo com que a pessoa comece a criar situações não-reais. dois precisam ceder nesse momento”, explica Ramy. Essa fantasia gera uma série de problemas emocionais que, Ela ainda lembra que tão importante quanto falar com o tempo, podem se tornar irreversíveis”, alerta. Segundo do casal, é falar de si. “Às vezes a gente acha que o a psicóloga, o maior problema está em quando, a partir dessa outro sabe o que está acontecendo dentro da gente, situação, um dos lados começa a criar situações hipotéticas. mas na verdade ele não sabe”. Dividir as questões “O outro vai se tornando estranho e isso vai fazendo com que a íntimas, as desconfianças e as frustações pessoais pessoa comece a criar situações não-reais. Essa fantasia gera ou do trabalho também é fundamental. O sentido uma série de problemas emocionais que, com o tempo, podem da palavra cumplicidade precisa ser praticado pois se tornar irreversíveis”, alerta. é necessário substituir a crítica pelo acolhimento.
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Como conversar sem brigar
“Casais que não tem o hábito de conversar com calma e sensatez podem ter dificuldade no começo. Mas, o tempo vai trazendo prática e deixando o momento mais fácil e prazeroso”, conta a psicóloga. Terapia de casal. Entretanto, quando os casais encontram dificuldade para dialogar ou então mesmo com ele não conseguem se resolver, a ajuda externa pode ser importante. Muitas vezes para resolver o problema de um casal e necessário olhar e dar atenção para cada um dos membros individualmente. Pesquisas com esposas de executivos e empreendedores divorciados, indicam que estes maridos possuíam obsessão para o trabalho, e mesmo quando estavam juntos em casa ou em um passeio, a mente estava no trabalho. Segundo estas esposas, mesmo na presença dos filhos eles continuam trabalhando. (A pesquisa não relata, mas penso que o contrário também seja verdadeiro, pois as mulheres inclusive possuem – algumas vezes – um comprometimento ainda maior com as empresas, ou seja, sacrificam os relacionamentos e a família!). Estas pessoas não possuem capacidade para se desconectar do trabalho e colocar o foco em outra atividade, de forma que o relacionamento familiar fica completamente prejudicado. Por outro lado, estes executivos relatam que são sim capazes de estar com suas famílias e trabalhando ao mesmo tempo, mas o divórcio ou péssimo relacionamento indicam justamente o contrário em vários casos. Trazendo esta questão do relacionamento para a nossa realidade. Será que estamos deixando aspectos do trabalho prejudicar nossos relacionamentos? Cada um deve refletir sobre o seu caso, até porque é uma questão bastante pessoal, para se disutir e pensar em companhia, muitos casais possuem esse tipo de problema.
O que fazer?
Organize seus horários de trabalho. Ainda que sua profissão exija muitas horas de trabalho ou te roube algumas noites de sono e finais de semana, procure manter um acordo com o parceiro para que isso não influencie a vida a dois. Se você trabalha nos fins de semana, por exemplo, combine de saírem ao menos uma noite por semana para compensar as horas de lazer perdidas no sábado e no domingo. Não leve trabalho para casa. Hoje em dia muitas profissões permitem a prática do home office, mas tente não abusar deste benefício. Se você precisar trabalhar em casa, procure faze-lo nos momentos em que seu parceiro também estiver trabalhando. Em geral, a regra é: quando estiver em casa, dedique-se a seu amor e aos filhos, se houver filhos. A hora de trabalhar e a hora de curtir a família precisam ser muito bem delimitadas para que não haja prejuízo de nenhum dos lados. Mantenha o diálogo em dia. Quando conhecemos alguém, é preciso deixar claros os pesos e as exigências da profissão que escolhemos sobre o nosso dia a dia. Isso inclui explicar os problemas decorrentes da sua carreira e o espaço que essas coisas ocupam na sua vida. O casal precisa dialogar e definir as prioridades para que consiga conciliar as duas coisas. Conversas francas são sempre a melhor pedida. Coloque-se no lugar do parceiro. Não basta que ele entenda seu lado, é preciso entender o dele. Procure compreender as muitas horas que seu parceiro passa no local de trabalho, bem como as necessidades e os horários especiais. ◆
É preciso, antes de qualquer coisa, sentar e conversar para ver quais são as bases daquela relação
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SALADA DE FRUTAS
Educação sexual em tempos de COVID-19 O impacto que a pandemia do coronavírus teve nas interrupções na educação, especialmente em relação à saúde sexual para alunos LGBTQ+ POR Angie Chatman FOTOS Maurizio Di Iorio
“Temo que esse aspecto vital do currículo seja descartado ou não ensinado (durante esta pandemia)”, disse Becca Mui, Gerente de Educação da Rede de Educação de Gays, Lésbicas e Heterossexuais (GLSEN). “Na ausência de uma educação sexual abrangente e inclusiva do LBGTQ, os jovens LGBTQ muitas vezes precisam aprender a si próprios e buscar informações online ... (e) não sabemos a precisão ou adequação do desenvolvimento das informações que estão encontrando.” Médicos e especialistas em saúde dizem que é fundamental que a educação em saúde sexual seja incluída no currículo escolar especificamente para alunos LGBTQ. “Uma base para a Educação Sexual Inclusiva LGBTQ + é ser capaz de falar sobre corpos sem atribuir identidade de gênero que pode não ser verdade para os alunos na sala, independentemente de a escola ter alunos LGBTQ + ou não conformes de gênero”, diz Mui, “ Educadores especializados em saúde sexual consultam seus alunos, especialmente seus ... alunos LGBTQ +, para descobrir o que eles precisam e quais informações estão faltando. ” Nos Estados Unidos, menos de 7 por cento dos alunos LGBTQ relataram ter recebido educação sexual inclusiva, de acordo com pesquisa conduzida pela GLSEN. Apenas quatro estados - Califórnia, Massachusetts, Nova Jersey e Oregon - exigem instrução de educação em saúde para reconhecer afirmativamente as diferentes orientações sexuais e identidades de gênero. Isso afeta os jovens LGBTQ e, mais ainda, os jovens LGBTQ de cor que são menos propensos a ter uma educação sexual que atenda às suas necessidades e mais propensos a vivenciar disparidades de saúde. Mesmo com esses quatro estados, que exigem currículos de educação em saúde inclusivos, apenas 5 por cento dos alunos LGBTQ relataram ter aulas de saúde que incluíam representações positivas de indivíduos LBGTQ, de acordo com uma Pesquisa Nacional de Clima Escolar de 2013, realizada pela GLSEN. “Este currículo varia muito de estado para estado - e mesmo dentro dos distritos - e
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também é fortemente influenciado por professores individuais. É por isso que é fundamental defender a educação sexual LGBTQ + abrangente e abrangente em todo o estado e preparar educadores de saúde sexual com desenvolvimento profissional ”, disse Mui. De acordo com o HRC, estudos mostram que uma educação de saúde sexual bem implementada reduz comportamentos de risco, gravidez indesejada e doenças sexualmente transmissíveis (ISTs). De acordo com o Conselho de Informação e Educação em Sexualidade dos Estados Unidos (SIECUS), na América, o apoio público à educação sexual é esmagador, independentemente da afiliação política, religião ou demografia regional. No entanto, apenas 38 por cento de todas as escolas de ensino médio e 14 por cento das escolas de ensino médio nos EUA fornecem todos os 19 tópicos identificados pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças como tópicos críticos de educação sexual. Isso inclui saúde reprodutiva e sexual, papéis / identidades / expressão de gênero, prevenção do HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis e formas de reduzir comportamentos de risco sexual. O SIECUS também observou que
apenas sete estados exigem que a educação sexual e a instrução sobre HIV / AIDS sejam culturalmente apropriadas ou que incluam diversos antecedentes étnicos e culturais, deficiências, status socioeconômico, identidade / expressão de gênero ou orientação sexual.
Sexo seguro e agressão sexual
De acordo com a Human Rights Campaign (HRC), as pessoas LGBTQ têm quase o dobro de probabilidade de serem vítimas de agressão sexual durante a vida. A Iniciativa de Pesquisa de Violência Sexual da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que a violência sexual é um problema sério de saúde pública e um problema de direitos humanos. Um relatório do CDC estima que indivíduos LGBTQ são mais propensos a sofrer violência sexual. “É fundamental que a educação sexual seja inclusiva para garantir que todos os alunos tenham acesso a aulas que podem abordar seus fatores de risco, ajudá-los a fazer escolhas saudáveis e se manterem seguros”, diz Mui. “Os resultados da Pesquisa de Comportamento de Risco Juvenil do CDC de 2019 mostram que, em comparação com seus pares heterossexuais, os estudantes lésbicas, gays e bissexuais eram significativamente mais propensos a relatar ter tido relações sexuais, ter feito um plano de suicídio e ter vivenciado violência sexual no namoro. ◆ set 2020 ABACAXI | 79
SALADA DE FRUTAS
Nascida com dois sexos: intersexualidade A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 1,7% da população mundial seja intersexual POR Angie Chatman ILUSTRAÇÃO Sari Cohen
Entre 65 e 110 milhões de indivíduos têm características biológicas de ambos os sexos. É o caso da promotora de eventos Luiza Freitas, 41, que nasceu com pênis, testículos, vagina, útero e ovários, foi criada como menino pelos pais durante a infância, fez a transição hormonal para o corpo feminino na adolescência, mas só conseguiu ser reconhecida oficialmente como mulher aos 33 anos, quando engravidou. As dificuldades enfrentadas por Luiza estão relacionadas ao preconceito sofrido pelas pessoas que nascem com os dois sexos biológicos, que no passado eram chamadas de hermafroditas. Atualmente, a condição é classificada como Diferenças do Desenvolvimento Sexual (DDE), mas até pouco tempo atrás, o primeiro “d” dessa sigla significava “distúrbio”. Segundo a sexóloga Ana Canosa, apresentadora do podcast Sexoterapia, o termo foi substituído para diminuir o estigma, que está ligado ao desconhecimento das pessoas em relação à diversidade sexual. O que, na prática, não diminuiu as dificuldades enfrentadas por Luiza, que demorou dois meses para poder registrar sua filha como mãe por ter um nome masculino em sua carteira de identidade, por exemplo. Desde 2013, quando fez uma cirurgia para retirar o órgão masculino, Luiza é considerada mulher biologicamente. Por esse motivo, ela explica que se identifica como uma mulher trans intersexual. “Ser trans é transicionar a sua imagem. Eu era um menino, a minha aparência era toda masculina. Eu precisei fazer essa transição, hormonal e cirúrgica, para me tornar uma mulher”, afirma. Mas nem todas as pessoas DDS fazem essa transição, até porque há muitas manifestações da intersexualidade. Segundo Ana Canosa, o sexo biológico está dividido em algumas categorias: o sexo gonádico, referente às gônadas sexuais (testículos e ovários). O sexo genital, que se refere à vagina, à vulva e ao pênis. O sexo cromossômico, referente aos genes (XY, XX, XXY), e o sexo do fenótipo, que são as características sexuais desenvolvida
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Aos 13 anos, Sean Saifa Wall foi internado no hospital com dores na virilha. Ele diz que recebeu muito pouca informação sobre o que pode estar causando isso, e os médicos não discutiram diferentes opções de tratamento com ele. Ele foi informado de que seus testículos deveriam ser removidos imediatamente. “Lembro antes da cirurgia ... perguntei à enfermeira o que estava acontecendo, e [ela] estava falando que eu tenho essas gônadas que precisam ser retiradas. Tenho 13 anos - não sei o que são gônadas. ” A enfermeira disse a Saifa que era porque “eles não são bons”. Para Saifa, parecia lógico: “Se não é bom e está no meu corpo, provavelmente deveria ser retirado.” Mas hoje ele ainda não sabe o que era perigoso em manter seus testículos ou o que estava causando a dor. Pouco depois da cirurgia, ele se lembra de uma conversa em particular: “O cirurgião estava falando sobre como ele queria criar uma vagina. A maneira como ele descreveu ... parecia bárbaro. “ Saifa diz, lembrando que ele estava sentado na sala do cirurgião horrorizado. “Minha mãe estava à minha direita ... e eu provavelmente estava ficando
verde, e [ela] olhou para mim e disse:‘ Você quer continuar com isso? ’” Saifa imediatamente disse não. “Lembro que o cirurgião estava dizendo:‘ Vamos raspar o clitóris ’. E eu pensei, tudo isso parece doloroso e horrível. Acho que, naquele segundo, naquele momento, foi isso que me poupou da cirurgia genital.” Como uma criança crescendo entre Nova York e Carolina do Norte no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, Saifa estava à beira de uma mudança de pensamento sobre o tratamento médico das condições intersex nos EUA. Ele é um dos sete parentes vivos com a mesma condição intersexual. Três desses parentes se identificam como mulheres, tendo passado por cirurgias na infância para remover seus testículos. “Esse era o protocolo da época”, diz Saifa. Como se tornou uma opção deixar os testículos no corpo, a mãe de Saifa decidiu que ele não deveria removê-los antes da puberdade. “Acho que às vezes, quanto mais informações as pessoas têm, elas tendem a tomar decisões diferentes”, diz Saifa. Ele tem a síndrome de insensibilidade aos andrógenos (SIA), que afeta de uma a cinco em cada 100.000 pessoas. Ele tem cromossomos XY (tipicamente masculinos), mas os receptores em seu corpo que respondem aos hormônios sexuais masculinos não funcionam totalmente. O corpo de Saifa se desenvolveu com algumas características masculinas, como testículos em seu abdômen. Ele também desenvolveu algumas características ◆ set 2020 ABACAXI | 81
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Como uma criança crescendo entre Nova York e Carolina do Norte no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, Saifa estava à beira de uma mudança de pensamento sobre o tratamento médico das condições intersex nos EUA. Ele é um dos sete parentes vivos com a mesma condição intersexual. Três desses parentes se identificam como mulheres, tendo passado por cirurgias na infância para remover seus testículos. “Esse era o protocolo da época”, diz Saifa. Como se tornou uma opção deixar os testículos no corpo, a mãe de Saifa decidiu que ele não deveria removê-los antes da puberdade. “Acho que às vezes, quanto mais informações as pessoas têm, elas tendem a tomar decisões diferentes”, diz Saifa. Ele tem a síndrome de insensibilidade aos andrógenos (SIA), que afeta de uma a cinco em cada 100.000 pessoas. Ele tem cromossomos XY (tipicamente masculinos), mas os receptores em seu corpo que respondem aos hormônios sexuais masculinos não funcionam totalmente. O corpo de Saifa se desenvolveu com algumas características masculinas, como testículos em seu abdômen. Ele também desenvolveu algumas características femininas, incluindo seios, quando tinha oito anos. “Acho que o lado médico das coisas é fenomenal, mas o lado emocional e psicológico das coisas é uma porcaria”, diz Natalie *, mãe de uma criança com DDS na Inglaterra. Mesmo no hospital maior e especializado que Natalie frequentou, ela sentiu que não recebeu nem um pouco do nível de apoio necessário quando ela e seu marido tiveram um bebê com DDS. “Para começar, foi uma gravidez normal”, explica Natalie. Sete meses após a terceira gravidez, ela e o marido decidiram descobrir o sexo do bebê. “Fomos para o exame, muito animados, e pude ver - tendo feito muitos exames anteriores - que o ultrassonografista podia ver a área genital do bebê. O que eu não consegui descobrir era o que ela estava olhando.“ Após várias consultas, um geneticista explicou a Natalie todos os motivos que conheciam
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para a ambigüidade que o ultrassonografista havia encontrado e algumas das possíveis condições que o bebê poderia ter. “Ficamos um pouco perplexos com isso porque obviamente eram todas as coisas que poderiam acontecer com nosso bebê, não o que realmente aconteceria com nosso bebê.” A capacidade dos médicos de diagnosticar DSDs e realizar testes genéticos está avançando rapidamente, mas o gerenciamento emocional das condições não recebeu o mesmo foco ou investimento. Natalie enfrentou problemas evitáveis. Apesar de todas as informações sobre a condição de seu filho em suas anotações médicas, que ela lembrou vários profissionais de saúde de ler, eles lutaram para encontrar maneiras de falar sobre seu bebê. Mesmo o banco de dados de nascimento do hospital não aceitaria uma entrada, a menos que a criança fosse designada do sexo feminino ou masculino - o que ainda não havia sido feito para o bebê de Natalie. Com uma sobrecarga de informações científicas, mas com falta de apoio psicológico útil, a principal preocupação de Natalie era se ela se relacionaria com seu bebê. “Sexo e gênero não são importantes até que não haja nenhum”, diz ela. Mas quando seu filho nasceu “azul e mole”, Natalie soube imediatamente que isso não importava nada. “Eu só queria que ele respirasse - e ele respirou, e estava bem.” O filho de Natalie nasceu com cromossomos XY, um útero subdesenvolvido, um ovário “estriado”
semiformado (com uma trompa de Falópio) de um lado e um ovotestis (composto de tecido ovariano e testicular) do outro. Ele também tinha hipospádia, onde a abertura que geralmente fica na ponta do pênis se encontra na parte inferior. É um DDS comum que afeta entre 1 em 200 e 1 em 300 meninos. Aos oito dias de idade, Oscar * foi designado homem. Natalie foi informada de que seus tecidos reprodutivos nunca seriam capazes de produzir um óvulo ou carregar um feto, e aos nove meses eles foram removidos, pois representavam um alto risco de causar câncer. É muito difícil ter alguém dizendo repetidamente que há algo errado com seu filho Oscar, agora com dois anos, está no meio de um longo caminho de cirurgias. As operações que ele fez até agora não foram todas simples. Ele sofreu sépsis depois de um e também tem problemas de bexiga não relacionados ao seu DSD, o que significará novas cirurgias no futuro. Mas as operações que Oscar fez, e fará em um futuro próximo, são todas clinicamente necessárias, diz Natalie. Ela não está interessada em procedimentos cosméticos para fazê-lo parecer mais tipicamente masculino. ◆ set 2020 ABACAXI | 83
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OBA OBA
Entenda o fetiche por tecidos Látex, cetim, couro: por que o fetiche por certos materiais é o mais comum? POR
Heloisa Noronha
Sabe aquela sensação gostosa que você experimenta ao cheirar um casaco novo de couro ou ao passar os dedos em um lençol de seda ou cetim? Muitas pessoas dão uma conotação sexual a essa percepção. O nome correto do desejo, excitação, preferência ou prazer relativos a tecidos variados é hifefilia, mas é comumente adotado no meio clínico e acadêmico. Em termos gerais, é a palavra fetichismo a mais adotada. O significado erótico de tecidos como cetim, látex e até lã, entre outros, vem das vivências táteis, olfativas ou visuais percebidas como excitantes para os adeptos do fetiche – homens, em sua grande maioria. Isso ocorre, conforme o psicólogo Marcos Santos, especialista em sexualidade da plataforma Sexo Sem Dúvida, porque as teorias mais conhecidas sobre o tema vêm dos estudos do psicanalista austríaco Sigmund Freud (1856–1939), focada nos homens. “Mas isso não quer dizer que mulheres não os possuam. Elas foram reprimidas ao longo da História pelos homens e, em consequência, não desenvolveram os mesmos fetiches em igual proporção”, fala o sexólogo. Já Carlos Eduardo Carrion, psiquiatra especializado em sexualidade, de Porto Alegre (RS), opina, embasado por sua experiência em consultório, que os homens costumam ter mais fetiches provavelmente pela insegurança de conseguir ou não uma boa ereção e/ ou ainda por conta do medo de não satisfazer a parceira. “Alguns atribuem o gosto por fetiches à maior carga de testosterona, que levaria a um aumento dos impulsos e, com esses, à uma maior necessidade de resultados imediatos”, diz. Ainda segundo Carrion, muitas escolhas de objeto ou de situações que o envolvam podem ter ligação com vivências, lembranças ou até mesmo falsas memórias atribuídas a um prazer sexual mais intenso. “Para ser considerado fetiche, é preciso que o material seja usado repetidamente e com a finalidade de obter satisfação com a prática. Isso pode começar a partir da infância, sabia? Não de modo consciente, é claro. “Em alguns casos
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é provável que exista um contexto nos primeiros anos de vida da pessoa em que um tecido especial se associe ao comportamento da mãe e que seja compreendido e memorizado como prazeroso ou associado a sentimentos sexuais. Muitas vezes o couro é associado a vivências infantis junto a circunstâncias, aparentemente não sexuais, como andar a cavalo”, conta o terapeuta sexual Oswaldo Martins Rodrigues Jr., diretor do Instituto Paulista de Sexualidade (Inpasex) e autor do livro “Parafilias -Das Perversões às Variações Sexuais” (Zagodoni Editora). De acordo com Marcos, que lembra as pesquisas de Freud novamente, alguns fetiches envolvem partes do corpo ou vestuário da mãe e se relacionam com a desconexão-superação do vínculo infantil mãe-filho, além de proibições e regras transmitidas em cada fase. Exemplos: fim da etapa do colo, amamentação, mimos, repressão da nudez, experiência com o primeiro cobertor, etc. “O importante é reconhecermos que o ser humano tem a capacidade de fantasiar situações eróticas sem nenhum tipo de restrição em pensamento em qualquer fase da vida, o que facilita algumas associações com objetos ao longo da vida sexual”, afirma o psicólogo. De uniforme de guerra a Madonna O couro e o látex são alguns dos materiais associados às práticas do universo BDSM e essa ligação, segundo Oswaldo, vem das épocas de guerra (Primeira e Segunda, entre 1914–1918 e 1939–1945, respectivamente). Uma
das razões é o uso desses materiais para fabricar botas ou equipamentos de proteção. “Ao mesmo tempo, os locais de diversão nas guerras eram as boates e os bordéis, nos quais as roupas relacionadas ao erotismo levavam cetim, o substituto mais barato da seda. Em situações de maior medo e necessidades de comportamentos de fuga, novos e inusitados materiais ganharam a conexão com o sexo, uma vez que este traz relaxamento e calma, contrastando com as emoções exigidas no enfrentamento de situações difíceis”, observa. Nos países em que não ocorreram conflitos as práticas se disseminaram por transmissão cultural, pelas históricas contadas e por imagens (filmes ou vídeos) ensinando o que deve ser utilizado para a erotização. “É por isso que nem todos os estudiosos concordam com o surgimento de um fetiche na infância. O apelo sexual e a sensualização de certos tecidos e roupas foi trabalhada e divulgada culturalmente como eróticos. Um bom exemplo é o da Mulher Gato, cuja imagem vestida de couro ou de látex se fixou no imaginário popular como uma mulher dominadora e sexy”, fala Arlete Girello Gavranic, terapeuta ▶ set 2020 ABACAXI | 87
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Um bom exemplo é o da Mulher Gato, cuja imagem vestida de couro ou de látex se fixou no imaginário popular como uma mulher dominadora e sexy
sexual e coordenadora do curso de pós-graduação em Terapia Sexual da Unisal (Centro Universitário Salesiano de São Paulo). Assim, as sensações podem ser associadas ao histórico de aprendizados (simbolismos culturais) como também fruto de uma descoberta tardia de gosto/desejo pessoal estimulado por filmes, novelas, revistas. A moda, por sua vez, numa atitude que mescla apropriação e encorajamento, também teve um papel fundamental na disseminação do fetiche por certos tecidos, principalmente através de criações de estilistas como Thierry Mugler, Gianni Versace (1946–1997) e Jean-Paul Gaultier entre os anos 1970 e 1990. A popstar Madonna, ao lançar seu célebre livro “Sex” (1992) com fotos de Steven Meisel, aguçou ainda mais a curiosidade das massas sobre os fetiches envolvendo couro, renda, seda, látex e afins.
E no sexo, como é?
A excitação por tocar tecidos ou peças de roupa feitas de determinados materiais é da ordem subjetiva de cada fetichista, independentemente de ser desejo consciente o não. No geral, há uma preferência por algo particular e exclusivo, seja relacionado a sensações sutis (lã, seda), seja relacionado a sensações intensas de contato (látex, vinil, couro). Geralmente, as pessoas adeptas da hifefilia gostam de usar ou querem que o(a) parceiro(a) use roupas feitas do material para que o sexo aconteça e satisfaça por completo. “Para alguns praticantes, o ideal são aquelas roupas que cobrem o corpo todo, apenas com aberturas nos genitais. É comum encontrarmos esse fetiche relacionado com outros e também com algumas práticas. A hifefilia faz parte, por exemplo, do universo BDSM, principalmente no que diz respeito à parte de bondage, em que um dos dois do casal pode ser amarrado com lã ou enquanto usa trajes feitos do material de sua preferência. Essa pode ser outra forma de iniciar o sexo tendo atendidas suas necessidades de sentir o tipo de material que mais gera estimulação”, pontua Marcos, da plataforma Sexo sem Dúvida. São diferentes formas então de se excitar e de alcançar satisfação sexual. A ideia de que o fetiche possa gerar algum problema na vida da pessoa normalmente se associa às limitações ou dificuldades. ◆ 88 | ABACAXI
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Vibrador prejudica minha vida sexual? Com a notícia de que em breve um supermercado estará estocando brinquedos sexuais, os gadgets para quartos se tornaram completamente populares. Estamos fisgados? POR Alexandra Jones COLAGENS Eve Lloyd Knight
Liane tinha 21 anos quando comprou seu primeiro vibrador. Ele é lustroso e feito de silicone, macio ao toque. “É cor de pedra, com um botão rosa e dourado”, ela explica. “Não parece um pênis, é muito elegante.” Ela cresceu no interior da Inglaterra e estava solteira havia dois anos quando pegou um trem para a cidade de Birmingham, em uma tarde de sábado, para comprar o aparelho.“Eu me lembro de me sentir bem pouco emotiva sobre ele, como se eu fosse levar meu carro para uma revisão”, diz ela, rindo. Aos 21, ela nunca havia tido um orgasmo.“Mas aquele era ‘o’ dia. Eu estava determinada. Ia comprar o vibrador dos meus sonhos e resolver a questão”, diz ela, que tinha perdido a virgindade aos 17 e feito sexo com meia dúzia de homens desde então.
Desapontada
Liane curtia o sexo, mas era “um tipo diferente de aproveitamento”, ela explica. “Eu gostava de conhecer pessoas, seduzir e ser seduzida. Isso me excitava, mas eu nunca de fato havia chegado ao orgasmo.”Conforme os anos passavam, ela começou a se preocupar. “Eu ficava desapontada comigo mesma toda vez que fazia sexo. Sentia vergonha de não ‘chegar lá’. Não queria contar para ninguém porque todas as minhas amigas falavam como se chegassem ao clímax todas as vezes.” Depois de alguns anos, ela finalmente se abriu com sua melhor amiga. “A questão é que, na época, eu não me masturbava. Minha amiga falou: ‘é claro que você nunca teve um orgasmo, se nunca se masturbou. Você tem que ensinar a si mesma a encontrar prazer. É uma questão de reconhecê-lo, senti-lo e se apegar a ele. Se você não sabe como é, então terá dificuldade’.” Naquele sábado, ela tirou o novo vibrador da caixa. “Demorou uma hora até eu sentir aquela coisa avassaladora. De alguma forma, meu corpo entendeu como chegar lá, sem eu estar necessariamente pensando nisso ou controlando.”
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Contrações orgásmicas foram seguidas por uma onda de prazer, e depois um sentimento de calma profunda. “Eu fiquei: ‘nossa, então é isso! Tive um orgasmo!’. Foi uma ótima experiência.” “Eu mantive o meu (vibrador) ao lado da cama e usava algumas vezes por semana”, explica Liane. “Me pareceu um passo positivo na minha sexualidade.”
de brinquedos sexuais Lelo. Segundo ele, os modelos antigos faziam com que muita gente tivesse resistência a comprar um brinquedo do tipo. Com seu estimulador clitoriano em formato de bichinho, no entanto, o Rabbit parecia mais amigável do que os brinquedos antigos. Em 1998, a série de TV Sex and the City chegou a dedicar um episódio ao aparelho, sinalizando uma mudança do vibrador de brinquedo sexual a ícone cultural. Com aparelhos se tornando A origem mais comuns, as coisas começaram a mudar. Vibradores foram criados na Era Vitoriana na “Designers começaram a criar modelos mais luxosos, mais Inglaterra, inventados por médicos como uma cura focados no desenho”, explica Stuart. “Queremos cada vez mais para a “histeria” feminina. Na época, a comunidade produtos que casam funcionalidade com beleza. Isso vale para médica (essencialmente masculina) acreditava que todos os nossos aparelhos eletrônicos, incluindo os que levaas mulheres poderiam ser acometidas de uma do- mos para a cama”. A busca por novos designs resultou em um ença nervosa chamada “histeria”, que teria origem grande escopo de estilos e preços. Um modelo clássico tem um no útero e poderia ser curada com orgasmos. A peso descentrado girando ao redor de um eixo, o que produz a medicina moderna desqualificou essa teoria, mas vibração, mas o mercado tem cada vez mais procurado novos os vibradores continuaram. modelos. Stuart explica que o Sona, um de seus produtos mais Foi o lançamento do pequeno Rabbit (coelho, em novos, “envia ondas sônicas inaudíveis em direção ao corpo”. inglês), no fim dos anos 1980, que fez com que os Isso é criado para parecer com um alto falante bem potente vibradores realmente se popularizassem. “Por um direcionado à vagina. A testadora profissional de brinquedos longo tempo, a maioria dos brinquedos sexuais eróticos Venus O’Hara (que tem cerca de 500 vibradores e brineram carnudos, com veias, rosas e obcenos”, ex- quedos) fala sobre um novo modelo chamado The Womanizer: plica Stuart Nugent, gerente global da marca sueca “Parece com um termômetro, mas você coloca sobre o clitóris. ▶ set 2020 ABACAXI | 91
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Exagero?
Sete anos depois de comprar seu vibrador, Liane ainda usa o mesmo modelo. Mas, apesar de ainda gostar de seu brinquedo, ela começou a questionar se o “relacionamento” com ele (nas suas próprias palavras) não começou a impactar sua habilidade de ter um orgasmo de outras maneiras. “Ao longo dos anos eu fui percebendo que não consigo ‘chegar lá’ a não ser que use exatamente o mesmo vibrador, exatamente na mesma posição da primeira vez”, conta ela. Hoje, aos 28, ela mora com um parceiro há cinco. Tirando o fato de que ela só consegue ter um orgasmo de uma maneira específica, os dois têm uma vida sexual prazerosa.“Ele lida bem com o fato de eu usar um vibrador, usamos juntos”, conta. Mas apesar de muita experimentação, todas as posições e novos brinquedos se mostraram um tanto frustrantes. “Eu sempre tenho que voltar para a mesma posição, com o mesmo vibrador, se quiser ter um orgasmo”, conta ela. “É quase como se eu tivesse atingido um objetivo, mas sido incapaz de seguir em frente, de experimentar. Fico preocupada de ter ficado viciada nesse vibrador específico.” De acordo com sexólogos, é fisicamente impossível ficar “viciada” em um vibrador, mas isso não quer dizer que o hábito não possa acabar se tornando um problema. “Se você só consegue ter um orgasmo em uma posição, com um brinquedo específico, ou com sua mão, e está feliz assim, então, não há nada com o que se preocupar”, diz Leila Frodsham, da Academia Real de Obstetras e Ginecologistas. “Mas eu vejo muito pacientes – tanto homens quanto mulheres – que me dizem que gostariam de experimentar orgasmos de maneiras diferentes, mas não conseguem.” “Eles sentem que sua vida sexual está girando em torno de uma fórmula única.” Mulheres podem atingir o clímax por vários métodos diferentes. Para muitas – cerca de 37%, de acordo com um estudo feito com o público americano – estimular o clitóris é necessário para o orgasmo. Para outras, a penetração sozinha é capaz de fazer com que elas cheguem ao orgasmo.“Vibradores funcionam com uma certa frequência e amplitude”, diz Frodsham. Eles estimulam a área do clitóris de maneira rápida e intensa, o que significa que a estimulação acontece muito mais rápido do que de outras maneiras. “Não há nenhuma
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Eu mantive o meu vibrador ao lado da cama e usava algumas vezes por semana
evidência clínica de que usar vibradores diminui a sensibilidade ou gera qualquer tipo de vício físico.” No entanto, aponta a médica, é normal que a pessoa se acostume a uma sensação específica. “Eu vejo com mais frequência homens que ficam viciados em pornografia”, diz ela. “Eles se masturbam com a mão, às vezes durante horas, todos os dias, o que faz com que achem difícil atingir o clímax quando estão com um parceiro porque a sensação é muito diferente do que eles estão acostumados.” “Para uma mulher que usa o mesmo vibrador todas as vezes, pode acontecer algo similar: seu corpo se acostuma com uma sensação, então, outras demoram mais para fazer efeito, ou não fazem efeito algum”, explica. Nesses casos, a médica recomenda passar várias semanas (mais de seis) deixando seu corpo se acostumar com sensações diferentes. “Diminua a velocidade do vibrador, ou mude para um modelo diferente, com tipos diferentes de estimulação”, diz ela. “Atingir o clímax por métodos diferentes significa que você vai começar a achar mais fácil atingir o clímax em geral.
ou sozinha.” Ela começou a pesquisar para saber se o uso do vibrador poderia diminuir sua sensibilidade. “Não havia muita informação confiável disponível, e frequentemente eram informações conflitantes. Eu acho que boa parte da literatura que é feita para ser positiva para a sexualidade feminina acaba ignorando preocupações reais que algumas mulheres têm sobre terem se tornado dependentes de seus vibradores.” No fim, ela decidiu “aposentar” o vibrador por um mês. “Foi difícil no começo; eu estava usando todos os dias para me ajudar a dormir – me fazia ficar realmente relaxada.” ◆
Dando um tempo
Para Sofia, de 27 anos, dar uma pausa no uso do vibrador foi a única solução depois que ela percebeu que não conseguia chegar ao clímax sem ele. “Eu tentava apenas com as mãos e não conseguia”, ela explica. “Eu não conseguia imaginar nada na minha mente que me deixasse excitada. Eventualmente, eu só ficava entediada. Eu estava solteira na época, mas essa experiência realmente me assustou.” “Comecei a ficar realmente com medo de que usar o vibrador todos os dias estivsse arruinando minha habilidade de ter orgasmos com meu parceiro
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VAMOS BRINCAR DE MÉDICO?
Óleo de coco e sexo? Por que os ginecologistas estão indicando óleo de coco para ser utilizado durante o sexo? POR Heloisa Noronha ILUSTRAÇÃO Korui
Bastante adotado na culinária, em saladas e em sucos, e nos cuidados com a pele e com o corpo, o óleo vegetal de coco também vem sendo recomendado, quem diria, por médicos. Segundo vários ginecologistas, o produto é ótimo, principalmente, para as mulheres e pode ajudar bastante na vida sexual. Mas atenção: os médicos aconselham a comprar o óleo de coco 100% natural extravirgem, que é fresco e puro, e mantê-lo numa temperatura ambiente (por volta de 25º). Uma dica primordial: sempre ler o rótulo e observar se o óleo de coco é mesmo o único ingrediente do produto. E pessoas alérgicas a coco não devem adotar o óleo no sexo. O contato com mucosas como lábios e genitais também pode causar reação. Estudos apontam que o óleo de coco pode trazer muitos benefícios. Além de ser uma tendência mundial em áreas como nutrição e beleza, ele vem ganhando espaço entre profissionais de saúde incluindo ginecologistas e no meio científico dados os seus muitos benefícios, que vão muito além do embelezamento.
Veja os benefícios do óleo de coco para o sexo
Uso como lubrificante. Ao contrário das versões industrializadas à base de água, o óleo de coco funciona como um lubrificante natural livre, por exemplo, de ativos como o poliglicol. Os industriais têm uma durabilidade média e geralmente exigem uma reaplicação durante durante uma relação sexual mais prolongada. Já o óleo de coco mantém, literalmente, a oleosidade por mais tempo, minimizando o atrito do pênis sem prejudicar as sensações de prazer. Ah, a ação vale tanto para penetração vaginal quando anal. É ótimo para as preliminares. Por deslizar com suavidade, o óleo de coco é um aliado e tanto para um massagear ou masturbar o outro. Inclusive, facilita os movimentos e toques em regiões sensíveis, como o clitóris, os mamilos e a glande. Ainda deixa a pele macia, por conter umectantes e potentes antioxidantes, como os triglicérides de cadeia média,
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e tem um sabor suave para a prática do sexo oral Por ser natural, não contém substâncias químicas ou sintéticas que possam afetar o pH da vagina. Além disso, o óleo de coco tem ação bactericida e e antifúgica. Por isso, diminui o risco de infecções vaginais como a candidíase. Em casos menos complicados, pode aliviar fissuras e controlar de infecções fúngicas. Isso se deve aos ácidos lauríco e caprílico presentes no coco. Melhora a sensibilidade. Além dos benefícios para a saúde da região genital, a Jackeline Alecrim também revela que o produto também pode ser usado como lubrificante íntimo, oferecendo benefícios acima dos lubrificantes disponíveis no mercado: “o óleo de coco extravirgem puro, prensado a frio e 100% natural, apresenta alta qualidade lipídica e pode ser usado também como um lubrificante íntimo natural, que melhora a sensibilidade local favorecendo orgasmos mais intensos, já que otimiza o deslizamento e a utilização melhora a vascularização local, sendo uma excelente opção já que não possui corantes e nem aditivos artificiais”. Quantidade indicada. Apesar de todos os benefícios, a especialista alerta que é preciso ter certos
cuidados para o uso: “o uso do óleo de coco não é recomendado junto com preservativos de látex, pois o óleo pode alterar a permeabilidade do mesmo. O ideal é optar por preservativos resistentes a ação de óleos vegetais. Mas mesmo optando pelo uso diário após o banho o óleo de coco pode favorecer a lubrificação íntima natural. Aplicar uma pequena quantidade de óleo de Coco Extravirgem sobre toda a região íntima após o banho ajuda a nutrir, proteger e melhorar a qualidade do tecido desta região”.
Recomendações importantes
Não deve ser usado com preservativos de látex. Alguns estudos ainda não conclusivos têm observado que o óleo de coco pode provocar microporosidades nas camisinhas produzidas com esse material, aumentando o risco de rompimento e de ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis). A alternativa segura é a de usar preservativos de poliuretano, normalmente vendidos como preservativos antialérgicos sem látex. Não é compatível com determinados sex toys. Importante ler com as orientações do brinquedo erótico aqueles fabricados com látex podem estragar. O mesmo vale para vibradores e bullets feitos de silicone. Também não é indicado misturá-lo a cosméticos sensuais, sob o risco de perder o efeito hidratante. ◆ set 2020 ABACAXI | 95
VAMOS BRINCAR DE MÉDICO?
O que prejudica na eficácia do anticoncepcional A pílula anticoncepcional é um dos métodos aliados das mulheres com vida sexual ativa que desejam evitar a gravidez POR Paranashop ILUSTRAÇÃO Olivia
Petter
A pílula anticoncepcional é um dos métodos aliados das mulheres com vida sexual ativa que desejam evitar a gravidez. O que nem todas sabem é que alguns hábitos, relativos a horários e à ingestão inadequada, interferem na eficácia do medicamento. A ginecologista do Hospital Edmundo Vasconcelos, Maria Luisa Mendes Nazar, solucionou algumas das principais dúvidas sobre o tema:
Não tomar a pílula no mesmo horário diminui a eficiência do remédio?
A resposta é sim. Segundo a ginecologista, ingerir o medicamento no mesmo período é o ideal e garante maior eficiência, seja ele via oral ou injetável. No caso da pílula, que é diária, recomenda-se escolher um horário com menor possibilidade de esquecimento. A médica, no entanto, tranquiliza. “Quando alertamos sobre atrasos, não nos referimos a minutos, mas sim a um período inteiro, após 3h do horário”, explica. Nesses casos, o ideal é fazer uso de outros métodos contraceptivos, como a camisinha para evitar qualquer risco de engravidar.
É preciso ingerir o comprimido com água ou outro líquido?
A recomendação é tomar o remédio sempre com auxílio de água ou qualquer outro líquido que não seja alcoólico. A dica, como explica a Maria Luisa, é importante por ajudar na condução do comprimido até o estômago, evitando qualquer parada inesperada no esôfago, por exemplo. “Caso a paciente tenha uma boa salivação e consiga deglutir sem nenhum problema, não há contraindicação. Mas aconselhamos a assistência da água para que a pílula chegue tranquilamente ao estômago”, explica a ginecologista. A dica, como explica a Maria Luisa, é importante por ajudar na condução do comprimido até o estômago, evitando qualquer parada inesperada no esôfago, por exemplo.
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Vômitos atrapalham a absorção do anticoncepcional?
Nestes casos, segundo a médica, é preciso cautela. Os vômitos são preocupantes em alguns cenários, principalmente quando ocorrem em até quatro horas da ingestão do comprimido. Isso porque é este o tempo médio que a pílula demora a chegar ao estômago, portanto, aumenta as chances de não absorção correta. A segunda situação que merece atenção é a de pacientes com bulimia, gastrite, intolerância no tubo digestivo e mulheres que fizeram cirurgia bariátrica. Para estas pessoas, por conta do histórico clínico, é preciso uma análise do caso para a escolha do método mais adequado e eficaz. Já no caso de diarreia, a ginecologista não vê perigo. “O comprimido primeiro chega ao estômago, cai na corrente sanguínea e vai até o fígado para ser metabolizado. Por isso, a diarreia não é uma ameaça ao efeito da pílula”, lembra. Para estas pessoas, por conta do histórico clínico, é preciso uma análise do caso para a escolha do método mais adequado e eficaz.
É preciso ingerir o comprimido com água ou outro líquido?
A recomendação é tomar o remédio sempre com auxílio de água ou qualquer outro líquido que não seja alcoólico. A dica, como explica a Maria Luisa, é importante por ajudar na condução do comprimido até o estômago, evitando qualquer parada inesperada no esôfago, por exemplo. “Caso a paciente tenha uma boa salivação e consiga deglutir sem nenhum problema, não há contraindicação. Mas aconselhamos a assistência da água para que a pílula chegue tranquilamente ao estômago”, explica a ginecologista. ◆
Qual o melhor método anticoncepcional?
Não é possível afirmar de forma geral qual é o melhor, destaca Maria Luisa. A orientação é sempre consultar-se com o especialista a fim de definir a opção mais vantajosa para a realidade de cada paciente. Não é possível afirmar de forma geral qual é o melhor, destaca Maria Luisa.
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PITSTOP
Descobrindo a sexualidade
Amizade Dolorida
Moonlight: Sob a Luz do Luar
Direção: Rightor Doyle Lançamento: Desde 2019 Duração: 16min Gênero: Comédia Nacionalidade: Estados Unidos
Direção: Barry Jenkins Lançamento: 23 de fevereiro de 2017 Duração: 1h 51min Gênero: Drama Nacionalidade: Estados Unidos
Pete, um jovem homossexual, e Tiff, uma dominatrix, eram melhores amigos nos tempos de colégio, mas os dois foram perdendo o contato com o passar do tempo. Anos depois, eles se reencontram inesperadamente na agitada Nova York. Agora, uma amizade de longa data está prestes a se fortalecer.
Três momentos da vida de Chiron, um jovem negro morador de uma comunidade pobre de Miami. Do bullying na infância, passando pela crise de identidade da adolescência e a tentação do universo do crime e das drogas, este é um poético estudo de personagem.
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Carol
Spa Night
A jovem Therese Belivet tem um emprego entediante na seção de brinquedos de uma loja de departamentos. Um dia, ela conhece a elegante Carol Aird, uma cliente que busca um presente de Natal para a sua filha. Carol, que está se divorciando de Harge, também não está contente com a sua vida. As duas se aproximam cada vez mais e, quando Harge a impede de passar o Natal com a filha, Carol convida Therese a fazer uma viagem pelos Estados Unidos.
David Cho é um jovem coreano-americano que está em fase de transição. Ele concilia as obrigações da vida adulta com o prazer do descobrimento da juventude. No entanto, quando ele é obrigado a arrumar um emprego, o precioso equilíbrio que havia construído para sua vida cai por terra e David se vê, novamente, em busca de um rumo no mundo subterrâneo de conexões gays em spas coreanos de Los Angeles.
Direção: Todd Haynes Lançamento: 20 de novembro de 2015 Duração: 1h 58min Gênero: Romance, Drama Nacionalidade: Estados Unidos
Direção: Andrew Ahn Lançamento: 24 de janeiro de 2017 Duração: 1h 36min Gênero: Drama Nacionalidade: Estados Unidos
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MIMOS
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Coletor menstrual
Marca: Korui Preço: R$ 86,00 O coletor menstrual Korui é um copinho de puro silicone medicinal que é dobrado e inserido no canal vaginal para coletar o sangue menstrual. Ele forma um vácuo que impede vazamentos e te deixa completamente livre durante até 12 horas para fazer o que quiser!
02
Masturbador masculino Marca: Tenga Preço: R$ 54,00 A Tenga produziu uma linha de masturbadores masculinos chamada EGG, este se deu a seu formato de um ovo. Ele é feito totalmente de silicone e seu interior tem texturas que mudam de acordo com o produto escolhido.
03
Bolinhas de pompoar Marca: Galaxy Preço: R$ 20,00 Essas bolinhas possuem no seu interior outros metais que, quando se movem dentro do canal vaginal, causam vibração. Elas são ligadas por um cordão e possuem um outro pedaço de cordão que fica do lado de fora da vagina, servindo como um puxador para ajudar a tirar a bolinha de dentro.
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04
Calcinha absorvente Marca: Pantys Preço: R$ 89,00 Qualquer calcinha da pantys possuem tecidos de secagem rápida, impermeáveis, respiráveis e anti-bactérias, que absorvem todo tipo de líquido. Você pode substituir totalmente os absorventes descartáveis pelas pantys, calcinhas absorventes reutilizáveis e lindas.
05
Sugador clitoriano Marca: Panty Nova Preço: R$ 299,80 Octopi é o nome do seu novo bff. Este estimulador clitoriano, funciona por sucção, fornecendo orgasmos intensos e duradouros. Super discreto, ele parece um toy art, feito no mais puro silicone médico de textura aveludada. Com nove modos de sucção é impossível não ter um orgasmo com ele!
06
Lubrificante artesanal Marca: Xapa Xana Preço: R$ 70,00 Lubrificante feito à base de óleo de coco e flor de cannabis, que é aplicado na mucosa vaginal, se torna um estimulante sexual, aumentando a libido e proporcionando experiências orgásticas intensas e múltiplas durante o sexo ou masturbação. Além disso, tem ação antifúngica, antiinflamatória e antibacteriana.
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RAPIDINHA
A nudez da alma Lembro que quando pequena, eu amava andar pelada pela casa, era a forma mais confortável possível de estar, e lembro que não tinha vergonha nenhuma. Morava com minha mãe e meus avós em uma casa que até hoje me dói ter saido. Eu não entendi muito bem quando a nudez passou a ser algo não aceitável, pois lembro de até uma certa idade poder sair andando pelada pela casa e de repente lembro de ser podada aos poucos, ou de pelo menos ficar com a toalha. Com meu pai não foi diferente, eu não tinha vergonha de me trocar na frente dele ou da minha mãe, pois não via nada de mal nisso. Mas com o passar do tempo, tive que aprender a fechar a porta, a nenhuma hipótese ele me ver pelada pois eu já era “mocinha”, porém eu lembro de não entender nada pois em minha cabeça eu tenho alma de criança até hoje (com outros olhos obviamente). Por volta dos meus 10/11 anos, meu corpo começou a se desenvolver um pouco apesar de ainda não ter menstruado, e lembro de muitas meninas da sala com seus primeiros sutiãs, e aquilo me causava espanto. Era como se a cada semana houvesse uma nova vítima, e era perceptível pois a marca do sutiã na blusa da escola não era algo que até então víamos. Comecei a ficar com raiva do sutiã, apesar de não ter um. Pensava que aquilo era um aprisionamento, uma tentativa falha e simbólica de crescimento, e era o que eu menos queria. Até que um dia, sem sutiã, fui visitar minha família por parte de pai, e para meu espanto, começaram a falar sobre meus seios e que eu deveria usar sutiãs pois já estava na hora. Fiquei com vontade de morrer de vergonha, e é ai que ela foi novamente inserida. Afinal, quem estava olhando para os meus peitos?! Eu era uma criança, na minha cabeça, acho que cada um se desenvolve no seu tempo,
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óbvio que não parando no tempo, mas dando tempo ao tempo. Como se não bastasse isso ganhei um sutiã de aniversário de uma prima, com tamanho PP infantil, e lembro de minha mãe ficar chateada pois ela queria me dar o primeiro sutiã. Enquanto isso eu só pensava no porque de usar algo tão desconfortável. Hoje já não consigo viver sem. Eu lembro de nem pensar em coisas como meu corpo sendo sexual, afinal eu era uma criança, e até hoje não entendo quando esse limite é estabelecido. Vemos crianças na praia pequeninas sem pudor nenhum se trocando em meio a uma multidão, e não vendo nenhuma maldade nisso. Me pergunto até onde vai essa linha tênue, quando somos coagidos a termos vergonha do nosso corpo, o corpo nu. O que quero dizer é que a nudez não deveria ser algo assim tão chocante, afinal, foi como viemos ao mundo. Nem estou tentando dizer para andarmos todos pelados, afinal vivemos em um mundo que é rodeado de perigos e pessoas com intenções ruins, mas porque tentamos tanto cobrir aquilo que nos sustenta? A questão é que penso que se tivessemos mais almas despidas do que cobertas, teríamos uma sociedade emocionalmente mais estável e menos crítica do corpo alheio.
Maria Eduarda Dias Atriz, artista, alma de criança, ama viajar, fanática por cinema e tudo que envolve arte
Fetiche amarelo
Desde pequena eu me sentia diferente dos meus outros colegas de sala, mas em comparação com minhas amigas próximas, nós éramos iguais, tínhamos o mesmo cabelo liso, o mesmo formato de olho e também gostávamos das mesmas comidas que nossas mães e batchans faziam. Além disso, compartilhávamos mais uma coisa em comum: a mesma cor, o amarelo. Depois de alguns anos, percebi que me tratavam diferente por ser amarela, me diziam que o nosso grupinho era muito quietinho e “das inteligentes”, mesmo que eu não me reconhecesse desse jeito, comecei a agir como tal, sempre arrumada e comportada, não dizia como eu me sentia e o que me incomodava. Nos chamavam de o “grupinho das asiáticas”, foi aí que criei esse ódio por ser oriental. Mesmo não entendendo direito o que eu sentia, eu não queria ser classificada pela minha etnia, então comecei a andar mais rápido ou mais devagar que minhas amigas para que não fossemos vistas juntas. Eu me sentia feia, eu não era como as meninas brancas da TV, ou como as meninas bonitas da minha sala, eu era muito magra, muito sem graça, sem sal, mas boba eu achar isso, pois quando cresci e comecei a ir em festas, os meninos me pegavam pelo braço e me diziam no ouvido que sempre quiseram ficar com uma “japinha”, que era o sonho deles. Eu ficava muito confusa e brava, primeiro que eu odiava ser chamada de japinha, por mil razões, e segundo que eu não entendia esse desejo e por que seria diferente de ficar com qualquer outra garota. Mais adiante, eu descobri que existia esse fetiche por meninas asiáticas. Essa sexualização existe faz muito tempo e recentemente ela voltou com tudo, em 2019 a palavra “japonesa” foi a mais procurada no famoso site pornográfico, PornHub, e por incrível que pareça isto
não é um motivo de orgulho. Estes falsos elogios, como beleza exótica, apenas confirmam que a fetichização e os estereótipos estão presentes. Mas por que dessa fixação? A forma como a mulher asiática é representada na indústria de entretenimento, incluindo na pornografia, tida como exótica, submissa e infantilizada, influencia muito em como a sociedade nos vê. Criando uma expectativa e idealização dessa mulher que não somos.
Beatriz Emiry Toma Amarela, artista, amante dos animais, mãe de algumas plantinhas, vegetariana e maratonista da saga do Shrek
set 2020 ABACAXI | 103
RAPIDINHA
Antes de tudo, minha Desde muito pequena me recordo de batalhar com a ansiedade, especialmente por ter sido uma criança que passava a maioria de seu tempo em casa ou no hospital. A ansiedade fazia parte de mim, da minha rotina - e com a sexualidade não era diferente. Lugares cheios, barulhos e exposição causavam pânico, mas nada disso me assustava mais do que a possibilidade de estar a dois. A pressão e o conflito interno em relação a tudo que envolve sexualidade e a tão falada virgindade é enorme, e como isso afeta a saúde mental das mulheres é incrívelmente perceptível. Será que meu corpo é bonito o suficiente? Será que ele me quer ou está apenas me usando? Será que eu gosto mesmo de homens ou apenas fui ensinada a gostar? Como uma mulher que lida com ansiedade, nunca senti ter controle do meu corpo. Na adolescência, as borboletas no estômago mais pareciam nós e os arrepios eram acompanhados de pânico. Se entregar nunca foi fácil e fingir perfeição era segunda natureza. Aprendi a controlar cada movimento do meu corpo e manipular cada pensamento, sempre em segredo. Demorou muito para aceitar que não sou o problema. Que minha ansiedade, medo, angústia e vergonha não são culpa minha. Fomos treinadas desde pequenas a nos proteger, porque precisamos. Tememos o pior porque é o que vemos e vigiamos cada passo nosso porque o resto do mundo também vigia. Como abaixar a guarda? Fui ensinada a vida inteira a aguentar, não reclamar e fingir normalidade - o importante é continuar sensual, porque quando se é mulher, não há espaço para erros. Mulher não tem pelo, mulher não anda de certos jeitos, mulher está sempre bonita, maquiada e mantém postura sempre.
104 | ABACAXI
Mulher, além de tudo, deve só fazer boas escolhas. Nunca acreditei na pressão das “primeiras vezes”, até perceber que é uma decisão que nos assombra para sempre. Cada mão que toca nosso corpo parece impressa na nossa pele como tatuagem e cada toque fica impregnado em nos nossos pensamentos mais íntimos, que um dia eram destinados apenas ao prazer. Não há nada mais precioso que nossa intimidade, portanto aprendemos a guarda-la do mundo - mesmo que ela seja tudo que enxergam em nós quando nos olham. O caminho para tomar conta do nosso próprio corpo não é fácil e muito menos rápido. Aprender a dizer não, a parar de fingir a perfeição e aceitar que não somos obrigadas a querer alguém é doído e a ansiedade e o medo do toque não desaparecem do dia para a noite, mas ser nossa e somente nossa, contra todas as chances, é um dos maiores prazeres que uma mulher pode sentir. Aqui, só entra quem for convidado.
Fernanda Reis Curitibana, apaixonada por comunicação, moda e bons drinks, escritora de reviews no Letterboxd e fotógrafa de móveis por aí.
17 de maio de 1990 Quando crianças ligamos a TV, vemos um desenho, a princesa e o príncipe se casam, e vivem felizes para sempre. Esse processo se repete em inúmeros desenhos e filmes, mas com narrativas e contextos diferentes, temos apenas uma visão do que se pode ser um casal e do que se é considerado um homem e uma mulher. Nada além desse universo heteronomativo é apresentado para uma pessoa em formação e cheia de dúvidas. A monstruosa dúvida da criança LGBT+ em seu crescimento é pensar que está só, que é uma peça defeituosa e única em uma engrenagem em ótimo estado, a sociedade. Por que ela pensa diferente da maioria? Por que ela deveria pensar igual? Por que todos fazem bullying com ela antes mesmo da própria criança perceber sua suposta diferença? As historinhas focadas em personagens cisgênero que sempre acabam juntos com personagens do sexo oposto, é como se todo um grupo de pessoas fosse excluído de forma proposital, e sem a informação necessária para saber o que está acontecendo a criança acaba não denunciando os abusos verbais recebidos e guardando toda agressão verbal e até mesmo física para ela mesma. Crescer sem um autoconhecimento do seu corpo, e ter que passar uma infância escutando xingamentos por ter um comportamento diferente do padrão para seu gênero de nascimento é um tanto quando incomodo, e isso só piora com a da adolescência, quando nada disso para, mas se intensifica. A educação sexual nas escolas já é escassa e o pouco que é oferecido se entrelaça em um universo de ensinar métodos contraceptivos para evitar uma gravidez indesejada e como meninos devem colocar uma camisinha, a heteronormatividade e a pobreza de informações nesse sistema tem um grande prejuízo
indireto e direto para o público LGBT+. A história LGBT+ também é ocultada nos currículos de aprendizagem escolar, simplesmente apagada dos fatos históricos como se nada tivesse acontecido. Estudos mostram que jovens e adultos LGBTs+ têm uma das maiores taxas de tentativas de suicídio. Cerca de 60% afirmaram que o suicídio já foi uma escolha. E isso tudo é uma grande avalanche formada desde a infância, isso deve ser levado em consideração para que crianças e adolescentes não sofram por culpa de um sistema que as exclui do processo de aprendizagem sobre si mesmas e as coloca como caricaturas em filmes e seriados. A história LGBT+ deveria ser incrementada no currículo escolar, junto com uma educação sexual abrangente, em que inclua processos de bloqueio de puberdade e transição para o público transgênero, sendo essa parcela a mais afetada por todo esse sistema, havendo até desistência da escolaridade por grandes abusos e violências sofridas dentro do processo escolar. A amplificação dos métodos preventivos, que são totalmente voltados para a cultura hétero da gravidez, deveria ser mais abrangente e também incluir a prevenção para casais homoafetivos, como também a explicação da importância da camisinha feminina, em um universo voltado ao falo, fazendo com que só a prevenção masculina seja posta em conta. A escola não quer proteger e ensinar LGBTs+ sobre seus corpos e sobre sua história como comunidade, vivemos em um sistema que não se importa e exclui as minorias porque ele não foi criado por e para as minorias. Luigi Romania Ítalo-brasileiro, minimalista, artista, apaixonado por cores e música, aspirante a designer.
set 2020 ABACAXI | 105
VAMOS BRINCAR DE MÉDICO?
106 | ABACAXI
set 2020 ABACAXI | 107
VAMOS BRINCAR DE MÉDICO?
108 | ABACAXI
set 2020 ABACAXI | 109
110 | ABACAXI
set 2020 ABACAXI | 111
VAMOS BRINCAR DE MÉDICO?
112 | ABACAXI